Sentença condenatória.

Na sentença que se segue, avulta de importância a definição da procedência da ação, com esteio apenas na palavra do ofendido, que, registre-se, não tinha nenhum motivo de ordem pessoal para imputar  a prática do crime ao acusado.

Importa refletir, ademais,  que o acusado disse que o ofendido, em verdade, pretendia com ele praticar sexo e que o dinheiro que levou, com o seu comparsa, era destinado ao pagamento dos prazeres sexuais que proporcionaria  a ele.

Num determinado excerto refleti acerca da aparição do delito e, também, acerca da ação dos órgãos persecutórios quando isso ocorre, como se vê a seguir:

  1. Com a prática do ato criminoso, o dever de punir do Estado sai de sua abstração hipotética e potencial para buscar existência concreta e efetiva. A aparição do delito  por obra de um ser humano torna imperativa sua persecução por parte da sociedade, “a fim de ser submetido o delinqüente à pena que tenha sido prevista em lei” 

Vamos, pois, à decisão.

Processo  nº 218252006

Ação Penal Pública

Acusado: S. dos S. S.

Vítima: R. F. S.

 

 Vistos, etc.

 Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra S. dos S. S., brasileiro, solteiro, ajudante de pedreiro, filho de N. F. S. e M. A. dos S. S., residente e domiciliado na Rua do Sol, nº41, Vila São Luis, Anjo da Guarda, nesta cidade,  em face de, no dia 27 de agosto de 2006, por volta das 20h30, no bairro Ponta D’areia, ter assaltado R. F. S., armado de faca, contando com o concurso de outro meliante não identificado, de quem subtraiu a importância de R$ 15,00 (quinze reais), o qual foi preso logo após a prática do crime.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante do acusado (fls. 09/14)

Termo de Apresentação e Apreensão às fls. 16.

Termo de Entrega às fls. 23.

Recebimento da denúncia às fls.94/99.

O acusado foi qualificado e interrogado às 106/108.

Durante a instrução criminal foram ouvidos o ofendido (fls.144/145) e as testemunhas M. A. M. (fls.146/147),  R.  F. D. (fls.165) e  W. C. N..(fls.174)

O Ministério Público e defesa,  na fase do artigo  499 do CPP,  nada requereram. (fls.175.)

 O Ministério Público, em alegações finais, pediu, alfim, a  absolvição do acusado, por entender que não há provas seguras  para arrimar um decreto de preceito sancionatório, (fls. 177/180)., no que foi secundado pela defesa.(fls.182/185).

 

Relatados. Decido.

 

A autodefesa, nas sociedades modernas, todos sabemos, foi abolida – admitida, nos dias atuais,  só excepcionalmente.  Os conflitos que emergem na sociedade são solucionados, hoje, pelo estado, a quem cabe a função jurisdicional, ou seja, de “dar a cada um o que é seu, aplicando o Direito Objetivo à situação conflituosa”.

 O estado, portanto, quando ocorre uma infração, “não permite que a aplicação do preceito sancionador ao transgressor da norma inserta na lei penal, fique ao alvedrio do particular”.

 Tendo o estado chamado para si o direito de fazer e aplicar a lei ao transgressor e tendo, por isso, proibido o particular  de fazer justiça com as próprias mãos, esse mesmo estado, para consecução desse objetivo,  colocou, à disposição de todos,  órgãos encarregados  de promover a justiça – Pode Judiciário, Ministério Público, Polícias, etc.

 A função jurisdicional do estado, especificamente no que concerne à aplicação da lei, é exercida pelo Poder Judiciário, que é a  quem cabe, todos sabemos,  aplicar a lei a uma hipótese controvertida, mediante processo regular, com o que substituiu  a atividade da vontade das partes.

 O crime, é da sabença comum, é um fato que lesa direitos dos indivíduos e da sociedade. Cabe ao estado, diante de uma violação de direito, reprimi-lo através do jus puniendi, afinal, é a Carta Política brasileira que dispõe que ” a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

 Dos bens e interesses tutelados pelo estado, uns existem cuja violação afeta mais profundamente sociedade – vida, patrimônio, saúde, integridade física, etc.

Como se faz necessário a preservação desses bens para que a sociedade sobreviva, o estado, impende reafirmar,  não delega ao particular o direito de punir o infrator. O estado chama para si esse direito. É por isso que, quando ocorre uma infração, o estado, por meio dos seus órgãos, toma a iniciativa, moto próprio, para punir o infrator, desenvolvendo, nesse sentido, intensa atividade,  como se deu no caso sob retina, com a noticia da ação do acusado S. dos S. ., que teria afrontado o patrimônio de R. F. S..

In casu sub examine, cuidando-se de crime de natureza pública, coube ao Ministério Público, na condição de dominus litis, pedir providência do estado – tendo a antecedê-lo incessante atividade desenvolvida pela Polícia Judiciária.

O resultado dessa intensa atividade estatal emoldurado nestes autos que será analisado pelo Estado-Juiz, buscando, se for o caso, infligir ao infrator a correspondente reprimenda penal.

 No artigo  157, do Digesto Penal está definido o tipo simples (preceptum iuris)  de roubo e a pena prevista para os seus transgressores (sanctio iuris),  nos seguintes termos, verbis:

 Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

 Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. 

No §2º, I,  a qualificadora, decorrente de emprego de arma,  litteris: 

§2º. A pena aumenta-se de um terço até metade: 

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; 

II – omissis; 

III –omissis 

IV – omissis; 

V – omissis.

 

A conduta típica é subtrair, tirar, arrebatar coisa alheia móvel empregando o agente violência grave, ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.

O objeto material é a coisa alheia móvel. Coisa, para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível, suscetível de apreensão e transporte.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade  de  subtrair, com emprego de violência, grave ameaça ou outro recurso análogo, com a finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem(animus furandi ou animus  rem sibi habend).

O crime sob retina se consuma, segundo consagrou a jurisprudência, com a inversão da posse, id. est, quando o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou que a res esteja  fora da esfera de vigilância da vítima.

Para o Superior Tribunal de Justiça, “o roubo se consuma no instante em que a detenção da coisa móvel alheia se transforma em posse mediante a cessação da grave ameaça ou violência à pessoa, sendo irrelevante no direito brasileiro que o roubador  e possa dispor  livremente da res furtiva, ou lapso de tempo em que manteve a posse, ou ainda que tenha saído da esfera de vigilância da vítima”.

O sujeito ativo  do crime  pode ser qualquer pessoa, menos o seu proprietário, na medida em que o tipo exige que a coisa seja alheia. O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor, ou até mesmo o detentor. É indiferente, ademais, a natureza da posse.

Sob essas diretrizes, sob essas considerações, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para, somente alfim e ao cabo do exame, concluir se os acusados, efetivamente, atentaram, ou não,  contra  a ordem pública, como pretende o Ministério Público.

Samuel dos Santos Silva, foi denunciado pelo Ministério  Público (ne procedeta judex ex officio  e nemo judex sine actore),  à alegação de ter malferido o preceito primário  do artigo 157, do Codex  Penal, com as qualificadoras decorrentes do emprego de arma e do concurso de pessoas.

Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa dos acusados, sabido que os  réus se defendem da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.

Tudo isso porque, sabe-se,  entre nós não há o juiz inquisitivo, cumprindo à acusação delimitar a área de incidência da jurisdição penal e também motivá-la por meio da propositura da ação penal.

Na jurisdição penal  a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido com o que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. São as limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal, oriundos diretamente do sistema acusatório, e que são designadas pelas conhecidas parêmias jurídicas formuladas: a) ne procedat judex ex offiico; e) ne eat judex ultra petitum et extra petitum.

Para materialização da persecução criminal as autoridades policiais e os órgãos judiciários estão dotados de potestas coercendi que lhes permite praticar atos dessa natureza, respectivamente, no curso do inquérito policial e da relação processual.

É que a persecução criminal,  no sistema acusatório brasileiro, em regra, se divide em duas etapas distintas,  nas quais são produzidas as provas da existência do crime e de sua autoria: uma, a chamada fase administrativa (informatio delict) é procedimento meramente administrativo, preliminar e informativo (inquisitio est quam informatio delicti) cujo objeto de apuração se destina à formação da opinio delicti  pelo órgão oficial do Estado; a outra, a nominada fase judicial (persecutio criminis in judicio), visa amealhar dados que possibilitem, a inflição de pena ao autor , ou autores, do ilícito,   garantido o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.

Com a prática do ato criminoso, o dever de punir do Estado sai de sua abstração hipotética e potencial para buscar existência concreta e efetiva. A aparição do delito  por obra de um ser humano torna imperativa sua persecução por parte da sociedade, “a fim de ser submetido o delinqüente à pena que tenha sido prevista em lei”

A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame do quadro de provas  que se avoluma nos autos.

Pois bem, a primeira fase teve início com a prisão em flagrante do acusado. (fls.09/16)

O então indiciado negou a autoria do crime, dizendo que, em verdade, um desconhecido lhe ofereceu dinheiro para praticar sexo com ele (fls.13), mesma versão apresentada pelo adolescente que estava em sua companhia.(fls.14)

O ofendido, de seu lado, afirmou que, efetivamente, foi assaltado e que os dois indivíduos lhe ameaçaram de morte, armados de faca, tendo subtraído a importância de R$ 15,00(quinze reais).(fls.12)

Adiante,  vê-se a formalização da apreensão da res furtiva (fls. 16) em poder do acusado e o termo de entrega (fls.23).

Com esses dados relevantes encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.

Encerrada a primeira fase, o Ministério Público  de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial ( informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra o acusado S. dos S. S. imputando ao mesmo o malferimento  do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 157 do Digesto Penal, com as qualificadoras decorrentes do uso de arma e do concurso de pessoas,   fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.

Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras,  o interrogatório do acusado (audiatur et altera pars) .

O acusado,a exemplo do que fizera em sede policial, reafirmou que a vítima, em verdade, o convidou para fazer sexo, na praia.(106/108)

O acusado aduziu que quando o ofendido mostrou a importância que pagaria pelo sexo, o adolescente que estava em sua companhia pegou o dinheiro e saiu correndo, tendo sido seguido por ele, acusado.(ibidem)

Além do acusado, foi ouvido, o ofendido, que confirmou que, no dia do fato, foi surpreendido por dois desconhecidos, que exigiram que lhes desse o dinheiro que trazia consigo, sob pena de  morrer.(fls.144)

O ofendido disse, ademais, que todo o tempo os autores do assalto diziam: “eu vou matar, eu vou matar eu vou matar”.(ibidem)

O ofendido disse que, por isso, pegou os R$ 15,00 (quinze reais) que trazia consigo e jogou no chão, tendo sido a importância apanhada pelos desconhecidos,  que deixaram o local correndo.(ibidem)

O ofendido aduziu que, depois disso, denunciou o fato à Polícia e saíram à procura dos autores do fato e que, ao localizar o acusado, não teve dúvidas em apontá-lo aos policiais, que lograram prende-lo, ainda de posse da res furtiva. (ibidem)

O ofendido, finalmente, acrescentou que o acusado e seu comparsa, quando foram presos, não traziam consigo as armas utilizadas para prática do crime.(ibidem)

Sob perguntas do Ministério Público, o ofendido declinou o nome das pessoas que assistiram a ocorrência, bem assim o local em que podiam ser encontradas, para confirmar a sua versão.(ibidem)

Encerrando o depoimento, o ofendido disse não ser verdade que tivesse a pretensão de fazer sexo com o acusado e seu comparsa.(ibidem)

Diferente do Ministério Público, entendo que as provas consolidadas nos autos demonstram, à farta, que o crime ocorreu e que o autor do fato foi o acusado, contando com o concurso do adolescente  M. A. M..

Ao que entrevejo do depoimento do ofendido, e não há motivo para descrever de sua palavra, o acusado e o adolescente M. A. M., com emprego de arma e sob ameaça de morte, lhe roubaram R$15,00(quinze reais), para, em seguida, fugirem.

 O ofendido, insatisfeito com o ocorrido, como sói ocorrer, denunciou o fato à Polícia, que logrou localizar o acusado e o adolescente.

Localizados o acusado – e comparsa -, o ofendido não teve dúvidas em apontá-lo como autor do fato.

Confesso que, entre a palavra do acusado e a do ofendido, tendo, naturalmente, a dar credibilidade a esta, mesmo porque, se forem comparados os depoimentos do acusado, em sede policial e judicial, há contradições que a desvalorizam.

Com efeito, o acusado, em sede administrativa, disse que o ofendido os chamou e ofereceu dinheiro para fazerem sexo.(cf. fls.13) Em sede judicial, disse que foram juntos até a praia e que, lá, o ofendido manifestou o desejo de fazer sexo com eles.(cf. fls. 107)

O adolescente disse, também, que, quando foram à praia, já sabiam da pretensão do ofendido (fls.14), qual seja, de com eles fazer sexo, no que discrepa, também, do acusado, que disse que o ofendido os chamou e logo os convidou para fazer sexo. É dizer, quando foram à beira da praia, já sabiam da pretensão da vítima.

Ora, se o acusado e o adolescente já sabiam que o ofendido queria era fazer sexo com eles e se não tinham nenhuma pretensão de aquiescer, por que aceitaram acompanhá-lo até a beira da praia?

A conclusão a que chego, em face dessas graves contradições, é que o acusado e o adolescente mentem, razão pela qual o seu depoimento não pode sobrepujar o do ofendido.

Há mais dois dados que depõem em favor do ofendido e em detrimento do depoimento do acusado.

De efeito, o ofendido, no seu depoimento, declinou o nome das pessoas que podiam corroborar a sua afirmação. O que  fez o Ministério Público  diante dessa informação? Nada. Ou melhor, quedou-se inerte.

O segundo dado que depõe em favor do depoimento do ofendido foi a sua decisão de, tão logo assaltado, comunicar o fato à Polícia e ajudá-la a localizar os autores do fato.

Convenhamos, qual a pessoa que, sabendo que podia ser desmoralizada por um desconhecido, iria a sua procura, ainda mais lhe imputando falsamente a prática de um crime de especial gravidade?

Para mim, o álibi do acusado não se sustenta diante do que acima expus. Não há, a meu sentir, nenhuma razão para descrer da palavra do ofendido.

Confesso que, com tantos anos atuando na área criminal, o álibi do acusado é, para mim, uma grande novidade. Nada mais que isso, pois do confronto entre a sua palavra e palavra do ofendido, creio nesta, sobretudo porque declinou, até, as pessoas que poderiam ser ouvidas para roborar as suas afirmações, mas o Ministério Público preferiu, ao reverso, pedir a absolvição do acusado.

Ninguém, por mais ingênuo que seja, desconhece os constrangimentos que se vive em face de um processo judicial. Diante dessa evidência, só mesmo um  babaca – e o ofendido não é – se aventuraria a acusar alguém da prática de um assalto, sabendo que poderia ser desmoralizado publicamente, sobretudo em uma sociedade preconceituosa como a nossa.

Fico imaginando que, a prosperar o álibi do acusado, qualquer um de nós, ao ser assaltado, pode, depois, passar pelo constrangimento de ser apontado como homossexual, o que, convenhamos, não é carga fácil de carregar.

O acusado foi, sim, ousado. Não só roubou o ofendido, como ainda tentou lhe desmoralizar publicamente.

O acusado, agora posso afirmar, depois do detido exame da prova consolidada nos autos, afrontou, sim, a ordem jurídica, fazendo subsumir a sua ação no tipo penal mencionado na proemial, com a qualificadora decorrente do emprego de arma e do concurso de pessoas.

Posso afirmar, à luz das provas produzidas nas duas sedes – judicial e administrativa – que  a conduta do acusado se enquadra, perfeitamente, no tipo abstrato descrito na lei penal.

O acusado ao subtrair os bens da vítima,  o fez  com a vontade, com a finalidade de ter a coisa para si (animus furandi ou animus rem sibi habendi), que independe do intuito de lucro (animus clucri faciendi).

O acusado, de posse de arma e se fazendo acompanhar de outra pessoa, perturbou a liberdade psíquica do ofendido, o atemorizou, viciando a sua vontade e impossibilitando sua capacidade de resistência.

Da prova amealhada entrevejo que  o meio material/inibitório utilizado pelo acusado foi apto a reduzir a resistência da vítima, colocando-a em condição de passividade, do que se pode afirmar que o acusado se apossou da res mobilis mediante grave ameaça, daí a tipificação do crime em comento.

Desobedecida a norma preceptiva pelo acusado e atingindo os mesmo bens jurídicos tutelados penalmente, fez nascer para o Estado, disse-o acima, o direito de penetrar no seu status libertatis, para privá-lo, através da medida sancionadora correspondente, de um bem – a liberdade – até então garantido e intangível.

Como consignado acima, a vítima foi ouvida em sedes administrativa e judicial,  tendo confirmado o assalto, apontando a autoria ao acusado, daí a relevância do seu depoimento para definição da autoria do crime.

A palavra do ofendido, ressabe-se,  destaca-se,  in casu sub examine, com especial carga probatória, pois que, em tema de crimes contra o patrimônio, a sua palavra é a pedra de toque, na maioria das vezes, para definir a autoria, máxime se nada tinha de pessoal contra os autores do fato.

Os Tribunais não dissentem, ao proclamarem que “Em sede crimes patrimoniais, geralmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima assume  relevância no reconhecimento dos agentes”

No mesmo sentido a decisão segundo a qual “Nos crimes contra o patrimônio, como o roubo, muitas vezes praticados na clandestinidade, crucial a palavra do ofendido na elucidação dos fatos e na identificação  do autor.

Provada, a mais não poder, a autoria do crime, resta legitimada a inflição de pena, como resposta estatal ao crime que praticara o acusado.

Do que restou apurado nos autos, há um dado também inquestionável, qual seja, a de que a res mobilis (pecúnia) foi subtraída do ofendido e ao seu  patrimônio só se reincorporando algum tempo depois.  Nessa linha de consideração, devo anotar que aqui se está a cuidar de crime de roubo consumado.

Devo, a guisa de ilustração, fazer uma reflexão.

No passado, e ainda hoje,  há quem entenda que só se consuma o crime de furto ou roubo com a posse tranqüila da res substracta. Esse entendimento, devo grafar, é superado. Hoje, já não se tem dúvidas de que basta a subtração, com emprego de violência ou ameaça, para tipificar o crime de roubo consumado, independentemente do tempo em que a res  permaneça em poder do autor do fato.

Guilherme de Souza Nucci,  a propósito, afirma direto,  incisivo que o momento consumativo do roubo se dá “quando o agente retira o bem da esfera de disponibilidade e vigilância da vítima”

Júlio Fabbrini Mirabete, de seu lado, afirma, espancando, de vez, a tese da posse tranqüila da res, que “o crime de roubo somente se consuma, como o furto, com a inversão da posse, ou seja, nos termos da jurisprudência francamente dominante, se o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da coisa, ainda que por breve momento, fora de esfera de vigilância da vítima”

René Ariel Dotti, a seu tempo e modo, ensina que o crime restará consumado, “quando o sujeito ativo realiza em  todos os seus termos a figura delituosa, em que o bem jurídico penalmente protegido sofreu efetiva lesão  ou a ameaça de lesão que se exprime no núcleo do tipo”

Na mesma direção é a lição de Fernando Capez , para quem ” o roubo se consuma no momento em que o agente subtrai o bem do ofendido“.  Prossegue o celebrado professor afirmando que ” subtrair é retirar contra a vontade do titular”, para, mais adiante, concluir que ” levando-se em conta esse raciocínio, o roubo estará consumado tão logo o sujeito, após o emprego de violência ou grave ameaça, retire o objeto material da esfera de disponibilidade da vítima, sendo irrelevante se chegou a ter a posse tranqüila ou não da res furtiva

Na mesma toada é a lição do preeminente  e notável professor Luiz Regis Prado, segundo o qual “o roubo próprio consuma-se com o efetivo apossamento da coisa, ainda que por lapso temporal exíguo, na posse tranqüila do sujeito ativo, que dela pode dispor.

Na mesma senda é a ensinança do egrégio José Henrique Pierangeli para quem “o delito de roubo próprio consuma-se quando a coisa sai do âmbito de proteção do sujeito passivo e o sujeito ativo  tem a sua posse tranqüila, ainda que por pouco tempo“.

Os Tribunais têm decidido, iterativamente, na mesma senda, ao proclamarem, à exaustão, que  “a consumação do roubo se dá no momento da apreensão da coisa pelo agente, independentemente de haver ele exercido ou não posse duradoura e tranqüila. A rápida recuperação da coisa e a prisão do autor do delito não constituem motivos para operar-se a desclassificação do crime de roubo para a sua forma tentada”

No mesmo rumo é a decisão segundo a qual para a “caracterização do roubo na forma consumada, basta que haja a inversão da posse da coisa subtraída, ainda que por breve momento, mediante a cessação da grave ameaça ou violência à pessoa”

Não destoa a decisão que proclama que “o crime de roubo se consuma quando a coisa subtraída sai da esfera de proteção e disponibilidade da vítima, ingressando na do agente, estando, ainda que por breve tempo, em posse mansa e tranqüila deste …”

No mesmo rumo já decidiu, incontáveis vezes, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, segundo o qual “o crime de roubo se consuma a partir do momento em que a vítima tem o bem subtraído mediante violência ou grave ameaça, não se exigindo que o agente tenha posse tranqüila da res furtiva, sendo irrelevante que o acusado seja detido logo em seguida ao início da fuga.

Creio que, em face dos argumentos suso lançados, com esteio na mais luminosa jurisprudência e ensinamentos doutrinários, não há que se questionar acerca da consumação do crime albergado nos autos, pois que o acusado teve a posse da res mobilis, por um razoável período de tempo. tendo, assim, realizado o tipo penal do artigo 157 em sua integralidade. 

A arma de fogo utilizada para quebrantar a resistência da ofendida não foi apreendida – nem exibida.

O fato de a arma não ter sido aprendida não tem o poder de descaracterizar a qualificadora, mesmo porque há provas – a palavra do ofendido – de sua utilização, daí que a qualificadora deve ser mantida.

Com os argumentos acima esparramados, creio que a tese da defesa, em todas as suas vertentes, acha-se rechaçada, sendo desnecessário, por isso, aduzir qualquer argumento.

Pese tenha sido rechaçada, é  possível, sim, que, em sede recursal, a defesa aponte alguma mácula na decisão que ora se edita, à alegação de que não foram enfrentados, ponto por ponto, os argumentos consolidados nas alegações finais.

Devo dizer, a propósito, que, segundo reiteradíssimas decisões pretorianas, não se faz necessário o enfrentamento particularizado dos pontos versados pela defesa,  se a sentença hostiliza, implicitamente, as teses apresentadas.

Os Tribunais pacificaram o entendimento de que “se o Juiz, ao formar seu convencimento e elaborar sua decisão, não respondeu, ponto a ponto, a todos os argumentos mas, na estrutura final, desenvolveu adequadamente a prestação jurisdicional solicitada, afastando, implicitamente, as teses apresentadas” pela defesa, não se há apontar qualquer nulidade do decisum, sob o fundamento de que não enfrentou as teses defensivas.

Em razão do exposto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado  S. dos S. S.,  por incidência comportamental no artigo 157, do CP, cuja pena-base fixo em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face da causas especiais de aumento de pena previstas no §2º, I e II,  do artigo 157, totalizando, definitivamente, 05(cinco) anos e 04 (quatro) meses  de reclusão e 13(treze)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

P.R.I.C.

Custas, ex vi legis.

Após o trânsito em julgado desta decisão, lance-se o nome do acusado no rol dos culpados.

Expeça-se carta de sentença.

Remetam-se os autos, em seguida, ao arquivo, com a baixa em nossos registros.                            

              São Luís,  07 de novembro de 2008.

 

                    Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

                              Titular da 7ª Vara Criminal

 


 Notas e referências bibliográficas.


MIRABETE, Júlio Fabbrini, Processo Penal, Atlas,  2005, p.109.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manuel de Processo Penal, Saraiva,  2001, p.5

Artigo 5º, XXXV

  RECr nº 10240-SP; HC 70304-SP

  Roubo

Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º – Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

II – se há o concurso de duas ou mais pessoas;

III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

MARQUES, Jose Frederico, in Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, 1997, p.127

Recurso : REVISÃO  Processo : 363902 / 2 Relator : LOPES DE OLIVEIRA  Órgão Julg.: 8. GRUPO  Votação : VU

Recurso : APELAÇÃO  Processo : 1102311 / 9 Relator : WILSON BARREIRA  Órgão Julg.: 11. CÂMARA.

NUCCI, Guilherme de Souza,in Manual de Direito Penal, Editora Revista dos Tribunais,  2005, p. 664

MIRABETE, Júlio Fabbrini, in Código Penal Anotado, ob. cit., p. 951

DOTTI, René Ariel, in  Curso de Direito Penal, Parte Geral, 2ª Edição, Editora Forense, p. 325/326

CAPEZ, Fernando, in Curso de Direito Penal,.Parte especial, Vol. II, Saraiva, . p.399

PRADO, Luiz Regis, in in Curso de Direito Penal brasileiro,Vol. II, Editora Revista dos Tribunais, 5ª Edição, 2005, . p.440.

PIERANGELI, José Henrique, in Manual de Direito Penal brasileiro, Parte Especial, Editora Revista dos Tribunais,  2005, p.375.

TJAP – ACr 171003 – (6781) – C.Única – Rel. Des. Honildo Amaral de Mello Castro – DOEAP 02.06.2004 – p. 22.

TJAP – ACr 146502 – C.Ún. – Rel. Juiz Conv. Luciano Assis – DJAP 19.04.2004 – p. 12

TJES – ACr 035980222133 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama – J. 30.06.2004

Apelação nº 1.330.205/0, Julgado em 03/10/2.002, 8ª Câmara, Relator: Roberto Midolla, RJTACRIM 63/128.

Apelação nº 1.305.327/9 – São Paulo – 11ª Câmara – Relator: Pires de Araújo – 24.6.2002 – V.U. (Voto nº 7.263)

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.