Sentença condenatória. Homicídio culposo

 

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Processo nº 7812005

Ação Penal Pública

Acusado: T. L. P.

Vítima: F. S. R. e outra


 

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra T. L. P., devidamente qualificado, por incidência comportamental nos artigos 302, parágrafo único, III, e 303, parágrafo único, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, de cuja denúncia trasncrevo o excerto abaixo, verbis:

A persecutio criminis teve início mediante instauração de Portaria noticiando que no dia 13 de setembro de 2004, por volta das 16hoo, na Br 135, Km, 08, entrada do Distrito Industrial, nesta capital, o denunciado, que dirigia uma caçamba, acabou por colidir com uma motocicleta ocupada por duas pessoas, causando a morte do motociclista Sr. F. S. R. e graves lesões no passageiro Sr. P. R. S. (Sic)

Mais adiante, outro excerto relevante:

Informam os autos que as vítimas acima referidas, no dia e hora mencionados, trafegavam pela Br 135, no sentido São Cristóvão-Maracanã, ocasião em que, nas imediações da entrada do Distrito Industrial, foram surpreendidos por uma manobra arriscada efetuada pelo motorista de uma caçamba, cor vermelha, placas HPR 8719, a qual, sem respeitar a preferência de tráfego, fez um desvio para entrar na direção ao “lixão da ribeira”, no Distrito Industrial, invadindo a faixa em que a motocicleta trafegava no mesmo sentido, atingindo-a e arremessando o motociclista para debaixo do pneu da caçamba e o passageiro para o asfalto. Ato contínuo, o denunciado fugiu sem prestar socorro às vítimas (Sic).

A persecução criminal teve início com portaria (fls.07).

Laudo de Exame em Local de Acidente de Tráfego com Vítima Fatal (fls.45/47).

Exame cadavérico às fls. 60

Laudo de exame de lesão corporal às fls.79/80.

Exame complementar às fls. 93

Recebimento da denúncia às fls. 98/99.

O acusado foi citado, porém não atendeu ao chamamento para se ver processar, tendo sido, por isso, decretada a sua revelia (fls. 124).

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas P. R. S. (fls.138/141), R. S. (fls. 142/144) e A. S. P. (fls.154).

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a condenação do acusado, nos termos da denúncia (fls.156/159).

A defesa, de seu lado, pediu a absolvição do acusado, com espeque no artigo 386, VII, do CPP, e, subsidiariamente, a aplicação do denominado sursis etário (artigo 77, §2º, CP) ou a benesse prevista no artigo 54 do CP aplicando a pena restritiva de direito, em detrimento da privativa de liberdade (fls.164/166).

Relatados. Decido.


01.00. O Ministério Público denunciou T. L. P., devidamente qualificado, porque o mesmo, com sua ação, teria hostilizado os artigos 302, parágrafo único, III, e 303, parágrafo único, ambos do Código de Trânsito brasileiro, em concurso formal.

02.00. Ressai da prefacial que o acusado, no dia 13 de setembro de 2004, por volta das 16h00, na Br 135, no Km 08, entrada do Distrito Industrial, dirigindo uma caçamba, colidiu com uma motocicleta que conduzia duas pessoas, provocando a morte de F. S. R. e lesões graves em P. R. S..

03.00. As provas, em face da ação do acusado, foram produzidas em dois momentos distintos: sedes administrativa e judicial.

04.00. Na fase inaugural da persecução criminal destacam-se o Laudo de Exame em local de Acidente de Tráfego com vítima fatal (fls.45/47), o Exame Cadavérico (fls.60), o Exame de Corpo de Delito (fls.79/80) e o Exame Complementar (fls. 93).

05.00. Da mesma sede vejo o interrogatório do acusado, o qual confessa ter estado na direção da caçamba cor vermelha, placa HPR 3014, ao tempo do acidente narrado na denúncia (fls.27/28).

06.00. De se destacar, na mesma sede, o depoimento de A. S. P., que assistiu ao exato momento em que o acusado fez uma manobra arriscada, sem atentar para a corrente de tráfego, tendo, por isso, interceptado a trajetória da moto conduzida pelo ofendido, provocando a colisão retratada na denúncia (fls. 37/38).

07.00. Esclarecedor, ademais, é o depoimento prestado pelo ofendido P. R. S., que confirmou a ocorrência do fato e a fuga do acusado – sem socorrer a ele e a F. S. R., registre-se (fls.39/40).

08.00. Esses os dados mais relevantes dos amealhados em sede administrativa.

09.00. Com esses dados, foi deflagrada a persecução criminal, no seu segundo momento, tendo o Ministério Público, como suso mencionado, denunciado T. L. P. por incidência comportamental nos artigos 302, parágrafo único, III, e 303, parágrafo único, ambos do CTB, em concurso formal (artigo 70, do CP).

10.00. Da segunda fase da persecução criminal destaco que o acusado foi citado e que não atendeu ao chamamento para se defender, razão pela qual foi decretada a sua revelia (fls. 124).

11.00. Da mesma fase destaco o depoimento do ofendido P. R. S., que, dentre outras coisas, disse:

I – que o acusado avançou o sinal, entrou na frente da moto que conduzia a vítima fatal, provocando a colisão;

II – que o acusado não esperou passagem e entrou de uma vez; e

III – que o motorista da caçamba fugiu depois do acidente.

12.00. De se destacar, ademais, os seguintes fragmentos do depoimento de A. S.P., às fls. 154:

I – que, ao tempo do fato, estava na Br 135, atrás da motocicleta conduzida pela vítima;

II – que observou que a vítima, no retorno que dá para a entrada do Maracanã, ingressou na pista, na sua preferencial, quando um caminhão, sem observar a obrigatoriedade de parar, vez que a preferencial era de quem estava na rotatória, colidiu com a moto da vítima, resultando disse que o caminhão conduzido pelo acusado passou cima da vítima;

III – que o autor do fato seguiu em frente, sem prestar socorro á vítima;

IV – que, como vinha atrás da moto da vítima, também em uma motocicleta, foi obrigado a fazer uma manobra brusca para não colidir.

13.00. Examinada a prova produzida nos dois momentos da persecução, não tenho dúvidas de que o acusado, com sua ação, foi o único responsável pelo acidente do qual resultou a morte de F. S.R. e produziu lesões corporais graves em P. R. S..

14.00. Na primeira fase da persecução os peritos concluíram, verbis:

“Assim, em face do analisado e exposto, concluem os peritos que a causa determinante do acidente foi a manobra de retorno realizada pelo condutor do veículo V2 quando as condições de trafego não eram favoráveis para fazê-la com segurança, resultando interceptar a trajetória do veículo V1, sendo colidido por este, nas circunstâncias acima mencionadas”

15.00. As conclusões do experts são na mesma senda do depoimento da principal testemunha, A. S. P., para quem o acusado, efetivamente, fez uma manobra proibida, provocando o acidente do qual resultaram a morte de um – F. S. R. – e lesões corporais noutro – P. R. S..

16.00. De se por em relevo, outrossim, o Exame Cadavérico de fls. 60, prova material do crime, no qual vê-se que o ofendido F. S. R. morreu em face de politraumatismo por acidente de trânsito.

17.00. Com a mesma relevância, destaco o exame de corpo de delito do ofendido P. R. S., provocada por instrumento contundente (cf. fls. 79).

18.00. Destaco do mesmo conjunto de provas o exame de corpo de delito (complementar) realizado no ofendido P. R. S., donde se vê que, passados mais de quatro meses da ocorrência do crime, ainda não estava curado das lesões (fls.93).

19.00. A conclusão, a par do exposto, é que o acusado, na direção de veículo automotor, matou culposamente F. da S. R. e, da mesma forma, provocou lesões corporais em P. R. S., pelo que malferiu, em concurso formal, os artigos 302 e 303, do Código de Trânsito brasileiro.

20.00. O acusado, pode-se afirmar, eliminou a vida de F. da S. R. e provocou lesões corporais de natureza grave em P. R. S., através de uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência e negligência.

21.00. O acusado, não há dúvidas, causou a morte de F. da S. R. e lesões em P. R. S., por omissão de cautela, atenção e diligência que dele se esperava, por se tratar de um ser humano com capacidade de entender e discernir.

22.00. A propósito da quaestio sob retina, importa gizar que quando se diz que, in casu sub examine, a culpa é elemento do tipo, faz-se referência à inobservância do dever de diligência, sabido que todos no convívio social têm a obrigação de se conduzir de modo a não produzir, com sua conduta, danos a terceiros.

23.00. O acusado, ao que se vê das provas produzidas, praticou uma conduta típica, porque não agiu com o cuidado necessário, ou seja, não agiu como deveria agir uma pessoa dotada de discernimento e prudência.

24.00. A guisa de ilustração anoto que são elementos do fato típico culposo, I – a conduta humana e voluntária, de fazer ou não fazer, II – a inobservância do cuidado objetivo, manifestada através da imprudência, negligência ou imperícia, a previsibilidade objetiva, III – a ausência de previsão, IV – o resultado involuntário, V – o nexo de causalidade e VI – a tipicidade, todos eles presentes no caso sob retina.

25.00. A verdade, ao que dimana das provas produzidas, é que o acusado praticou, voluntariamente, uma conduta, sem a devida atenção e cuidado, daí que da manobra descuidada resultou um crime, não desejado por ele, mas previsto. O acusado, de efeito, não previu o previsível, pois que foi desatento.

26.00. O acusado, inicialmente, apenas conduzia uma caçamba, ser nenhuma pretensão de praticar um crime, nem expor interesses jurídicos de terceiros a perigo de dano.

27.00. Ocorreu, entrementes que, por falta de cuidado com o dever de diligência exigido pela norma, acabou por provocar o acidente do qual resultou a morte de um – F. S. R.-, e lesões corporais grave em outro – P. R. S..

28.00. O acusado, na direção de um veículo, tinha a obrigação de prever o resultado. Todavia, negligente, não o previu, daí que agiu com culpa e não com dolo, pois que não queria o resultado que culminou por provocar com a sua ação.

29.00. É claro que o resultado era previsível, pelo que se pode afirmar que o acusado agiu com culpa, por deixar de prever o que era previsível, disso decorrendo a produção involuntária de um resultado.

30.00. A pedra de toque da ilicitude do fato culposo reside não propriamente no resultado lesivo causado pelo agente, mas no desvalor da ação que praticou.

31.00. Se um motorista, como fez o acusado, faz uma manobra imprudente e vem a colidir com uma moto, pouco importa, in casu, que não pretendesse o resultado, que estivesse realizando uma atividade lícita, pois agiu ilicitamente ao não atender ao cuidado necessário a que estava obrigado em sua ação, dando causa ao resultado lesivo – no caso presente, morte e lesão corporal grave.

32.00. Com a inobservância do dever de cuidado o acusado transmudou uma atividade que era lícita, numa ilicitude, numa ação típica.

33.00. O acusado, como ser social que é, tinha o dever de se conduzir com cuidado, com as cautelas necessárias, para que de sua ação não resultasse danos a bens jurídicos alheios.

33.01. Todavia, assim não procedeu o acusado que, com sua ação irrefletida, causou sérios danos a terceiros, em razão dos quais deve ser responsabilizado criminalmente, na medida de sua culpabilidade, tendo em vista que, por não observar o cuidado objetivo que dela se exigia, praticou uma conduta antijurídica.

34.00. As provas acerca da omissão de socorro são plenas. O acusado, com efeito, podendo, deixou de prestar socorro às vítimas, daí a inevitável majoração da resposta penal, ex vi legis.

35.00. Os crimes – homicídio e lesão corporal – foram praticados em concurso formal, pois que o acusado, mediante uma ação, desdobrado(a) em dois atos, cometeu dois crimes.

36.00. Nesse sentido têm decidido os nossos Sodalícios, como se colhe das ementas a seguir transcritas, verbis:

“Embora haja pluralidade de eventos, em sequencia, quando se apresentam fundidos como resultado de uma conduta material e subjetivamente única configura-se um concurso ideal de infrações e não crime continuado” (JTACRIM 56/208).

37.00. No mesmo sentido:

Delito praticado com unidade de ação, mas contra mais de uma vítima, caracteriza a pluralidade de delitos, com aplicação de somente uma pena, porém, exacerbada, nos termos do §1º do artigo 51 (art. 70 vigente) do CP (JTACRIM 61/57).

38.00. No mesmo diapasão:

Em acidente de trânsito com várias vítimas, não há falar em concurso material, mas em concurso formal de infrações (JTACRIM 97/321).

39.00. Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente a denúncia, para, de consequencia,

CONDENAR T. L. P., brasileiro, viúvo, motorista, filho de J. G. P. e J. L. P., residente e domiciliado na Rua Axixá, nº 377, São Francisco, Zé Doca, por incidência comportamental nos artigos 302 e 303 do CTB, cuja pena restritiva de liberdade fixo em 02 (dois) anos de detenção, além de suspensão da permissão para dirigir veículo automotor pelo prazo de dois meses, ex vi do artigo 293 do CTB, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face do que prescreve o inciso III, parágrafo único, do artigo 302, perfazendo 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de detenção e 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de suspensão da licença para dirigir, sobre as quais faço incidir, finalmente, mais 1/6, em face do que prescreve o artigo 70, do CP, totalizando, definitivamente, 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de detenção, e 03 (três) meses e 20 (vinte) dias de suspensão da licença para dirigir veículos automotores, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis.

40.00. A propósito do aumento de pena, em face do concurso formal, anoto que

Incide no concurso formal, e não material, aquele que, mediante uma ação, pratica dois crimes. De impor-se, assim, a pena do crime de maior gravidade, com o aumento de 1/6 até metade (RT 513/388).

41.00. Anoto que a pena-base foi fixada no mínimo legal, daí por que deixei de considerar eventuais circunstâncias atenuantes e, pela mesma razão, deixei de fazer alusão às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, sem que da omissão resulte qualquer nulidade, à falta de prejuízo.

42.00. O acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois que

a) a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos,

b) o acusado não é reincidente;

c) o crime foi praticado com violência contra a pessoa, mas é culposo; e

d) as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP lhe são favoráveis.

43.00. Assim sendo,

substituo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade (artigo 43, IV, do CP), cujo programa deverá ser definido no juízo da execução, ex vi do artigo 149, I, da LEP.

44.00. Antevendo a possibilidade de se argumentar, em sede recursal, que o crime em comento não comporta a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devo dizer que aqui se cuida de crime culposo, em razão do que não há impedimento legal para concessão do favor legis.

44.00. Os Tribunais têm decidido na mesma senda, como se colhe da ementa abaixo, verbis:

DIREITO PENAL – RECURSO ESPECIAL – HOMICÍDIO CULPOSO – SURSIS PROCESSUAL – Substituição da pena. Pena mínima. I – Todos os delitos culposos (materiais, formais ou de mera conduta, bem assim, ao de dano ou de perigo) podem receber o benefício da substituição qualquer que seja a pena, desde que preenchidos os requisitos específicos (com destaque ao inciso II do art. 44 do CP). A limitação de 4 anos de pena privativa de liberdade e a inocorrência de violência ou grave ameaça diz com os delitos dolosos. II – Se a pena base foi fixada no mínimo legal, a substituição não pode ser obstada pela inobservância das condições do sursis processual (arts. 44, inciso III e 59 do CP). Recurso provido. (STJ – RESP 442346 – RJ – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 01.12.2003 – p. 00391) JCP.44 JCP.44.II JCP.44.III JCP.59.

P.R.I.C.

Custas, pelo acusado.

Transitada em julgado esta decisão, intime-se o acusado para que faça a entrega, em 48 (quarenta e oito) horas, da sua Carteira de Habilitação.

No mesmo passo, comunique-se a apreensão da Carteira de Habilitação ao Conselho Nacional de Trânsito e ao órgão de trânsito do Estado em que o acusado for domiciliado ou residente.

Custas, na forma da lei.

Com o trânsito em julgado, extrai-se carta de sentença.

Lance-se, antes, no nome no réu no rol dos culpados.

Arquivem-se, em seguida, com a baixa em nossos registros.

São Luis, 19 de outubro de 2009.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “Sentença condenatória. Homicídio culposo”

  1. Muito BOm, gostei muito, e foi de sorte achar seu site, sou estudante do 8º período de Direito e sua experiência expressada aqui poderá nos ajudar a tirar dúvidas e ao mesmo tempo no aprendizado de como fazer ou proceder mediante situação supracitada, fico grato pela leitura.

  2. Assim como Dário Duarte comentou, o texto é de grande auxílio no aprendizado de situações como essa. Sou do 1º ano do curso de Direito. E essa site é uma boa referencia para estudos.

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