O AÇOITE DAS PALAVRAS

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“[…]As palavras, reafirmo, são poderosas; mesmo quando se trata de uma gafe, ou seja, quando as palavras são pronunciadas por descuido, de forma inconveniente, o autor quase nunca é perdoado, mesmo porque, todos haverão de concordar, vivemos momentos de intolerância, exacerbada em face das disputas políticas e por pregações irresponsáveis que acabaram por dividir o pais entre “coxinhas” e “mortadelas”, “nós e “eles”, “esquerda e direita”, “progressistas e conservadores”[…]”.

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As palavras têm poder. Ouvi essa advertência muitas vezes. Atrevo-me a dizer, agora, em virtude da minha maturidade, que as palavras, quando mal produzidas – ou mal interpretadas – são como um relho: açoitam, maltratam, e podem colocar o autor delas em situação de verdadeiro constrangimento público, como se deu ontem com o nosso presidente, que, ao que parece, como a sua antecessora, não tem muita habilidade para falar de improviso.

Na vida, convivendo com o semelhante, descobri que eles têm muito mais poder que se possa imaginar, tanto que não são poucas as personalidades – contemporâneas ou do passado – que ficaram marcadas pelas palavras que disseram, e, muito mais grave ainda, até mesmo pelo que nunca disseram, mas que, ainda assim, viram seus nomes vinculados a frases ou palavras que lhes marcaram a vida para sempre, quer positiva, quer negativamente.

Exemplos dessa constatação não faltam. Voltaire, por exemplo, nunca disse a frase “Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo“, conquanto seja uma frase simpática de democrática e em razão do que nunca sofreu nenhum censura.  Quem a pronunciou, em verdade, foi uma biógrafa sua, segundo consta das anotações históricas que se tem.

Da mesma forma, consta que a frase atribuída a Benjamim Franklin (uns dizem que pronunciada por Eça de Queiroz) –Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos, pelo mesmo motivo” – não teria sido pronunciada por ele, mas entrou para história como se tivesse sido dita  pelo presidente americano.

O certo é que, para bem ou para o mal, todo cuidado é pouco com as palavras, na certeza de que pode ocorrer, sim, até mesmo de atribuírem a nós aquilo que nunca dissemos, como ocorreu comigo certa feita, quando, numa audiência, pedi ao acusado que jogasse a goma de marcar fora porque estava atrapalhando a sua dicção, tendo chegado ao Tribunal e informação de que eu havia proibido – assim mesmo, arrogantemente, ditatorialmente –  o uso, por qualquer pessoa – funcionário, inclusive – de goma de mascar no meu gabinete e na salas das audiências.

O certo é que pessoas impetuosas, veementes – como eu – devem ter muito mais cuidado ainda com o que dizem. Elas, as palavras, ditas em momentos inoportunos, impensadamente, são um açoite que deve – ou deveria – ser evitado, conquanto nem sempre isso ocorra, pelos mais variados motivos.

As palavras, reafirmo, são poderosas; mesmo quando se trata de uma gafe, ou seja, quando as palavras são pronunciadas por descuido, de forma inconveniente, o autor quase nunca é perdoado, mesmo porque, todos haverão de concordar, vivemos momentos de intolerância, exacerbada em face das disputas políticas e por pregações irresponsáveis que acabaram por dividir o pais entre “coxinhas” e “mortadelas”, “nós e “eles”, “esquerda e direita”, “progressistas e conservadores”.

Dois exemplos recentes que reafirmam não só o poder das palavras como o clima de intolerância que vivemos. A presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lúcia, sempre muito prudente com as palavras, deu uma entrevista à Globo News, em cuja oportunidade fez um comentário pejorativo e um pouco desconexo comparando Ministros a autistas. Pronto! O mundo desabou sobre a sua cabeça. Todos testemunharam as reações belicosas, mesmo que todos saibam, pela sua histórica prudência com as palavras, que  ela não pretendeu ofender ninguém. Mas, ainda assim, foi atacada veementemente, em face dos açoites produzidos pelas palavras proferidas.

O prefeito eleito de São Paulo,  João Doria (PSDB), sempre muito loquaz,  durante visita ao bairro de Perus, na Zona Oeste de São Paulo, durante uma entrevista, referiu-se AACD, chamando-a, inadvertidamente, de “Associação para Criança Defeituosa” (o nome correto da entidade é Associação de Assistência à Criança Deficiente). Doria dizia, na oportunidade,  que iria doar seu primeiro salário como prefeito à entidade. Doria citou o nome antigo da fundação, que por 50 anos (de 1950 a 2000) era chamada de Associação de Assistência à Criança Defeituosa. Pronto! Por isso também o mundo desabou sobre a cabeça do prefeito. Teve que se desculpar, mesmo sabendo-se que não falou de má-fé, que não teve a intenção de ofender.

É por isso que tenho dito, sem nenhuma originalidade, que se deve ter cuidado com as palavras. Mas nem sempre nos comportamos como recomendado, nem sempre somos compreendidos pelos que dissemos, sobretudo em face da abertura semântica de alguns termos, que impõe a todos nós, sobretudo homens públicos, maior desvelo ainda para com as palavras.

Nas sessões do TJ, como sói ocorrer, eu costumo fazer intervenções para expor os meus pontos de vista. Nem sempre sou compreendido em face da veemência com que falo. E mesmo tendo muito cuidado com as palavras, sei que corro riscos de ser incompreendido, como, de resto, acontece com que tem a coragem de se expor dizendo o que pensa e defendendo os seus pontos de vista.

É preciso, ademais, quando tivermos que repercutir uma afirmação, ter muito cuidado em contextualizar a frase, pois que, fora do contexto em que foi proferida, ela pode não retratar exatamente aquilo que se pretendeu dizer.

As consequências que decorrem de um descuido com as palavras podem ser irreparáveis. Podem gerar até ações por danos morais. Por isso, repito, é preciso ter cuidado com as palavras, cuidado que muitos não têm e que, pelo descuido, pagam um preço elevado, como se deu com o presidente FHC que, certo dia, pediu que esquecessem o que tinha escrito. Essa frase, tirada do contexto, lhe deu – e continua dando – muitas dores de cabeça. Ou, noutro exemplo, como se deu com Nietzsche que disse uma frase – “Deus está morto” – que, retirada o contexto, pois o real sentido da frase é que a é que a figura do “Deus clássico” perdeu valor entre os homens, e não uma simples negação da existência de Deus, até hoje é mal compreendida.

Mais grave ainda é quando a palavra ou frase sequer foi pronunciada, como se deu com Maria Antonieta, que, ao que se saiba, nunca mandou o povo francês, que não tinha pão para se alimentar, que se alimentasse de brioche. Ou com Maquiavel que, por uma distorção do seu pensamento, teria dito a famosa frase – “os fins justificam os meios” – que nunca pronunciou.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “O AÇOITE DAS PALAVRAS”

  1. Boa tarde
    Desembargador José Luiz Almeida.
    O que me traz aqui não é resposta no tocante ao texto citado alhures, mas ao caso que já estive com Vossa Excelência tratando/informando/aconselhando-me, em fim, buscando um saída no ano de 2015.
    Pois bem. Trata-se de um imóvel de propriedade de minha mãe onde a municipalidade tem alegado, sem prova fidedigna ser um bem público.
    Pior, efetuou outro registro com anuência do cartório sem as observância legais.
    Tem uma figura do Judiciário – Alto escalão – que encontrasse envolvida diretamente com a intenção de grilar a terra, ou pior, passar para uma construtora.
    Já criaram fatos a meu respeito, estoria, tudo com o intuito de camuflar a realidade dos fatos.

    uma simples análise do processo e notória para atestar a idoneidade dos documentos e a real proprietária, porém, o juízo fica segurando o feito sem motivo aparente.

    Já falei quem é a pessoa envolvida, todo mundo sabe, até o Juiz, porém nada faz, é amigo dele, me ajude, acredito muito no senhor.

    E o pior de tudo é que sempre que começo a mexer nisto, começam a me perseguir, me prejudicar profissionalmente, tudo de forma velada, são todos covardes.

    Não sou o paladino da verdade, mas este caso é verídico, vivo a dois anos com isso, será que tenho que viver a vida toda, entendo que todos tem seus problemas, mas minha mãe que sempre foi proprietária da terra agora será molestada pelo poder e ganância dos outro, é assim que se vive neste país.

    Processo 17268/2015.

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