Sentença condenatória. Procedência parcial da ação.

Na sentença que vou publicar a seguir fui obrigado a anular o pleito em relação a vários acusados, em face de defeitos na denúncia. Dos seis acusados, só julguei dois, ou sejam, aqueles que, desde meu olhar, não tiveram cerceada a defesa, em face da denúncia.

Prolatada a sentença, determinei que fosse extraído cópia dos autos, para posterior remessa ao Ministério Público, para emendar a inicial, conforme preceitua o artigo 569 do CPP. Assim procedi porque, tendo recebido a denúncia, entendi não poder, agora, rejeitá-la.

De rigor, a grande verdade é que a denúncia, nos moldes em que foi apresentada, não deveria sequer ter sido recebida. Agora, imagino que a única solução é emendá-la. Se o Ministério Público entender de não fazê-lo, creio que a solução será remeter os autos à Procuradoria – Geral de Justiça, para os devidos fins.

Num determinado excerto, a deter-me  no exame da peça inicial, anotei, a propósito da falta de esmero de quem a elaborou:

  1. Mas há algo muito mais grave ainda que precisa ser examinado com o devido cuidado.
  2. A denúncia foi ofertada, disse-o acima, contra  seis indivíduos.
  3. A denúncia ofertada, é forçoso convir, não é uma peça que prima pelo esmero narrativo. É confusa e, infelizmente, mal elaborada. Incompleta, posso dizer, em relação a alguns acusados.
  4. A denúncia, no que é fundamental,  é mal elaborada, pois dos acusados só descreve a conduta de J. K. J. e J. dos S.. Em relação aos demais acusados só faz confusão.
  5. Com efeito,  Em determinado excerto, por exemplo, o Ministério Público narra que a ofendida V. L. de C. viu os cinco acusados adentrarem no depósito. 
  6. Ocorre que, como está narrado o fato e sendo seis os acusados, fica-se sem saber quais são os cinco acusados que a ofendida diz ter visto entrar no depósito onde se deu o crime.
  7. Com um pouco mais de esmero o Ministério Público poderia ter declinado o nome dos acusados aos quais se referia. Não o fez, no entanto, elaborando, por essa e outras razões, uma denúncia repreensível.

A seguir, a decisão, por inteiro.

 

Processo  nº 11092008

Ação Penal Pública

Acusados: J. K. J . e outros

Vítimas: E. U. da S. e V. T. de C.

 Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra J. K. J., J. dos S., C. S. C.J. N. B., vulgo John Bala ou João do Gás, W. L. A. de S.S. C. da S. M., os três primeiros  por incidência comportamental nos artigos 157,§2º, I, II e IV e  288, ambos do CP, e o último, por incidência comportamental nos artigos 157,§2º, I, II e IV, 288 e 299, todos do Código Penal,  em face de, no dia 05/0/2008, terem, associados, assaltado E. U. da S. e V. L. de C.,  encarregado e telefonista, respectivamente, do depósito de Gás nominado Ligeirinho Gás,  localizado na Rua das Begonhas nº 02, Jardim SM01,  os quais foram feitos reféns e colocados no interior de um veículo Corsa GM Velta, quatro portas, cor branca, placas HQC 0625, que foi roubado no dia 04 de janeiro do corrente, por volta das 16h30, no Conjunto Maiobão, de propriedade de J. T. dos S. F., cujos fatos estão narrados na denúncia, que, no particular, passa a compor o relatório desta decisão.

A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante dos acusados  J. K. J.J. dos S., C. S. C.S. C.  da S. M..(fls.09/18)

Auto de apresentação e apreensão às fls. 42 e  54,

Termo de restituição às fls. 43 e  53.

Laudo de exame em arma de fogo às fls. 345/346.

Recebimento da denúncia às fls. 357/358.

Os acusados foram qualificados e interrogados às fls.413/415, 416/419, 420/424, 425/428, 429/432.

Defesa prévia de W. L. A. de S. às fls.434, de C. S. C. às fls. 436 , de J. K. J. às fls. 440/442, de J. N. B. às fls. 502 e de J. dos S. às fls. 504/505.

Durante a instrução foram ouvidas as vítimas E. U. da S. (fls.476/482),  V. T. de C. (fls.483/489), E. U. da S. (fls.490/492), O. A.(fls. 493/495), E. U. da S. (fls.520), V. T. de C. (fls. 521 e 523) E. U. da S. (fls. 522), J. J. B. C. (fls.524/525), J. P. S.(fls.526/527), F. das C. F. (fls. 528/529), J. B. M. (fls.530/531), D. F. B. (fls.546/547), M. S. de C. (fls.548/549),  N. de C. D. M. (fls.550/551), V. B. D. (fls.552/553), A. R. B. da S.(fls.554/555), L. E. P. G.(fls.556/557), N. da S. F. V.(fls.558/559), A. P. M. F. (fls.560/561), D. D. (fls.562/563), J. . M. R. (fls. 564/565) e C. V. P.(fls.566/567).

O Ministério Público e a defesa não requereram diligências.(fls.573)

O Ministério Público, em alegações finais, pediu a improcedência da ação em relação ao acusado J. N. B., por não ficar provado que tenha participado do crime, e a condenação dos acusados  J. K. J., J. dos S., C. S. C., S. C. da S. M. e W. L. A. de S., por incidência comportamental nos artigos 157,§2º, I, II e IV, e 288, ambos do CP.(fls.619/624)

A defesa dos acusados  W. L. A. de S.C. S. C.,  de sua parte, pediu a sua absolvição, com espeque no artigo 386, VI do CPP ou, subsidiariamente, a desclassificação para o crime de furto.(fls.671/673)

A defesa do acusado J. N. B., a seu tempo e modo, pediu a sua absolvição, na mesma linha de entendimento do Ministério Público.(fls.681/687)

A defesa de J. dos S., de seu lado, alega a) a declaração da inépcia da denúncia, em relação à causa de aumento de pena do inciso IV, §2º, do artigo 157 e em relação ao delito de quadrilha ou bando;  b)a desclassificação do delito de roubo consumado  com três causas de aumento de pena, para o delito prevista no artigo 157,§2º, I e II, c/c artigo 14, II, ambos do CP; e c) subsidiariamente a não cumulação do crime de quadrilha com o de roubo qualificado  por concurso de agentes por configurar bis in idem.(fls.689/696)

A defesa de . K. J., finalmente, pediu a sua absolvição, com espeque no inciso VI, do artigo 386, à alegação de que  não restou provado durante a instrução qualquer participação do acusado na realização do crime.(fls.702/710)

 

Relatados. Decido.

 

Antes da análise das provas há se examinar algumas questões preambulares que não podem ser postergadas.

Pois bem. O Ministério Público ofertou denúncia contra  seis indivíduos – J. K. J., J. dos S., C. S. C., S. C. da S. M., J. N. B. e W. L. A. – um dos quais, S. C. da S. – está foragido, como, aliás, informou o próprio representante ministerial na proemial.

Em face da  incerteza do paradeiro do acusado S. C. da S., fui compelido a determinar a separação do processo em relação a ele, para que o feito não sofresse solução de continuidade em relação aos demais acusados.

É curial compreender, portanto, que, não tendo o acusado S. C. da S. participado da instrução probatória, não pode, por óbvias razões, ser julgado.

O representante do Ministério Público, desatento, pediu – pasmem! – a condenação do acusado S. C. da S., olvidando-se de que o feito foi separado em relação a ele.

O mesmo representante ministerial, mais uma vez desatento, pediu  a juntada de uma prova pericial, depois de encerrada a instrução, sem ter tido sequer o cuidado de lançar a sua assinatura no expediente, razão pela qual determino, de logo,  o desentranhamento da petição de fls. 698, bem assim do exame pericial que o acompanha, para que sejam devolvidos ao Ministério Público.

Mas há algo muito mais grave ainda que precisa ser examinado com o devido cuidado.

A denúncia foi ofertada, disse-o acima, contra  seis indivíduos.

A denúncia ofertada, é forçoso convir, não é uma peça que prima pelo esmero narrativo. É confusa e, infelizmente, mal elaborada. Incompleta, posso dizer, em relação a alguns acusados.

A denúncia, no que é fundamental,  é mal elaborada, pois dos acusados só descreve a conduta de J. K. J. e J. dos S.. Em relação aos demais acusados só faz confusão.

Com efeito,  Em determinado excerto, por exemplo, o Ministério Público narra que a ofendida V. L. de C. viu os cinco acusados adentrarem no depósito. 

Ocorre que, como está narrado o fato e sendo seis os acusados, fica-se sem saber quais são os cinco acusados que a ofendida diz ter visto entrar no depósito onde se deu o crime.

Com um pouco mais de esmero o Ministério Público poderia ter declinado o nome dos acusados aos quais se referia. Não o fez, no entanto, elaborando, por essa e outras razões, uma denúncia repreensível.

A denúncia, noutro excerto, diz que os PM’s O. A. e J. M. N. detiveram três indivíduos que estavam na porta do depósito, no interior de um veiculo Celta, mas não declina o nome desses indivíduos, omitindo-se, mais uma vez, num detalhe relevante.

A verdade é que, por essas e outras omissões,  a denúncia, desde o meu olhar, só possibilitou mesmo o exercício da defesa dos acusados  J. K. J. e J. dos S..

A participação dos demais acusados, lamentavelmente, não foi narrada na denúncia, como deveria sê-lo, em razão do que, na minha avaliação, tiveram malferido, a mais não poder, o seu direito à ampla defesa.

A denúncia que não descreve, quantum satis, a conduta dos acusados,  é denúncia, no mínimo, incompleta. E nessa hipótese, sequer deveria ter sido recebida em relação aos acusados  C. S. C., S. C. da S. M., J. N. B. e W. L. A. de ..

O Supremo Tribunal Federal já decidiu, reiteradas vezes, que “É inepta a denúncia que não descreve pormenorizadamente o fato criminoso, dificultando o exercício da ampla defesa”.

O Superior Tribunal de Justiça, de seu lado, na mesma linha de argumentação, já decidiu, também repetidas vezes, que “Não contendo a denúncia, ainda que resumidamente, elementos que tipifiquem a conduta do indiciado, nem individualizem seu proceder, peca por inépcia, determinando, assim, o trancamento da ação penal”.

De relevo que se anote que o próprio Supremo Tribunal Federal  abona a concisão da denúncia, mas desde que seja minimamente fundamentada. Assim é que, certa feita, já decidiu no sentido de que “A deficiência da denúncia que não impede a compreensão da acusação nela formulada não enseja a nulidade do processo”.

No caso sub examine, a narrativa dos fatos é confusa. Só é clara, a meu sentir, em relação à participação dos acusados J. K. J.J. dos S.. Em relação aos demais acusados, infelizmente, a denúncia não possibilitou, na minha visão,  o exercício da ampla defesa.

Ao que posso ver da confusa narrativa da denúncia, os acusados não tiveram participação homogênea na realização do fato. Pelo menos é isso que me parece, depois de analisada a prova.

Convenhamos, se os autores do fato não praticaram os mesmos atos, se cada um deu um tipo de colaboração para realização do assalto, se praticaram atos isolados e distintos, o Ministério Público tinha a obrigação de descrever, pormenorizadamente, a conduta de cada um. Não o fez, no entanto.

Os Tribunais têm decidido, iterativamente, que a lei “exige a descrição  individualizada da conduta de cada co-autor ou partícipe quando são elas diversas, cada qual tendo praticado atos isolados e distintos dos demais. No caso, porém, da prática dos mesmos atos por todos os co-autores, nada impede que o relato seja feito de modo a englobar a atividade de todos numa mesma frase, colocando-se o sujeito no plural aos denominados ‘indiciados’ ou ‘denunciado'”.

No mesmo sentido a decisão de que “Tratando-se de autoria coletiva, é indispensável descreva a denúncia – sob pena de inépcia – os fatos atribuídos a cada indiciado, esclarecendo o modo como cada um deles concorreu para o evento. A responsabilidade penal é pessoal e a lei assegura ampla defesa. A peça inicial da ação penal que se ressente de lacuna, imprecisão, ou é colocada em termos vagos, tem sido declara inepta em reiteradas decisões do STF”.

Repito, para que não se fala uma leitura equivocada desta decisão, em face de outras decisões que tenho adotado, acerca da inépcia da denúncia: se as condutas são homogêneas, nada impede que se faça uma narrativa genérica, como, aliás, tem sido feito, a mais não poder;  não sendo as condutas homogêneas, as condutas precisavam ser individualizadas.

No mesmo sentido a decisão de que ” Tendo sido o crime de roubo praticado em concurso de pessoas, a descrição  na denúncia da conduta de cada um dos acusados durante o assalto é relevante, quando diversos os modos e as participações de cada agente”.

Na mesma senda a decisão  segundo a qual “A exigência de descrição individuada, em caso do concurso de agentes, da conduta de cada um, só tem razão de ser quando houver divisão de tarefas, figurando uns como autores, outros como partícipes, ou seja, aqueles que, sem praticarem o núcleo do tipo, concorrem, material e moralmente, para o crime”.

Com as considerações supra,  chamo o feito à ordem, para anulá-lo, desde o recebimento da denúncia, apenas em relação aos acusados  C. S. C., J. N. B. e W. L. A., pois que em relação a eles a denúncia ofertada é incompleta,  impossibilitando-os de exercerem amplamente a sua defesa, convindo registrar que o processo já tinha sido separado em relação ao acusado Silvio César da Silva Matos.

Como o juiz que recebeu a denúncia não pode, depois, rejeitá-la por inépcia, determino a intimação do representante ministerial, para que, nos termos do artigo 569 do Digesto de Processo Penal, emende a denúncia ofertada, narrando o fato imputado a cada um dos acusados, vez que tiveram ação heterogênea na consecução do crime, para que, depois, se realize nova instrução contra os mesmos, viabilizando-se, assim, o exercício da ampla defesa.

Cediço, em vista do exposto, que a decisão a seguir exarada se circunscreverá apenas  à participação dos acusados J. K. J. e J. dos S., devendo, pois, ser repetida toda a instrução em relação aos demais acusados, se, claro, for ofertada nova denúncia, com a descrição individualizada da participação de cada um dos acusados.

Com as considerações e deliberações supra, passo à decisão.

Aos acusados  J. Kar. J. e J. dos S. o Estado por seu órgão oficial, o  Ministério Público,  imputa a prática de  crime de roubo triplamente qualificado e formação de quadrilha, pedindo, alfim, a sua punição, na forma da lei.

O fato descrito na inicial, evidencia, prima facie, uma conduta antijurídica dos acusados, daí a razão pela qual foi recebida, observadas, ademais, as condições exigidas pela lei para o seu exercício pelo Ministério Público.

A conduta típica no crime de roubo é subtrair, tirar, arrebatar coisa alheia móvel empregando o agente violência grave, ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.

O objeto material é a coisa alheia móvel.

Coisa, para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível,  suscetível de apreensão e transporte.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade  de  subtrair, com emprego de violência, grave ameaça ou outro recurso análogo, com a finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem(animus furandi ou animus  rem sibi habend).

O crime sob retina se consuma, segundo consagrou a jurisprudência, com a inversão da posse, id. est, quando o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou que a res esteja  fora da esfera de vigilância da vítima.

Para o Superior Tribunal de Justiça, ” o roubo se consuma no instante em que a detenção da coisa móvel alheia se transforma em posse mediante a cessação da grave ameaça ou violência à pessoa, sendo irrelevante no direito brasileiro que o ladrão tranqüila e possa dispor  livremente da res furtiva, ou lapso de tempo em que manteve a posse, ou ainda que tenha saído da esfera de vigilância da vítima”.

O sujeito ativo do crime  pode ser qualquer pessoa, menos o seu proprietário, na medida em que o tipo exige que a coisa seja alheia. O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor, ou até mesmo o detentor. É indiferente, ademais, a natureza da posse.

O crime de formação de quadrilha restará tipificado quando mais de três pessoas se associarem para o fim de cometer crimes.

O bem jurídico protegido é a pública.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo e o passivo é a coletividade, um número indeterminado de indivíduos.

O núcleo do tipo é associar-se, que significa unir-se, ajuntar-se, reunir-se, de forma estável ou permanente, para o fim de cometimento de crimes.

O elemento subjetivo é o dolo, representado pela vontade consciente de associar-se a outras pessoas com a finalidade de praticar crimes, criando um vínculo associativo entre os participantes.

O crime se consuma com a simples associação de mais de três pessoas para prática de crimes, colocando em risco a paz pública, sendo desnecessário a prática de qualquer crime.

Sob essas diretrizes, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para, somente alfim e ao cabo do exame, concluir se os acusados J. K. J. e J. dos S., efetivamente, atentaram, ou não, contra  a ordem pública, como pretende o Ministério Público        com a propositura da presente ação.

Pois bem, a primeira fase teve início com o auto de prisão em flagrante de  Josef Karolczyk JúniorJoanildo dos Santos, Cláudio Soares Costa,   Silvio César  da Silva Matos e Wallace Luis Amorim de Sousa. (fls.07/14)

Na fase administrativa o acusado J. K. J. negou a autoria do crime (fls.14) e J. dos S.  manifestou o desejo de só falar em sede judicial.(fls.15)

Na mesma sede foram ouvidas as duas vítimas.

A vítima E. U. da S. confirmou a ocorrência do assalto e disse ter reconhecido todos os assaltantes, dentre eles os acusados J . K.J. e J. dos S. (fls.12)

A vítima V. T. de C. também foi ouvida nessa sede, tendo confirmado a ocorrência do assalto e reconhecido os acusados J. K.J. e J. dos S. como dois dos assaltantes, que eram em número de cinco.(fls.13)

Na sede extrajudicial foi apreendido o veículo Celta, de cor branca, quatro portas, placas HQC-0625,  usado na execução do crime. (fls.42)

Na mesma sede foi formalizada a restituição do veículo em comento ao seu legítima proprietário,  J. T. dos S. F..(fls.43)

Na mesma sede, outrossim,  foi apreendida e restituída parte da res furtiva.(fls.43 e 53)

Com esses dados relevantes encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.

O Ministério Público, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial (informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra  J. K. J. e J. dos S.,  imputando a eles o malferimento  do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 157 do Digesto Penal, com as qualificadoras dos incisos I, II e IV, do seu §2º,  e do artigo 288, ambos do CP,  fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.

Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo  contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras,  os interrogatórios dos acusados J. K. J. e J. dos S. (audiatur et altera pars) .

O acusado J. K. J., como o fizera em sede extrajudicial, negou a autoria do crime, tendo dito que foi apontado como autor do fato porque passou lá na rua que estava acontecendo o crime e porque disse ao policial que tinha passagem na polícia. (fls. 420/424)

O acusado    J. dos S. , de seu lado, também negou a autoria do crime, dizendo que, em verdade, ia socorrer uma pessoa que estava sangrando e aí chegou uma viatura lhe abordou e o prendeu.(fls. 425/428)

Dando prosseguimento à instrução, foi ouvida a vítima E. U. da S. que confirmou a ocorrência do assalto, de cujo depoimento chama a atenção os excertos a seguir transcritos, verbis:

Processo n° 1109/2008

Transcrição da inquirição da testemunha  Evaldo Uchoa da Silva

 

Juiz –  você é apontado como vitima  nesses autos, eu quero que você em relate tudo o que aconteceu nesse dia a partir do momento do assalto.

Testemunha –  eu fui refém no carro…

Juiz –  o senhor já está muito adiantado. Foi tomado de refém onde?

Testemunha –  lá no Cohatrac eles me seguiram…

Juiz –  você tinha saído da onde?

Testemunha –  do depósito

Juiz –  ai você foi seguido?

Testemunha –  seguido até o Cohatrac. Eu fui deixar essa menina na casa dela, que eu sempre deixo ela.

Juiz –  que menina?

Testemunha –   a Valquiria. Ai no meio do caminho eles chegaram com um Celta e me cercaram.

Juiz –  eles quem?

Testemunha –  os bandidos.

Juiz –  havia quantas pessoas no carro?

Testemunha –  tinha três. Eu pensava que era uma brincadeira fui dá uma ré de uma vez…

Juiz –  você estava em qual carro?

Testemunha –  numa Saveiro. Ai dei um ré , ma eles vieram com a arma em punho ai a menina começou a chorar e eu parei.

Juiz –  e o que aconteceu em seguida?

Testemunha –  ai eles invadiram o carro, colocaram o revolver na minha cabeça quebraram aqui.

Juiz – eles estavam encapuzados?

Testemunha –  tava não, de cara limpa.

Juiz –  então não tem duvida de quem foram as pessoas?

Testemunha –   não.

Juiz –  si e ai?

Testemunha – entraram na porta dela e o outro na minha, quebraram minha cabeça, tiraram a direção de mim, mandaram dispensar eu e a menina, na saveiro mesmo, ficou quatro , um ficou motorista.

Juiz –  entraram dois na saveiro, como vocês dois quatro?

Testemunha –   exatamente.

Juiz –  e o outro carro?

Testemunha –  saiu pra outro canto pra colocar a gente no celta. Ai em determinado momento eles colocaram a gente dentro desse celta e mandaram baixar a cabeça e fomos por rumo do depósito.

Juiz-  qual o deposito?

Testemunha –  ligeirinho Gás. Chegando lá pediram a chave eu peguei e dei, que eu sempre ficava com a chave e eu peguei e abri, eu já tava com a cabeça doendo, com dor de cabeça já, com a cabeça abaixada derramando sangue pra ninguém perceber o movimento dentro do carro.mandaram eu abrir a porta e eu não consegui não, eram quatro cadeados, ai começaram abater em mim, “não sei não”.

Juiz –  quem era o mais agressivo?

Testemunha –  o C.. Ele que quebrou a minha cabeça.

Juiz –  quais eram as armas que eles usavam?

Testemunha –  era um 38.

Juiz –  era só um arma?

Testemunha –  eram varias, só que na hora apareceu só uma.

Juiz –  e como é que tu sabe que tinha mais?

Testemunha –  porque eles colocavam a arama em cima de mim e mandavam eu baixar a cabeça.

Juiz –  mas você só viu uma arma?

Testemunha –  é.

Juiz –  chegando lá não conseguiu abrir e ai?

Testemunha –  ai eu voltei pro carro, ai a V. saiu e foi abrir. Ai ela abriu, pronto, ai eles entraram pra dentro, tinha um pra abrir e apareceu mais dois com ele fez três com o C. e com mais dois dentro do carro fez cinco.

Juiz –  tiraram o que do deposito de bebida?

Testemunha –  dinheiro.

Juiz –  quantos eles levaram ?

Testemunha –  uns 1,500,00.

Juiz –  só levaram dinheiro?

Testemunha –   só.

Juiz –  e depois que eles concluíram a operação como é que eles procederam?

Testemunha –  pularam o muro que a policia chegou.

Juiz –  quem foi encontrado dentro do deposito?

Testemunha –  foi o C., é que eu conheço mais o ..

Juiz –  haviam quantos no deposito quando a policia chegou?

Testemunha –   três.

Juiz –  eles foram presos logo?

Testemunha –  presos logo.

Juiz –  os outros dói fugiram do celta?

Testemunha –   não, no celta ficou dois comigo, como eu não consegui abrir a porta mandaram pro celta de novo e eu fiquei dentro do carro abaixado.

Juiz –  e quando a policia chegou?

Testemunha –   fizeram uma baderna e saíram pulando o muro.

Juiz –  conseguiram fugir?

Testemunha –  fugiram, mas pularam o muro e foram cercados.

Juiz –  e nessa hora o que fez o motorista do celta?

Testemunha –  quando eu tava com a cabeça baixada, eles bateram em mim dizendo, que lá tem um alarme , eu percebi ai eles começaram a bater nas minhas costas e eu abaixado, ai eu vi só um rapaz chegando “o que vocês estão fazendo ai?”, “não tá esperando minha namorada”,

Juiz –  quem disse isso?

Testemunha –  o policial. Eu tava com a cabeça baixada sem saber de nada. Ai o policial “sai pra fora” ai ele saiu.

Juiz –  quem disse que estava esperando a namorada?

Testemunha –  o gordinho, o motorista.

Juiz –  como é o nome dele?

Testemunha –  conheço não. Ai ele mandou abris a outra porta, “e esses dois ai?”, “bora sair todo mundo”, quando eu vi que era um policial eu fiquei alegre, eu pensava que ia morrer nesse dia. “cadê o resto dos ladrão?”, “rapaz tá dentro do posto ai”, ai ele me algemou também né, que esse é o trabalho da policia é investigar pra depois saber, ai fiquei algemado no chão com os outros dois lá ai os do deposito viram que era a policia saíram pulando o muro.

Juiz –   nessa hora foram presos os cinco?

Testemunha –  foi.

Juiz –  são seis, o deles conseguiu fugir?

Testemunha –   disseram que era primário.

Juiz –  eles não conseguiram deixar o local com o dinheiro?

Testemunha –  não, não.

Juiz –  esse dinheiro foi recuperado logo no momento da prisão?

Testemunha –   no outro dia. Eu que achei.

Juiz –  onde?

Testemunha – lá no depósito.

Juiz –  tava onde?

Testemunha –   no deposito que conserta carro, do lado, na hora que pularam o muro lá e esconderam pra não ser pegos no flagrante.

Juiz –  ai depois que eles foram presos você chegou a olhá-los na policia?

Testemunha –  na hora que eles foram pegos o policial perguntou .

Juiz –  você não teve dúvida?

Testemunha –   não. Ai no outro dia de manhãzinha eu fui e achei o revolver

Juiz –  onde estava o revolver?

Testemunha –  na oficina de carro.

 Juiz –  prejuízo não teve nenhum?

Testemunha –   quebraram uma coisas lá.

Juiz –   não eu quero dizer que eles não levaram nada.

Testemunha –  não.

Juiz – e a V. nessa altura do campeonato o que estava fazendo?

Testemunha –  ela tava dentro do banheiro.

Juiz –  era trancada?

Testemunha –   era.

Juiz –  você não os conhecia antes?

Testemunha –   não eu conhecia esse tal de C..

Juiz –  de onde?

Testemunha – que eu já ouvir falar nele, que ele era perigoso.

Juiz –  tem medo dele?

Testemunha –   não tenho medo não, ele tem coragem, eu também tenho.

Juiz -( Dada à palavra ao Ministério Público), nada foi perguntado.

Juiz – ( Dada à palavra a defesa);

Advogado –  se em algum momento ele foi ameaçado ?

Testemunha – foi, vários.

Juiz – como eram as ameaçadas?

Testemunha – que iam me matar e dar choque em mim.

Advogado de J.-  excelência se ele conhecia o J. lá do depósito?

Testemunha – já.

Juiz – fazendo o que?

Testemunha – vendo o movimento.

Advogado – se nesse dia ele olhou ele lá?

Testemunha – tava lá também.

Advogado do J. – se o J. foi pra delegacia?

Testemunha – foi.

Advogada – aqui no depoimento dele na policia ele fala o seguinte (lendo depoimento). Eu quero saber por que ele acha que era o J.? Era o que estava conduzindo e se realmente isso aconteceu?

Testemunha – quem falava era o motorista.

Juiz – quem era o motorista?

Testemunha – era um bem forte.

Juiz – ele falava com quem?

Testemunha – um tal de John Bala.

Juiz – mas não falava o que era?

Testemunha – “fica olhando ai” “como é que tá à frente ai?” “nós tamo chegando ai”.

Advogada – se no mento do assalto se o motorista em algum momento desceu do carro?

Testemunha – desceu sim.

Advogada – se ele portava alguma arma?

Testemunha – portava sim, mandou baixar a cabeça e ficou batendo na minha cabeça.

Advogada – mas no depoimento dele ele disse que ra o C. que estava armado, que só tinha uma arma.

Testemunha –  mas o C. também estava armado.

Juiz – e o motorista também?

Testemunha – também.

Juiz – tu imaginas que ele estava armado porque ele bateu na tua cabeça, mas você  não viu a arma?

Testemunha – não vi não.

Defensor Público – algum dos acusados já trabalhou na empresa?

Testemunha – só o tal de Cláudio. 

(fls. 476/482) ( com a supressão de excertos entendidos como irrelevantes para o deslinde da questão)

 

Nesta sede também foi ouvida a ofendida V. . de C., que, de seu lado, também confirmou a ocorrência do assalto, de cujo depoimento chama a atenção os fragmentos a seguir transcritos, litteris:

Processo nº. 11092008

V. T.de C.

 

Juiz: Você não vai prestar compromisso porque você éa pontada como vítima aqui nesses autos. Me conte o que aconteceu neste assalto, desde o momento que vocês foram abordados.

Testemunha: Nós fomos abordados ali nas proximidades da minha casa.

Juiz: Nós quem?

Testemunha: Eu e o Evaldo.

Juiz: Vocês estavam juntos? Em que carro?

Testemunha: Estávamos juntos numa saveiro.

Juiz: Na saveiro de quem?

Testemunha: Do proprietário do depósito de gás que foi assaltado.

Juiz: Então vocês estavam no carro, foram abordados, por quem?

Testemunha: Eu não sei o nome dele.

Juiz: Sim, mas foi por assaltantes?

Testemunha: Por assaltantes.

Juiz: E aí o que eles disseram lá na hora?

Testemunha: Eles apontaram arma pra gente.

Juiz: Quantas armas?

Testemunha: Eram duas armas.

Juiz: E ai mandaram fazer o que?

Testemunha: Eles entraram, disseram que não era pra gente recuar e entraram no carro.

Juiz: Na saveiro. Quantos entraram no carro?

Testemunha: Dois.

Juiz: E depois disso?

Testemunha: Levaram a gente até no Cohatrac, numa avenida do Cohatrac, tiraram a gente da saveiro e colocaram a gente num celta.

Juiz: E no celta havia outras pessoas?

Testemunha: Havia.

Juiz: Quantas pessoas havia no celta?

Testemunha: Três.

Juiz: Então ficaram cinco com vocês dois?

Testemunha: Isso.

Juiz: Daí foram pra onde?

Testemunha: Daí nós fomos até o depósito.

Juiz: Chegando no depósito?

Testemunha: Aí chegando no depósito o assaltante mandou o E. abrir o portão, só que o E. não sabe desativar o alarme, só eu sei. Ai me levaram até o portão, eu desativei o alarme, chegando lá começaram a revistar querendo que eu abrisse o cofre. Só que eu não sei abrir o cofre, eu não tenho a senha.

Juiz: A essa altura do campeonato, a saveiro e o celta estavam lá também?

Testemunha: Estavam.

Juiz: Eles eram quantos?

Testemunha: Cinco.

Juiz: E aí o que aconteceu? Entrou, tentou abrir o cofre e não conseguiu.

Testemunha: Eles tentaram também.

Juiz: Quantos entraram?

Testemunha: Eram quatro, não tenho certeza.

Juiz: Não tem certeza, mas entraram vários deles no depósito?

Testemunha: Entraram.

Juiz: O Evaldo essa altura do campeonato estava onde?

Testemunha: Ele tava do lado de fora.

Juiz: Do lado de fora onde?

Testemunha: No celta.

Juiz: Sim e aí?

Testemunha: Aí eles começaram a revistar lá, querendo que eu abrisse o cofre. Um deles, o C., ficava me ameaçando, que se eu não abrisse o cofre ele ia me dar choque; aí enquanto eu tava lá tentando abrir o cofre tocou o telefone. Era um cliente só que já tinha encerrado o expediente. Aí eu atendi, eles pensavam que era o vigia, aí eu atendi, era um cliente eu despachei e continuei tentando abrir ao cofre, só que eu queria abrrir por sorte. Aí nesse momento a polícia chegou, só que por um descuido deles, aí eu me tranquei no banheiro, ai nesse momento que eu me tranquei eu não consegui fechar logo, um deles ainda abriu e não fez nada. Eu abaixei a cabeça assim e tranquei aí eu fiquei lá.

Juiz: E eles conseguiram pegar algum dinheiro?

Testemunha: Pegaram, o dinheiro do meu caixa, do dia.

Juiz: Não tava no cofre?

Testemunha: Não. Não tava no cofre.

Juiz: De quanto era esse dinheiro?

Testemunha: Era uns mil e pouco.

Juiz: Depois a polícia chegou? O que aconteceu com a chegada da polícia?

Testemunha: Porque eu fiquei trancada no banheiro ai não vi mais nada.

Juiz: Eles estavam encapuzados?

Testemunha: Eles estavam encapuzados na hora que entraram no depósito. Porque o medo deles é que tivesse uma câmera.

Juiz: Enquanto eles vinham do Cohatrac até lá eles vinham sem capuz?

Testemunha: Sem capuz.

Juiz: Olhou o rosto deles todinho?

Testemunha: Olhei.

Juiz: Quando eles foram presos você olhou eles?

Testemunha: Olhei.

Juiz: Não teve dúvidas de que eram eles?

Testemunha: Não tive dúvida.

Juiz: E aí levaram o dinheiro ou não?

Testemunha: Levaram porque depois não foi encontrado.

Juiz: Não foi encontrado ou você não sabe se foi encontrado?

Testemunha: Não foi encontrado por nós na hora. Só depois.

Juiz: Quem encontrou?

Testemunha: Foi encontrado o dinheiro num outro terreno perto do depósito.

Juiz: O que mais foi encontrado?

Testemunha: Só o dinheiro.

Juiz: E as armas do crime?

Testemunha: As armas também. Tinha um revólver.

Juiz: Quantos revolveres?

Testemunha: No dia foi encontrado um revolver no terraço de um vizinho. Jogaram lá.

Juiz: Isso depois do assalto? A polícia que encontrou?

Testemunha: Isso. A polícia que encontrou.

Juiz: Mas você sabe quantos deles estavam armados no transcurso dessa ação?

Testemunha: Não.

Juiz: Mas deu pra precisar que ao menos um tava armado?

Testemunha: Dois.

Juiz: Você citou claramente o nome do C.. Você já conhecia o C.?

Testemunha: Não. Conheço porque ele foi um cliente lá do depósito.

Juiz: E os outros acusados você já conhecia?

Testemunha: Não.

Juiz: Não conhecia nenhum deles nem passando por lá?

Testemunha: Não.

Juiz: Então o dinheiro não foi levado? Foi deixado no terreno ao lado e foi recuperado o dinheiro e a arma do crime?

Testemunha: Certo.

Juiz: Você sofreu alguma violência física?

Testemunha: Não.

Juiz: O E. sofreu alguma violência física?

Testemunha: Sofreu.

Juiz: Como foi essa violência?

Testemunha: foi uma coronhada na cabeça.

Juiz: Quem deu?

Testemunha: Foi o C..

Juiz: Além da coronhada houve mais alguma agressão contra algum de vocês dois?

Testemunha: Em mim não.

Juiz: Houve outra violência ou só essa?

Testemunha: Eu não sei.

Juiz: Fizeram alguma ameaça de morte além de choque em você?

Testemunha: Fizeram. Eles diziam assim: “Olha, quando eu mandar tu matar, tu mata!”

Juiz: Quem dizia isso?

Testemunha: O Cláudio.

Juiz: O Cláudio? Ele era o mais sapeca?

Testemunha: Ele era o mais amedrontador.

Juiz: Fiquei apavorada com ele?

Testemunha: Fiquei.

Juiz: Ai me diga uma coisa, eles foram presos com a ação da polícia, depois que eles foram presos você foi levada até eles pra reconhecê-los como autores do fato?

Testemunha: Frente a frente?

Juiz: Sim, porque em qualquer circunstância, em qualquer lugar, porque eles foram presos precisa confirmar. Os que foram presos dentro do depósito acho que não tem dúvida e os que foram presos fora?

Testemunha: Quando eu sai na hora do assalto, que a polícia tava lá, a polícia pensava que o Evaldo era um dos assaltantes, aí tava ele mais outro assaltante no chão, aí eu fiz o reconhecimento: “Olha ele não é”,

Juiz: E os que estavam dentro do depósito você chegou a reconhecer?

Testemunha: reconheci.

Juiz: Sem nenhuma dúvida?

Testemunha: Sem nenhuma dúvida.

 

(Com a supressão de excertos entendidos como irrelevantes para o deslinde da questão)(fls. 483/489)

 

Nesta sede foi, ademais, formalizado o reconhecimento dos acusados pelo ofendido Evaldo Uchoa da Silva, conforme  se vê às fls. 520.

A ofendida V. T. de C. reconheceu o acusado J. K.  J. como o motorista do veículo Celta utilizado no assalto.(fls.521 e 523)

As testemunhas do rol da defesa – J. J. B. C. (fls.524/525), J. P. S.(fls.526/527), F. das C. F. (fls. 528/529), J. B. M. (fls.530/531), D. F. B. (fls.546/547), M. S. de C. (fls.548/549),  N. de C. D. M. (fls.550/551), V. B. D. (fls.552/553), A. R. B. da S. (fls.554/555), L. E. P. G.(fls.556/557), N. da S. F. V.(fls.558/559), A. P. M. F. (fls.560/561), D. D. (fls.562/563), J. R. M. R. (fls. 564/565) e C. V. P.(fls.566/567) – nada souberam acerca do crime, limitando-se a falar da conduta social dos acusados.

Analisada a prova produzida, em toda a sua extensão, passo, a seguir, a expender as minhas conclusões, em face da ação dos acusados  J. K.J. e J. dos S..

Primeiro, o crime de formação de quadrilha imputado aos acusados.

Devo dizer, a propósito desse crime, que durante a instrução criminal não se cuidou, em nenhum momento, desse crime. O Ministério Público, titular da ação penal, que era quem mais deveria ter se interessado pelo tema, sequer formulou reperguntas nesse sentido.

Posso afirmar, pois, que, sem provas, mínimas que sejam,  produzidas em sede judicial, a absolvição dos acusados em face do crime de formação de quadrilha se impõe.

No que diz respeito ao crime de roubo, as provas nesse sentido são plenas, com destaque  para a palavra dos ofendidos, sobre a qual já me detive acima.

A figura típica do crime de roubo, sabe-se, é composta pela subtração, que é uma característica do crime de furto, conjugada pelo emprego de grave ameaça ou violência contra pessoa.

Da ação dos acusados J. K. J.J. dos S.  posso entrever, pois, que presentes estão, à evidência, a) a subtração e  tentativa de subtração; b) a finalidade da subtração ; c) a coisa alheia móvel; e d) o  emprego de grave ameaça, daí porque, reafirmo, a sua ação se amolda ao preceito primário do artigo 157 do CP.

O crime, ademais, restou consumado, tendo em vista que somente parte da res mobilis foi recuperada, conforme auto de apreensão e restituição acima mencionados.

O crime de roubo resta consumado, todos sabemos, “com a simples disponibilidade, ainda que momentânea, da res furtiva, desde que cessada a violência, prescindindo-se a posse tranqüila e a saída da coisa da esfera de vigilância da vítima”.

No caso presente, à toda evidência, os acusados J. K. J. e J. dos S. desfalcaram o patrimônio dos ofendidos, definitivamente, daí a reafirmação de que o crime restou consumado.

O crime restou qualificado pelo emprego de armas de fogo, conforme se dessume da palavra dos ofendidos, pouco importando, para o reconhecimento da qualificadora, que as armas tenham sido apreendidas e periciadas.

Nesse sentido tem decidido o Superior Tribunal de Justiça como se vê da decisão a seguir transcrita, verbis:

 

Nos termos da reiterada jurisprudência desta Corte, é prescindível a apreensão da arma para caracterização da causa de aumento de pena no crime de roubo”.

 

 No mesmo sentido, litteris:

 

A qualificadora de uso de arma de fogo independe da apreensão da arma, segundo a jurisprudência dominante.

 

Perfilhar  entendimento contrário seria beneficiar o autor do fato que, após a sua realização, se desfaz da arma  do crime, como, aliás, tem ocorrido com freqüência.

A qualificação do concurso de pessoas é inquestionável, pois que é mais do que ressabido que os dois acusados  praticaram, em concurso, o crime narrado na denúncia, daí que a qualificadora em comento deve ser mantida.

No que se refere à qualificadora do inciso IV, do §2º, do artigo 157 do CP, creio que o Ministério Público laborou em grave erro de interpretação.

É verdade que os acusados J. K. J. e J. dos S. usaram um veículo Celta,  roubado, na prática do crime. Mas é verdade, também, que a denúncia não imputa a eles a prática desse roubo. A denúncia imputa aos acusados a prática do assalto às vítimas  E. U. da S. e V. T. de C. que trabalhavam num depósito de gás denominado Ligeirinho Gás, os quais detinham a posse da res mobilis, daí porque são apontadas como vítimas.

Os acusados, é verdade, usaram um Celta que teria sido roubado antes. Mas a eles o Ministério Público não fez nenhuma imputação em face desse crime, daí porque entendo que deva ser afastada a qualificadora em comento.

Tem mais. A qualificadora se aperfeiçoa se o veículo automotor for roubado e transportado para outro Estado ou exterior. No caso sub examine não aconteceu nenhuma coisa nem outra, daí porque deve, a fortiori,  ser afastada a qualificadora.

Os acusados, reafirmo, agiram dolosamente, pois que tinham consciência e vontade na realização da conduta típica.

Os acusados tinham consciência de que o fato que realizaram era ilícito (elemento cognitivo) mas, ainda assim, agiram. (elemento volitivo)

Conquanto os acusados tivessem consciência da ilegalidade do ato que praticaram, ainda assim agiram, devendo, agora, responder pelas conseqüências da ação reprochável, traduzidas em penas – privativas de liberdade e multa.

A pena, é da sabença comum, “é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração(penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos” .

O Estado não pode deixar, diante de um crime, de aplicar a pena ao transgressor, sob pena de estabelecer-se a anarquia, que nos levaria ao caos social. É, pois, com a pena que se estabelece o necessário controle social, com o que se prende evitar que comportamentos desse jaez se realizem.

Para Zaffaroni e Pierrangeli, “A pena não pode perseguir outro objetivo que não seja o que persegue a lei penal e o direito penal em geral: a segurança jurídica”. A pena deve aspirar a prover segurança jurídica, pois seu objetivo deve ser a prevenção de futuras condutas delitivas”

Em face das considerações supra, restaram enfrentadas as teses da defesa, no que com elas conflitam com esta decisão, sendo  desnecessário, pois, a adição de qualquer outro argumento.

Resulta do exposto que, conquanto não se tenha enfrentado,  ponto a ponta, a tese da defesa, aqui não se está a editar sentença nula

Os Tribunais não estão infensos a esse entendimento, como se colhe das ementas abaixo, verbis:

 

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76 – SENTENÇA – NULIDADE – NÃO APRECIAÇÃO DE TESE DA DEFESA – ILICITUDE DE PROVAS – I – A sentença que, ao acolher a tese da acusação, contém satisfatória menção aos fundamentos de fato e de direito a ensejar o Decreto condenatório, não é nula, apenas pelo fato de não se referir explicitamente à tese da defesa, mormente se, pela sentença condenatória, restou claro que o Juiz adotou posicionamento contrário. (Precedentes). II – In casu, se a r. Sentença penal condenatória reputou válido o flagrante, nos termos do do art. 5º, XI da Constituição Federal, automaticamente afastou a tese da defesa de ilicitude das provas obtidas, em razão da ausência de mandado judicial. Writ denegado.

No mesmo sentido:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 214, C/C 224, “A”, DO CP – SENTENÇA CONDENATÓRIA – NULIDADE – OMISSÃO – EXAME DE TESE DA DEFESA – DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 61 DA LCP – Não é omissa a decisão que, fundamentadamente, abraça tese contrária à da defesa. No caso, reconhecido o atentado violento ao pudor com violência presumida, a rejeição da tese de desclassificação para a contravenção do art. 61 da LCP, por redundância, não precisava ser formalmente explicitada Precedentes do STJ e do Pretório Excelso). Ordem denegada.

 

 Tudo de essencial posto e analisado, julgo procedente, parcialmente, a denúncia, para, de conseqüência, absolver os acusados Josef Karolczyk Júnior e Joanildo dos Santos em face da imputação da prática do crime de formação de quadrilha, o fazendo com espeque no inciso VII, do artigo 386 do Digesto de Processo Penal, para, no mesmo passo, condená-los por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I e II, do CP, cujas penas passo a fixar a seguir:

I-para o acusado J. K. J., brasileiro, solteiro, taxista, filho de J. K. e A. da S. K., residente e domiciliado à Av. 08, Condomínio Magnólia, Bloco IV, Apto. nº 402, Cohab Anil IV, nesta cidade, fixo as penas-base em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos I e II, §2º, do artigo 157 do CP, totalizando, definitivamente, 05(cinco) anos e 04(quatro) meses de reclusão e 13(treze)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

 e

II-para o acusado  J. dos S., brasileiro, solteiro, peixeiro, filho de J. F. dos S. e B. dos S., residente e domiciliado à Rua São João, s/n, Vila Natal/Coroadinho, nesta cidade, fixo as penas-base em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos I e II, §2º, do artigo 157 do CP, totalizando, definitivamente, 05(cinco) anos e 04(quatro) meses de reclusão e 13(treze)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

 

P.R.I.C.

Com o trânsito em julgado desta decisão, lançar o nome do réu no rol dos culpados e extrair Carta de Sentença.

Promover a reprodução em fotocópia dos autos sub examine, para, em seguida encaminhar ao representante do Ministério Público, para que promova a necessária emenda à inicial, nos termos do artigo 569 do Digesto de Processo Penal contra C. S. C.J. N. B. e W. L. A., em face do decidido acima acerca das omissões da denúncia.

Remetam-se os autos principais, depois de expedida a necessária carta de sentença, ao arquivo, com a baixa em nossos registros.

Façam-se as comunicações necessárias, especialmente à distribuição, para os devidos fins.

Apesar da tarja constante do processo, observo, às fls.601/602 e 603/604, que os acusados já estão em liberdade.

Determino a imediata liberdade dos demais acusados, porque a sua prisão, agora, em face da anulação do processo, já se mostra ilegal.

Expeçam-se os necessários Alvarás de soltura.

Custas, na forma da lei.

 

São Luis, 11 de novembro de 2008.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

       Titular da 7ª Vara criminal

 

Notas e Referências Bibiliográficas.

RT 609/445
RSTJ – 24/415
RT 608/445
RT 563/374
RJDTACRIM 22/135
RT 588/387
Lembremos, ainda, que o monopólio de distribuição de justiça e o direito de punir cabem, como regra, ao Estado, vedada a autodefesa e a autocomposição. Evita-se, com isso,  que as pessoas passem a agredir umas as outras, a pretexto de estarem defendendo seus direitos (Guilherme de Souza Nucci, in Manual de Processo e Execução Penal, Editora revista dos Tribunais, 2005, p.157)
Como se sabe, a aplicação de sanções é, hoje, função privativa do Estado, isto é, o Estado é o único autorizado a impor uma pena a um infrator, ainda que essa pena seja determinada por lei.
    Dessa forma, é preciso assegurar um meio pelo qual a ocorrência do crime chegue ao conhecimento do Estado. Se isso não ocorrer – se um órgão do Estado não vier a conhecer com mínima precisão o autor e as circunstâncias da prática delituosa – abre-se oportunidade para que ocorram inúmeras injustiças, consubstanciadas na condenação de pessoas inocentes, ou na impunidade de que seja culpado.( Edílson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4ª edição, Editora Sraiva,  2008, p.97)
  RECr nº 10240-SP; HC 70304-SP
O sistema acusatório por nós adotado coloca o juiz na verdadeira função de órgão estatal eqüidistante do conflito de interesse entre as partes. O juiz julga e aplica a lei, porém quem assume o papel de manifestar a pretensão punitiva é o Ministério Público. ( Paulo Rangel, Direito Processual Penal, Lúmen Júris, 2001, p.287)
O inquérito policial tem conteúdo e informativo, mas as provas nele albergadas podem, sim, ser buscadas para compor, integrar fortalecer o conjunto probatório. Os princípios do contraditório e da ampla defesa, é verdade, não se aplicam no inquérito policial, mas nem por isso se pode deixar de buscar dados nele  coligidos para composição da prova judicial. O que não se pode, sob qualquer pretexto, é decidir com base exclusivamente em provas extrajudiciais.
O Estado e o titular exclusivo do direito de punir que só se efetiva mediante o processo legal, o qual tem início com a propositura da ação penal. Segue que, em regra, cabe aos órgãos do próprio Estado a tarefa persecutória. Entre nós, atribui-se a investigação prévia à autoridade policial (polícia civil ou polícia federal, CF, art. 144, incisos e parágrafos) ou àquelas autoridades administrativas a quem a lei  cometa a mesma função, qual, a de polícia judiciária(CPP, art. 4º parágrafo único), ao passo que a ação penal pública fica a cargo exclusivo do Ministério Público. (CF, art.129, I) (Fernando Capez,  Curso de Processo Penal, 13ª edição, Saraiva, 2005, p.117)
“Dos mais importantes no processo acusatório é o princípio do contraditório (ou da bilateralidade da audiência), garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado (artigo 5º, LV).  Segundo ele, o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes” (Júlio Fabbrini Mirabete, Processo Penal, 17ª edição, Editora Atlas, 2005, p. 47).
STJ, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª T., um. REsp. 476.375-0, MG, j. 26/06/2003
STJ, REsp. 827131, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T.
TJRJ, 7ª Câm. Crim. Rel. Alexandre H. Varella, AP – 2007.050.02070
Mister ressaltar que o jus puniendi, de titularidade do Estado, mais do que um direito, é um dever estatal. Com efeito, na sua atribuição de manter a ordem e a paz social, afrontadas pelo comportamento agressor,  é necessária a  punição aos infratores da lei penal. O Estado proíbe o exercício, por seus cidadãos,  da autotutela, o que configura, ainda, o crime prevista no art. 345 (exercício arbitrário das próprias razões). Como contrapartida, deve  prover a punição aos que afrontam os bens e interesses  relevantes à sociedade. ( Edílson Mougenot Bonfim, Curso de Processo Penal, 4ª edição, editora Saraiva, 2008, p. 98)
Damásio Evangelista de Jesus, in  Direito Penal, Parte geral, Vol. I, Saraiva, 1988, p. 457
Eugenio Raúl  Zaffaroni e  José Henrique  Pierangeli, Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1999, p.103/104.
STJ – HC 34618 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 13.12.2004 – p. 00388) JCF.5 JCF.5.XI )
STJ – HC 35917 – MS – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 08.11.2004 – p. 00261) JCP.214 JCP.224 JCP.224.A JLCP.61
Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        § 1º – Considera-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;
        b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
        c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
        § 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
        a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
        b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
        c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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