DOIS FATOS, DUAS REALIDADES E UMA CONCLUSÃO

Fato nº 1. Local da ocorrência: Montreal, Canadá.

Neste ano, fiz uma viagem ao Canadá com um casal de amigos dos mais queridos. Passamos por várias cidades, e cada uma nos marcou em face de alguma peculiaridade ou de alguma particularidade, decorrentes de um fato marcante, quer pelo inusitado, quer pela lição assimilada.

Em Montreal, recebi a lição mais marcante da minha vida, quando, num certo dia, no período da tarde, com o sol ainda sobre a cidade, retornávamos ao hotel, depois de uma longa caminhada a pé, como gosto de fazer quando viajo.

Éramos quatro pessoas, como disse acima; dois casais, com efeito. Todos nós, apesar do cansaço, estávamos muito descontraídos, comentando o passeio realizado, sorrindo de alguns episódios hilários e programando o que fazer mais tarde.

Estávamos os quatro do outro lado da avenida, lado oposto ao hotel. Logo, para chegarmos até lá, tínhamos que atravessar a pista que, inclusive, estava parcialmente interditada. Imaginando que isso facilitaria a travessia, mesmo porque não parecia ser uma artéria de muito movimento, não hesitamos em atravessar a avenida, tão logo percebemos que não havia fluxo na parte não interditada, cuidando em fazê-lo como se estivéssemos aqui no Brasil, sem nos preocuparmos com o semáforo. Só depois, constatamos que ele estava vermelho para os pedestres, o que para nós era apenas um detalhe, já que, repito, não havia fluxo de carros a impedir a travessia com segurança.

Corremos os quatro, ávidos por chegar, tomar um banho e sair para jantar. Contudo, fomos surpreendidos, inobstante, com o inusitado: um policial de trânsito, falando em francês, nos abordou na porta do hotel e nos obrigou a retornar ao outro lado da pista, para, de lá, aguardar que o sinal luminoso verde se acendesse, para, só então, atravessarmos.

Pelo fato de eu não falar francês, fiquei sem entender nada, no primeiro instante. Ainda bem que a nossa acompanhante, que conhecia a língua, nos informou que fomos obrigados a retornar ao ponto inicial da travessia, para que aprendêssemos que não se atravessa rua sem que o sinal autorize a fazê-lo, ainda que não venha carro.

Foto 02. Local da ocorrência: Praia do Araçagi, São José de Ribamar, Maranhão

Saí de casa, 02/11, dia de finados, por volta das 10h da manhã, para, com minha família, jogar vôlei naquele local.

Como a maré estava cheia, e os poucos espaços que ainda restavam aos banhistas estavam tomados de barracas, escolhemos um pedaço de praia, entre duas delas, ambas incrustadas nas areias, para que a rede de vôlei fosse armada.

Mal começamos a levantar a rede, fomos surpreendidos com o dono de uma barraca – de uns sessenta e poucos anos, baixo, mal-humorado e grosseiro -, o qual, aos gritos, se aproximou e determinou que saíssemos de lá, porque ele – pasmem! – havia proibido jogo de bola naquela área.

Aproximei-me dele para apresentar a única defesa que me ocorreu na hora. Indaguei se ele tinha comprado aquele pedaço de praia. Ele me olhou e disse, espumando bela boca:

-Vou ali e volto já para te mostrar quem manda aqui.

Ficamos apavorados, mas insistimos em armar a rede, embora sem clima e com receio de que ele aparecesse a qualquer momento e nos fizesse algum mal.

Enquanto uns jogavam, os outros ficavam à espreita, observando, preocupados, as reações do “dono da praia”, que ficou distante, só observando, destilando veneno pela boca e fumaça pelo nariz.

Algum tempo depois, o inevitável aconteceu: a bola resvalou e foi na direção do bar da indômita fera. Ele ameaçou cortá-la e passou a nos ameaçar.

Senti-me impotente diante daquela situação. Decerto que não havia um carro de polícia ali, mas, ainda que tivesse, eu não chamaria. É que, se o barraqueiro (no sentido de aquele que levanta uma barraca) fosse preso, eu ainda poderia ser tachado de arrogante e acusado de “carteirada”, razão pela qual preferi não me expor.

Além do mais, a “carteirada” não me apraz. Uma prova disso é que, num outro final de semana, eu já havia sido destratado por outro barraqueiro, que determinou que eu tirasse meu carro de perto da barraca dele, pois estava atrapalhando as vendas, mas nem assim reagi; contudo, não tirei o carro do local onde estava estacionado.

Não adianta reagir, nem é prudente, nesses casos, chamar a polícia, pois sei que a imagem que se tem de autoridade em nossa terra é a pior possível. Logo, mesmo que eu estivesse certo, razão eu não teria aos olhos da opinião pública e seria acusado de ter humilhado um barraqueiro, de ter feito valer a minha condição de autoridade.

Sendo assim, decidimos – eu e meus parceiros de vôlei – que o melhor seria acabar com o jogo e voltar para casa. Afinal, admitamos ou não, ele e os demais congêneres são mesmo os donos da praia, conforme já tive oportunidade de veicular nas mídias sociais em outras oportunidades.

Mas se engana quem pensa que fiquei com raiva do “dono da praia”. Aliás, na minha página, no Facebook, a propósito do episódio, eu consignei, depois de narrar a ocorrência, num artigo que intitulei “A Raiva Certa”, invocando uma passagem de um romance de Philip Roth, que, curiosamente, não fiquei com raiva do barraqueiro. Fiquei com raiva mesmo foi de quem, tendo a obrigação de fazê-lo, não disciplina o uso do espaço urbano.

Em face desses dois episódios, vivenciados por mim em dois mundos tão diferentes, fica fácil concluir por que somos um país de terceiro mundo.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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