Anoto que causa é todo comportamento humano, comissivo ou omissivo, que de qualquer modo concorre para a produção do resultado naturalístico, pouco importando o grau de contribuição (art. 13 do CP). Basta, pois, que tenha contribuído para o resultado material, na forma e quando ocorreu.
Causas absolutamente independentes, de outra parte, convém sublinhar, são aquelas que não se originam da conduta do agente, ou seja, são absolutamente desvinculadas da sua ação ou omissão ilícita. É a chamada causalidade antecipadora, que rompe o nexo causal. _____________________________________________________
Cuidam-se de sentenças extintiva de punibilidade e condenatória, em face dos crimes previstos nos artigos 302 e 304, do Código de Trânsito.
Ao concluir pela procedência da ação em relação ao acusado J.A.N, anotei:
- O acusado praticou, sim, uma conduta perigosa, por ele aceita e desejada, muito embora não se possa dizer que pretendesse o resultado naturalístico, hipótese em que nos autorizaria a reconhecer o homicídio doloso.
- O dever objetivo de cuidado é o comportamento imposto pelo ordenamento jurídico a todas as pessoas, visando o pacífico convívio social.
- No caso em comento, esse dever foi rompido pelo acusado que, viu-se quando da análise das provas, praticou uma conduta descuidada, desatenta, dela advindo o resultado naturalístico indesejado.
Sobre a tese da defesa expendi as considerações a seguir:
- Em matéria de causalidade, todos nós sabemos, o nosso CP adotou a teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non. É dizer, tudo que contribui em concreto para o resultado é causa. Daí que, in casu, o nexo etiológico entre a conduta do acusado e o evento danoso é mais do que evidente, a defenestrar o argumento da defesa.
- A verdade, a mais sobranceira verdade, é quer a realidade exterior não teria sofrido qualquer transformação, não fosse a ação descuidada e imprudente do acusado.
A guisa de reforço, anoto que a responsabilidade pelo resultado mais danoso só é excluída quando o mesmo advém de uma causa absolutamente independente, que nenhuma ligação tenha com o fato praticado pelo agente.- Para que se reconheça a causa superveniente, é mister que esta não tenha ligação alguma, nem mesmo ideológica, com a ação. Se, ao reverso, está na linha de desdobramento físico do fato, não se pode, validamente, excluir a imputação, como pretende a defesa.
A seguir, a sentença, por inteiro.
PROCESSO Nº 222752003
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADOS: J. E OUTRO
VÍTIMA: C. A. L. R.
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra J.A.N. e D.A.T. , ambos qualificados nos autos. O primeiro, por incidência comportamental no artigo 302, parágrafo único, I, do Código de Trânsito Brasileiro; e o segundo, por incidência comportamental no artigo 304 da mesma lei, em face do homicídio culposo que vitimou C. A. L. R., próximo ao CEFET, no bairro Monte Castelo, quando o segundo denunciado dirigia o ônibus Mercedes Bens, de placa H00. 7584, da Empresa Gonçalves, sendo que o primeiro acusado se omitiu de socorrer o ofendido, segundo os fatos que estão narrados na denúncia que, no particular, passa a compor o relatório desta decisão.
A persecução criminal teve início mediante portaria (fls.08)
Auto de apresentação espontânea às fls. 13.
Exame cadavérico às fls. 23.
Laudo de exame em local de acidente de tráfego às fls. 30/36.
Recebimento da denúncia às fls. 58.
O acusado D. A. T. foi qualificado e interrogado às fls. 67/68 e J. A. N., às fls. 68/70.
Defesa prévia de D. A. T., às fls. 71 e de J. A. N., às fls. 75/76.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas J. R.G. (fls. 125/127) e A. C. M. D. (fls. 128/130).
Na fase de diligências nada foi requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. (fls.140v.), bem assim a defesa (fls.147 e 147v.).
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu, alfim,
I – em relação ao acusado D. A. T., a desclassificação para o artigo 135 do CPB e, consequentemente, que seja proposta a suspensão condicional do processo; e
II – em relação ao acusado J. A. N., a condenação na pena do artigo 302, parágrafo único, I, da Lei nº 9.503/97 (fls. 149153).
A defesa do acusado D. A. T., de seu lado, alegou:
I – que o acusado não podia permanecer no local da ocorrência sob pena de linchamento; e
II – que não agiu com culpa, portanto,
III – pelo que requer a sua absolvição, com espeque nos incisos IV, VI, VII, do Codex de Processo Penal.
A defesa do acusado J. A. N., a seu tempo e modo, pediu:
I – a sua absolvição, vez que agiu sob a eximente do Estado de Necessidade ao romper o nexo causal entre a conduta e o dano;
II – a sua absolvição, por não restar configurado o crime culposo, uma vez que não era previsível o resultado morte, sendo a sua conduta, por isso, atípica; e
III – que seja desclassificado o delito para lesão corporal culposa no trânsito, uma vez que o evento morte decorreu de causa relativamente independente que por si só deu causa ao resultado morte, devendo ser aplicada a teoria da causalidade adequada e a não a conditio sine qua non. ( fls.169/174)
Relatados. Decido.
01.00. Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra J. A. N. e D. A. T., ambos qualificados nos autos, o primeiro por incidência comportamental no artigo 302, parágrafo único, I, do Código de Trânsito Brasileiro e o segundo, por incidência comportamental no artigo 304 da mesma lei, em face do homicídio culposo que vitimou C. A. L. R., próximo ao CEFET, no bairro Monte Castelo, cujos fatos estão narrados, em detalhes, na denúncia, que, por isso, passa a compor o presente relatório.
02.00. As provas foram produzidas em dois momentos distintos – sedes administrativa e judicial.
03.00. Na sede administrativa a primeira testemunha inquirida, A. C. C. M. D., que se encontrava no interior do coletivo conduzido por D. A. T., nada soube que pudesse definir a responsabilidade do acusado (fls.24/25).
04.00. A testemunha M. DO B. P. M. DOS S., também ouvida em sede extrajudicial, da mesma forma, nada soube informar (fls.26/27).
05.00. Da mesma sede desponta o LAUDO PERICIAL DE ACIDENTE DE TRÁFEGO, inconclusivo (fls. 30/36).
06.00. O acusado D. A. T., ouvido na sede extrajudicial, às fls.38/39, disse ter sido informado por pessoas que presenciaram o fato
I – que os três passageiros – entre eles a vítima – que estavam na moto estavam embriagados e um deles caiu embaixo do pneu do ônibus que dirigia; e
II – que, tendo ficado muito nervoso com a situação, decidiu deixar o local do acidente.
07.00. Esses os dados consolidados em sede administrativa.
08.00. O MINISTÉRIO PÚBLICO, de posse do almanaque extrajudicial, ofertou denúncia contra D. A. T. e J. A. N., por incidência comportamental nos artigos 302, parágrafo único, I, e 304, ambos do CTB, conforme acima anotado.
09.00. A proemial pode ser sintetizada nos termos abaixo:
Aos dezenove dias do mês de maio de 2000, por volta das 22h30, o primeiro denunciado (Josafá Almeida Neto), sem a CNH ou documento equivalente, conduzia a motocicleta Yamaha/TRD 180, 90/91, cor preta, de placa HOY 7707/MA, trazendo na garupa o casal C. A. L. R. e A. de A. C., pela Av. Getúlio Vargas, na pista de sentido direcional Centro/João Paulo.
Na para do CEFET, Monte Castelo, estava o ônibus Mercedes Benz, de placa H00.7584, da Empresa Gonçalves, conduzido por Deusdeth de Araújo Teixeira.
Em dado momento, o condutor da motocicleta perdeu o controle do seu veículo, chocando-se contra o canteiro central divisório, disso resultando que Cláudio Antonio se desequilibrou, caindo no leito da pista de rolamento, sendo atingido pelos pneus posteriores esquerdos do veículo de passageiro, quando este foi recolocado em movimento.
Cláudio Antonio foi socorrido por populares, levado para um hospital da cidade, enquanto o condutor do coletivo deixou o local sem prestar socorro à vítima.
10.00. Deflagrada a persecutio criminis em seu segundo momento, interroguei o acusado D. A. T., às fls. 67/68, o qual, dentre outras coisas, disse
I – que é motorista profissional desde 1984.
II – que, ao tempo do fato, conduzia o veículo Mercedes Benz, da Empresa Gonçalves.
III – que no dia do fato ao tentar deslocar o ônibus em comento, ouviu um baque, não sabendo, entretanto, do que se tratava.
IV – que ao descer do veículo, pode constatar que havia um corpo no chão.
V – que ficou sabendo que tinha sido uma moto que havia colidido com o ônibus que dirigia.
V – que, com receio de ser linchado, vez que havia estudantes incitando os presentes, resolveu deixar o local.
11.00. O acusado J. A. N. foi interrogado a seguir, às fls. 68/69, de cujo depoimento destaco os seguintes fragmentos:
I – que, no dia do fato, trafegava no sentido centro/João Paulo.
II – que, próximo ao CEFET, um veículo Fiat entrou num retorno, colocando parte da dianteira na pista de rolamento onde trafegava.
III – que, ao tentar desviar do Fiat, foi atingido por um ônibus, que trafegava no mesmo sentido, daí resultando que perdeu o controle da moto.
IV – que trazia na garupa da moto duas pessoas.
V – que, ao perder o controle da moto, a vítima caiu da garupa, tendo o ônibus passado por cima da mesma, causando-lhe a morte.
12.00. A seguir, foram ouvidas as testemunhas do rol do MINISTÉRIO PÚBLICO.
13.00. A primeira testemunha inquirida foi J. R. G., às fls. 125/127, de cujo depoimento destaco os seguintes excertos:
I – que estava em sua residência quando houve o acidente.
II – que tinha vínculo empregatício com a empresa proprietária do ônibus envolvido no acidente.
III – que quando chegou ao local o fato já tinha se consumado.
IV – que o motorista do ônibus ligou para ele, depois do fato ocorrido, dizendo que se evadiu do local porque queriam linchá-lo.
14.00. Em seguida foi ouvida a testemunha A. C. M. D., que, de seu lado, às fls. 128/130, afirmou:
I – que se encontrava no coletivo quando se deu a ocorrência.
II – que foi um dos que ajudou a socorrer a vítima.
III – que, porque estava dentro do coletivo envolvido no acidente, não viu como aconteceu.
IV – que o motorista do coletivo se evadiu após o acidente.
15.00. Analisadas, com vagar, as provas produzidas, passo a expender as conclusões a que chego acerca do acidente do qual resultou a morte de C. A. L. R..
16.00. A quaestio acerca da participação do acusado D. A. T. não se reveste de nenhuma complexidade.
16.01. O acusado, com efeito, não deu causa ao acidente.
16.01.01. A sua responsabilidade, nesse sentido, é nenhuma.
17.00. Compreendo, no entanto, na mesma linha de entendimento do MINISTÉRIO PÚBLICO, que o acusado, malgrado o exposto, incidiu nas penas do artigo 135 do CPB.
17.01. Incidindo nas penas do artigo 135 do CP, há de se fazer a necessária redefinição jurídica do fato.
17.01.01. Operada a desclassificação, ter-se-á de convir, inobstante, que está prescrita a pretensão punitiva do acusado, ex vi legis, tema sobre o qual deliberarei oportuno tempore.
18.00. No que condiz com a ação do acusado J. A. N., tenho para mim, a par do seu próprio depoimento, que deu causa ao acidente, por negligência, imprudência – e imperícia, vez que nem habilitado era ao tempo do fato.
19.00. Antes, importa fazer algumas anotações preliminares.
20.00. É consabido que a primeira figura penal que passou a ser regulada pelo CÓDIGO DE TRÂNSITO foi o homicídio culposo, que consiste na eliminação da vida de uma pessoa por ato de outra, através de uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência, negligência ou imperícia.
21.00. As modalidades de culpa podem ser traduzidas assim:
a) na imprudência há a prática de ato perigoso;
b) na negligência há falta de precaução ou cuidados; e
c) na imperícia, há uma omissão em aptidão técnica, teórica ou prática.
22.00. Aduzo que a imprudência é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. É a imprevisão ativa (culpa in faciendo ou in committendo).
23.00. Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação.
24.00. Negligência é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. É a imprecisão passiva, o desleixo, a inação (culpa in ommittendo). É não fazer o que deveria ter feito.
25.00. Imperícia é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício da arte, profissão ou ofício. Imperícia não se confunde com erro profissional. O erro profissional é um acidente escusável.
26.00. Os limites da norma imperativa encontram-se no poder de seu cumprimento pelo sujeito.
26.01. Por isso, o dever de cuidado não pode ir além desses limites.
26.01.01. A inevitabilidade do resultado, de efeito, exclui a própria tipicidade.
27.00. Em outros termos, é indispensável que a inobservância do cuidado devido seja a causa do resultado tipificado como crime culposo.
28.00. A forma culposa de homicídio só restará tipificada se presentes estiverem os seguintes requisitos:
a) comportamento humano voluntário;
b )descumprimento de dever de cuidado objetivo;
c) previsibilidade objetiva do resultado; e
d) morte involuntária.
29.00. A par dessas considerações e tendo a nortear esta decisão os comandos legais esculpidos no CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO e na CONSTITUIÇÃO FEDERAL, passo, agora definitivamente, a expender as minhas conclusões.
30.00. Para mim, a par do quadro de provas, o acusado J. A. N., que conduzia a motocicleta Yamaha/TRD 180, 90/91, cor prata, foi o único responsável pelo acidente que vitimou C. A. L. R..
31.00. O acusado, viu-se acima, sem habilitação, conduzia, voluntariamente, numa moto, dois caronas, um dos quais, C. A. L. R., faleceu, ao cair da motocicleta, em face da lesão que sofreu ( traumatismo crânio-encefálico).
32.00. O acusado J. A. N., ao conduzir dois caronas, sem ser sequer habilitado, sem a observância de qualquer cautelar, descumpriu o dever de cuidado objetivo, malgrado tivesse totais condições de antever que, em face de sua imprudência, poderia, sim, causar o acidente, que acabou por acontecer e vitimar C. A. L. R..
33.00. O homicídio culposo, anotei acima, consiste na eliminação da vida de uma pessoa por ato de outra, através de uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência, negligência ou imperícia.
34.00. O acusado J. A. N., pode-se concluir, agiu de forma imprudente e negligente, com isso provocando o acidente do qual resultou a morte de C. A. L. R..
35.00. O acusado J. A. N , é de boa cepa que se registre, não tinha condições de pilotar a moto envolvida no acidente, pois sequer tinha carteira de habilitação, donde se presume a sua falta de condições técnicas e psicológicas para esse fim.
36.00. O acusado J. A. N foi imprudente, porque dirigia perigosamente, carregando na garupa da moto duas pessoas, o que, por si só, já demonstra o quão perigosamente conduzia o veículo.
37.00. O acusado J. A. N não agiu com precaução e com os cuidados devidos. Daí a certeza de que foi negligente.
37.01. Não tinha o acusado, por fim, aptidão técnica e teórica para dirigir a moto que dirigia, razão por que pode-se dizer que deu causa ao evento por imperícia.
38.00. A ação do acusado J. A. N, posso afirmar, é típica – formal e materialmente.
38.01. A ação do acusado é típica porque, além da subsunção formal, foi socialmente inadequada e potencialmente lesiva (fora da normalidade social), conclusão a que se chega, não é demais repetir, a par do quadro de provas que se avoluma nos autos.
39.00. Sabe-se, mas não custa referir que, em decorrência da fragmentariedade e subsidiariedade, para ser típica, a conduta deve ter relevância, ou seja, o direito penal só deve atuar até onde necessário para proteção do bem jurídico.
39.01. Se a ofensa ao bem jurídico é relevante – e o foi no caso sub examine – o fato é típico, estando o Estado, por isso, autorizado a intervir.
40.00. A conduta do acusado J. A. N, no caso concreto, foi, importa reafirmar, relevante, relevância aferida pelo critério da nocividade social da conduta, pelo desvalor da ação e do resultado, pelo grau de lesividade ao bem jurídico tutelado e pela necessidade de aplicação da pena.
41.00. O comportamento humano, para ser típico, é consabido, não só deve ajustar-se formalmente a um tipo legal de crime, como também ser ofensivo e socialmente reprovável.
42.00. In casu sub examine, a conduta do acusado se amolda, definitivamente, ao tipo penal mencionado na denúncia, pois que, com sua ação, atentou, significativamente, contra a ordem jurídica.
43.00. O acusado, ao colidir com o veículo que dirigia, com duas pessoas na garupa, provocou o acidente, que poderia ter evitado, se não tivesse sido imprudente e negligente.
44.00. É bem de se ver, assim, que o resultado morte deu-se, seguramente, em face da inobservância, pelo acusado, do cuidado devido.
45.00. A propósito do afirmado acima, trago à colocação a decisão abaixo, no mesmo diapasão, verbis:
APELAÇÃO – HOMICÍDIO CULPOSO – DELITO DE TRÂNSITO – RESPONSABILIDADE DO RÉU – AMPLO CONJUNTO PROBATÓRIO – CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – SUSPENSÃO DA CARTEIRA DE HABILITAÇÃO – PENA CUMULATIVA – PROPORCIONALIDADE COM A PRIVATIVA DE LIBERDADE – A inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada nos autos, autoriza o decreto condenatório, para se evitar impunidades. Tratando-se do crime previsto no art. 302 da Lei nº 9.503/97, a fixação do prazo de suspensão da habilitação para dirigir veículo deve ser diretamente proporcional à infração cometida quando não houver justificativa para a imposição de prazo maior. (TAMG – AP 0400866-6 – (87507) – Nova Lima – 2ª Cam.Mista – Relª Juíza Maria Celeste Porto – J. 07.10.2003)
46.00. A defesa do acusado J. A. N, dentre outras coisas, alega a inexistência de nexo causal, ou seja, inocorrência de vínculo entre a sua conduta e o resultado, o que, convenhamos, é um gravíssimo erro de interpretação, pois que as provas são mais do que claras no sentido de que foi, sim, o causador do acidente do qual decorreu a morte de C. A. L. R..
47.00. O acusado, é verdade, alegou que o acidente decorreu da tentativa que fez de desviar de um veículo Fiat, fazendo-o com o objetivo de resguardar a sua vida e das pessoas que estavam na garupa da motocicleta.
48.00. Esse argumento da defesa, é bem de ver-se, não encontra amparo na prova amealhada, como se viu acima, à exaustão.
49.00. A defesa argumenta, ademais, que não tinha como prever que, por estar conduzindo duas pessoas na garupa da moto, em caso de queda, provocado por fato externo, pudesse alguém vir a ser atropelado por um ônibus.
50.00. Ora, crime culposo, todos sabemos, se verifica quando o agente, deixando de observar o dever de cuidado objetivo, por imprudência, negligência ou imperícia, realiza voluntariamente uma conduta que produz resultado naturalístico indesejado, i. e., não previsto e nem querido, mas que podia, com a devida atenção, ter evitado.
51.00. Nessa linha de argumentação, não se pode, como o mínimo de lucidez, concluir que o acusado, ao conduzir duas pessoas no moto que, de rigor, só pode conduzir um carona, não tenha dado causa ao resultado naturalístico – conquanto indesejado, mas que poderia ter sido evitado.
52.00. O acusado, voluntariamente, conduzia uma moto, sem habilitação para dirigi-la, sem a observância das cautelas devidas, disso decorrendo que deu causa ao acidente por imprudência, para dizer o mínimo.
53.00. O acusado praticou, sim, uma conduta perigosa, por ele aceita e desejada, muito embora não se possa dizer que pretendesse o resultado naturalístico, hipótese em que nos autorizaria a reconhecer o homicídio doloso.
54.00. O dever objetivo de cuidado é o comportamento imposto pelo ordenamento jurídico a todas as pessoas, visando o pacífico convívio social.
55.00. No caso em comento, esse dever foi rompido pelo acusado que, viu-se quando da análise das provas, praticou uma conduta descuidada, desatenta, dela advindo o resultado naturalístico indesejado.
56.00. Equivocadamente, a defesa alega, finalmente, que a causa da morte do ofendido não foi o descuido, a desatenção do acusado, mas o atropelamento do ofendido por um ônibus. Daí que, também por isso, não poderia ser responsabilizado pelo evento.
57.00. Para o governo do acusado, anoto que causa é todo comportamento humano, comissivo ou omissivo, que de qualquer modo concorre para a produção do resultado naturalístico, pouco importando o grau de contribuição (art. 13 do CP). Basta, pois, que tenha contribuído para o resultado material, na forma e quando ocorreu.
58.00. Causas absolutamente independentes, de outra parte, convém sublinhar, são aquelas que não se originam da conduta do agente, ou seja, são absolutamente desvinculadas da sua ação ou omissão ilícita. É a chamada causalidade antecipadora, que rompe o nexo causal.
59.00. Do exame da prova consolidada, ainda que superficial, pôde-se ver que o evento não decorreu, por si só, em face do ônibus atropelador. O fato ocorreu em face da ação negligente e imprudente do acusado.
60.00. A expressão por si só (§1º, do artigo 13 do CP) revela – o que não quis ver a defesa – a autonomia da causa superveniente que, embora relativa, não se encontra no mesmo curso do desenvolvimento causal da conduta praticada pelo autor.
60.01. É dizer: depois do rompimento da causalidade, a concausa manifesta a sua verdadeira eficácia, produzindo o resultado por sua própria força, ou seja, invoca para si a tarefa de concretizar o resultado naturalístico.
61.00. É bem de ver-se que o resultado naturalístico alcançado deu-se, sim, em face da conduta do acusado.
61.01. O resultado que se verificou in casu sub examine foi, sim, decorrência da conduta do acusado, uma decorrência natural de sua ação imprudente e negligente.
62.00. Em matéria de causalidade, todos nós sabemos, o nosso CP adotou a teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non. É dizer, tudo que contribui em concreto para o resultado é causa. Daí que, in casu, o nexo etiológico entre a conduta do acusado e o evento danoso é mais do que evidente, a defenestrar o argumento da defesa.
63.00. A verdade, a mais sobranceira verdade, é quer a realidade exterior não teria sofrido qualquer transformação, não fosse a ação descuidada e imprudente do acusado.
64.00. A guisa de reforço, anoto que a responsabilidade pelo resultado mais danoso só é excluída quando o mesmo advém de uma causa absolutamente independente, que nenhuma ligação tenha com o fato praticado pelo agente.
65.00. Para que se reconheça a causa superveniente, é mister que esta não tenha ligação alguma, nem mesmo ideológica, com a ação. Se, ao reverso, está na linha de desdobramento físico do fato, não se pode, validamente, excluir a imputação, como pretende a defesa.
66.00. TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO, JULGO PROCEDENTE, parcialmente, a denúncia, para, de conseqüência,
I – DESCLASSIFICAR a imputação feita ao acusado D. DE A. .T., brasileiro, casado, motorista, filho de F. de A. T. e C. M. T., residente na Rua 32, Quadra 23, Vila Embratel, nesta cidade, fazendo-a recair no artigo 135 do Codex Penal, para, no mesmo passo, DECLARAR EXTINTA a sua PUNIBILIDADE, a considerar a pena máxima prevista in abstracto (06 meses) e a data do recebimento da denúncia (05 de janeiro de 2004), o que faço com espeque no inciso IV, primeira figura, do artigo 107, e inciso VI, do artigo 109, ambos do CP;
e
II – CONDENAR o acusado J. A. N, brasileiro, solteiro, artesão, filho de U. J. A. e T. P. A., residente na Rua 44, quadra 73, casa 02, Jardim São Cristóvão, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 302 do Digesto de Trânsito, cuja pena-base fixo em dois anos de detenção, sobre a qual faço incidir mais 1/3, em face da causa especial de aumento de pena prevista no inciso I, parágrafo único, do artigo 302, totalizando, definitivamente, 2 (dois) anos e 08(oito)meses de detenção, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis.
67.00. Anoto que a pena-base foi fixada no mínimo legal. Daí por que deixei de considerar eventuais circunstâncias atenuantes e, pela mesma razão, deixei de fazer alusão às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, sem que da omissão resulte qualquer nulidade, à falta de prejuízo.
68.00. O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois que
I – a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos,
II – a acusada não é reincidente;
III – o crime foi praticado com violência contra a pessoa, mas é culposo; e
IV – as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP lhe são favoráveis.
69.00. Assim sendo,
SUBSTITUO a pena PRIVATIVA DE LIBERDADE por PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE(artigo 43, IV, do CP), cujo programa deverá ser definido no juízo da execução, ex vi do artigo 149, I, da LEP.
70.00. Antevendo a possibilidade de se argumentar, em sede recursal, que o crime em comento não comporta a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devo dizer que aqui se cuida de crime culposo, em razão do que não há impedimento legal para concessão do favor legis.
71.00. Os Tribunais têm decidido na mesma senda, como se colhe da ementa abaixo, verbis:
DIREITO PENAL – RECURSO ESPECIAL – HOMICÍDIO CULPOSO – SURSIS PROCESSUAL – Substituição da pena. Pena mínima. I – Todos os delitos culposos (materiais, formais ou de mera conduta, bem assim, ao de dano ou de perigo) podem receber o benefício da substituição qualquer que seja a pena, desde que preenchidos os requisitos específicos (com destaque ao inciso II do art. 44 do CP). A limitação de 4 anos de pena privativa de liberdade e a inocorrência de violência ou grave ameaça diz com os delitos dolosos. II – Se a pena base foi fixada no mínimo legal, a substituição não pode ser obstada pela inobservância das condições do sursis processual (arts. 44, inciso III e 59 do CP). Recurso provido. (STJ – RESP 442346 – RJ – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 01.12.2003 – p. 00391) JCP.44 JCP.44.II JCP.44.III JCP.59.
P.R.I.C.
Custas, pelo acusado.
Transitada em julgado esta decisão, expeça-se CARTA DE EXECUÇÃO
Arquivem-se os autos, após, com a baixa em nossos registros.
São Luís, 22 de abril de 2009.
Juiz JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA
Titular da 7ª Vara Criminal
Estou considerando como aula esta Sentença, parabéns.
E a familia como fica, vai receber alguma indenizaçao ou vai ficar so nisso mesmo,ou que a familia precisa fazer ja que a vitima deixou dois filhos sendo que uma tem uma defisiencia vizual
Tambem considerei uma verdadeira aula.
Verdadeira aula. Mas o meu réu em questão foi condenado a 04 anos e 06 meses. Necessidade recurso p/ pelo menos chegarmos aos 04 anos.