Impronúncia

Processo nº62492007

Ação Penal Pública

Acusado: J. H. M. S., vulgo “Paca”

Vítima: David fonseca machado

 

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra J. H. M. S., brasileiro, sem profissão definida, filho de J. D. e de M. A.a S. S., residente e domiciliado na Rua São Sebastião, 14, Vila Bacanga, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 121, §2º, IV, c/c artigo 288, parágrafo único,ambos do CP, em face de, no dia 19/11/2005, por volta das 19h00min, ter assassinado DAVID FONSECA MORAES, o fazendo, segundo a denúncia, em concurso com os acusados A. K. D. M., J. N. M. S., M. J. DOS S. P. e D. S. D., cujos fatos estão descritos, em detalhes, na denúncia, que, por isso, no particular, passa a integrar o presente relatório.

A persecução criminal teve início mediante portaria. (fls.07)

Recebimento da denúncia às fls.138/139.

Exame cadavérico às fls. 171/172.

Em face da não localização do acusado, determinei, às fls. 226, a separação do processo em relação a ele.(fls.226)

A instrução, em face de os demais acusados estarem em lugar incerto e não sabido teve seqüência, inicialmente, apenas contra o acusado D. S. D..

Depois de iniciada a produção de provas em relação ao acusado D.S. D., tive notícia, oficiosa, da prisão do acusado J. H. M. S., vulgo “Paca”, razão pela qual designei data para o seu interrogatório. (fls.252)

O processo, antes, foi separado em relação aos acusados com paradeiro incerto.(fls.262)

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 274/276

Defesa prévia às fls.290/291.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas JAQUELINE LIMA SILVA (fls. 315/316), ALIANE FONSECA MACHADO (fls.326/327), QUITÉRIO JÚLIO VIEGAS (fls.328/329) ELTON COELHO MOREIRA (fls.345/346) e VALMIRA ROCHA DA SILVA. (fls.347/348)

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em sede de alegações finais, pediu a impronúncia do acusado. (fls.355/356)

A defesa, de seu lado, pediu a anulação do processo, em face de o acusado não ter sido citado ou, se assim não for entendido, que seja o acusado impronunciado.(fls.358/363)

 

Relatados. Decido.

 

01. Os autos sub examine albergam a pretensão do MINISTÉRIO PÚBLICO no sentido de que seja PRONUNCIADO o acusado J. H. M. S., por incidência comportamental no artigo 121, §2º, IV, c/c artigo 288, parágrafo único, ambos do Digesto Penal.

02. Colhe-se da proemial que o acusado J. H. M. S., em concurso com os também acusados A. K. D. M., J. N. M., M. J. DOS S. P. e D. S. D., teriam assassinado DAVID FONSECA MACHADO, no dia 19/11/2005.

03. A persecução criminal se desenvolveu em dois momentos distintos, ou seja, em sedes administrativa e judicial, tal como preconizado no direito positivo brasileiro.

04. Na primeira fase da persecutio o acusado, então indiciado, não foi ouvido, em face de não ter sido localizado.

05. Na sede extrajudicial foram colhidos vários depoimentos, a partir dos quais o MINISTÉRIO PÚBLICO vislumbrou a existência dos indícios de autoria, para deflagrar a persecução criminal em seu segundo momento.

06. Dentre os depoimentos tomados em sede inquisitória, vejo, às fls. 19/20, o depoimento da companheira do ofendido, JAQUELINE LIMA SILVA, cujo depoimento não traz nenhum dado relevante para definição da autoria do crime em relação ao acusado J. H. M.S.

06.01 A companheira do ofendido, de relevante,disse apenas que o acusado A. K. D. M se desentendeu com o ofendido, algum tempo atrás, por causa de uma bicicleta.(ibidem)

07. Na mesma sede foi ouvida uma irmã do ofendido, TATIANA FONSECA MACHADO, a qual, a exemplo de JAQUELINE LIMA SILVA, nada soube dizer, de relevante, acerca da participação de J. H. M. S. no assassinato do ofendido.(fls.21/22)

08. QUITÉRIO JÚLIO VIÉGAS, de seu lado, disse, de relevante, que os acusados e o ofendido, antes do fato, estiveram em seu comércio bebendo e cheirando cola e que, depois, foram juntos para uma fábrica de cerâmica. (fls.27/28)

08.01 A testemunha em comento disse, ademais, que, tendo o ofendido retornado, sozinho, ao seu comércio, foi convidado por D. S. D., para irem fumar baseado na fábrica de cerâmica acima mencionada.(ibidem)

09. ALIANA FONSECA MACHADO, mãe da vítima, disse que, durante o velório do ofendido, ouviu de sua filha, TATIANA FONSECA MACHADO, que autores do homicídio tinham sido os alcunhados “Kardec”, “Jairo”, “Dan”, “Bad Boy”, “Bodão”, “Bibiu” e “Deja”, cuja informação tinha sido dada a ela pelo acusado J. H. M. S., alcunhado “Paca”.(fls.130)

09.01 Mais adiante, ALIANA FONSECA MACHADO disse que, ainda no velório do ofendido, foi informada por FRAKLIN, irmão de BIBIU, que o acusado J. H. M. S. também tinha participado do homicídio.(ibidem)

10. Com esses dados, foi deflagrada a persecução penal em seu segundo momento, tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO, na proemial, denunciado o acusado J. H. M. S., vulgo “Paca”, como um dos co-autores do crime de que teria resultado a morte de DAVID FONSECA MACHADO, em concurso com os também acusados A. K. D. M., vulgo “Kardec”, J. N. M. S., vulgo “Bodão”, M.J. DOS S. P., vulgo “Bibiu” e D. S. D., vulgo “Deja”.

10.01 O mesmo órgão acusador, depois de produzidas as provas judiciais, pediu, nas alegações finais, a impronúncia do acusado J. H. M. S., por entender que, nesta sede, não se confirmaram os indícios de autoria, a legitimar a admissibilidade da acusação.

11. Em sede judicial, a sede das franquias constitucionais, o acusado J. H. M. S. foi ouvido, tendo negado a autoria do crime e afirmando não saber a quem atribuir a sua prática.(fls.274/276)

12. Além do acusado, foi ouvida nesta sede a companheira da vítima, JAQUELINE LIMA SILVA, que disse, dentre outras coisas, que ouviu comentários de que o acusado J. H. M.S S. tinha participado do crime.(fls.315/316)

12.01 Adiante, a testemunha em comento, instada a descrever a participação do acusado no episódio, disse não saber, como não sabia, ademais, se J. H. M. S. é uma pessoa violenta.(ibidem)

13. A mãe do ofendido, ALIANA FONSECA MACHADO, a exemplo do que fizera em sede extrajudicial, ratificou ter ouvido de “Franklin” que o acusado J. H. M. S. tinha participado do crime.(fls.326)

14. O senhor QUITÉRIO JÚLIO VIEGAS, proprietário do bar onde beberam a vítima e alguns dos acusados, antes do crime, disse que não ouviu sequer comentários da participação do acusado J. H. M. S. no assassinato de DAVID FONSECA MACHADO.(fls.328)

15. Além das testemunhas acima mencionadas, do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO, foram ouvidas as testemunhas ELTON COELHO MOREIRA( fls.345/346) e VALMIRA ROCHA DA SILVA (fls. 347), do rol da defesa, as quais nada souberam informar acerca do crime.

16. Com os dados amealhados nas duas sedes – administrativa e judicial – vieram-me os autos conclusos para decidir acerca da admissibilidade, ou não, da acusação imputada ao acusado J. H. M. S..

17. Antes de incursionar acerca da matéria de fundo, devo enfrentar a preliminar de nulidade apontada nas alegações finais da defesa.

18. Consigno, de logo, que, desde o meu olhar, não há nulidade a ser expungida. E não há porque, na minha avaliação, no instante em que o próprio advogado do acusado, MÁRIO DE SOUSA SILVA COUTINHO, afirmou, antes do interrogatório, que teve tempo suficiente, após a ciência da acusação, para articular a defesa do acusado, realizou-se, ainda que por via oblíqua, a citação do acusado, ato processual que nada mais objetiva que não a ciência ao acusado dos fatos em razão dos quais figura no pólo passivo da relação processual.(cf. fls.193)

18.01 A citação, anoto, à guisa de reforço, todos sabem, nada mais é que um ato oficial, através do qual se dá ao acusado ciência de que contra ele se movimenta uma ação, “chamando-o a vir a juízo, para se ver processar e fazer a sua defesa” , segundo o escólio de FERNANDO CAPEZ.

19. O acusado, ciente da acusação, se apresentou em juízo, se reuniu com o seu advogado, pelo tempo que entendeu necessário, para, depois, afirmar que estava apto a responder a todas as indagações, porque o tempo que tiveram para contatar, segundo eles, foi suficiente para exercer a sua defesa – e amplamente, como exige a Carta Política vigente.

20. À luz dessas considerações, há que se perquirir: onde assoma a nulidade? Qual o prejuízo infligido à defesa do acusado? Por que o acusado e seu advogado, ao invés de pedirem o adiamento do ato, com a realização dele concordaram, afirmando, ademais, que o tempo de contato que tiveram, antes da audiência, foi suficiente para articular a sua defesa?

21. Mas FERNANDO CAPEZ, mais adiante, obtempera: “Compõe-se a citação de dois elementos básicos: a cientificação do inteiro teor da acusação e o chamamento do acusado para vir apresentar a sua defesa”. 

21.02 Impende, mais uma vez, indagar, em face dessa lição: com a afirmação do acusado e de seu advogado de que estavam aptos a formalizar a sua defesa, ante a ciência que tiveram da imputação, donde promana a nulidade? E por que o advogado do acusado – e o próprio acusado -, podendo pedir o adiamento do ato, aceitaram dele participar, afirmando, ademais, que tiveram tempo mais do que suficiente para articularem a sua defesa?

22. FERNANDO CAPEZ, noutro excerto, preleciona que só haverá vício no ato citatório, se uma das duas finalidades – a) cientificação do inteiro teor da acusação e b) o chamamento do acusado para vir apresentar a sua defesa – “não for atingida”.

23.01 Diante dessas colocações, indago, mais uma vez: porque o acusado e seu procurador, afirmaram, depois de cientificados do fato antes da audiência, que estavam em condições de bem exercer a sua defesa? A resposta é simples: porque o ato citatório completou a sua finalidade. Simples, assim.

24. É claro, é cediço, é da sabença comum que se o comparecimento espontâneo do acusado não é suficiente para lhe garantir o conhecimento da imputação e para entrevistar-se com seu advogado, o ato estará viciado.

24.01 É cediço, outrossim, que o acusado deve ser cientificado com tempo para articular a sua defesa; nunca no exato instante em que se realizará o interrogatório. Essa é a regra. Esse é o sentido teleológico da norma.

24.01.01 Ter-se-á que convir, nada obstante, que se é o próprio acusado, com seu advogado, que afirmam que estão aptos a articular a sua defesa, desnecessário, a meu sentir, o adiamento do ato, apenas para que se cumpra uma formalidade, sabido, ademais, que o CPP ficou no meio-termo entre o sistema formalista e o da instrumentalidade das formas. O CPP, negando o excesso de formalismo, estabeleceu o sistema de prevalência dos impedimentos de declaração ou de argüição das nulidades.

24.01.02 É curial que não se pode conceber, no sistema de franquias constitucionais em que vivemos, que o acusado fique sabendo do conteúdo da defesa no instante em que vai ser interrogado. Essa é a regra, repito. No caso presente está-se, nada obstante, diante de uma exceção, qual seja, a afirmação categórica do acusado e de seu procurador de que estavam aptos a exercer a sua defesa, razão pela qual o ato foi praticado, sem delongas.

25. À guisa de reforço, devo dizer que não há dispositivo legal proibindo a citação no mesmo dia da data marcada para o interrogatório. Mas o bom senso está a indicar que se deva fazer a citação com antecedência, para que o acusado possa se preparar para o ato.

25.01 Comparecendo o acusado, no entanto, acompanhado de advogado e afirmando, ademais, que teve tempo para articular a sua defesa, na minha visão não há nulidade a ser defenestrada, pois que, de rigor, se assegurou ao réu a inarredável ampla defesa, corolário do dwe processo f law.

26. Noutro giro, anoto que o acusado negou a autoria do crime, do que resulta que o seu depoimento não pode sequer ser usado em seu desfavor, do que resulta, a fortiori, que, também por isso, não há nulidade a ser expurgada.

27. O CPP, em face do sistema da prevalência dos impedimentos de declaração ou de argüição de nulidades, estabelece, logo no início do título, que “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. 

28. No artigo 566 do mesmo diploma legal está sedimentado, também, o princípio da instrumentalidade das formas, o qual estabelece que “ Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa”.

28.01 A par da negativa de autoria do acusado e ante a certeza que se tem de que teve, sim, ciência da imputação, resta perquirir: no que influirá o seu depoimento na apuração da verdade material? Para mim, apresso-me em afirmar, em face da análise das provas que fiz acima, em nada influenciará o depoimento do acusado.

29. A verdade que promana dos autos é que o acusado e o acusador – o MINISTÉRIO PÚBLICO – tiveram os mesmos direitos, as mesmas oportunidades, os mesmos ônus e os mesmos deveres.

29.01 A partir das necessidades técnicas do processo, a verdade é que as partes litigaram em condições de absoluta igualdade processual, tendo sido a ambos deferido as mesmas e “análogas possibilidades de alegação e prova”. Tiveram respeitado as partes a garantia da paridade de armas, daí não fluir dos autos qualquer nulidade.

30. Com as considerações supra e sem que se faça necessária a adição de qualquer outro argumento para solapar a preliminar da defesa, passo, a seguir, ao exame da questão de fundo, ou seja, acerca da existência dos pressupostos legais para a admissibilidade da acusação, a fim de que seja o acusado submetido a julgamento junto ao Tribunal leigo, como pretendeu o MINISTÉRIO PÚBLICO, ao propor a presente ação penal.

31. Acima, pode-se ver, examinei a prova emoldurada nos autos, nos dois momentos da persecução criminal – momentos administrativo e judicial.

32. Alfim e ao cabo do exame a conclusão a que chego, em face das provas consolidadas nos autos, é que, se provada está, quantum satis, a existência do crime, o mesmo não posso dizer acerca da autoria, no que concerne especificamente ao acusado J. H. M. S., vulgo “Paca”.

32.01 Do que verte dos autos constato que somente a mãe do ofendido, nos dois momentos da persecução, fez menção à participação do acusado J. H. M. S., vulgo “Paca”.

32.01.01 Além do depoimento da mãe do ofendido, não há nenhum dado, rarefeito que seja, apontando a co-autoria do crime na direção do acusado.

32.010.2 De relevo que se anote, nessa linha de argumentar, que a mãe do ofendido já teve notícia da participação do acusado através de um terceiro.

32.01.03 A mãe do ofendido, além de ter sido a única pessoa que fez menção à participação do acusado, ainda o fez sem a mais mínima convicção, como que a demonstrar que nem ela mesma acredita no que disse.

33. Dos demais depoimentos consolidadas nos autos, devo redizer, não vislumbro nenhum elemento indicativo da participação do acusado J. H. M. S., vulgo “Paca”, a autorizar, por isso, a sua impronúncia.

34. No exame dessas questões, todos sabemos, o juiz sumariante só pode pronunciar o acusado diante de “uma certa margem de convencimento judicial acerca da idoneidade e da suficiência do material probatório” produzido. Sem que se vislumbrem os indícios de autoria, ainda que provada a existência do crime, o caminho, sem enleio e sem tergiversação, é a impronúncia do acusado.

35. No momento, repito, o que vejo do quadro probatório, é que inexistem dados a possibilitar a pronuncia do acusado J. H. M. S.

36. Impede anotar que, nos termos do artigo 409, parágrafo único, do CPP, a decisão de impronúncia não impedirá nova investida acusatória, desde que ainda não extinta a punibilidade e desde que surjam novas provas acerca da autoria.

37. Diante do exposto, IMPRONUNCIO o acusado J. H. M.S., o fazendo com espeque no artigo 409 do Digesto de Processo Penal.

38. Determino a imediata soltura do acusado, se por outro motivo não se encontrar preso.

P.R.I.

Não sendo interposto recurso pelas partes e certificada a preclusão temporal, arquivem-se os autos, com a baixa em nossos registros.

Façam-se, depois, as comunicações de praxe.

 

São Luís, 03 de agosto de 2007.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Notas e referências bibliográficas:

 FERNANDO CAPEZ, Curso de Processo Penal, 13ª edição, Editora Saraiva, 2006, p.571

 FERDANDO CAPEZ, ibidem

 FERNANDO CAPEZ, ibidem

 Art. 563, do CPP

 José Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, 4ª edição, Vol. II, p. 97

 Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 4ª Edição, Del Rey, 2005, p.532

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Impronúncia”

  1. Gostei muito do bolg.
    Bastante interessante para que estuda e atua na área.
    Desejo muito sucesso e que continue postando.
    Estarei sempre acompanhando.
    Sds

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