O “PASSAPANISMO” ENTRE NÓS

“Passapanista”, para quem não sabe, é a pessoa que tem o hábito de defender os seus ídolos de estimação – políticos, líderes religiosos, amigos, patrão etc. – fazendo vista grossa em face dos seus erros ou simplesmente ignorando-os.

A expressão “passapanismo” ganhou contornos preocupantes no Brasil, na medida em que passou a ser considerada em face dos que, fanatizados, têm sempre uma explicação para, incondicionalmente, defender um político de estimação, sejam quais forem os seus erros/desvios de conduta/crimes.

O que tenho testemunhado, desalentado, é que, sejam quais forem as práticas desviantes de algumas destacadas figuras da República, os seus sequazes, cegamente, os absolvem, os aplaudem como se tivessem uma vida imaculada, o que sinaliza para uma parcela da sociedade injustificável tolerância com práticas que, noutros países, fulminam a carreira de qualquer homem público, como se deu, recentemente, em Portugal, quando o primeiro-ministro, tão somente em face de uma suspeita, se sentiu obrigado, em nome da moralidade, a renunciar, na compreensão de ser incompatível o cargo com alguma suspeita de conduta desviante.

Importa reconhecer, pois, que o “passapanismo” institucionalizado entre nós é grave e desalentador, porque incute na sociedade a grave sensação de que os desvios de conduta, desde que sejam dos do lado de cá, devem ser tolerados, na mesma proporção em que são condenados os desvios dos do lado de lá.

A propósito, dia desses assisti, estupefato/incrédulo/desalentado, numa determinada rede social, um desses próceres da nossa República, cheio de imputações por condutas desabonadoras/desviantes/criminosas, sendo abraçado por uma seguidora, que, tomada de emoção, chorava compulsivamente, como se o destinatário de seus efusivos cumprimentos fosse uma pessoa de conduta ilibada/irretocável, o que me leva a questionar os valores morais sobre os quais está assentada a formação moral de parte relevante de nossa sociedade.

Pior que isso é a tendência que os fanatizados têm de acreditar, sempre que são noticiados os maus feitos de seus líderes, que tudo não passa de uma perseguição política, ou que as acusações, como sempre argumentam, num discurso adrede esgrimido, foram tiradas de contexto, ainda que esse argumento, de rigor, seja apenas um sopro argumentativo.

Noutro giro, mas com a mesma relevância e em razão do que também me assusto, não é incomum a tentativa de justificar os desvios de conduta de uns, lembrando dos desvios de conduta do adversário, como se um erro justificasse o outro, a revelar, também sob essa perspectiva, que os valores morais cedem à visão fanática dos que da realidade só absorvem o que lhes convém.

Nesse mesmo cenário, vejo, por outro lado, a malsã e perigosa tendência dos devotos em atribuir à imprensa tradicional – e aqui me refiro, claro, aos veículos de comunicação comprometidos com a informação – a responsabilidade pelo fato noticiado, absolvendo, no mesmo passo e sumariamente, o autor das condutas desviantes, a revelar que muitos de nós precisamos, urgentemente, reavaliar os nossos valores morais.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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