As eleições, o eleitor e o abuso do poder econômico

Nada é mais vil, nada é mais covarde, nada é mais danoso, nada é mais torpe para o processo eleitoral e para a democracia representativa que a compra da consciência de um eleitor, máxime quando o eleitor é despreparado intelectualmente e fragilizado economicamente.

O candidato que compra o voto de um eleitor, que profana a sua consciência, abusando de sua fragilidade econômica, do seu despreparo intelectual, não merece o respeito dos seus congêneres.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

A matéria a seguir transcrita foi enviada  foi publicada no dia 28 de setembro, domingo, uma semana antes das eleições,  no Jornal Pequeno.

Vamos, pois, ao artigo.

“Em face da visibilidade que alcancei com o trabalho eleitoral que realizei tempos atrás, até hoje, quando se aproxima um pleito, sou instado a me manifestar sobre os mais variados temas que guardem vinculação com os pleitos – sobretudo no que se refere à fraude –, como seu eu fosse especialista nesse assunto.

Estando, agora, apenas na condição de eleitor, longe da ribalta e dos holofotes, ouço histórias arrepiantes acerca das fraudes que estariam em gestação para contaminar o pleito vindouro, o que, de resto, não é incomum, visto que em todos eles a cantilena é a mesma.

Claro que quando se fala de fraude eleitoral há muita fantasia, invencionice e má-fé, não obstante se saiba que pleito eleitoral isento de impurezas nunca existiu e nem existirá, mesmo porque, sendo obra do homem, haverá que estar mesmo impregnado de defeitos e máculas, como, afinal, é o homem em sua essência.

Aos que me questionam acerca de fraude eleitoral, a única coisa que posso dizer, com convicção, é que até hoje se abusa do poder econômico, cuja face mais perversa e deletéria é a compra descarada e às escâncaras de votos.

Nos dias atuais, com o processo democrático brasileiro praticamente consolidado, com as instituições funcionando a plena carga, ainda há quem – e como há! –, tendo dinheiro, atente contra a soberania do voto popular. Essa [a compra de votos] é uma praga que, imagino, tão cedo não será extirpada do processo eleitoral, porque, todos sabemos, é cultural.

Além de cultural, essa verdadeira chaga do processo eleitoral não será extirpada, ademais, enquanto existirem os bolsões de miséria, o analfabetismo, a falta de consciência de alguns oportunistas. Tudo isso, e mais alguma coisa, é campo fértil para fazer vicejar a falta de caráter e de dignidade de quem compra e de quem vende o voto.

Nada é mais vil, nada é mais covarde, nada é mais danoso, nada é mais torpe para o processo eleitoral e para a democracia representativa que a compra da consciência de um eleitor, máxime quando o eleitor é despreparado intelectualmente e fragilizado economicamente.

O candidato que compra o voto de um eleitor, que profana a sua consciência, abusando de sua fragilidade econômica, do seu despreparo intelectual, não merece o respeito dos seus congêneres.

O candidato que não hesita em comprar um voto, viciando um pleito eleitoral, contaminando a vontade do eleitor, manipulando o resultado de uma eleição, é o mesmo que, depois, no exercício do poder, não hesita em lançar mão do dinheiro público para aumentar o seu patrimônio pessoal.

Não se deve, por qualquer motivo, sob qualquer pretexto, mercadejar o voto. O voto, é preciso convir, é o grande trunfo que temos nas mãos para mudar o que está aí estabelecido.

Aquele que aceita vender o voto pode ter certeza de que, com essa ação, contribui para a manutenção do quadro de miséria e de iniqüidade que está aí à nossa frente, a nos desafiar a todos, a nos diminuir enquanto cidadãos, enquanto sujeitos de direito.

Nessa linha de pensar, é de bom tom que se diga que o voto mal dado, o voto vendido, o voto irrefletido, o voto de cabresto, o voto como mercancia, se traduzirá, no porvir, em estradas esburacadas, falta de saneamento básico, falta de segurança, falta de escola, falta de água potável, falta de educação, na falta, enfim, de quase tudo o que é essencial para nossa vida.

Tenho dito, na esteira desse raciocínio, que tudo de bom e de ruim que temos em torno de nós decorre da boa ou da má escolha que fazemos nos pleitos eleitorais. Isso é puro clichê, puro truísmo, mas deve ser dito e redito, afirmado e reafirmado, quantas vezes forem necessárias.

Portanto, faz-se mister que, na hora de votar, o eleitor não se submeta, não aceite, sob qualquer argumento, influência externa. O eleitor não deve, sequer, votar atendendo ao pedido de um amigo, do pai, da mãe, do irmão ou de quem quer que seja, pois o voto pode, até, valer uma vida.

Ao se dirigir à cabine eleitoral, o eleitor deve fazê-lo impulsionado apenas pela sua consciência, posto que, participar da mercancia de votos, seja por ação ou omissão, não faz mal apenas aos protagonistas do negócio abjeto, mas, principalmente, à democracia.

Quem faz do seu voto um objeto de barganha não pode reclamar do desleixo com que os maus políticos tratam, por exemplo, a saúde, a educação e a segurança pública.

Ninguém, nenhum eleitor que troca o voto por um favor, por uma gentileza, por um benefício de ordem pessoal pode criticar o pior dos políticos.

Se, amigo eleitor, no dia ou antes do pleito, lhe fizerem uma proposta de compra de voto, olhe nos olhos do autor da proposta – com altivez, por cima dos ombros, ainda que não tenha feito o desjejum, ainda que vestido com uma camisa surrada, carcomido e alquebrado pelas dificuldades que tem passado –, respire fundo e exija, com veemência, que lhe trate com o respeito que você merece e que ele não faz por merecer.

Amigo eleitor, essa sua manifestação, essa sua postura firme, não tenha dúvida, poderá representar, para os seus filhos e para os seus netos, um porvir muito melhor.

Quem ousa duvidar?”

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “As eleições, o eleitor e o abuso do poder econômico”

  1. Permissa venia, a linguagem é apurada, mas plenamente acessível. Além do conteúdo técnico de grande valia, emerge também a capacidade comunicativa, sem “cansar” o leitor. Congratulações!

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