“INTERVENÇÃO MILITAR JÁ”

Durante a grave dos caminhoneiros, fui à Santa Rita para um compromisso.
No trajeto até aquela cidade, fui surpreendido com os caminhões parados e, próximo deles, em destaque, várias faixas que pediam intervenção militar no país; depois, vi que havia no Brasil inteiro.
Claro que fiquei estarrecido, especialmente porque vivi a ditadura, testemunhei a censura e sei das atrocidades de um regime de exceção.
Pensei com meus botões sobre a contradição que encerra o apelo por intervenção militar e a livre manifestação dos caminhoneiros, indagando a mim mesmo: Meu Deus, será que esses manifestantes não compreendem que só é possível essa estranha e intempestiva manifestação porque vivemos em uma democracia?
Pensei, ademais: Será que é difícil compreender que, num regime ditatorial, os manifestantes estariam, para dizer o mínimo, em maus lençóis e teriam sido impedidos de protagonizar as badernas que protagonizaram?
Devo dizer, antes de responder a essas indagações, que é preciso perscrutar, sincera e realisticamente, as razões pelas quais os caminhoneiros apelaram por uma intervenção militar, porque, afinal, se o fazem, sabendo das consequências de um ato intervencionista, devem ter fortes motivos para o impulso.
Não sou especialista, mas tenho suficiente sensibilidade para expender um juízo em face do que testemunhei, estarrecido, a propósito da greve dos caminhoneiros.
A verdade é que os caminhoneiros – e grande parte do povo brasileiro – apelam para intervenção militar por uma razão mais que elementar: perderam a fé em tudo que está aí.
Para o povo brasileiro, os que estão aí, desfrutando (esse é o termo) do poder, estão fazendo exatamente isso: desfrutando do poder, sem nenhum compromisso com as causas públicas que juraram defender.
Ninguém, salvo poucas, raras exceções, admitamos, está preocupado com os problemas do povo brasileiro; cada um está cuidando de si, dos seus próprios interesses.
Os exemplos que me levam a essa afirmação estão aí, aos montes, à toda evidência, à vista de todos; só não os vê quem não quer.
As filas dos hospitais?
Não sensibilizam ninguém.
Os desvios de recursos públicos?
São uma prática recorrente.
As promessas não cumpridas?
São uma constante.
As falsas promessas?
São uma praga.
As estradas brasileiras?
Um desastre.
Segurança pública?
Uma tragédia.
Impunidade?
Uma regra.
Tudo isso, e mais, muito mais, levou o povo à descrença. Por isso, o apelo à intervenção militar, como se fosse uma panaceia.
Salvo raras exceções, no Brasil ninguém disputa eleições, ninguém corre atrás de votos para servir, senão para servir-se.
Ninguém gasta milhões de reais numa eleição por amor ao povo.
É triste constatar, mas cada um está correndo em busca dos seus interesses.
Nesse cenário, é preciso uma mudança de direção, que não é, seguramente, uma intervenção militar.
É preciso dar um basta no que está aí.
O povo cansou; acha que com os mesmos – e essa é a tendência – não vai ter melhora, que tudo será como antes.
Quem vê um ente querido morrer nas filas dos hospitais, uma bala perdida tirando a vida de um inocente e meia dúzia de espertalhões enriquecendo com o dinheiro público desviado, se julga no direito de pedir, num ato de desespero, uma intervenção militar, um regime de força, na vã esperança de reversão do quadro, pois a desesperança leva as pessoas em busca de soluções mágicas.
Além disso, a péssima sensação, a quase certeza, para ser otimista, de que, depois das eleições, tudo que está aí permanecerá exatamente como sempre foi, sem perspectiva de mudança, estimula o discurso extremista, o que nos leva a viver um pesadelo.
Temos um Estado incapaz de conduzir políticas públicas com o mínimo de seriedade.
O desemprego explode, e os indicadores sociais são péssimos.
Não temos boas expectativas em relação ao futuro.
A violência está generalizada, sem perspectiva de reversão.
As instituições persecutórias funcionam de forma temerária, pois, enquanto uns lutam contra a corrupção, outros trabalham em sentido contrário.
Este cenário estimula a insensatez e nos faz pensar em soluções heterodoxas.
Mas é preciso não esquecer que o que está aí é culpa nossa, sabido que, podendo mudar o panorama pelo voto, persistimos fazendo péssimas escolhas.
Por nossa conta e risco, ninguém tem dúvidas de que a quase totalidade do que aí está, grande parte responsável por desvios de dinheiro público, ou será reeleita ou elegerá um representante, da família ou correligionário, exatamente para que tudo fique como sempre foi.
Diante de um quadro desses, é compreensível que muitos, sobretudo os jovens, que não viveram a ditadura ou não conhecem a história, clamem por uma intervenção militar.
Todavia, é preciso convir que a maior revolução que podemos fazer, como anotei acima, é pelo voto, que é a nossa arma.
O problema é que não são poucos os que usam mal esse instrumento singular e definitivo de mudança.
Nesse panorama, o irônico, o risível é que os líderes do movimento grevista deverão ser processados com base na Lei de Segurança Nacional, provavelmente serão punidos, e os que deram causa ao caos em que se transformou o país, continuarão surfando na onda da impunidade, protegidos por mais um mandato outorgado pelos que não valorizam o voto como instrumento de mudança.
É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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