OS PERDIGOTOS DOS PRESIDENTES

Não dá para não voltar ao tema. Logo, não deixarei de fazê-lo, enquanto a nau dos insensatos singrar os mares da ignorância, que mata e que infelicita a vida dos que, pensando de modo diverso, navegam pela via, cada vez mais estreita, da solidariedade e da empatia.

Decerto que nem precisaria dizer que vivemos, cá no Brasil como nos Estados Unidos, num ambiente de intensa radicalização política, numa dimensão nunca vista dantes, que tem contribuído para que pessoas, antes conhecidas pela sensatez, pareçam, em determinadas circunstâncias, irracionais, levando-nos à estupefação.

Querelas políticas, descambando para a insensatez e para violência, importa dizer, sempre houve, bastando lembrar, para ilustrar, que, a seis meses da eleição de 1950, o país viveu uma noite de assombro no Largo do São Francisco, no Rio, quando seguidores de Getúlio Vargas e Eduardo Gomes se enfrentaram até que a polícia dissipasse a confusão a cassetete, o mesmo se dando, concomitantemente, no Flamengo, onde brigadistas e getulistas também se enfrentaram (“Samuel Wainer: O homem que estava lá”, de Karla Monteiro, ebooks, Kindle, Companhia das Letras)

Nessa senda, importa anotar, de mais a mais, que é mais do que compreensível que todos nós tenhamos as nossas preferências – políticas, inclusive -, sabido que vivemos das nossas escolhas, e que ninguém deseja mesmo uma população anódina e acrítica -, sem posição, enfim.

Até aqui vai a minha compreensão em face da polarização que testemunhamos no Brasil e nos Estados Unidos, levada ao paroxismo nas pugnas eleitorais. Passando para a página seguinte, no entanto, já deixo de compreender e me coloco, sim, em rigorosa e definitiva linha de dissentimento com os que ultrapassam o umbral da racionalidade e do bom senso.

E, a meu juízo – e aqui passo a ratio dessas reflexões -, se submeter, por fanatismo, por paixão política, por miopia ou insensatez, aos perdigotos de qualquer pessoa, ainda que seja de um presidente da república, com grande possibilidade de contaminação pelo novo coronavírus, como fazem por aqui (Brasil) e por lá (Estados Unidos) os apoiadores de Bolsonaro e Trump, não é só inaceitável, como também estupefaciente pelo que contém de irracional, que só se justifica em face de mentes obliteradas por uma adesão cega que decorre de um fervor excessivo e delirante.

A pergunta que se impõe, em face dos perdigotos dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro: alguém, em sã consciência, tem condições de dizer quantos já foram contaminados, direta e indiretamente, pelos seus jatos de saliva?

Claro que ninguém terá uma resposta cartesiana para essa indagação. Ainda assim, convém fazê-la, apenas à guisa de instigação, em face da incomum predisposição de alguns à contaminação voluntária, por facciosismo que leva à falta de discernimento.

Diante de uma catástrofe, convém reafirmar o óbvio: o que se espera e se exige de quem tenha o mínimo de bom senso é que seja razoável e que cumpra as recomendações dos experts, convindo advertir, para concluir, que, quando você olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você (Friedrich Nietzsche) e que, ademais, a vida é uma tempestade, razão pela qual em um momento você aproveita a luz do sol, no outro, é açoitado pela chuva, importando mesmo, nesse cenário, é o que você faz quando a tempestade chega (Alexandre Dumas), e, pelo que vejo e sinto, diante das intempéries, há muitos que não sabem como se conduzir, ou se conduzem muito mal, dando péssimos exemplos, para, adiante, inevitavelmente, pagarem a conta que decorre das atitudes impensadas que protagonizaram.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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