Absolvição por insuficiência de provas. Fragmentos.

Publico a seguir alguns excertos de uma decisão absolutória.

  1. “A persecução criminal se materializa em dois momentos distintos – nas fases administrativa e judicial. A prova administrativa, sabe-se, municia o Ministério Público, órgão oficial do Estado, responsável pela persecução criminal nos crimes de natureza pública, para que este, se assim entender, oferte a necessária denúncia. A prova administrativa, com efeito, não serve, isolada, para dar sustentação a um decreto de preceito condenatório. Há que se produzir, assim, provas no ambiente judicial, arejadas pela ampla defesa e pelo contraditório, corolários do devido processo legal ( due process of law), sem as quais restará inviável a edição de um decreto sancionatório.
Mais fragmentos, a seguir.
A prova judiciária, sabe-se, tem um claro, claríssimo objetivo, qual seja “ a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos” (1)
Essa tarefa, de reconstruir a verdade dos fatos, não é fácil de ser cumprida, resultando, não raro, que, pese as várias provas produzidas, não se consegue a reconstrução histórica dos fatos, assomando dos autos, muitas vezes, apenas a verdade processual. O processo, não raro, produz apenas uma certeza do tipo jurídica, mas que pode, sim, não corresponder à verdade da realidade histórica.
É truísmo afirmar, mas devo fazê-lo, que “ para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha sanção penal a uma determinada pessoa, é necessário que adquira a certeza de que foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autoria” (2)
O magistrado só estará convicto de que o fato ocorreu e de que seja determinada pessoa a autora do ilícito, , “ quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos “. (3) Se o Ministério Público denunciou uma determinada pessoa, acusando-a de ter infringido um comando normativo, mas não consegue demonstrar, quantum sufficti, ser verdadeira a imputação, não pode o julgador, validamente, editar um decreto de preceito sancionatório. Sem que consiga o representante ministerial demonstrar tenha determinado acusado enfrentado um comando normativo penal, restará, debalde, com efeito, eventual pretensão de que seja o réu punido, pois que, é ressabido “ de nada adiante o direito em tese ser favorável a alguém se não consegue demonstrar que se encontra numa situação que permite a incidência da norma”. (4)
A finalidade da prova, não é demais repetir, é o convencimento do juiz, que é seu destinatário, de que uma determinada pessoa tenha infringido um comando normativo. No processo, a prova, bem por isso, não é um fim em si mesma. Sua finalidade é prática, ou seja, convencer o juiz . Não da certeza absoluta, a qual, devo dizer, é, quase sempre, impossível de alcançar, “ mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado” de que esse ou aquele acusado malferiu um comando legal (5)
O Estado, ao dar início à persecução penal, ao colocar em funcionamento a máquina persecutória, há que se lembrar que tem diante de si uma pessoa que tem o direito constitucional a ser presumido inocente, pelo que possível não é que desta inocência a mesma tenha que fazer prova. Resta, então, a ele ( o Estado) a obrigação de provar a culpa do acusado, com supedâneo em prova lícita e moralmente encartada aos autos, sob pena de, em não fazendo o trabalho que é seu, arcar com as conseqüências de um veredicto valorado em favor da pessoa apontada com autora do fato típico.
É de relevo que se diga que não é à pessoa acusada que cabe o ônus de fazer prova de sua inocência, o que seria, devo dizer, a consagração do absurdo constitucional da presunção da culpa, situação intolerável no Estado Democrático de Direito. É o órgão estatal que tem o dever de provar que tenha o réu agido em desconformidade com o direito.
Preconiza o artigo 157 do CPP, que o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova. Em decorrência disso, vários são os princípios que regem a prova e sua produção em juízo. A nossa lei processual penal, pelo que se depreende da dicção do dispositivo legal mencionado, adotou o princípio do livre convencimento, também denominado da livre convicção, ou da verdade real, como é comumente chamado. Por tal princípio, o juiz firma sua convicção pela livre e isenta apreciação da prova, não ficando adstrito a critérios apriorísticos e valorativos, não existindo provas previamente tarifadas ou de maior valor que outras, quando da busca da verdade real no caso a ser apreciado.
A exposição de motivos do CPP esclarece que ” O projeto abandonou radicalmente o sistema da “certeza legal”. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá ex vis legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra”. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência. Nunca é demais advertir, porém, que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou arbítrio na apreciação da prova. Decidir em desfavor de um acusado, com arrimo em provas frágeis e não conclusivas, é, a meu sentir, decidir arbitrariamente. É afrontar, a mais não poder, o princípio da livre convicção, transformando-o em arbítrio, pura e simplesmente.
É evidente, não custa lembrar, que o juiz criminal não fica cingido a critérios tarifados ou predeterminados quanto à apreciação da prova. Não é demais repetir, no entanto, que fica adstrito às provas constantes dos autos em que deverá sentenciar, sendo-lhe vedado não fundamentar a decisão, ou fundamentá-la em elementos estranhos às provas produzidas durante a instrução do processo, afinal quod non est in actis non est in mundo.
É de rigor que o juiz deve fundamentar todas as suas decisões 6. Só pode fazê-lo, no entanto, em face das provas produzidas em sede judicial, buscando as administrativas, tão-somente, para compor, integrar, fortalecer o quadro de provas. Jejuno o processo de provas judiciais acerca da autoria, o magistrado não dispõe de dados que lhes permitam fundamentar uma decisão de preceito sancionatório. A menos que, absurdamente pudesse decidir somente segundo sua experiência pessoal, segundo dados que não foram colhidos nos autos.
Todo o processo penal se desenrola com o objetivo único da decisão, do pronunciamento do Estado-juiz, a pôr um fim à lide penal, instaurada com o surgimento – pela afronta à norma – do jus puniendi. Por isso mesmo é que toda a atividade desenvolvida pelos intervenientes no processo tem por finalidade trazer aos autos provas capazes de reconstituir historicamente o fato inquinado de criminoso, de tal maneira que seja possível criar, no espírito do julgador, uma clara certeza acerca dos acontecimentos. Assim é que esta atividade instrutória há de ter regras rígidas de apreensão e controle das provas produzidas, no dúplice interesse da apuração dos fatos e também da garantia do direito de defesa de que goza o acusado. Esta rigidez possibilita uma garantia de que o órgão incumbido de proferir a decisão vai trabalhar a partir de premissas válidas, construindo sobre elas hipóteses o mais possível (ou tanto quanto possível) verdadeiras.
O decreto condenatório precisa estar fincado sobre os elementos carreados ao processo e que ofereçam ao magistrado sentenciante a pacífica certeza da ocorrência dos fatos censurados e apontem sua autoria. Existindo fragilidade nas escoras probatórias, todo o juízo edificado padece de segurança, dando margem à arbitrariedade, pondo em risco o ideal de justiça preconizado pelas sociedades democráticas.
Se a prova produzida no inquérito policial e na sede judicial, não for suficiente para expedição de uma condenação criminal, deve-se, por isso, absolver o acusado, nos termos art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.
Os Tribunais têm decidido, por óbvias razões que ante a insuficiência de conjunto probatório capaz de sustentar um decreto condenatório e não restando demonstrada a autoria do delito é de se conceder provimento ao recurso para, nos termos do art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, absolver o acusado. (7) No mesmo sentido é a decisão segundo a qual “ revelando-se as provas colhidas no inquérito policial e em juízo, frágeis e duvidosas, impõe-se a absolvição do réu, por insuficiência de provas, nos termos do artigo 386, incisos VI, do CPP”. (8)
No mesmo rumo o entendimento pretoriano de que “ Não sendo o conjunto probatório suficiente para afastar toda e qualquer dúvida quanto à responsabilidade criminal do acusado, imperativa é a prolação de sentença absolutória. “Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios. A prova da autoria deve ser concludente e estreme de dúvida, pois só a certeza autoriza a condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a absolvição do réu deve prevalecer” . (9)
É de concluir-se, em face de tudo que foi exposto e forte na melhor interpretação jurisprudencial que “Inexistindo prova robusta para proferir-se um decreto condenatório, a melhor solução é a absolvição do acusado, atendendo ao princípio do in dubio pro reu, uma vez que, para ensejar uma reprimenda criminal, a autoria e a materialidade do delito têm de estar absolutamente comprovadas nos autos”. (10)
 Notas e Referências Bibliográficas

(1) OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, in Curso de Processo Penal, 4ª edição, editora Del Rey, p. 363).

(2) MIRABETE, Júlio Fabbrini, in Processo Penal, 17ª edição, Editora Atlas, p. 274.

(3) MIRABETE, Júlio Fabbrini, ibidem.

(5) GRECO FILHO, Vicente, in Manual de Processo Penal, Editora saraiva, p. 173.

(6) GRECO FILHO, Vicente ob. cit. p. 174.

(7) Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada a 05 de outubro de 1.988 e Código de Processo Penal, artigo 381, III

(8) TREPB – PROC 2438 – (1864) – Rel. Juiz Marcos Cavalcanti de Albuquerque – DJPB 20.08.2003) JCPP.386 JCPP.386.VI

(9) TJAC – ACr 02.002253-0 – (2.410) – C.Crim. – Rel. Des. Francisco Praça – J. 04.04.2003) JCPP.386 JCPP.386.VI

(10) RT 708/339). Recurso a que se nega provimento. (TJMG – APCR 000.303.473-3/00 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Tibagy Salles – J. 13.05.2003) JCPP.386 JCPP.386.VI. TRF 4ª R. – ACr 2002.04.01.012888–5 – PR – 7ª T. – Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva – DJU 24.07.2002) JCP.334 JCPP.386 JCPP.386.VI

 

 

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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