Discurso de posse

Abaixo, o inteiro teor do meu discurso, por ocasião da minha posse solene no cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

Assumo o juízo de segunda instância com a convicção de que não farei parte de uma confraria onde se semeiem sentimentos menores. Se assim não for, se eu estiver equivocado, deixo o proscênio e volto para minha casa, pois que, lá, sentimentos malfazejos- tipo inveja, vaidade, traição e prepotência – não encontram abrigo.

Para subjugar, no primeiro momento, a expectativa do que virá a seguir, em face do mito que se criou acerca da minha fala, consigno que dela não advirá nenhum ataque, a quem quer que seja, muito menos aos meus pares, com os quais desejo ter uma relação pacífica e cordial, sem que isso signifique aquiescência incondicional com as suas posições.
Esperei durante muitos anos por este dia. Mas nunca o fiz que não fosse pensando em servir, em ser útil à sociedade, por entender já haver cumprido a minha missão na primeira instância, onde me dediquei por mais de 24(vinte e quatro) anos, em tempo integral, por todas as comarcas pelas quais passei, onde, registre-se, fixei residência.
O exercício da judicatura, agora em segunda instância, tem, para mim, um único objetivo, qual seja o de continuar servindo à comunidade, como afinal deve ser, de resto, o objetivo de todos os homens públicos.
Conquanto tenha esperado, com moderada sofreguidão, por esse dia, confesso, que não estou em estado de euforia e nem me vejo permanecendo muito tempo nesta Corte, a menos que nela prosperem a concórdia, a urbanidade, a cortesia e a tolerância, e que, ademais, as discussões aqui encetadas o sejam apenas no campo das ideias, abstraindo-se as questões pessoais, que, não se há de negar, não trazem nenhuma contribuição para o resgate da nossa credibilidade, tema sobre o qual manifestar-me-ei, com maior detença, ao longo desta oração.
Importa dizer, com todas as ênfases, que o cargo não me envaidece. Diferente de muitos, a sabujice e eventuais ganhos de ordem material não me fascinam. É que a minha vaidade tem limite; doentia não é. A minha vaidade profissional é na medida certa, na medida do meu compromisso com a coisa pública, da minha responsabilidade de bem decidir.
O que me preocupa com a ascensão agora materializada, o que me causa quase estupor, efetivamente, é não saber, com certeza, o que me espera nesta Corte, em face de tudo que se comenta e do que assistimos nas seções aqui levadas a efeito, donde se vê que, algumas vezes, simples regras de cortesia cedem, às vezes, à vaidade, à arrogância e à prepotência.
Tenho pensado muito, desde que vi materializada a minha promoção, na contribuição que possa dar para melhorar a prestação jurisdicional, e, fundamentalmente, para ajudar resgatar a credibilidade do Poder Judiciário do nosso Estado, que, registre-se, não é responsabilidade de nenhum magistrado individualmente considerado, mas decorrente, sobretudo e fundamentalmente, da nossa histórica incapacidade de atender às expectativas da sociedade.
Lamentavelmente, estando aqui agora, antevejo, preocupado, serem verdadeiras as informações que disponho, que pouco ou quase nada vou poder fazer, pois que, ao que parece, nesta confraria, tudo parece muito individualizado, solitário, pessoalizado, ensimesmado. Espero estar equivocado, espero estar fazendo uma análise precipitada. Nunca desejei tanto estar equivocado!
A confirmarem-se as minhas expectativas – que espero equivocadas, repito – tiro o time de campo, tão logo alcance a idade de aposentadoria.
O poder pelo poder, todos que me conhecem sabem, não me enfeitiça. É que, diferente de alguns, o exercício do poder não me fascina pelo que ele possa oferecer em termos materiais e em termos de projeção pessoal. Não tenho ambições materiais desmedidas. Tudo que almejo tem limite. Não me anima nenhum tipo de mordomia. Nunca me dei bem com elas. Elas, essa é a verdade, até me constrangem.
A sabujice, que a muitos entorpece, a mim me incomoda. Não sei conviver com o bajulador, pois que sei, dele nunca se espera fidelidade. Ele não é verdadeiro. Não passa de um oportunista. Dele, quando possível, mantenho distância. Todos deveriam dele manter distância. Mas, infelizmente, há os que gostam – e, até, a eles dão ouvidos.
Quero ser apenas respeitado e tratado com cortesia; subserviência, própria dos aduladores, não tolero. Não me regozija o elogio gratuito. Não me regalo com obséquio por conveniência.
Quero ser gostado – e admirado, se possível – como um reflexo do que sou e do que faço; nunca em razão do cargo que exerço. Tenho muitas dificuldades de conviver com a lisonja do interessado.
Parece estranho, para quem tem a fama de arrogante, o que estou dizendo. Todavia, é esse mesmo o meu sentimento acerca dos bajuladores, das mordomias e do que mais decorre em razão do cargo que eventualmente exerça.
Os que me conhecem, sabem que estou sendo verdadeiro. Pena que poucos são os que me conhecem. Muitos só me conhecem pelo meu estereótipo, forjado na maldade, por pura malandragem.
Para quem gosta de regalos, para quem acha que o poder é uma patuscada, ao que vejo e sinto, a ascensão à segunda instância é um fascínio, pois é nela que vicejam, dentre outras esquisitices, os sabujos, seres pelos quais guardo extremada desafeição, pois que deles, repito, não se espera sinceridade.
Eu não tenho, definitivamente, convivência pacífica com a hipocrisia. E o puxa-saco é, fundamentalmente, um oportunista hipócrita.
Diferente de muitos, não chego a esta Corte com prazo de permanência estipulado. Não faço planos a longo prazo. Já externei isso à minha assessoria.
A minha permanência nesta Corte dependerá do que for possível realizar. Se for só pelo cargo, pelo que ele tem de fascinante, não permanecerei neste sodalício – tiro o time de campo, como se diz vulgarmente.
Meu tempo de validade é o tempo de poder realizar. Não sendo possível fazer um trabalho que dignifique a minha história, volto pra casa, vou curtir a minha família, vou viver a minha vida. Não como um covarde, não como quem deixa um campo de batalha, pois que o tempo que permanecer nesta Corte será de inteira e total entrega, perseverante que sou.
Assim pensando, aproveito o ensejo para consignar que, desde agora, mantidas as regras atuais e o nível de disputa que tenho observado, estou abdicando – repito, estou abdicando – de disputar qualquer cargo de direção, para que eu possa estar à cavaleiro e firmar posição em torno do que for melhor para o Poder Judiciário.
Para os cargos de direção, além de não me habilitar, importa anotar, votarei, sempre, naquele cuja história, desde o meu olhar, o credencie para o mister.
Ao abdicar de concorrer a qualquer cargo de direção, não o faço fomentando, instigando o pecado da omissão. Estou apenas consignando que, se o preço para alcançar a direção for açular discórdias, então, estou fora, pois o que mais almejo é contribuir para pacificação do Poder Judiciário do meu Estado.
De tudo o que se lê, que se assiste, que se vê, que se vive e sente, tem-se, necessariamente, de fazer alguma reflexão, sob pena de não valer a pena viver como um ser racional.
Se for para não pensar, então para que viver? Que sentido teriam a inteligência e a racionalidade que nos distinguem dos outros animais, se agíssemos como autômatos, impulsivamente, insensatamente, sem mensurar as conseqüências?
Viver é rir, chorar, sentir dor, lamentar, sofrer, vestir, beber, comer, abraçar, beijar, pular, cantar, jogar – e pensar. Pensar mesmo! Pensar muito! Pensar sem trégua! Decisivamente! Convindo gizar que pensar, no sentido aqui empregado, não é maquinar, traquinar, articular travessuras. Pensar, como penso, é refletir, por na balança para avaliar, ponderar, perscrutar, buscar solução.
Por razões que não sou capaz de declinar, o que mais me deslumbra, quase a enfeitiçar, é pensar, é refletir sobre questões que, a rigor, não habita a mente e o coração de muitos dos meus semelhantes.
Qualquer coisa pode me levar à reflexão. As coisas mais esquisitas me fazem parar pra pensar. Às vezes nem preciso parar. Eu, simplesmente, penso, idealizo, faço projeções, questiono o mundo e me questiono, às vezes exageradamente.
Uma frase aparentemente despretensiosa pode me fazer imergir em reflexões, como ocorreu, certo tempo atrás, quando eu assistia a mais um episódio da série OZ, produzida pela HBO.
Em dado momento do episódio a que eu assistia, um detento (Augustus Hill, interpretado por Harold Perrineau) apareceu em cena gritando e lamentando o indeferimento de um pleito de liberdade condicional, que ele fizera. Um dos seus colegas de cela, Kareem Said, interpretado por Eamonn Walker, um líder mulçumano, o aconselhou a não se revoltar, pois, afinal, era a lei que assim o queria; era, pura e simplesmente, a vontade da lei, lembrou Said.
Hill, diante desse conselho de Said, redargüiu, argumentando com profundidade – profundidade que, decerto, só quem tem sensibilidade percebe:
– Não é a lei o meu problema. O meu problema é a esperança.
E é verdade. Não se vive sem esperança. Especificamente no caso de um detento, a progressão do regime de cumprimento de pena, por exemplo, é a esperança que o alimenta, pois que, em face dela, alimenta a expectativa de que pode alcançar a sua liberdade com mais brevidade, daí a relevância do instituto.
No caso específico do Poder Judiciário, o que me move é a esperança no porvir, é a esperança de que, mais dia, menos dia, alcançaremos a credibilidade que nos credenciará, definitivamente, perante a opinião pública.
Um dia, assim espero, com sofreguidão, as pessoas deixarão de se referir ao Poder Judiciário do Maranhão com menosprezo, com achincalhe, em face da má conduta de uns poucos descomprometidos.
Um dia o Poder Judiciário do Maranhão se afirmará, definitivamente, perante a opinião pública. Mas não dá mais para esperar. Temos que agir, temos que reagir, que enfrentar as nossas conhecidas mazelas, que enfrentar a inércia, que reconhecer os nossos erros, que expurgar os nossos pecados, que expungir dos nossos quadros os que comprometam a imagem da instituição.
Tudo o que for preciso para agilizar a prestação judicial, para dar credibilidade ao Poder Judiciário podem contar comigo. Nesse sentido, estarei sempre à disposição. Nesse sentido, supero todas as questões pessoais, supero todas as divergências, pois que sublimo o interesse público; e desde o meu ponto de observação, só os mal-intencionados, os sem compromisso, não são capazes de superar as questões pessoais em benefício de uma causa maior.
Nós temos que, em nome do interesse público e em benefício da credibilidade do Poder Judiciário, superar as divergências pessoais, e, ademais, nos conduzir com retidão. Temos, nesse sentido, que ter uma conduta exemplar.
Não dá bom exemplo – e compromete a imagem da instituição – o magistrado que cultiva inimizades com os seus pares, por questões de somenos.
Não dá bom exemplo – e também compromete a imagem do Poder Judiciário – o magistrado que instiga, que atiça, que açula, que provoca o colega, muitas vezes publicamente, como se fora um torcedor fanático, num estádio de futebol.
Não dá bom exemplo – e trabalha, da mesma forma, contra a instituição – o magistrado que se comporta em plenário como se estivesse numa roda de bate-papo entre amigos.
Não dá bom exemplo, procede muito mal, o magistrado que não respeita o colega que profere o seu voto. Isso depõe contra todos nós. Isso tem sido objeto de chacotas, de comentários desairosos entre os operadores do direito.
Ao ensejo, faço questão de anotar que, ao votar, não abro mão desse poder soberano. Ninguém, seja quem for, se imiscuirá nos meus julgamentos impunemente, a menos que o faça com a devida e inexcedível urbanidade. Caso contrário, reagirei. E reagirei com tenacidade. E que fiquem tranquilos, meus votos não serão votos cansativos. Eu sei praticar a moderação e sei ser sucinto, quando necessário.
A algumas dessas questões ainda voltarei ao depois.
Antes de fazê-lo, no entanto, antes que o cansaço tome conta dos senhores e da platéia, devo, à luz dos mais antigos clichês, externar a minha gratidão e respeito a algumas pessoas que contribuíram, cada uma na sua dimensão, a seu tempo e modo, para que eu chegasse hoje ao ponto culminante da minha carreira, na melhor fase da minha vida, esbanjando saúde e prenhe de felicidade.
Agradeço, inicialmente, a minha mãe – minha heroína; minha amiga, gente como a gente, de incontáveis virtudes e raros defeitos, e em torno de quem nós todos -, filhas e filhos, netos, netas e bisneto, noras e genro – aprendemos o significado mais sublime da palavra amor e em torno de quem aprendemos a viver com dignidade.
Agradeço, com especial consideração e apreço, a minha tia Maria de Jesus, que, nos anos mais tenros da minha vida, me ensinou as primeiras lições de retidão e respeito, e a quem coube a difícil missão de suprir a falta da minha mãe, quando dela mais precisamos, sem que ela, por motivos que não convém declinar, pudesse nos dar o aconchego dos seus braços, o calor do seu colo e o conforto de suas palavras.
Agradeço – e presto uma homenagem especial – a minha esposa, Ana Rita Almeida, companheira incansável, amiga de todas as horas, parceira nas alegrias e tristezas, desvelada e extremada mulher, mãe e amiga, que nos momentos mais incruentos da minha vida, pessoal e profissional, nunca me negou apoio e conforto.
Agradeço aos meus filhos, Ana Paula e Roberto Almeida, que vieram ao mundo para me ensinar o verdadeiro sentido da palavra amor, no seu mais amplo significado, e que, nesse despertar, me fizeram repensar a minha vida e a minha postura diante de determinadas questões, sobretudo no que concerne ao meu relacionamento com o semelhante.
Ao ensejo, agradeço e exteriorizo a minha eterna gratidão ao eminente desembargador José Pires da Fonseca e sua respeitada e digna esposa Dulce Pires da Fonseca, compadres e amigos fraternos, que são, também, responsáveis por esse momento.
Presto, outrossim, uma homenagem póstuma as meus sogros Firmo Ribeiro de Oliveira e Dina Jorge de Oliveira, junto aos quais, mirando no seu exemplo, aprendi muito acerca do real significado da palavra família.
Anoto, com pesar, a ausência do meu pai, que escolheu, há mais de trinta cinco anos, viver sozinho, distante de sua família, optando, spont sua, por não ser o meu herói, por não ser a minha referência, por não ser o meu guia.
Mas quero que ele saiba, nesta oportunidade, que a sua lembrança, para mim, tem sido uma constante e que estou a esperar, sinceramente, que o tempo não o roube de mim, sem que eu tenha a oportunidade de dizer-lhe que, apesar de tudo, nunca deixei de amá-lo. Quero que ele saiba que o amor de um filho para com os pais não morre, ele apenas adormece e que ainda há tempo de despertar!
Eu tenho dito, repetidas vezes, que eu queria muito ter um pai pra chamar de meu, para dele me ocupar, para ouvir os seus queixumes, as suas desventuras, para ajudar-lhe a sarar as feridas, segurar as suas mãos, para conduzi-lo, enfim, por esta vida a fora, dando a ele a proteção que ele, infelizmente, a mim e aos meus sete irmãos negou, quando nos era mais necessária a sua presença.
Externo, para encerrar, a minha gratidão a todos os meus professores e o faço na pessoa do eminente advogado Pedro Leonel Pinto de Carvalho, o qual, inclusive, foi convidado por mim para minha saudação pela classe de advogados, convite que, inobstante, restou frustrado, por razões que não convém declinar nesta hora.
Em face do impasse em torno da fala do eminente professor, anoto que todos perdemos, pois ficamos privados de uma oração instigante.
No Maranhão é sempre assim: tentam – e muitas vezes conseguem – calar a nossa inteligência, em razão do que, reafirmo, todos perdemos.
Da oração do estimado professor Pedro Leonel Pinto de Carvalho, a mim enviada como uma sincera manifestação de apreço, colho e transcrevo os seguintes fragmentos, os quais retratam, em poucas palavras, a minha maneira de atuar, enquanto magistrado e cronista:
“Em preito à verdade, por testemunho colhido junto a colegas seus, magistrados, o que é marca de sua operosidade e apurado zelo na condução dos processos sob sua responsabilidade, registre-se este detalhe: as informações que, por dever de ofício, o juiz José Luiz presta ao Tribunal, não se resumem ao descarte de um ofício formal e sucinto, senão sempre, se dilargam em páginas e páginas bem elucidativas que trazem o signo inconfundível de seu estilo redacional.
Louvável assim de ser encontrada essa perfeita simbiose entre o jurista, que escreve artigos de jornal para o povo, e o jurista que, em nome do Estado, sentencia para os jurisdicionados. Nos autos do processo ou na folha dos jornais, há, nítido, o testemunho de uma consciência que não entrou em crise”.
Em tributo ao eminente professor e em vista da excelência de sua produção, vou publicar a sua oração no meu blog e providenciarei a remessa de cópia a todos os membros do Poder Judiciário do Estado, que decerto se deleitarão com o seu conteúdo.
Feitos os agradecimentos, realizadas as homenagens, e superado, enfim, o momento lugar comum da minha fala, vou adiante.
Desejo reafirmar que estou aqui para somar, que as minhas mãos estão estendidas a conciliação e que sei o que me espera num órgão colegiado.
Importa consignar, para que saibam os desavisados, que sou disciplinado, que sei ouvir, entender e ceder; que, ademais, sei ser cooperativo e solidário, na dor e na alegria.
Importa gizar, ademais, sobretudo para os que não me conhecem, que não alterno momentos de humor e raiva, que as minhas mãos não afagam e apedrejam, que não sou leviano, que não sou agressivo, bravo ou revolto, como pode parecer, em face da imagem que alguns desafeiçoados construíram acerca da minha personalidade, por pura maldade, desumanos e perversos que são.
Devo redizer, finalmente, que estou convicto de que somente com a união de todos poderemos reverter o quadro de desapreço pelo qual passa a nossa instituição, fruto da ação nociva de uns poucos, tema sobre o qual deter-me-ei adiante, mais amiúde.
Por enquanto, releva consignar que chego ao Tribunal de Justiça do meu Estado com o coração em paz, prenhe de esperança de que, com a boa vontade dos bem intencionados, muito mais possa ser feito em benefício dos nossos jurisdicionados.
Conquanto inicie esse discurso com as mãos estendidas à conciliação, à boa convivência, não posso permitir que me escape a oportunidade de expor algumas das minhas inquietações, ainda que seja incompreendido por isso.
Algumas das colocações que farei decerto causarão, inicialmente, algum desconforto, para, depois, serem compreendidas, assimiladas, deglutidas, enfim, pois, afinal, tudo que concebo, tudo que imagino, tudo que quero para o Poder Judiciário do Maranhão, tenho certeza, vai ao encontro das aspirações de todos os membros deste Sodalício, pois que, sob essa perspectiva, somos todos – temos que ser, sim – rigorosamente iguais. Ou não?
Compreendo que, quando o assunto é resgate da credibilidade do Poder Judiciário, ninguém, de rigor, pode discrepar das colocações que a seguir farei, conquanto reconheça que alguns possam, sim, o que é mais que democrático, discordar da veemência com a qual alguns temas serão abordados.
Para os que eventualmente se inquietarem com as minhas colocações, consigno que a minha história, os meus amigos, a minha família e a minha consciência não me perdoariam se eu não aproveitasse a ocasião para trazer à reflexão as questões que a seguir abordarei, pois que elas, algumas vezes, me inquietam, me atormentam, me fazem soturno, macambúzio, não raro, e, as vezes, quase desesperançado.
Inicio por abordar, sem nenhum prazer, tomado de vexame, até acabrunhado, uma passagem exemplar da minha vida profissional, na esperança de que, ao narrá-la, estarei dando a minha contribuição para que as gerações futuras não tenham que passar pelo que passei e para que possa, finalmente, restabelecer a verdade em torno do fato; verdade reiteradamente espezinhada, por pura maldade.
Quando me predisponha a trazer a reflexão uma passagem tormentosa da minha vida profissional, o faço, ademais, na esperança de que com ela contribua para que o Tribunal, doravante, dispense, nas mesmas circunstâncias, tratamento isonômico a todos os magistrados, independentemente do sobrenome, da linhagem ou do apadrinhamento que tenha.
Quando me predisponha a fazer remissão a essa passagem desagradável da minha vida profissional, o faço ainda que o seja só para estimular a memória, especialmente dos remanescentes da Corte de Justiça de 2002, que, decerto, se lembrarão, em detalhes, dos fatos que vou mencionar.
Eu não vou abordar esse tema com prazer. Para mim foi dolorida a decisão de voltar a abrir a ferida. Mas não posso deixar de fazê-lo, porque fui vitimado, injustiçado duas vezes:
I – quando me alijaram de uma promoção que a outros, nas mesmas condições, concederam, e
II – quando, para justificar a minha, digamos, recusa, cuidaram de sedimentar no inconsciente das pessoas, máxime dos membros da confraria, que não passo de um arrogante e desagregador, estereótipos que têm me causado desconforto até os dias atuais, daí estar justificada a razão pela qual, consternado, volto a fazer menção ao fato.
Peço-lhes, pois, tolerância e paciência, em face do que vou abordar, que, para mim, reafirmo, será desprazeroso.
Não me queiram mal por abordar essa passagem desagradável da minha vida profissional, pois que o faço agora, para, definitivamente, virar essa página vexativa da história do Poder Judiciário do Maranhão.
E se o faço, repito, é porque tenho sido injustiçado pelo que se disseminou, por pura maldade, para prejudicar a minha imagem e a minha carreira, me compelindo até a deixar de concorrer a promoção por merecimento.
Se o faço, é porque, até a data atual, repito, ainda sou provocado pelos maldizentes, como fui recentemente, acerca de cinco meses, por um membro aposentado desta Corte, que, no meu próprio gabinete, na minha cara, sem enleio, mal-educadamente, direto e provocativo, disse a mim que o meu erro, quando fui preterido pelo Tribunal de Justiça em 2002, foi achar que só eu merecia ser promovido e que o Tribunal, por isso, não cometeu nenhuma injustiça ao não permitir que eu compusesse, pela terceira vez consecutiva, uma lista de promoção por merecimento, ingresso que a ele próprio não foi negado – e a mais ninguém, registre-se. Só a mim, pondere-se.
Aos fatos, pois.
Em dois mil e dois, depois de ter composto, seguidamente, duas listas de promoção por merecimento, postulei, mais uma vez, a minha promoção para a segunda instância, julgando-me credenciado pelo fato de não ter cometido nenhum deslize funcional e de ter, até então, cumprido, a contento, a minha missão de juiz de primeira instância.
De acordo com as regras do jogo – humilhantes, registre-se – saí à cata dos votos de alguns dos membros da Corte. Não fui a todos. De alguns entendi devesse me manter afastado. De cada um dos que procurei, do alto de sua autossuficiência, eu ouvia promessas de voto, mesmo porque já havia composto duas listas de merecimento, seguidamente, e havia, até então, o entendimento de que quem tivesse integrado duas listas e não tivesse cometido nenhuma falta, comporia, naturalmente, a terceira lista, disso resultando, ex vi legis, a promoção. Assim já tinha ocorrido, de efeito, com as desembargadoras Josefa Ribeiro e Cleonice Freire, bem recentemente.
Para minha surpresa, o mesmo Tribunal que havia abraçado essa linha de entendimento, e que, com esse pensar, promoveu, depois, vários juízes da capital para compor os seus quadros – Lourival Serejo, Jaime Araújo, José Bernardo, Mário Lima Reis, José Joaquim Figueiredo dos Anjos, ao que me recorde – simplesmente, sem qualquer razão, sem qualquer motivo, sem nenhuma fundamentação, atropelando, rasgando, hostilizando a Carta Política vigente, como, de resto, vinha fazendo, me impediu, por treze votos dos seus 20(vinte) membros, todos desfundamentados, repito, de compor a terceira lista, para, com isso, me alijar da promoção.
Claro que, diante dessa decisão, mais do que esquisita do Tribunal de Justiça, abraçando tese diametralmente oposta da que vinha seguindo – e prosseguiu seguindo, ao depois – indignei-me. Repito: em face dessa decisão do Tribunal, contrariando o seu próprio entendimento, alijando-me de uma promoção que parecia inevitável, me revoltei, sim. E quem não se revoltaria?
Mas, faço questão de sublinhar, não me revoltei com a escolha que fez o Tribunal, do alto de sua soberania, por achar, como me disse o desembargador aposentado, que só eu merecia a promoção que acabei não alcançando. Revoltei-me, sim, com a mudança, repentina, de entendimento do Tribunal de Justiça, exatamente por ocasião da minha promoção, pelo que me senti injustiçado, vez que, repito, o Tribunal, a partir daí, ou seja, depois de ter me alijado, retomou o entendimento anterior, para, nessa linha de pensar, promover vários colegas de 1ª para 2ª instância.
Não é verdade, pois, que tenha me revoltado por achar que só eu merecesse ser promovido. Esse tipo de interpretação é uma ignomínia. E me revolta, sim, mesmo porque nunca me considerei superior aos meus pares, nunca achei – e nem acho – que seja o melhor juiz. Muitos são os mais competentes que eu, conquanto não se possa afirmar que existam muitos tão dedicados e comprometidos quanto eu.
Em 2004, apesar da minha indignação, apesar da minha revolta com a posição do Tribunal, exclusivamente em relação a minha pessoa – repito: exclusivamente em relação a minha pessoa – tentei, pela última vez, uma promoção por merecimento, e assim o fiz por entender que o Tribunal de Justiça repararia a injustiça que fizera comigo.
Ocorreu, entrementes, que o Tribunal, para minha surpresa, entendeu que devesse promover um colega que havia composto duas listas de promoção seguidamente, ao argumento de que não havia motivos para alijá-lo da terceira lista, seguindo, portanto, a mesma linha de argumentação, que, no meu caso, não foi seguida.
Traduzindo: só a mim me negaram o direito de compor a terceira lista consecutiva. É ou não é revoltante? Tinha eu, ou não, o direito de sentir-me injustiçado? É ou não é uma afronta dizer que o Tribunal agiu corretamente em relação a mim? É ou não é revoltante, ser tratado de forma diferenciada e assistir, sem nada poder fazer, a adoção de dois pesos e duas medidas pela mesma Corte de Justiça?
Pense, você que tem alguma sensibilidade, se tive ou não motivos para me indignar.
Em face de ter sido “rejeitado” pelo mesmo Tribunal que nas mesmas condições promoveu vários colegas desembargadores, decidi sair da ribalta.
Petulante, renunciei, publicamente, à promoção por merecimento, numa entrevista bombástica a um diário local.
O fiz depois de muito refletir, depois de ter-me dado conta de que minha dignidade tinha descido ao chão, na vã tentativa de ser promovido por merecimento, esquecido de que a promoção por merecimento, pelo menos no Maranhão, era – e continua sendo – uma quimera, um jogo de cartas marcadas.
E não diminui a minha culpa a certeza de que as regras valiam – e valeram e valem – para todos, pois eu tinha o dever de refutá-las, de não aceitá-las. Muitos juízes de escol a elas se submeteram, mas isso, repito, não diminui a minha culpa, não tira a minha vergonha, não refaz a minha história.
Nessa liça, repito, nunca estive só. Aliás, estou muito bem acompanhado, basta olhar em volta. Todos os que estão aqui e que foram promovidos por merecimento se submeteram às mesmas regras, ou seja, pediram e receberam votos de acordo com a conveniência do votante.
Eu tinha que ter tido a dignidade de, materializada a rejeição a meu nome, sair de cena, retomar o meu rumo, aprumar a minha trajetória, em respeito a minha família e aos amigos que confiavam nas minhas convicções.
Se assim tivesse feito, a minha biografia estaria preservada. Mas não. Covarde, míope, pretensioso, desci ao chão, me submeti à humilhação de pedir votos numa outra tentativa frustrada de ser promovido. Pedi e quebrei a cara, pois afinal, no meu caso, já havia a predisposição de não me promover, sempre à alegação de que eu era arrogante e incendiário. O meu trabalho, a minha dedicação, a minha honestidade, o esmero com que decido, nada disso foi levado em conta. A determinação era uma só: negar-me uma promoção por merecimento, como se ela, de resto, valesse alguma coisa, como se não fosse um jogo com resultado antecipado.
Muitas vezes, por não ser uma ilha, por ter em volta de nós toda uma estrutura familiar, uma promoção deixa de nos pertencer, sai da nossa esfera pessoal e passa a pertencer, no melhor sentido, aos amigos mais sinceros e, especialmente, a nossa família. Quiçá por isso, eu tenha aceitado participar de dois certames, que os mais experientes antecipavam que eu perderia, dentre outros motivos, por já ter-se disseminado a notícia de que eu era incendiário, arrogante e desagregador, o que, convenhamos, é uma maldade.
Mas, ainda assim, sabendo-o praticamente perdida, aceitei participar de mais um certame. O resultado todos sabem. Aliás, todos anteviam. Só eu e uns poucos tolos como eu, supunham ser possível alcançar uma promoção, com a imagem que haviam construído de minha pessoa. E é em face dessa falsa imagem que me sinto compelido a voltar a essas amargas lembranças.
Um parêntese:
Vários veículos de comunicação noticiaram e vários desembargadores me informaram, à época, que, para me alijaram de compor a terceira lista seguida de promoção por merecimento, houve injunções externas, que em nada dignificam o Poder Judiciário. Prefiro, no entanto, não fazer menção essa questão nesta oportunidade, para não ser deselegante e inconveniente.
Essa questão fica para ser discutida nos fóruns adequados. Ademais porque a minha mágoa não foi com as injunções e seus autores. A minha decepção e mágoa decorreram de o Tribunal, pela maioria dos seus membros, aceitar mudar as regras do jogo para me recusar, sem que eu tivesse cometido nenhuma falta, nenhum desvio de conduta e estando, ipso fato, nas mesmas condições dos colegas que terminaram por ser promovidos.
Depois de tudo que passei, depois de muito refletir com a minha família e uns poucos, raros amigos, resolvi sair de cena. Decidi não mais concorrer a nenhuma promoção por merecimento. Sabia que não valia a pena incorrer nos mesmos erros. Era preciso dar uma satisfação a minha consciência, vilipendiada, maltratada, desrespeitada pelas experiências anteriores.
Lembro que, em agosto de 2006, reiterando a minha decisão de não mais concorrer a uma promoção por merecimento, por saber injustas e abomináveis as regras do jogo, e por saber da predisposição de não me promover, consignei, no artigo intitulado E AGORA, DOUTOR, COMO FICA A SUA PROMOÇÃO, publicado no dia 13 de agosto, no Jornal Pequeno, e que se seguiu a minha irreverente entrevista publicada no mesmo matutino, o seguinte:

“[…] O que me afligi não é a perspectiva de não ser promovido. O que me agasta é, por exemplo, não realizar uma audiência, porque não há estrutura para cumprirem-se os mandados. Nesse sentido, alcançasse, amanhã ou depois, uma promoção, uma das minhas frentes de luta seria dar condições de trabalho aos magistrados do primeiro grau, ainda que, para isso, tivesse que renunciar a quaisquer dos privilégios que existem hoje no segundo grau. Entendo, por exemplo, que os carros de representação serviriam muito mais à coletividade se fossem destinados ao cumprimento de mandados judiciais. Não acho justo que se destine um carro para cada juiz de segundo grau, com motorista e combustível, e se negue ao juiz de primeiro grau o direito de realizar as audiências que designou, por falta de transporte para cumprirem-se os mandados. […]“

Noutro excerto sublinhei:
“[…]O interesse pessoal não pode se sobrepor ao interesse público. Decerto essas colocações, que foram feitas apenas a guisa de esclarecimento, inicialmente, e, depois, à guisa de reflexão, ensejarão novos questionamentos acerca de minha promoção. Mas não se preocupem com ela mais do que eu me preocupo. E a minha preocupação é nenhuma[…]”
Desisti da promoção, ainda a tempo, imaginei, de salvar a minha história, por discordar das regras vigentes à época para as promoções por merecimento e para não ter que me violentar ainda mais do que já tinha feito.
Desisti, ademais e principalmente, para atender aos apelos da minha família, especialmente da minha filha, que, aos 14 anos, me fez uma indagação inquietante, num instante eu que lamentava mais uma tentativa frustrada de ser promovido.
“Pai, em que uma promoção vai melhorar a nossa vida? Nós seremos mais felizes, se fores promovido?
Depois de ouvir a minha resposta, ela, do alto de uma maturidade que não tinha, sentenciou:
“Se é assim, então eu te peço: não tenta mais ser promovido”
Atendi ao apelo de minha filha, que, de resto, era a posição de toda a minha família, e desisti, publicamente, de uma promoção por merecimento, para, só agora, quase oito anos depois, chegar à segunda instância, mais velho, mais experiente, sem mágoa, sem rancor, com as mãos estendidas à conciliação, contudo, compelido a voltar no tempo, apenas para restabelecer a verdade.
Hoje, passados quase oito anos da desventura, estou aqui, são, salvo, e consciente, mais do que nunca, do papel que a história do Poder Judiciário do Maranhão me reserva.
Eu não poderia mesmo, de há muito conclui, ter sido promovido sob as regras então vigentes, que serviam muito mais à humilhação que ao reconhecimento do labor, do intelecto, da postura moral, enfim, do magistrado.
Os que foram promovidos sob as mesmas regras que abominei – e abomino, com veemência – entendem muito bem o que estou dizendo e têm, por isso mesmo, o dever de lutar contra essa forma pouco digna de promoção, que nada tem de merecimento.
Agora, depois de tanto tempo, mais maduro, sem maiores pretensões, livre, leve, solto e decidido, estou aqui, para dar a minha contribuição para mudar o quadro que se descortina, ainda nos dias atuais, sob os meus olhos.
Antecipo, à luz dessa perspectiva, que as promoções por merecimento não podem continuar sendo uma falácia, uma enganação, um teatro de humilhações, vexames e, algumas vezes, de injustiças, ao que se lê, ao que se ouve e se diz por aí.
De minha parte, antecipo que não vou comungar com esse jogo. Nenhum juiz, para merecer o meu voto, precisa pedi-lo. Juiz, para ser promovido, só precisa provar que trabalha, que dá assistência à comarca e que tem reputação ilibada, dentre outros predicados.
Pretendo, como sempre o fiz, ter um relacionamento cortês e respeitoso com todos os meus pares, mesmo aqueles que, no passado, entenderam que eu não fazia por merecer uma promoção, sem se dignarem sequer a analisar o meu trabalho, quantitativa e qualitativamente, preferindo, ao reverso, alijar-me de uma promoção que em nada dignificou o Poder Judiciário do Maranhão, em face dos equívocos cometidos.
Isso é passado, dirão. É passado, sim. Mas ninguém tem o direito de me querer mal, a ninguém é dado o direito de se indignar com a minha decisão de voltar ao tema, pois só eu e minha família sabemos o que sentimos e só eu sei quão indignado fico quando as pessoas apontam a minha falta de simpatia para justificar a decisão do Tribunal em não me promover, como se fosse razoável decidir de acordo com a simpatia de quem postula, como se ao tribunal fosse dado o direito de fazer cortesia com os sentimentos alheios e de decidir de acordo com o que se comenta, o que se fala e o que se diz.
Mas já não guardo mágoas, já não tenho rancor. Todavia, como ser humano, do alto da minha dignidade, tenho a obrigação de, ao ensejo deste discurso, fazer o registro, para que as novas gerações saibam que , pelo menos no meu caso, o Tribunal, por sua maioria, adotou dois pesos e duas medidas.
Com essas palavras, está virada, definitivamente, essa página da minha história e da história do próprio Tribunal de Justiça do Maranhão.
Vamos seguir adiante. Vamos somar esforços, unir as nossas forças em benefício da instituição e, por consequência, em benefício dos nossos jurisdicionados.
Alguns dos temas que ainda serão tratados na minha fala, reafirmo, certamente que não serão facilmente digeridos. Isso, inobstante, não me desestimula, pois o que mais importa mesmo, para instituição e para minha consciência, estou convicto, é que são colocações de quem pensa e vive a instituição Poder Judiciário.
Nessa nova missão, sei que vou cometer muitos erros. Mas que fiquem certos, nenhum erro será cometido de má-fé, em face de interesses menores, em tributo a traquinice, porque, todos sabem, traquinas não sou; a perfídia, a traição, o descompromisso com a coisa pública não fizeram e nem farão morada na minha história. Eu me recuso a dar-lhes abrigo. Defenestro-as, destroço-as, transformo-as em pó, com tenacidade; jogo-as bem longe de mim, pois delas quero distância.
Nesta oportunidade, é compromisso assumido comigo mesmo, não farei agressões, não atirarei pedras em ninguém. Não é minha prática de vida. Eu não fulanizo os meus discursos. Eu apenas reflito, eu apenas tomo posição, eu apenas traço o rumo, a direção, o norte, o caminho que pretendo seguir – eu apenas restabeleço a verdade, dando aos fatos a dimensão que devem ter, efetivamente.
Não se há de negar que sou uma pessoa controvertida, afinal, todos concordamos, numa corporação, dizer o que pensa, assumir posições e discordar, é inaceitável, é quase um pecado; a alguns, exatamente os que se incomodarão com a minha fala, o que interessa mesmo é o disfarce, o engodo, a posição dúbia, o caminho sinuoso – esses caminhos eu me recuso trilhar.
Não são muitos os que, estando no poder, concordam com as minhas posições. São muitas, no mesmo passo, as pessoas, que me julgam em face do estereótipo de arrogante que me grudaram na testa, por pura maldade.
Nessa linha de pensar, permitam-me, antes de prosseguir abordando os temas que elegi para ocasião, discorrer, pretensiosamente, sobre a minha própria pessoa, na tentativa, decerto debalde, de mudar a imagem de encrenqueiro e incendiário que criaram de mim, por vendeta, por maldade, pelo prazer do achincalhe, do menoscabo.
Permitam-me pintar, com cores reais, desde o meu campo de visão, o meu autorretrato, necessário, em face de tudo que se tem pensado e falado acerca da minha ação, alguns por ignorância; outros, por maldade, pura e simplesmente.
Sei que, tenho a mais renhida convicção, que, pela minha maneira de ser, pela minha forma de me relacionar com as pessoas, por ser um quase ermitão, por ser um quase antisocial, por ser um quase recluso, por pensar e escrever o que penso, não sou um ser muito palatável.
De rigor, admito, não sou mesmo simpático. Todavia, os que me conhecem, não circunstancialmente, tenho certeza, não têm de mim a impressão que deixo na primeira hora, no primeiro encontro.
Sou, diferente do que pensam, uma pessoa ponderada e equilibrada, que, infelizmente, só os que convivem comigo sabem. Não sou o porra-louca, o inconsequente, o desnaturado que pensam.
Nem oito, nem oitocentos. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Foi assim, a partir dessas e de outras premissas do mesmo matiz, que, nos últimos anos – e bota anos nisso! – reconstruí a minha vida, reavaliei meu relacionamento com o semelhante, edifiquei os meus sonhos, tracei as minhas metas, mudei os meus rumos, sedimentei a minha relação com as pessoas que estão muito próximas de mim, especialmente com meus filhos, minha mulher e a equipe de servidores que comigo trabalhou na 7ª Vara Criminal. Afinal, são eles que estão mais próximos de mim e que, por isso, são obrigados a conviver com as idiossincrasias de um ser humano que é um misto esquisito de pai, esposo e magistrado; não raro, por força das obrigações profissionais, mais magistrado que pai e consorte.
Não vou além, nem fico aquém nas minhas atitudes. Contudo, sou, sim, intenso, com a veemência saindo pelo ladrão, sôfrego, voraz, sedento – às vezes, insolente.
Apesar de intenso, não sou extremado, inconsequente, arrogante e prepotente, como se apregoa, na vã tentativa de me desqualificar enquanto profissional obstinado e denodado.
Ainda que duvidem, sei dos meus limites. Sei segurar as minhas rédeas. Ninguém tem mais controle sobre mim do que eu mesmo. Mantenho a minha impetuosidade sobre controle. Isso eu sei fazer. E muito bem. O mais que se diga, que se pense e que se julgue, é maldade – pura, digamos, vilania, deslealdade, perfídia.
Tenho procurado, sempre, um ponto de equilíbrio. Como um pêndulo, às vezes oscilo, hesito, vou lá, venho cá. Sou assim mesmo: igualzinho a todo mundo, igualzinho a todos vocês, sem tirar nem por. Mas nunca perco a noção do tempo e do espaço. Sei controlar as minhas emoções – paro, penso, reflito, conto até cem, para, só depois, agir – determinado, obstinado, sôfrego, ávido – igualzinho a muitos dos senhores.
Sou, muitas vezes, desabrido, imoderado, insolente. Nada, no entanto, que ultrapasse os limites do razoável. Mas, afinal, todos somos assim. Eu não sou diferente de ninguém.
Sei, inobstante, ponderar e decidir com sensatez. Sou, às vezes, inclemente. Mas, afinal, intolerante, muitas vezes, todos o somos, dependendo das circunstâncias. Nós nos revelamos de acordo com as circunstâncias, convém sublinhar.
Sei até onde posso ir, importa reafirmar. A minha vereda está aberta, e foi aberta por mim, a partir das minhas convicções, dos meus ideais, da minha tenacidade, sem atropelar ninguém, sem maldade, sem rancor e sem ódio.
Nada temo na defesa dos meus pontos de vista. Sigo em frente, vou adiante, ao ritmo da balada que escolhi para dar vazão aos meus sentimentos e as minhas mais empedernidas convicções.
A minha mente, a minha condição de ser racional me mantém sob controle, como, afinal, controla a todos nós – uns mais, outros menos.
Nas minhas relações pessoais, sei sopesar, ouvir os dois lados, decidir com sensatez e equilíbrio, respeitar as diferenças. Sei, sim, da importância de respeitar as diferenças. Faz bem às relações respeitar o espaço do semelhante. E isso eu sei fazer.
Malgrado todas as minhas limitações, todas as minhas fraquezas, ainda sou capaz de não ir além, de discernir e direcionar os meus passos, de escolher a via mais segura – ou a que suponho ser a mais segura.
Mas que ninguém se iluda: persevero, finco pé, não arredo das minhas convicções, não me afasto dos meus ideais – que, afinal, todos sabem quais são, a partir do que leem no meu blog e em face das minhas crônicas publicadas na imprensa local.
Mas essa perseverança não significa afrontar, agredir, espezinhar, desmerecer – radicalismo não é.
Os meus ideais não podem ser confundidos com arrogância, não são posturas de um esnobe, de alguém que pretenda ser superior, afinal, sou apenas gente, um ser humano tão-somente, em cujas veias, afirmo, aí, sim, com certa arrogância, corre o sangue de quem tem dignidade e age de boa fé.
Busquei, com sofreguidão, durante muito tempo – tanto que nem sei precisar -, o equilíbrio necessário para enfrentar a borrasca, as intempéries, as incompreensões, as injustiças, os projetos de vingança, as maledicências… Todavia, ao que parece, ninguém quer ver – ou finge que não vê, por pura deslealdade; insídia, sim, de quem só vê o que é do seu interesse.
Há alguns anos, há muitos anos, bem antes de vislumbrar o primeiro fio de cabelo branco na minha barba, alcancei o nível de maturidade que tanto almejei; maturidade, apresso-me em dizer, que não significa acomodação ou pachorra, pois as minhas convicções, os meus ideais, os meus projetos de vida, convém reafirmar, com veemência, são os mesmos – rigorosamente os mesmos. Isso não se muda com o tempo. Com o tempo aprende-se, apenas, a agir, em nome desses ideais e em face dessas convicções, com mais parcimônia, com menos impetuosidade e afoiteza, com tolerância, enfim.
Apesar de tudo, apesar da minha postura, apesar da minha tolerância, até mesmo em relação as pessoas que só me fizeram mal, ainda se teima em apregoar, de forma irresponsável, que tenho, guardado, no ignoto de minha alma, um projeto de vingança.
O tempo dirá se sou incendiário ou bombeiro, arrogante….ou apenas, digamos, um sonhador. O tempo dirá se, com a minha postura, ajudarei, ou não, a minimizar a crise moral que se abateu sobre a nossa instituição, tema sobre o qual vou me deter a seguir.
Vivemos, sim, não se pode negar, uma crise moral sem precedentes. Nunca o Poder Judiciário esteve tão exposto a críticas, pelos seus próprios erros, pela omissão e má conduta de alguns dos seus membros, de algumas das suas cortes, ao que se lê, ao que se noticia.
Nunca expuseram tanto os nossos defeitos. Poucas, ao que parece, são as virtudes de um poder que, ao longo dos anos, se ensimesmou, se isolou, se encastelou, com os olhos voltados apenas para os interesses da própria corporação, especialmente das confrarias do segundo grau.
É preciso, pois, sem mais demora, repensar as nossas ações, mudar o nosso rumo, escolher a direção a ser seguida, sem o que será impossível resgatar a nossa pouca credibilidade; credibilidade, que, na minha avaliação, decorre, também, do nosso distanciamento da sociedade, da arrogância e prepotência de muitos de nós, das sinecuras do passado, da pouca utilidade dos serviços que prestamos, a considerar que não decidimos a tempo e hora.
Tenho dito e redito que quando o homem perde a pouca fé que ainda tem nas instâncias formais de controle social, ele passa a fazer a justiça que elegeu para si, que nada mais é que a realização da justiça privada, inaceitável numa sociedade civilizada.
O Poder Judiciário, por seus membros, encastelado, do alto da sua arrogância, perdeu o bonde da historia. Absorveu-se a si mesmo, subiu num pedestal, olhou apenas para os seus próprios interesses e fez sucumbir, na mesma balada, a sua pouca credibilidade, por culpa dos seus membros, especialmente do segundo grau, impregnados de soberba e vaidade, não se há de negar.
Em qualquer reunião familiar, mesmo numa mesa de bar, no mais descontraído happy hour, quando se fala em juiz e, sobretudo, em desembargador, assiste-se, estarrecido, a falta de respeito, o desapreço que se tem pelos magistrados individualmente considerados e, por consequência, pela instituição Poder Judiciário.
E o que fazemos nós diante desse quadro?
E que postura adotamos para reverter essa situação?
Os registros estão aí para mostrar que enquanto o povo se impacienta com a omissão do Poder Judiciário, com a empáfia dos seus membros, com a arrogância, até, de alguns simples secretários judiciais, nós continuamos soberbos, arrogantes, prepotentes, discutindo segurança pública para nossa casa, carros pretos para nos deslocar, mordomias fora de moda, que precisam ser repensadas, sem mais tardança.
Tudo isso nos desgasta, nos degrada e nos coloca muito mal perante a opinião pública. Eu vejo, alguns veem, muitos preferem fingir que não vêem, por falta de espírito público.
Confesso que me preocupa, a quase doer, o (quase) ódio, o (quase) desprezo que a população parece(?) nutrir pelos magistrados, especialmente pelos de segunda instância – ao que se ouve e lê, aqui e acolá.
Todas as vezes que se noticia um deslize, uma má conduta, desse ou daquele magistrado, quer de primeiro, quer de segundo grau, aqui e alhures, o povo se manifesta, nos mais diversos veículos de comunicação, sobretudo nos blogs e nas rádios AM, de forma desrespeitosa, como se fôssemos todos bandidos, gentalha da pior espécie – como se fôssemos todos iguais, enfim.
Por que será que isso acontece? Afinal, se prestamos um serviço tão singular para a sobrevivência das sociedades civilizadas, por que nos tratam – ao que se ouve, ao que se lê , repito – com tanto desprezo?
Esse desapreço, essa falta de consideração e cortesia decorreriam, tão-somente, do descrédito pelo qual passam todas as instituições? Ou tudo isso decorre da nossa incapacidade de resolver os conflitos submetidos à nossa intelecção, a tempo e hora?
Onde erramos? Onde nos omitimos? O que fazer para reverter esse quadro?
Acho, sinceramente, que está na hora de nos reunirmos, com o espírito desarmado, com humildade, sob a responsabilidade do nosso cargo, à luz da relevância das nossas funções, empunhando a bandeira da sensatez, sem arrogância, sem ódio, sem rancor, despidos da toga, para avaliarmos essas questões.
O certo e recerto, ao que vejo e ao que sinto, desde o meu ponto de observação, é que precisamos, urgentemente, mudar a nossa imagem junto aos jurisdicionados. Ela, definitivamente, não nos iludamos, não é boa. Cá e lá; aqui e acolá, tanto faz. De norte a sul, de leste a oeste, o descrédito é o mesmo. Uns mais, outros menos, é verdade. Mas descrédito é descrédito. E a alma de uma instituição é a sua credibilidade.
Todavia, para mudar o rumo, é preciso perscrutar, ouvir, refletir, reavaliar os nossos conceitos, a nossa postura. É necessário, enfim, detectar onde está a nossa falha, qual o nosso pecado. É preciso descer ao chão, expungir a vaidade, que, para mim, é o câncer da alma.
Claro que haverá os que discordarão das minhas, digamos, inquietações. Haverá os que dirão que exagero, afinal nem todos querem ver o óbvio. Muitos preferem enterrar a cabeça no chão para não ver a realidade. Esses, digo contristado, apenas se iludem, ou imaginam, equivocadamente, que, estando bem na fita, individualmente, pouco importa o esfacelamento da instituição. Isso, bem se pode ver, é o individualismo levado ao paradoxismo, que em nada contribui para reversão do quadro.
A questão que coloco, não se descure, transcende ao individual. Essa não é uma questão solitária. Essa questão envolve toda instituição; instituição, reafirmo, com irritante obviedade, essencial à vida social.
O exercício do cargo, por mais relevante que seja, não pode obnubilar a nossa mente; obliterar a nossa capacidade de discernir não pode.
E não adianta se revoltar com o que estou a dizer, como se eu fosse um insurreto, inconseqüente, pois todos sabem que apenas constato um fato.
Haverá quem argumente que apenas exagero. A esses respondo com um velho provérbio popular: o pior cego é o que não quer ver.
Vou repetir: é preciso perquirir, avaliar, com a necessária humildade, por que somos tão pisoteados por uma parcela significativa da sociedade.
Respondida essa indagação, a partir de um diagnóstico sério, é só repensar a nossa postura, rever os nossos conceitos, abandonar o salto alto, olhar em volta com humildade; humildade que, ao que parece, não habita os Sodalícios, onde muitos agem como se estivessem acima do bem e do mal.
Não dá mais para esperar. Temos que sair da inércia. Não nos apraz – a absoluta maioria, pelo menos – o poder pelo poder, pelo que ele tem de bom, pelas vantagens que dele possamos eventualmente usufruir.
Volto a indagar, com a mesma inquietação, contristado, cabisbaixo: o que há em nós, magistrados, que tanto afronta parcela significativa da nossa sociedade? Por que, sobretudo os juízes de 2ª instância, são, muitas vezes, tão mal-falados?
Nós temos que responder a essas indagações – e buscar solução. Nós não podemos fingir que isso não nos incomoda. Isso incomoda, sim. Isso aborrece, sim. Isso faz mal aos nossos filhos, aos nossos amigos, aos que nos querem bem, aos que nos admiram, aos que entendem a relevância do Poder Judiciário.
Por que se diz, com tanta frequência, com deboche e escárnio, que os magistrados do segundo grau são apenas uns privilegiados, como se vivêssemos apenas em razão do bônus do poder, sem compromisso e sem responsabilidade com as nossas decisões?
A arrogância de uns poucos, a prepotência dos despreparados para o exercício do cargo, e o desprezo de uns poucos pela própria instituição seriam a causa de tanta zombaria?
A vaidade excessiva – e, às vezes, até doentia – de alguns poucos é que nos conduz a essa situação? Ou, nessa medida, estar-se-ia simplificando as coisas?
Os jocosamente alcunhados juízes TQQ’s seriam a razão da nossa desdita, do nosso infortúnio, do nosso pouco crédito?
A baixa produtividade, e a falta de compromisso de uns poucos, seriam relevantes a ponto de espargirem as nódoas do descrédito em toda instituição?
E os que trabalham, que se dedicam, que honram a toga, que não negociam as decisões, que se esmeram para bem decidir, devem suportar os efeitos irradiados pela inércia, pela contumácia, pela pachorra, pela incúria dos descomprometidos?
As ações do CNJ, por terem escancarado algumas das nossas mazelas, seriam a causa maior do nosso descrédito nos dias atuais?
O que fazer diante desse quadro? Calar? Fingir que não vê? Deixar-como-está-para-ver-como-é-que-fica?
E as consequências desse descrédito? Não teria chegado a hora de contabilizar as nossas perdas, sem máscaras, sem enleio, com a necessária serenidade – e humildade, sobretudo?
É correto fingir que não temos nada a ver com isso?
Não seria chegada a hora de, uma vez identificados, expungir, defenestrar, com sofreguidão, sem pena e sem dó, os maus profissionais, os que contaminam, que destroem, com a sua ação daninha, a nossa instituição?
Por que alguns chegam ao extremo de dizer, com tanta tenacidade – e maldade, no mesmo passo – , que somos parasitas do Estado?
O que fizemos para merecer esse tratamento, essa descortesia?
E os juízes que dedicaram – e os que dedicam – a sua vida, a sua história, a sua saúde, a sua dignidade, o seu tempo, as suas horas de lazer à magistratura, não estão a merecer um desagravo?
Se não somos todos iguais, se a absoluta maioria dos magistrados tem compromisso com a judicatura, por que, então, nos desprezam? Isso decorreria da ostentação de uns poucos?
Por que tantos reclamam, pelos corredores dos Fóruns, por exemplo, da descortesia de determinados magistrados? Isso é ficção ou realidade? Isso nos desgasta ou não? Essa seria, sinceramente, uma das muitas razões de sermos malvistos pelos comuns dos mortais?
Nós, magistrados, temos o direito de tratar com arrogância – às vezes, até deseducadamente – os nossos funcionários, as testemunhas, os réus, os advogados? Quem nos deu esse direito? O poder, apenas? O poder que temos é de julgar as demandas, o direito material, ou de julgar os litigantes?
Nós temos que encontrar respostas, urgentemente, para essas questões.
Nós não podemos mais nos mostrar indiferentes em face do desprezo e do desrespeito com que nos tratam.
A sociedade nos cobra; a nossa consciência exige uma tomada de posição.
Para não ser respeitado, para ser pisoteado, para ser apontado como um marginal (no sentido de estar à margem de) togado, em face da ação descomprometida de alguns, prefiro sair de cena; antes, porém, concito os colegas a uma profunda reflexão sobre o que acabo de expor – preocupado, muito preocupado, preocupadíssimo.
Não tenho dúvidas de que a corrupção no interior do Poder Judiciário e a demora em apurar e punir os que desviam a conduta são algumas das causas que contribuem, sobremaneira, para o menoscabo com que tratam a nossa instituição.
É sobre isso que vou refletir a seguir.
No Direito Positivo brasileiro nenhum crime tem os efeitos mais deletérios para o conjunto da sociedade que a corrupção, visto que, é através dela que se esvai o dinheiro da educação, da merenda escolar, da saúde, da segurança e de outras coisas mais, afetando decisivamente a vida em sociedade.
Conquanto seja o crime de efeitos mais deletérios, não tem sido fácil tirar de circulação os corruptos. Eu, por exemplo, com mais de 24 (vinte e quatro) anos de incessante ação judicante, nunca tive o prazer (?) de julgar um integrante dessa categoria. É que eles são ensaboados, escorregadios e mutantes. Eles sabem, enfim, como escapar dos tentáculos dos órgãos persecutórios.
Batedor de carteira, assaltante de meia tigela, furtador inexpressivo são facilmente alcançados pelas instâncias persecutórias do Estado. Basta visitar as cadeias ou as penitenciárias, para perceber que elas estão lotadas de roubadores e furtadores – todos, sem exceção, egressos das classes menos favorecidas. Aqui e acolá prende-se um colarinho branco, exatamente para legitimar o status quo, para que os ingênuos imaginem que as coisas estão mudando. Fora essas exceções, maquiadoras da realidade, podem procurar corruptos na cadeia, mas não os encontrarão, por certo.
O corrupto não tem o perfil da clientela do direito penal. Ele, via de regra, freqüenta as rodas mais elegantes, costuma andar de terno e gravata, é falante, audaz, cheiroso, cabelos bem penteados e, com a lábia, galvaniza as atenções. Enganar, ludibriar, surrupiar verbas públicas é a sua prática de vida. E o faz sem pena e sem dó, em detrimento dos que morrem nas filas dos hospitais públicos em face da verba que subtraiu. E, tem mais: adoram carrões, de preferência importados, para se diferenciarem de nós outros – os bobos, os otários, os simples mortais, que têm a pachorra de viver somente dos ganhos lícitos, sem se dobrar diante dos que tentam fazer mesuras para alcançar vantagens de ordem pessoal e material.
O Brasil, segundo pesquisa recém-divulgada, é a quinta nação mais corrupta do mundo. É uma vergonha! E mais vergonhoso ainda se considerarmos que os corruptos são inalcançáveis pelas instâncias persecutórias. Isso nos diminui como nação. Isso nos apequena. Isso faz de nós protagonistas de uma história imunda.
Essa constatação, essa triste realidade faz lembrar o diálogo ignominioso havido entre D.Pedro I e o Marquês de Paranaguá.
A história registra, com efeito, que em 1831, quando foi obrigado a abdicar da Coroa brasileira, D. Pedro I, antes de embarcar no navio inglês que o acolheu, recebeu a visita de um ex-ministro, Francisco Vilela, marquês de Paranaguá, que lhe pedia socorro, em face de sua situação financeira precária.
D. Pedro I, com aspereza, disse ao ex-ministro que não podia cuidar dele, que nada podia fazer, porque já estava ajudando muita gente.
Diante dessa inesperada manifestação de D.Pedro, o marquês disse, então, que seria obrigado a voltar para Portugal, onde teria direito a uma pequena aposentadoria, no que foi, mais uma vez, rechaçado, desestimulado por D. Pedro I.
Diante de mais essa manifestação de ingratidão de D. Pedro, o Marquês de Paranaguá, desesperado, o fez ver que não tinha fortuna, que era um homem pobre e que só tinha o subsídio para viver.
D. Pedro, então, pondo em relevo a sua falta de sensibilidade e de caráter, aconselhou o Marquês a fazer o que bem entendesse, pois que isso não era de sua conta. E arrematou: “Por que não roubou como Barbacena?”
É triste essa página da nossa história que, infelizmente, ainda não foi virada.
Mas a verdade é que nenhum país do mundo escapa da ação do corrupto. Ele está em toda parte. Só que, no Brasil, eles são praticamente imunes às ações persecutórias e, por isso, a impunidade prepondera.
Em outras nações civilizadas, ao que se saiba, prendem-se os corruptos e devolve-se ao erário público o dinheiro subtraído pela sua nefasta ação. No Brasil, quando se consegue alcançá-los, não se consegue reaver a dinheirama desviada. E tudo vai ficando como dantes.
E o que dizer, o que pensar, o que fazer, como escapar, para onde apelar, se o corrupto é um magistrado? Qual a esperança que tem uma sociedade, se aquele que tem o dever de combater a criminalidade, de dizer o direito, de julgar o semelhante, é um desqualificado moral?
Para mim, o magistrado que se vale do cargo para auferir vantagem financeira é, acima de tudo, um covarde, porque não se limita a amealhar bens materiais. Para consecução do seu intento, precisa negociar o direito de terceiros, precisa fazer chacota das pretensões deduzidas em juízo, tripudiando, zombando do direito dos jurisdicionados.
É por isso que tenho dito que a corrupção praticada por um magistrado é mais do que um crime abjeto – é uma covardia.
Convenhamos, o magistrado que usa o poder que tem para achacar, para enriquecer ilicitamente, para negociar o direito de um jurisdicionado, é um ser humano desqualificado, desprezível, digno do mais veemente repúdio.
Imaginemos o seguinte quadro. Um cidadão honrado, confiando nas instituições, na crença de que elas funcionam a contento, entrega o seu direito nas mãos de um juiz – desses que adoram ser chamados de Excelência. E o meritíssimo, descarado, simplesmente negocia o seu direito com a parte adversa, para tirar vantagem financeira.
É ou não é uma cretinice? É ou não é um canalhice? Merece ou não merece esse ser ignóbil o escárnio público? Deve ou não deve ser punido exemplarmente esse ser desprezível? É ou não é indigno da toga que veste o crápula que se vale do poder que tem para fazer bandalhas?
Para mim, quem usa a magistratura para enriquecer ilicitamente, não passa de um bandido maquiado, travestido de magistrado.
Felizmente, não se há de negar, a maioria, a grande maioria, a quase totalidade dos magistrados, não participa dessa e de outras bandalhas de igual matiz; antes, abomina essas práticas, que deslustram e enodoam toda uma classe. Apesar disso, todos nós [magistrados], corruptos ou não, somos, de certa forma, vistos com reservas, como se fôssemos todos usuários de togas sujas.
Admito que sempre que se publicam notícias dando conta de atos de corrupção de algum magistrado sou tomado de tristeza e vergonha. Fico acabrunhado, envergonhado, contristado, soturno. É como se um tufão se abatesse sobre as minhas esperanças, tornando-me mais triste e mais descrente ainda com alguns homens de preto.
Quando essas notícias são veiculadas, fico sempre na esperança de que o colega magistrado consiga demonstrar a sua inocência, e torço para que não seja verdade o que estão publicando.
Tenho dito e reiterado, incontáveis vezes, que as pessoas não podem perder a fé no Poder Judiciário. Nenhuma sociedade democrática sobrevive sem um Poder Judiciário forte e respeitado.
Nós, magistrados, em face da relevância das nossas funções para a própria sobrevivência da sociedade, não temos o direito de subtrair das pessoas a fé – pouca, é verdade – que ainda têm em nossa instituição, pois, se essa fé se esvair por inteiro, será o fim.
Claro que esse tipo de reflexão não é palatável. Mas não se pode deixar de fazê-lo apenas porque um ou outro desqualificado não quer ver essa realidade ser ventilada.
Tenho entendido que incorreção, desvio de conduta não combinam com magistrado.
Magistrado que se preza não faz bandalheira, não vende sentenças, não se corrompe, não enriquece ilicitamente e nem pode apresentar sinais exteriores de riqueza, vivendo e ostentando, como se fora um novo rico.
É por isso que tenho pregado, até com certa insolência, que ao magistrado não se espera apenas retidão, se espera, ademais, que pareça ser correto.
Quem convive comigo sabe que procuro ser reto. Erro aqui e acolá, peco outras vezes, saio da linha, porque isso é próprio da condição de ser humano. Contudo, sem demora, retomo o curso, procuro redefinir meus conceitos, para voltar ao caminho da retitude.
Reconheço que nos dias de hoje ser correto e ter bom caráter parece um pecado, sobretudo em uma corporação. O que, outrora, era apanágio de qualquer homem de bem, nos dias de hoje, imperando a esperteza, é, às vezes, um pecado. Por ser e parecer correto é que, não raro, somos vistos como um perigo a ser evitado, um estropício a ser defenestrado, um arrogante e prepotente perigoso. Nessa perspectiva, eu quero ser a empáfia, a insolência, a arrogância e a prepotência materializadas.
Nos dias presentes, ser reto, incitar e estimular a franqueza e a lealdade no trato com o semelhante, no desempenho do seu mister, é quase um pecado.
Apesar de tudo, apesar das incompreensões, entendo que ao magistrado importa ser e parecer honesto. É dever do magistrado seguir a trilha dos inconcussos e briosos, sendo e parecendo probo, pouco importando se será, ou não, recompensado, por exemplo, com uma promoção.
Ao magistrado não basta ser. É preciso, repito, parecer honesto. A meu aviso, não parece honrado o magistrado que ostenta vida social além de suas posses. Não parece decoroso o magistrado que ostenta padrão de vida superior ao que lhe podem proporcionar os seus ganhos mensais.
Não parece honrado quem, tendo assumido o cargo pobre, exibe patrimônio incompatível com a sua renda mensal, sem ter como explicar a origem de sua fortuna.
Não faz bem à magistratura quem é alvo de comentários maliciosos nos quatro cantos da Comarca onde trabalha.
Não honra o cargo e nem parece reto o magistrado que não cumpre horário, que só despacha quando instado pelas partes, que só impulsiona o processo diante do queixume dos advogados, que precisa de estímulo material extra salário para decidir.
Não é e nem parece honesto o magistrado que pouco ou nada produz. Não é e nem parece probo o magistrado que recebe do Estado sem a necessária contra-partida.
Não parece honesto o magistrado que só permanece dois dias da semana em sua comarca e que trabalha, nesse passo, apenas oito dias no mês. Isso é uma afronta, um desrespeito. Isso nos desgasta a todos, estou certo disso.
Tenho entendido que não justifica passar pelo poder e nada edificar. Aqueles que exercem o poder com os olhos voltados apenas para seus interesses pessoais, dos amigos, familiares e acólitos, receberão a condenação da história.
Aquele que desvia a conduta, seja juiz de primeiro grau, seja juiz de segundo grau, seja qual for o nome que ostente, tem que ser punido, tem que ser escorraçado da instituição, sem mais delongas, sem pena e sem dó.
Infelizmente, ao que se saiba, não é isso que tem ocorrido. E é por essa razão que a nossa instituição está tão desgastada, vergastada, quase desmoralizada.
Quando uma instituição se desqualifica, se faz desacreditada diante da opinião pública, os seus membros, individualmente considerados – os corretos e os incorretos – passam a sofrer as conseqüências desse descrédito. Nessa hora todos são atirados na mesma vala. Todos são vistos com reserva.
Tenho observado, nas poucas reuniões sociais que participo, que os membros de uma corporação desacreditada – dentre elas, infelizmente, o Poder Judiciário – passam a ser vistos de través, como se as pessoas vissem em cada um apenas mais um canalha, o que, convenhamos, é um equívoco perigoso.
E por que isso ocorre? Por que nos jogam na mesma cortelha, no mesmo lamaçal no qual chafurdam os irresponsáveis?
A resposta a essas indagações é muito simples. É que as instituições se fazem desacreditar exatamente em face da ação marginal de alguns dos seus membros. E se da conduta desviante não resulta nenhuma punição, incute-se na população a falsa impressão de que todos são iguais.
É preciso, urgentemente, sobretudo no âmbito do Poder Judiciário, que se apure e, se for o caso, que se puna os que teimam em usar o Poder em benefício pessoal, em detrimento da instituição, que necessita de credibilidade para bem desempenhar o seu mister.
O Poder Judiciário não pode ser casamata de calhordas, de gente ordinária que só pensa em proveito pessoal. O Poder Judiciário não pode servir de pasto para empanturrar os ávidos por bens materiais.
O Poder Judiciário jamais poderá cumprir o seu desiderato se não tiver credibilidade. E da descrença do Poder Judiciário – ufa, já cansei de dizer ! – podem advir conseqüências graves para o conjunto da sociedade.
Não sei, não se sabe, verdadeiramente, se as denúncias que se fazem, todos os dias, na imprensa contra magistrados são verdadeiras ou fruto de vendetas. Mas, ainda assim, até mesmo para preservar os membros da instituição, devem ser apuradas – desde que, claro, a denúncia se faça acompanhar de indícios relevantes de que possa ter havido desvio de função e de conduta.
Apurando os fatos, restabelece-se a verdade e a credibilidade da instituição e, por conseqüência, dos magistrados, individualmente considerados.
Eu não quero e não aceito ser visto como um canalha, em face da ação dos verdadeiros calhordas.
Não é justo comigo e com os demais membros do Poder Judiciário, ser apontado como mais um a se valer do cargo para auferir vantagens pessoais.
Somente apurando as denúncias e punindo os verdadeiros malfeitores poder-se-á recuperar a imagem cada vez mais desgastada do Poder Judiciário e preservar a imagem dos que agem com retidão.
Apurar e punir, eis a questão!
A verdade é que não são muitos os que têm a dimensão do poder que exercem.
Muitos passam pelo poder e nada edificam, pois a vaidade e a arrogância lhes obliteram a visão. Cegos, sem rumo e sem direção, muitos passaram pelo poder e jamais serão lembrados por algo de relevante que tenham feito. Serão nada mais que um equivalente a uma Lagartixa Espremida Numa Porta.
Muitos são os que exercem o poder e não se dão conta que tudo é fugaz, tudo é passageiro, como, de resto, efêmera é a nossa passagem na terra.
Logo, logo, em pouco tempo, seremos substituídos em nossos cargos. E com uma rapidez que impressiona. De nós só restará, rarefeita, sem densidade, a lembrança, em face dessa ou daquela atitude, dessa ou daquela realização.
Para ilustrar, lembro que os que compunham esta Corte de Justiça quando assumi a magistratura, em 1986, estão todos aposentados. Alguns foram mais do que arrogantes; outros, cordatos e amigos, como, afinal, é o homem na sua essência. Mas todos tinham em comum o poder enfeixado sob as mãos e em face deles se destacavam.
Hoje, vinte e quatro anos depois, não há nenhum deles exercendo o poder. O tempo passou inclemente. Se aposentaram, deixaram a ribalta e foram esquecidos. Ninguém – a não ser os familiares e amigos mais próximos – se lembra que existiram, que exerceram o poder. De muitos deles só restaram os retratos na galeria destinada aos ex-presidentes e aos ex-corregedores. Nada mais que isso. O que fizeram de bom ou de ruim restou superado pelo tempo. São águas passadas. Não retornam mais ao poder. Não mais serão lembrados, bajulados, adorados, aquinhoados, odiados, amados, respeitados ou desrespeitados. De sua existência muitos só se darão conta quando noticiarem o falecimento. É triste, mas é verdade. E isso, afinal, acontecerá com todos nós. Nós também passaremos e seremos esquecidos. O duro é não compreender essa realidade. O insano é pensar que o poder é eterno. O lamentável é passar pelo poder e só construir o mal ou só cuidar dos interesses pessoais.
Hoje os tempos são outros. Mas o tempo, da mesma forma, continua fluindo celeremente, intolerante, impiedoso. Dos que me negaram, por exemplo, o direito de compor a terceira lista consecutiva de merecimento, alijando-me de uma promoção, poucos são os que ainda estão na ativa. Os demais estão todos aposentados – na penumbra, no ostracismo, sem holofotes, sem platéia, sem aduladores, sem bajuladores, vivendo discretamente. Saíram de cena. Ninguém, fora do âmbito familiar, lembra que existem ou que existiram um dia. Isso fatalmente acontecerá com todos nós.
A saída da ribalta é a reafirmação de que tudo passa – e muito rapidamente – e que a arrogância no exercício do poder não engrandece, não nos torna mais respeitados. Ao contrário. Em face da arrogância no exercício do poder, muitos são, até, odiados. A arrogância e a prepotência no exercício do poder só nos diminui, nos fazem menores que realmente somos.
Os que passaram e não edificaram uma obra de relevo ou que usaram o poder sem ter noção de sua real dimensão, serão – ou estão – fatalmente esquecidos. Muito antes do que imaginaram, serão – ou já foram – esquecidos. Quando são lembrados, muitas vezes não são nada além de um pesadelo.
Agora, é curtir a aposentadoria e refletir sobre a obra que edificaram ou que deixaram de realizar – por preguiça, descaso ou falta de ideal.
Quem passou pelo poder e não teve a dimensão dele, não será lembrado, ainda que tenha deixado um retrato na parede. Quem não soube usar o poder na sua real dimensão, significará para as futuras gerações o mesmo que significa uma gota num oceano.
Sempre fui um idealista, do tipo empedernido, casca grossa mesmo. Por isso, sempre que me predispus a lutar por um fragmento de poder, o fiz em nome desse ideal. Nunca disputei o poder sob qualquer condição, tanto que a muitos desembargadores nunca dei o prazer de pedir um voto.

A ambição pelo poder, sabe-se, é própria dos homens. O que acho deplorável e criticável são os meios para se alcançar esse fim e, depois, em nome desse fim, o que se é capaz de fazer.
Compreendo que a conquista do poder não pode prescindir dos princípios morais. Não vale, na minha ótica, o uso de qualquer expediente para ascender. Digo mais: o acesso ao comando de um Poder não pode ser por mera vaidade. Dirigir um Poder, em nome de muitos, deve ir além do retrato fixado na parede e das benesses que decorrem do seu exercício.
Quem age apenas sob perspectiva de ganhos pessoais em face do Poder que exerce, faz muito mal à instituição que dirige. Quem faz do exercício do poder apenas um meio para desfilar a sua vaidade merece o repúdio de todos os que têm o mínimo de ética a motivar as suas ações.
Aquele que pensa que a história lhe rendera homenagem, apenas porque logrou colocar o seu retrato na galeria dos que lhe antecederam, comete um grave equívoco e terá, inelutavelmente, a condenação da história.
Exercer o poder é muito mais que um mero exercício de vaidade, repito. O exercício do poder público vai muito além da distribuição de cargos e honrarias aos acólitos. Exercer o poder público em benefício de uma instituição vai muito além da bajulação.
Quem exerce o poder imaginando que será honrado apenas porque o seu retrato permanecerá afixado na parede, comete um grave equívoco. Se não for digno do poder que exerceu, passará para história, seguramente, apenas como mais um oportunista.
Exercer o poder público é servir ao interesse público. Exercer o poder com honradez e respeito, é renunciar, é abdicar das vendetas e das perseguições.
O poder bem exercido é entrega, é dedicação, é perseverança; é tratar a todos da mesma forma, sem qualquer tipo de discriminação. No exercício do poder não vale o apotegma “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Quem exerce o poder pensando em dele se servir ou para, a partir dele, servir aos amigos, não será lembrado com respeito, ainda que na galeria destinada às fotografias se destaque pela beleza física ou pelos retoques proporcionados pela computação.
Qualquer um que se atreva a buscar as razões do desapreço da nossa instituição, certamente se deparará, dentre outras coisas, com a baixa produtividade dos magistrados e com o pouquíssimo tempo de serviço dedicado ao trabalho como algumas das causas da nossa pouca credibilidade.
A nossa credibilidade está tão em baixa, que até apelidos são colocados nos magistrados, desses que se costumam colocar nos meliantes. Assim é que os juizes que não param nas comarcas são chamados, jocosamente, TQQs, porque, segundo voz corrente, só permanecem nas comarcas as terças, quartas e quintas-feiras.
Desde a minha compreensão, o juiz, para ser – e parecer – produtivo, deveria, sim, fixar residência na sua comarca, como condição primeira para se habilitar a uma promoção por merecimento.
A presença do magistrado na comarca, full time, e no Fórum, também em tempo integral, deixa transparecer, aos olhos da opinião pública, que, efetivamente, trabalha.
O ideal, pois, na minha avaliação, é que o juiz fixe residência na comarca – e trabalhe. O correto mesmo, desde meu olhar, é que o juiz se desloque para o seu ambiente de trabalho, pela manhã e pela tarde – e que trabalhe.
Não basta apenas ir à comarca. Não basta apenas ir ao Fórum. É preciso, nos dois casos, que o magistrado produza. Noutras palavras: não basta ao magistrado ser trabalhador. É preciso que, no mesmo passo, pareça trabalhador.
Não há nada mais desgastante para imagem do Poder Judiciário que a ausência do magistrado no seu local de trabalho.
Pega mal, muito mal mesmo, o cidadão procurar um juiz no Fórum, seja da Capital, seja do interior, e não o encontrar.
O juiz que só permanece na sua comarca 3(três) dias na semana, 12 dias no mês, pode até ser trabalhador, mas não parece.
O juiz que só permanece na comarca terças, quartas e quintas-feiras, que chega ao fórum às 10 horas da manhã, que não vai ao Fórum, como regra, no período da tarde, pode até ser trabalhador, mas, aos olhos dos jurisdicionados, não parece.
Quando denunciam a baixa produtividade dos magistrados do Estado do Maranhão, tendemos, no primeiro momento, a nos indignar. Mas não basta, pura e simplesmente, a indignação moral. É necessário detectar as causas da nossa baixa produtividade – e expungi-las, sem mais delongas.
Posso concluir, desde meu ponto de observação, que é necessário, sem mais tardança, que se faça uma análise criteriosa não só da nossa produção, mas, igualmente, da qualidade do nosso trabalho.
É necessário, no exame dessa e de outras questões que dizem respeito à produtividade dos juízes do Maranhão, responder a várias indagações que decorrem da nossa atividade jurisdicional, sem as quais não se chegará a um diagnóstico definitivo.
Por que, por exemplo, determinado magistrado, sob as mesmas condições de trabalho, produz o dobro do colega da mesma área de atuação?
Por que determinado magistrado, estando no mesmo nível intelectual, produz decisões mais bem elaboradas, mais esmeradas, mais detalhadas, mais bem acabadas que outros?
Por que há juízes que fazem audiências pela manhã e pela tarde e outros se limitam a realizá-las apenas pela manhã?
Por que determinados magistrados dão expediente integral no Fórum e outros não?
O fato de não se adotar critérios objetivos para as promoções por merecimento são um desestímulo ou isso é indiferente para os magistrados?
Por que se faz vista grossa aos magistrados que só passam dois, às vezes três dias da semana nas comarcas?
O fato de não se exercer nenhuma vigilância sobre eles é ou não causa da sua baixa produtividade?
A Corregedoria Geral de Justiça tem atuado de modo a coibir esses abusos?
Algum juiz, em qualquer época, já foi punido, ou, pelo menos, sindicado, em face de sua ausência sistemática da Comarca?
O juiz que não mora na Comarca deve concorrer à promoção por merecimento com o colega que fixa residência em seu local de trabalho?
Já houve, em qualquer época, algum juiz advertido em face de sua baixa produtividade?
Algum magistrado, em qualquer época, já foi alijado do vitaliciamento, por se constatar a sua inaptidão para o cargo?
Creio que somente depois de respondidas todas essas indagações e de se adotarem as providências necessárias em face das respostas que forem obtidas, poder-se-á, definitivamente, compreender e propor solução para a baixa produtividade dos magistrados e, de consequência, melhorar a nossa imagem perante a sociedade.
Essas questões, se é que se pretende ir além da indignação moral, devem ser respondidas pela Corregedoria Geral de Justiça, sem demora.
Sem que se saiba, efetivamente, as causas da nossa baixa produtividade, não melhoraremos a nossa produção.
Acho que já é tempo de nos posicionarmos acerca dessa questão que tanto incomoda os que têm responsabilidade e sentimento.
É desalentador, para mim, ser jogado na vala comum. Por mais que se trabalhe, quando se denuncia a baixa produtividade dos juízes do Maranhão, todos nós somos atingidos. E, aí, não adianta ser trabalhador, afinal somos todos vistos com o mesmo olhar de indignação. E é mais do que justo que as pessoas se revoltem, pois que, afinal, somos muito bem remunerados e prestamos, infelizmente, um serviço público deficiente. E, o que é mais grave: estamos mais do que distanciados da sociedade, encastelados em nosso gabinete, como se fôssemos semi-deuses.
A falta de independência de alguns, as vinculações excessivas com os outros poderes, os favores trocados, tudo isso, enfim, também contribui para o nosso descrédito.
Ouvem-se, sim, comentários desrespeitosos e aviltantes para toda a magistratura, segundo os quais determinados magistrados decidem pressionados por agentes do Poder Executivo, ou para atender aos apelos de certos apaniguados – sem independência e sem consciência, portanto.
É claro que decidindo o magistrado para atender aos apelos de terceiros, olvidando-se do direito dos litigantes, abusa do poder, adotando procedimento incorreto, à luz da LOMAN.
Refletindo sobre essas e outras questões, lembrei-me do célebre julgamento de João Guilherme Ratcliff, implicado no movimento revolucionário de 1824.
D.Pedro I, malgrado tenha logrado vencer pelas armas os revoltosos, inspirado, ao depois, por uma política de rancor e vingança, exigiu, dentre outras coisas, a condenação de João Guilherme Ratcliff, a favor de quem vários apelos foram feitos e cuja participação no movimento foi, até, irrelevante.
D. Pedro I, para aterrorizar o império, ordenou, em relação a João Guilherme Ratcliff e outros, uma formação de culpa severíssima. Os juízes, sem independência, foram rigorosos a mais não poder, para atender aos caprichos do imperador.
E foram além. Para agradar, lançaram nas decisões, ao que se sabe, impropérios, palavras desrespeitosas contra o acusado, a favor de quem havia uma plêiade de pessoas influentes, dentre as quais, até, a poderosa Marquesa de Santos.
Mas, os apelos foram em vão. As ordens que D. Pedro dera aos magistrados era clara: condenar João Guilherme Ratcliff a morte. D. Pedro I não queria cadeia! Não queria expulsão! Era forca – e pronto!
Um dos desembargadores, exemplo vivo de bajulação, levou a São Cristóvão o rascunho da sentença condenatória. Tratava-se de uma peça rancorosa, cheia de doestos, de vitupérios contra o acusado, com o que, imaginou, agradaria o soberano.
D. Pedro, de posse da sentença, ainda em rascunho, a leu, com vagar, para, em seguida, dizer ao desembargador bajulador, num gesto até surpreendente, para quem queria muito mais que vingança:
– Desembargador, esse palavrório não está direito! Condenem o homem, isto sim; mas, não o insultem…
Em seguida, mandou reformar a decisão, para que dela fossem expungidos os excessos – como se excessiva não fosse, quanto ao mérito, a decisão que condenou o acusado a pena de morte.
Justa ou injusta a decisão, o certo é que nem mesmo o doidivanas Pedro I concordou com os termos da decisão do juiz bajulador. O desembargador, por sabujice, carregou nas tintas, ávido de agradar o Imperador.
A conclusão que se deve – ou deveria – tirar deste episódio é que o juiz tem que ser comedido nas palavras ao decidir e que, ademais, não deve fazê-lo para agradar ninguém, ainda que o interesse em jogo seja do governante da hora.
Incontáveis vezes já consignei que não se deve fazer cortesia com o direito alheio.
Muitos são os que, exercem o poder estabelecendo uma injustificável confusão entre o público e o privado, entre o seu cargo e sua própria pessoa. E assim o exercendo, desgastam a nossa imagem.
Sébastian Roch Nicolas Chamfort, que viveu no século XIX, foi um dos mais brilhantes satíricos de sua época. Suas máximas, publicadas depois da sua morte, revelaram-no um mestre do aforisma e um crítico voraz e impiedoso.
Nicolas Chamfort tinha intensa aversão aos tolos, sobre os quais assim definia:
-O tolo é alguém que confunde seu cargo com sua pessoa, seu status com seu talento e sua posição com uma virtude.
Basta olhar em volta para ver que, nos lugares por onde andamos, nos ambientes que frequentamos, nas rodas de bate-papo, nas confraternizações, em qualquer ambiente, enfim, estamos, quase sempre, próximos de muitos tolos, travestidos de autoridade.
Quem convive com as autoridades submergidas em tolices, sabe do que estou falando.
É mais comum do que se imagina, encontrar um ser humano fantasiado de autoridade, mostrando-se, no mesmo passo, aos olhos dos circunstantes, como apenas mais um bobalhão.
Não é incomum encontrar, encarapitados no poder, tolos que sublimam as virtudes que não têm, para chamar a atenção para suas idiossincrasias, para as suas abomináveis, execráveis fanfarronices.
O mais grave nessa questão é que, por serem tolos, não são capazes de perceber o que todos percebem, ou seja, que não passam de uns babacas, que pensam que têm o talento que não têm.
Conforme tenho constatado, os tolos esquecem que só o cargo, que o poder apenas, a vaidade e a prepotência, jejunas de sensatez e inteligência, não fazem milagres.
É comum, mais do que comum – e não se há de negar, não se há de obscurecer – conviver com autoridades que pensam que são o próprio cargo; por isso, são mesmo uns tolos, uns bobocas embriagados e desnorteados em face do naco do poder que têm sob controle.
É por isso que, quando os tolos assumem um posto de relevo, adicionam ao seu nome a autoridade que nele se revela.
A verdade, a mais cristalina verdade é que, como bem definiu Sébastian Chamfort, depois da ascensão, o tolo pensa que, por milagre, tornou-se um virtuoso, um homem talentoso e cheio de bons predicados.
É ou não é assim, sobretudo no Poder Judiciário? Ou estou enganado?
Quem não conhece algum tolo fantasiado de autoridade?
Quem não conhece um mentecapto imaginando-se talentoso em face do cargo que exerce?
Quem já não se deparou com um paspalhão que, tendo ascendido – sob quaisquer condições, pisando no pescoço dos adversários, jogando o jogo rasteiro da gentalha -, imagina-se o mais capacitado, o mais competente dos homens, apenas em razão da posição que ostenta, circunstancialmente?
Essa é a nossa situação, à luz dos meus olhos, à luz dos olhos de quem quer ver. Esse é o quadro que temos que modificar, sem mais demora.
Temos que nos unir em face dessas questões. E não adianta tapar o sol com a peneira. Não adianta dizer que sou pessimista. Não resolve dizer que o meu discurso é contundente. Não adianta dizer que as coisas boas foram esquecidas por mim porque a essas é despiciendo fazer menção. Não adianta dizer que esqueci o que o Poder Judiciário tem feito de bom, pois o mais importante é assumir mesmo os nossos erros e buscar solução.
Importa dizer que a solução para o quadro de descrédito que vislumbro, não se terá se não foram expungidas, por exemplo, eventuais mazelas que contaminam – ou já contaminaram – alguns concursos públicos de ingresso na magistratura e, noutro giro, se os estágios probatórios continuarem sendo uma falácia, como o são, efetivamente, até que se prove em contrário.
Solução para esse quadro não se terá, se, lado outro, a Corregedoria não assumir o seu verdadeiro papel, apurando, com rigor, as denúncias que se fazem contra magistrados, seja em face de uma simples falta injustificada a uma audiência, seja em face de se manter afastado da sua comarca, relegando o interesse público a segundo plano.
Solução para esse quadro também não haverá, se o Tribunal de Justiça não for capaz de expungir dos seus quadros os que desviam a conduta, sabido que o Poder Judiciário não pode ser casamata de calhordas.
Solução também não haverá, se as promoções por merecimento continuarem sendo um engodo.
A propósito, vou repetir, pela enésima vez, as promoções por merecimento devem ser destinadas a quem as merecer, efetivamente.
Promover, ou deixar de promover, como já se fez no passado – quiçá ainda hoje se faça – em face da simpatia ou antipatia do candidato, não nos enaltece, transforma a nossa casa em casa de injustiças.
O candidato a promoção, qualquer um, seja bonito ou feio, alto ou baixo, conservador ou liberal, só precisa produzir, julgar o mais rapidamente possível, demonstrar bom nível de conhecimento, não se envolver em falcatruas e fixar residência na comarca, ou pelo menos, passar a maior parte do tempo entre os seus jurisdicionados, para ser um fortíssimo concorrente à promoção por merecimento. Fora disso, não contem comigo. E, digo mais, mesmo com todos esses predicados, nenhum juiz está autorizado a pedir o meu voto para promoção, pois o que decidirá a favor do candidato é o que tenha efetivamente realizado, a partir de dados fornecidos pela Corregedoria-Geral de Justiça.
Se a corregedoria exercer o seu papel, se deixar de ser omissa nas questões mais simples, se não servir de instrumento para vendetas, dará um grande passo para ajudar a resgatar a credibilidade do Poder Judiciário. Mas a Corregedoria precisa, no mesmo passo, de respaldo do Tribunal de Justiça. O Tribunal de Justiça não pode ficar agachado diante dos desvios de conduta.
É preciso expurgar o corporativismo. Se for o caso, devemos punir, sem pena e sem dó. Em sendo o caso, devemos afastar o juiz que cometeu alguma falta administrativa. Não podemos mais ser complacentes com os desvios de conduta. Essa leniência nos desgasta, desgasta a nossa imagem, deixam-nos mal perante a opinião pública.
Devemos ter muito cuidado com a nossa postura, pois da nossa omissão pode resultar que a sociedade, cansada, descubra que não fazemos falta, que se pode, sim, fazer justiça com as próprias mãos.
Temos que sair da inércia, temos que deixar a vaidade a prepotência de lado.
Aliás, importa sublinhar que a vaidade dos homens da capa preta é proverbial. Todo mundo comenta. Todo mundo fala na arrogância de muitos togados, que supõem que, sob uma capa preta, tudo podem, como se fossem um ser superior, como se não exercessem um múnus público.
Fazendo essa reflexão sobre a vaidade, me veio à lembrança, a forma trágica como morreu a regente Ana da Áustria.
Quando a gangrena se manifestou e os médicos começaram a retirar, com bisturi, a carne doente, a rainha lamentou dizendo que nunca imaginou ter um destino tão diferente do das outras criaturas:
“todas apodreciam depois da morte, enquanto ela era condenada por Deus a apodrecer viva”.
Nessa hora de intenso sofrimento Ana da Áustria sentiu necessidade de cuidar da alma, vez que, ao que se saiba, cuidou muito mais de usufruir daquilo que a sua condição de mulher de Luis XIII tinha a oferecer, registrando a história, inclusive, casos de traição ao marido, com quem casara aos 14 anos.
Depois do que li sobre Ana da Áustria e outros tantos que tiveram fim igualmente trágico, fico indagando: Será que as pessoas que vivem pelo poder e para o poder, que são vaidosas ao extremo, que nutrem inveja doentia pelo semelhante, que não hesitam em atropelar um congênere para se dar bem, que não honram pai e mãe, que sublimam os prazeres que só o poder e o dinheiro podem proporcionar, que vivem das traquinagens que o poder facilita, que valorizam muito mais o poder que o semelhante, que açoitam os direitos alheios, que são capazes de qualquer coisa para ascender, que não têm escrúpulos, que são egocêntricas, que vivem apenas os prazeres da carne, terão que passar pelas provações de Ana da Áustria para reavaliar os seus conceitos, para valorizar o semelhante, para cuidar, enfim, da própria alma?
Fica a indagação, para quem quiser refletir.
Retomando a questão acerca da nossa atuação, da nossa indiscutível falta de credibilidade – em face da ação deletéria de uns poucos, reafirmo – importa sublinhar que a mim não me importa ser malquerido em face do rigor que tratarei os desvios de conduta. A mim não me importa se alguns resolvam romper relações ou se, em face disso, possa perder algum voto para um cargo de direção, se eventualmente decidisse participar de um certame.
Para mim, sinceramente, o magistrado que tenha devoção pelo que faz, pode até perder o cargo de direção, mas não deve perder a dignidade.
Entre a dignidade e a direção do poder, devemos optar pela primeira, ainda que, por conta disso, nosso retrato não conste da galeria dos imortais, pois imortal mesmo é a obra que edificamos, é o exemplo que deixamos para as gerações futuras.
Eu não quero ser lembrado pelo cargo que exerci, mas pela obra que realizei, pelo exemplo que deixei; pena que muitos só deixarão às futuras gerações péssimas lembranças.
Quem exerce o poder com desvelo sabe que, para o bem da instituição, é, muitas vezes, preciso desagradar. Eu não tenho receio de desagradar. Eu não sou pago para ser simpático.
Mas, que não nos iludamos, para agir com rigor diante dos desvios de conduta, tem-se que ter uma conduta retilínea, não se pode ter um passado pouco recomendável, não se pode ter participado de negociatas, não se pode ter perdido a liberdade em face de um favor recebido, não se pode ter feito mercância da dignidade.
Retomando o tema promoção, vou repetir o que disse acima, mais enfaticamente ainda: nenhum juiz está autorizado a se dirigir ao meu gabinete para pedir o meu voto para eventual promoção. Nenhum juiz precisa passar por essa humilhação. O juiz, para ser promovido, só tem que trabalhar, cumprir uma agenda de trabalho capaz de demonstrar que merece o que ganha dos cofres públicos, pois tão indigno quanto se corromper é receber dos cofres públicos sem trabalhar. Eu não votarei, jamais, em que não trabalha, apenas porque se trata de uma pessoa simpática ou para atender ao pedido de um colega. Nós não precisamos de juiz simpático. Nós precisamos mesmo é de juiz que trabalhe, que se entregue ao labor, que faça por merecer o que percebe dos cofres públicos.
Gostaria de deixar consignado, de forma breve, em face do tempo que já decorreu desde o início da minha fala, que sou contra a PEC DA BENGALA por entender que ela só trará prejuízo à instituição Poder Judiciário, que precisa se renovar.
Gostaria de deixar registrado, ademais, que, pelas mesmas razões, sou a favor da limitação do tempo de permanência do magistrado nas cortes de justiça, mesmo as estaduais. Não faz bem á instituição a perpetuação no poder. Acho, e vou defender esse ponto de vista em futuras publicações, que 12 anos é tempo mais do que suficiente de permanência de um desembargador no cargo. Mais do que isso é exagero e não faz bem à instituição.
Gostaria de dizer, finalmente, que é preciso que se dê mais atenção aos juízes do primeiro grau. Não é justa a forma discriminatória como têm sido tratados. É preciso tirar bastante do 2º grau e distribuir esse bastante aos juízes de primeira instância, que sempre tiveram muito pouco.
Não é justo que cada desembargador tenha um carro de representação e a primeira instância não disponha de veículos em número suficiente para cumprir diligências.
Muitas foram as audiências que deixei de realizar em face de não dispor de veículos para cumprir diligências. Esse fato, não se tem dúvidas, contribui para demora na entrega da prestação jurisdicional. Os oficiais, se bem utilizados, dariam uma enorme contribuição para celeridade dos feitos, sobretudo os criminais, em curso na primeira instância.
Desde meu olhar, não se pode chegar à segunda instância e deletar da memória todas agruras, todo o sofrimento que nos foi infligido em primeira instância.
Eu vou lutar, sim, com todas as minhas forças, na medida do que possa fazer, pelo menos com a palavra falada e escrita, para que se cuide da primeira instância.
Mas vou lutar, no mesmo passo, para que se cobre, tenazmente, produtividade. Juiz não pode continuar dando satisfação apenas a sua consciência.
A verdade é que ganhamos muito bem e prestamos um serviço deficiente à coletividade. Isso não pode ser encarado como algo natural.
O quadro, é verdade, mudou muito nos últimos dois anos. Mas ainda não é o ideal.
Concito a todos os meus pares, a todos os magistrados do Maranhão, a todas as instituições envolvidas com as questões judiciais, para que, juntos, sem vaidade, sem prepotência, sem inveja, sem arrogância, abstraindo as questões pessoais, superando as divergências pontuais, nos unamos para construir um novo Poder Judiciário.
Em face de tudo que consignei acima, resta, agora, quando se aproxima o fim dessa oração, indagar, concitando a todos, mais uma vez, à reflexão:
Por que o poder fascina tanto as pessoas? Por que se diz que fora do poder não há salvação? Por que há pessoas capazes de vender a própria alma em face e pelo poder? Por que o homem, uma vez no poder, tende a abusar? Por que as pessoas que ascendem, tendem a tomar posse do poder como se fosse uma propriedade privada? Por que as pessoas, uma vez no poder tentam nele se perpetuar? Por que há pessoas capazes de qualquer expediente para alcançar o poder?
Ninguém tem resposta precisa para essas e outras indagações em face do exercício do poder, a não ser, obviamente, de que se tratando do ser humano dele tudo se pode esperar; e é verdade mesmo que tudo isso decorre da nossa condição de seres humanos, da nossa falibilidade, das nossas imperfeições, das nossas idiossincrasias.
A verdade, a grande verdade, é que o poder embriaga, envaidece, entontece, faz revelar a face oculta de uma personalidade.
O que posso afirmar, fruto das minhas convicções e da minha experiência de vida, é que o homem, efetivamente, por causa do poder, é capaz de vender a própria alma; pelo poder o homem é capaz de trair, de corromper, de ser corrompido, de apunhalar pelas costas, de não reconhecer pai e mãe, etc.
O que posso afirmar, ademais, é que, em face do poder e em nome do poder, muitas foram as arbitrariedades, as iniqüidades cometidas. É que muitos não se dão conta de que o exercício do poder não é um folguedo, uma patuscada não é.
Muitos ascendem ao poder sem a mais mínima convicção, sem idealismo, sem estofo moral e psicológico. E, uma vez ascendendo, tendem mesmo a do poder abusar, em benefício pessoal, sem se dar conta da relevância do cargo que exercem.
Confesso que tenho medo dos que querem ascender de qualquer forma, sob quaisquer condições, que querem, obstinadamente, enfaixar sob as mãos um naco relevante do poder, porque, desde meu olhar, esses, sem escrúpulos, são capazes de qualquer coisa.
Eu, de minha parte, já deixei muito claro que não troco a minha dignidade pelo poder. E, ademais, nunca pretendi ascender de qualquer forma, atropelando os interesses de ninguém, por pura vaidade, apenas para tirar do poder aquilo que ele tem de bom a oferecer.
Clamo aos céus, aos meus amigos, à minha família que não me deixem enveredar por essa trilha, para não trair o meu passado e a minha historia.
Encerro esta oração com as minhas próprias palavras emolduradas na crônica O Mundo é um Moinho.

“Viver é enfrentar, necessariamente, dissabores, intempéries, injustiças, traições, bonança e borrascas. Viver é sorrir, ser feliz, ser infeliz, cantar, chorar, sofrer, amar, etc. Essa é uma realidade da qual não podemos fugir. Nada mais elementar, pois. É por isso que, diante de uma dificuldade, de um infortúnio, à falta de outra justificativa, nos limitamos a dizer: “é a vida” ou “a vida é mesmo assim”.
Os dissabores, os maus momentos, a dor, a insônia, a fome, a sede, numa visão puramente maniqueísta, existem para que valorizemos a água que sacia a nossa sede, as noites bem dormidas, os momentos de felicidade e de prazer que a vida nos proporciona. E só mesmo vivendo e convivendo podemos nos defrontar com duas realidades tão díspares, para delas, com o mínimo de inteligência, sorver, apreender e aprender os ensinamentos. É a escola da vida em toda a sua plenitude.
Viver sempre foi assim e assim sempre o será. Não podia ser diferente. Para não enfrentarmos as inquietações e os desgostos que nos afligem, daqueles que, às vezes, apoquentam e hostilizam a alma ao longo da nossa existência e em face da convivência entre os nossos congêneres, só há uma solução: morrer, ou seja, deixar de existir. Todavia, essa é a experiência que ninguém que goze de higidez mental deseja, visto que, por pior que sejam, por mais difíceis que sejam os momentos vividos, todos nós preferimos estar vivos e com saúde para enfrentá-los. E, a cada desafio, nós, alunos diletos da escola da vida, nos fortalecemos, nos imunizamos, nos credenciamos para novas batalhas, para novos embates, para novas conquistas.
Mas por que as pessoas que sabem que a vida não é feita só de sonhos, que a felicidade pode ser algo efêmero, e que, mais dia, menos dia, teremos que enfrentar problemas de especial magnitude, nunca estão preparadas para essa realidade? Como seres dotados de inteligência, o que nos falta para compreendermos que a vida não é só prazer, não é só felicidade?
O mundo é um moinho e pode triturar os nossos sonhos mais mesquinhos, como dizia Cartola. Digo eu, parafraseando o poeta, a vida é um moinho e, muitas vezes, tritura os nossos sonhos, mesmo os não mesquinhos.
Quantos dos meus, dos nossos sonhos esse moinho inclemente e impiedoso já destruiu? Cá do meu lado, sem muito esforço, respondo que já perdi a conta dos sonhos que vi destruídos. Mas não me desesperei, não me apequenei diante da intempérie, não molifiquei, não baixei a guarda, não sucumbi, não me autoflagelei. Estou de pé! Altivo, corajoso, destemido, voluntarioso, sonhador. Às vezes, bobo é verdade. Mas bobo todos somos. E daí?
Sou teimoso, empedernido, duro como pedra, quando estão em jogo os meus ideais, os meus sonhos e as minhas perspectivas; obstinado, perseverante, persistente, renitente como uma mula, diriam os menos sutis.
Sou tudo isso e, também por isso, continuo sonhando, imaginando, supondo, querendo, lutando, esbravejando, sofrendo, estimulando – e clamando por um mundo melhor. Ah, como me dói uma injustiça! Não lido bem com o malfeito; e do malfeitor consciente tenho, às vezes, aversão. Nutro pelo malfazejo – quanta intolerância! – uma certa repugnância que não condiz com a minha condição de cristão. É um sentimento quase incontrolável. Contudo, eu, com muito esforço, com o que me resta de sensatez, ainda consigo domar esse sentimento menor, que não condiz com a minha condição de pai, de filho e de magistrado.
Sou tenaz, pertinaz e intransigente no enfrentar a ação marginal, sobretudo dos que exercem cargos públicos, dos que usam o poder para triturar os sonhos dos iguais, para fazer o mal, para dele apenas usufruir como se fora patrimônio particular.
Abomino, com veemência, a utilização do Estado para servir aos interesses dos oportunistas e dos parasitas, que nada edificam, que cuidam apenas dos seus interesses pessoais, que vêem o poder apenas como uma folgança, uma patuscada. Essa ação marginal é um dos muitos dissabores que a vida me oferece e diante dos quais às vezes me julgo impotente. E se o malfazejo, se o malfeitor for um magistrado, aí então a minha repugnância vai muito mais além – chego a ter nojo, asco, ojeriza.
Sonhando, vou vivendo; e vivendo, vou sonhando. Sonhando – vejam como sou tolo! – com uma sociedade mais fraterna, mais justa, menos discriminatória. Sonhando com o exercício pleno do poder para atender as expectativas da sociedade, sobretudo das camadas desprotegidas e abandonadas, mas que servem para ser utilizadas, principalmente, no período eleitoral, como massa de manobra, para encher as praças públicas, para se exporem com bandeiras sob um calor de quarenta graus, sem se dar conta que lhes sugam a força física e moral para se perpetuarem no poder junto ao qual defendem apenas os seus interesses pessoais.
Caindo aqui, levantando acolá, vou levando e vou sonhando, regando os meus sonhos com algumas poucas ações que posso desenvolver para reverter o quadro.
É a vida! Cheia de altos e baixos. Mas como é bom viver, como é bom poder ter a capacidade de pensar e de dizer o que se pensa.
Eu sonhei – e sonho – com uma sociedade mais justa e igualitária. É que sou assim mesmo. Sou meio bobo, meio tanso, quase parvo, um pouco palerma – um sonhador incorrigível. Idiota? Tolo? Ficcional? Utópico? Sei lá! Só sei que sou assim. Sei que viver é enfrentar dissabores. Mas viver é, também, fazer o bem, sem olhar a quem.
O que tenho visto ao longo dos anos dedicados à causa pública era para desanimar, para depor as armas, jogar a toalha, entregar os pontos – deixar as coisas acontecerem, enfim, já que, muitas vezes solitário, com uma migalha quase insignificante de poder, quase nada posso fazer para mudar o curso dos acontecimentos. Mas não cedo! Não arredo o pé! Sou todo esperança! Sou a fé materializada! Vou em frente! Um dia, como dizia minha mãe, a casa cai e a coisa muda.
Ao longo da minha vida, tenho testemunhado muitas injustiças, às vezes protagonizadas exatamente por quem tinha o dever de ser justo. Mas eu não deixo, ainda assim, que essa triste realidade reduza as minhas ilusões a pó. Sou duro no embate e vou continuar dando uma pequena, diminuta, quase insignificante contribuição para reverter esse quadro. Nem que essa luta se traduza apenas em palavras, como o faço aqui e agora. Sem ódio, sem rancor, sem sentimento de vingança – apenas refletindo e levando adiante a minha mensagem.
Desde que ingressei na magistratura, sonho com o dia em que todos serão tratados da mesma forma. E o que tenho visto, ao longo de tantos anos de dedicação integral à magistratura do meu Estado, dolorosamente, é muita discriminação. Discrimina-se o igual (?) em face da cor, em face da roupa que veste, em face do bairro em que mora, em face da bebida que bebe, em face dos amigos que tem, em face dos lugares que freqüenta.
No caso específico da Justiça Criminal, onde militei por mais de 20 (vinte) anos, a discriminação é mais odiosa, pois que tem – a Justiça Criminal – os olhos voltados apenas para as camadas mais carentes da sociedade. Ignominiosamente os agentes responsáveis pela persecução criminal têm os tentáculos voltados, de forma inclemente até, somente para a população mais carente.
Mas nós não podemos dar um tiro na cabeça por isso. Nós temos que ter a capacidade de, diante dessa inefável realidade, superar os problemas que são superáveis, administrar os que forem administráveis e engolir os que devem ser “sorvidos” – “degustá-los”, até, se possível for.
A verdade é que, pior que viver sem esperança é não ter esperança de viver para assistir ao porvir, não ver o futuro acontecer.
Enquanto vida tivermos, devemos lutar para mudar essa realidade, sempre movidos pela esperança e pela fé. E que venham os dissabores, que venha a borrasca, que venham as injustiças, que estou armado contra elas com a minha tenacidade, com a minha pertinácia, com a minha obsessão e com a minha dignidade. Ninguém vai conseguir me impedir de continuar sonhando. E vivendo. Vivendo a vida intensamente, sempre esperando que, um dia, o sol, definitivamente, nasça para todos.
Muito obrigado.


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

4 comentários em “Discurso de posse”

  1. Presente na Comarca de Bacabal, não pude prestigiar e participar da posse de Vossa Excelencia no cargo de Desembargador.Li com muita atenção cada linha de seu discurso e quem o conhece sabe que nao foram palavras soltas ao vento, mas profissão de fé de quem fez e faz uma magistratura de pé.
    Pessoas idealistas como Vossa Excelencia sofre muitas incompreensões, porem não desanime, siga firme nessa missão, pois os tempos estão mudando e sinceramente acredito que uma nova Justiça ainda é possivel.
    PARABENS! Que Deus o ilumine nessa nova jornada.

    Luis Gonzaga Martins Coelho- Promotor de Justiça

  2. Seu Zé,

    Parabéns,que Deus de proteja e ti ilumine nesta longa caminhada

    Um beijo carinhoso do seu tio Ribinha

    24.02,10

  3. Exmo. Des.,

    Quem possui conduta e valor irretocável, não teme as consequências das duras e verdadeiras palavras proferidas em meio a olhares atônicos, que ecoaram por todo meio jurídico.
    Assim é o senhor! Uma pessoa idealista, ética, profissional e preocupada com a imagem da instituição que faz parte.
    Orgulho-me de ter conhecido a pessoa humana do José Luiz Oliveira, sem vaidades do cargo, sem a famosa síndrome da “juisite”, que insiste em perdurar, e, por ter feito parte da sua equipe que percorreu vários lugares mostrando através de Brilhantes Palestras os Direitos e Deveres do Cidadão no Projeto Cidadania e Justiça da CGJ-MA.

    Desejo a Vossa Excelência, toda serenidade que lhe é peculiar para vencer mais um obstáculo na luta pela MUDANÇA.

    Meus Parabéns…

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