A VIDA SIMPLES É BOA

O Carnaval passou, e eu não vi. Ou melhor, tratei-o com rigorosa indiferença.

Da sexta-feira que antecedeu o sábado de Carnaval até o exato momento em que escrevo esta crônica, Quarta-Feira de Cinzas, praticamente não saí de casa.

Com previsível para quem me conhece, mantive minha rotina, vivendo como gosto: desfrutando das coisas simples que a vida oferece, simplicidade que inclui o meu respeito e a minha reverência total à mesmice, que, pasmem!, me apraz, porque nela estão inclusas as coisas que mais me fazem ser quem sou, dentre as quais a convivência com os meus netos, que, como todos sabem, dão uma nova dimensão à minha vida, sobretudo aos que, como eu, se verem na iminência de deixar o proscênio.

Gosto de viver as coisas simples da vida, mas não sou papalvo.

A verdade é que nunca fui sofisticado; nunca fiz nenhum esforço para sê-lo.

Viver o simples me dá enorme prazer. E o simples, para mim, condiz com viver um pouco mais do mesmo, todos os dias. Vida simples, para mim, é não fugir do comum, do habitual, do usual, do trivial.

Se, para muitos, viver o Carnaval e se entregar à folia de Momo é quase um imperativo, para mim, viver um pouco mais do mesmo, é uma imposição à qual me submeto prazerosamente.

Reitero a minha predileção pelo comezinho, pelo básico, pelo corriqueiro.

A convivência diária com o trivial não faz de mim um ser simplório, mas tem o poder de me levar ao encontro de mim mesmo e do mundo no qual fui forjado, onde a maior sofisticação é o compromisso com a paz interior, que só encontro nas coisas mais simples que a vida oferece.

Lembro-me de que, adolescente, testemunhava os colegas excitados com os prazeres do mundo exterior, o que me causava certa inquietação, levando-me a muitas indagações para as quais eu não tinha resposta à época, incapaz de compreender que minha constante ausência dos périplos noturnos já era uma indicação do eremita que acabei me tornando.

E por que nada daquilo me empolgava? Porque, em vez dos prazeres proporcionados pela vida na rua, eu me sentia – como me sinto até os dias atuais – enternecido pelos prazeres da vida intramuros.

Por que a alegria que contagiava a muitos não me tocava?

Porque a minha alegria nunca esteve no mundo exterior, recluso empedernido que sempre fui.

Eu sou assim.

Não gosto de badalação.

Não gosto de muvucas.

Não gosto de música alta.

Tenho pavor de aglomeração.

Não gosto, enfim, de fugir da minha rotina, tendo compreendido, muito cedo, que um dos poucos motivos que me estimulam a sair é o prazer de voltar para casa, tanto que, em minha longeva vida, não houve um dia sequer que eu não desejasse retornar ao recôndito do meu lar.

Na terça-feira, último dia de folia, recebi meus netos no final da tarde, para os quais dediquei parte do meu tempo com brincadeiras. Com um deles, montei uma torre de madeira; ao mais velho, ensinei como jogar Uno sem bagunça; e ao terceiro, o mais novinho, emprestei meu colo, tentando fazê-lo parar de chorar.

E, assim, como tudo na vida passa, a folia de Momo também passou e, para mim, nada representou, como, aliás, nunca representou, registro que faço para que não se argumente que a minha reclusão não passa de quizila própria da velhice.

Como diz a canção popular, a propósito:

Olho a cidade ao redor

E nada me interessa

Eu finjo ter calma

A solidão me apressa”

(Excerto da música Nua, de Ana Carolina)

Ou então:

É isso aí

Como a gente achou que ia ser

A vida tão simples é boa

Quase sempre”

(Excerto da música É Isso Aí, de Ana Carolina e Seu Jorge)

Definitivamente, a vida simples é boa, e a ela dedico parte relevante do meu tempo, com forte e decisivo entusiasmo.

É isso.

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