Anchova com recheio de camarão

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Não há um só dia que não ocorra um fato inusitado durante a instrução de um determinado processo.

No dia de hoje, acabo de prolatar uma sentença, nos autos do processo nº 63642009, no qual o inusitado ficou por conta do álibi da defesa, articulado pelo advogado de defesa.

O acusado, com efeito, , disse que, no dia e hora do fato, estava em sua residência, assistindo a novela das 08, da rede globo; novela que, sabe-se, termina depois das 22 horas.

Ora, se o crime ocorreu às vinte e uma horas, é cediço que, estando o acusado em sua residência ao tempo do fato, não poderia ter praticado o crime, por lhe faltar o dom da ubiqüidade.

Mas o acusado, para dar sustentação ao álibi, tinha que se valer de uma prova testemunhal.

Para esse fim o acusado arrolou a testemunha Geiza de tal.

A testemunha em comento, no dia designado para o seu depoimento, indagada acerca do paradeiro do acusado, ao tempo do fato, disse, sem titubeio:

– Ele estava em minha casa, pois nesse dia preparei uma janta especial para ele e sua esposa: anchova, com recheio de camarão.

IMAGEM-PEIXE E CAMARÃO

Mais adiante, indaguei da testemunha a razão da homenagem feita ao acusado e sua esposa, porque antevi que se tratava de uma armação.

A testemunha, em face dessa indagação, respondeu, sem hesitar:

– Não havia nada de especial, Excelência. Eles gostam da minha comida e eu, quando posso, os convido para jantar.

Perceberam a trama?

A afirmação da testemunha não bate com a afirmação do acusado – este, porque disse que, ao tempo do fato, estava em sua residência; aquela por que disse que, ao tempo do fato, o acusado estava na sua casa, degustando uma anchova recheada de camarão.

O que se deu, efetivamente, é que a defesa esqueceu de combinar com a testemunha, que, descuidada, trouxe ao autos um álibi insustentável,

É assim que funciona a Justiça Criminal no dia a dia.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “Anchova com recheio de camarão”

  1. O diabo mora nos detalhes. E testemunhas de defesa raramente dizem alguma coisa de novo. Essas teses miraculosas apenas ricularizam o réu e tiram o crédito do advogado em futuras demandas.
    Justiça trabalhista e criminal batem recordes de testemunhos fraudulentos.
    Excelente crônica.
    Acesse notasjudiciosas.wordpress.com

  2. Uma bela crônica, meu Professor. É um suicídio o advogado instruir testemunha.
    Poderia eu usá-la no meu próximo livro, com o devido registro da autoria?

    Abraços do Paulo Cruz Pereira

  3. Um dia desse fui assistir a uma Audiência, de um caso um pouco emblemático ( p/ mim). Percebi duas testemunhas altamente instruídas, tanto que a Adv. respondia por elas para não incorrer no erro de mudarem uma vírgula do que foi combinado. Fiquei péssima, pq queria me posicionar, mas a lei processual não permitia e a ética também, cheguei a balbuciar e fui ouvida!
    Não me conformo com essas armações, o tiro pode sair pela culatra, ops! pela culinária!!
    Muito boa!!!! por isso sempre as leio!

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