O Brasil tem jeito?

COMPRA DE VOTO

Capturado na internet, na edição de hoje, do Jornal Folha de São Paulo

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0410200901.htm

Ninguém é inocente

Pesquisa Datafolha inédita revela que brasileiro tem alto padrão ético e moral, mas percepção ampla de corrupção no país; 13% admitem já ter negociado voto em troca de dinheiro, emprego ou presente

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO
O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éticos e morais adequados, mas vive sob o espectro da corrupção, revela pesquisa Datafolha inédita. Se o país fosse resultado dos padrões morais que as pessoas dizem aprovar, pareceria mais com a Escandinávia do que com Bruzundanga (corrompida nação fictícia de Lima Barreto), conclui-se deste “Retrato da Ética no Brasil”.
Por exemplo, 94% dizem ser errado oferecer propina, e 94% concordam ser repreensível vender voto -um padrão escandinavo, a região do norte da Europa que engloba países como Suécia e Noruega, os menos corruptos do mundo, segundo a Transparência Internacional.
Um país em que os eleitores trocam voto por dinheiro, emprego ou presente e acreditam que seus concidadãos fazem o mesmo costumeiramente; um país em que os eleitores aceitam a ideia de que não se faz política sem corrupção; um país assim deveria ser obra de ficção, como em “Os Bruzundangas” (Ediouro), livro de Lima Barreto de 1923.
Mas o Brasil da prática cotidiana parece mais com Bruzundanga do que com a Escandinávia. O Datafolha mostra que 13% dos ouvidos admitem já ter trocado voto por emprego, dinheiro ou presente -cerca de 17 milhões de pessoas maiores de 16 anos no universo de 132 milhões de eleitores.
Alguns declararam ter cometido essas práticas de forma concomitante. Separados por benefício, 10% mudaram o voto em troca de emprego ou favor; 6% em troca de dinheiro; 5% em troca de presente.
Dos entrevistados, 12% afirmam que estão dispostos a aceitar dinheiro para mudar sua opção eleitoral; 79% acreditam que os eleitores vendem seus votos; e 33% dos brasileiros concordam com a ideia de que não se faz política sem um pouco de corrupção. Para 92%, há corrupção no Congresso e nos partidos políticos; para 88%, na Presidência da República e nos ministérios.
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em análise feita para o Mais!, em artigo à pág. 5, afirma que o resultado sociológico relevante da pesquisa é a convergência de opiniões sobre a corrupção e questiona os efeitos na democracia do que chama de fim da autonomia da consciência individual típica do liberalismo.
A antropóloga Lívia Barbosa, autora de “O Jeitinho Brasileiro” (ed. Campus), acredita que, apesar das desigualdades econômicas e sociais, os brasileiros das mais diferentes faixas etárias, de gênero e de renda, níveis de escolaridade e filiações partidárias pensam “corretamente” a respeito de ética, moralidade e corrupção. “Ou vivemos na Escandinávia e não sabíamos e, portanto, devemos comemorar; ou o que fazemos na prática corresponde pouco ao que dizemos que fazemos e pensamos que deveria ser feito”, escreve Barbosa à pág. 9.
Povo e elite
O cientista político Renato Lessa reedita máxima de San Tiago Dantas: “o povo enquanto povo é melhor do que a elite enquanto elite”. “Não ficamos “mal na fita”. Há uma generalizada e consistente presença de marcadores morais e éticos. Cremos saber o que é a corrupção e onde e quando se apresenta. No mais, desconfiamos dos outros”, escreve à pág 11.
O economista Marcos Fernandes Gonçalves da Silva lembra (pág. 8) que a percepção de corrupção gigantesca não é um fenômeno brasileiro. Está em alta em países tão díspares como Argentina, Coreia do Sul, e Israel. A cobrança de propinas, especialmente associadas à “pequena corrupção”, é endêmica pelo mundo, diz ele, especialista no tema.
No Brasil, 13% ouviram pedido de propina, e 36% destes pagaram; 5% ofereceram propina a funcionário público; 4% pagaram para serem atendidos antes em serviço público de saúde; 2% compraram carteira de motorista; 1%, diploma.
Entre os entrevistados, 83% admitiram ao menos uma prática ilegítima ao responder a pesquisa (7% reconheceram a prática de 11 ou mais ações ilegítimas, admissão considerada “pesada”; 28% dizem ter praticado de 5 a 10 ações; 49% tiveram uma conduta “leve”, com até quatro irregularidades).
A pesquisa mostra que 31% dos entrevistados colaram em provas ou concursos (49% entre os jovens); 27% receberam troco a mais e não devolveram; 26% admitiram passar o sinal vermelho; 14% assumiram parar carro em fila dupla. Dos entrevistados, 68% compraram produtos piratas; 30% compraram contrabando; 27% baixaram música da internet sem pagar; 18% compraram de cambistas; 15% baixaram filme da internet sem pagar.
São os mais ricos e mais estudados os que têm as maiores taxas de infrações (97% dos que ganham mais de dez mínimos assumem ter cometido infrações e 93% daqueles que têm ensino superior também), sendo que 17% dos mais ricos assumem frequência pesada de irregularidades (11 ou mais atos). Entre os mais pobres, 76% assumem infrações; dos que têm só o ensino fundamental, 74% afirmam o mesmo.
Apesar disso, 74% dizem que sempre respeitam as leis, mesmo se perderem oportunidades. E 56% afirmam que a maioria tentaria tirar proveito de si, caso tivesse chance.
A pesquisa do Datafolha tem o mérito de colocar em foco problema crucial nacional. Uma discussão sobre se o Brasil deve seguir Bruzundanga.
A obra que retrata a República dos Estados Unidos da Bruzundanga foi lançada no ano seguinte à morte de Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), autor consagrado por livros como “Triste Fim de Policarpo Quaresma”.
“O valo de separação entre o político e a população que tem de dirigir faz-se cada vez mais profundo. A nação acaba não mais compreendendo a massa dos dirigentes, não lhe entendendo estes a alma, as necessidades, as qualidades e as possibilidades”, escreveu Lima Barreto. E concluiu: “Um povo tem o governo que merece”.
Próximo Texto: Uma carrada de barro em troca do voto
Índice

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.