Decisão de Pronúncia, com qualificadora.

Na decisão a seguir, à guisa de introdução, cuido dos princípios da legalidade, da ofensividade, da culpabilidade e da dignidade da pessoa, das instância formais e informais de combate à criminalidade, da vida em sociedade e da inevitabilidade do crime.É curial que, cuindando desse temas, apenas a título de ilustração, a decisão se torna muito extensa. Mas o leitor não é obrigado a se deter nas linhas introdutórias, pois que irrelevantes á compreensão da matéria emoldurada na decisão. Pode o leitor, por isso, seguir direito para o exame da prova, daí para a parte dispositiva e para, finalmente, para o excerto em que decreto a prisão dos acusados.
As minhas decisões objetivam, é bem de ver-se, induzir o leitor á reflexão. A reflexão, nada obstante, é dispensável para quem não tem paciência para leitura.
A propósito, por exemplo, da seleçaão dos tipos, em face da dignidade da pessoas, sublinhei:
  1. A dignidade humana deve ser o norte a partir do qual devem ser estabelecidos, devem ser selecionados os tipos penais pelo legislador, daí decorrendo que o legislador, no momento de escolher os interesses que merecerão a tutela penal, bem assim o operador do direito, quando é instado a promover a adequação típica, devem, necessariamente, sob pena de afrontarem a Constituição, verificar, previamente, se o conteúdo material daquela conduta atenta contra a dignidade humana. Se do exercício desse controle técnico assomar manifesta afronta à dignidade da pessoa e, de conseqüência, à inconstitucionalidade substancial da norma penal, deve o operador do direito abster-se de aplicá-la.
Adiante, pois, a decisão. 

PODER JUDICIÁRIO
FORUM DESEMBARGADOR SARNEY COSTA
JUIZO DA 7ª VARA CRIMINAL
SÃO LUIS-MARANHÃO

Processo nº 146962004
Ação Penal Pública
Acusados: M.A.M.L e outro
Vítima: J. A. B.

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra M. A.. M. L., vulgo “Macalé” , brasileiro, solteiro, ajudante de pedreiro, filho de Â. M. M. L., residente e domiciliado à Travessa padre Anchieta, nº 57, Vila Passos, nesta cidade, e V. C. F., brasileiro, solteiro, filho de Luis de F. F. e V.. S. C., residente na Rua 1º de Julho, casa 18, Coréia de Baixo, nesta cidade, por incidência comportamental nos artigos 121, §2º, II, c/c artigo 29 ambos do CP, em face de, no dia 29 de junho, por volta das 07:00 horas, na Praça da Igreja de São Pedro, Madre Deus, terem assassinado J. A. B., com facadas, cujos fatos estão narrados, em detalhes, na incoativa, que, por isso, passa a integrar o presente relatório.

A persecução criminal teve início mediante portaria (fls. 09).

Exame cadavérico às fls. 99.

Recebimento da denúncia, cumulada com Decreto de Prisão Preventiva às fls. 127/137.

Os acusados foram qualificados e interrogados às fls.147/149 e 150/152.

Pedido de Assistência às fls. 156.

Deferimento do pedido de assistência ás fls. 161.

Defesa prévia de VALDENIR CAMPOS FERREIRA às fls.123/124.

Defesa prévia de MARCOS ANTONIO MORAIS LOBÃO ÁS 185/186,

Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas GERALDO COSTA DE SOUSA (fls.174/175), AYLTON CARLOS BARROS (fls.176) CARLOS CÉSAR BARROSO (fls.177), HEVAL CAMILO LIMA DA SILVA (fls.178), SAMUEL LIMA DE SOUSA (fls. 282), JAYLA REJANE BASTOS NASCIMENTO (fls. 290/291), JACIRA MARIA DO BOM PARTO ALMEIDA (fls. 299), SIMONE DE JESUS MORAES MOTA (fls. 300), TATIANA CRISTINA FERREIRA A CONCEIÇÃO (fls. 301) e JADSON CHAGAS MENDES (fls. 302).

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu, alfim, a pronúncia dos acusados, nos termos da denúncia (fls.306/308).

O procurador do acusado V. F., depois de analisar as provas dos autos, pediu a sua absolvição do acusado, por insuficiência de provas (317/320)(Sic).

O procurador do acusado M. A. M. L., contraditoriamente, depois de pedir a desclassificação da imputação inicial, para homicídio simples, alega, invocando entendimento jurisprudencial, que, para condenação, é preciso que o conjunto de provas esteja de acordo com sua culpabilidade(fls.324/326).

Relatados. Decido.

01° Sumário. AD PRIMUM, UMA DIVAGAÇÃO. ESCAPATÓRIA QUE SE FAZ À GUISA DE ILUSTRAÇÃO. O DIREITO PENAL MODERNO. OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

Antes da análise dos pressupostos legais para admissibilidade da acusação, permito-me fazer algumas considerações que entendo relevantes, á guisa de introdução.

Pois bem.

O Direito Penal moderno se assenta em determinados princípios fundamentais, próprios do Estado de Direito Democrático, dos quais destaco, em face de sua relevância, o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou da intervenção legalizada que tem base constitucional expressa (artigo 5°, XXXIX, CF, e artigo 1°, do CP).

O princípio em comento tem amplo espectro, como sabido. Não há crime (infração penal), nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (sticto sensu). Isto vale dizer: a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas conseqüências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). Compreende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (lex scripta, lex praevia et lex certa).

As idéias de igualdade e de liberdade, que inspiraram o iluminismo, impulsionaram a inserção, nas sociedades modernas, do Direito Penal de caráter formal e menos cruel, diferente, portanto, do Direito Penal do terror que predominou no Estado Absolutista – de triste memória.

O princípio da legalidade, nas sociedades democráticas, onde os direitos humanos são minimamente respeitados, é uma exigência dos nossos dias – é uma garantia legal impostergável. O princípio da legalidade tem uma função de garantia da liberdade e do cidadão frente à intervenção estatal arbitrária.

Do princípio da reserva legal decorrem uma série de conseqüências que se manifestam em seu aspecto material – não simplesmente formal – , implicando em restrições ao legislador e ao intérprete do direito penal, as quais podem ser traduzidas no apotegma nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, scripta et scricta.

A lei, para valer, tem que ser anterior quanto ao crime e prévia, no que diz respeito à cominação de pena. É, pura e simplesmente, a consagração do princípio da irretroatividade da lei penal incriminadora, nada obstante possa ela retroagir se, de qualquer modo, favoreça o acusado, ou condenado, princípio que também tem dignidade constitucional (artigo 5º, XL, da CF).

HELENO CLÁUDIO FRAGOSSO, referindo ao disposto no artigo 1° do CP – “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” – afirma, na linha de argumentação suso, que “essa regra básica denomina-se princípio da legalidade dos delitos e das penas ou princípio da reserva legal, e representa importante conquista de índole política, inscrita nas Constituições de todos os regimes democráticos e liberais” (Lições de Direito Penal, Parte geral, 4ª ed. Forense. 1995, p.89), na mesma trilha de ALBERTO SILVA FRANCO que, de seu turno, afirma que “ o princípio da legalidade, em matéria penal (CF, ART. 5°, XXXIX), equivale, antes de mais nada, à reserva legal”(Código Penal e Sua Interpretação Jurisprudecial, 5ª Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 26). Essas duas posições doutrinárias estão a demonstrar que, de rigor, não há diferença conceitual entre legalidade e reserva legal.

Abstraindo-se essas discussões de caráter acadêmico, o que importa mesmo, na prática, no dia a adia, é ter presente que o respeito ao princípio da legalidade corresponde a uma “aspiração básica e fundamental do homem, qual seja, a de ter uma proteção contra qualquer forma de tirania e arbítrio dos detentores do exercício do poder, capaz de lhe garantir a convivência em sociedade, sem o risco de ter a sua liberdade cerceada pelo estado, a não ser nas hipóteses previamente estabelecidas em regrar gerais, abstratas e impessoais” ( FERNANDO CAPEZ, CURSO DE DIREITO PENAL, Vol. I, Editora Saraiva, 2005).

In casu sub studio a persecução criminal foi deflagrada, em seus dois momentos, porque os acusados, com sua ação, teriam malferido o preceito incriminador do artigo 121, §2º, II, do Codex Penal, lei anterior (tempus regit actum) ao fato, sujeitos, portanto, sanção penal preconizada em seu preceito secundário.

Toda imposição de pena, reafirmo, pressupõe uma lei penal (nulla poena sine lege) e o fato legalmente cominado está condicionado pela pena legal (nullum crimen sine poena legali). Daí decorre que o mal, como conseqüência jurídica necessária, deve estar vinculado mediante lei a uma lesão jurídica determinada.

02º Sumário. MAIS UMA DIVIGAÇÃO QUE FAÇO PARA REFLEXÃO. AS INSTÂNCIAS FORMAIS DE CONTROLE SOCIAL – A POLÍCIA. O MINISTÉRIO PÚBLICO. O PODER JUDICIÁRIO. AS INSTÂNCIAS INFORMAIS DE CONTROLE SOCIAL – A FAMÍLIA. A IGREJA. O CLUBE. A COMUNIDADE. O BAIRRO, ETC.

A seguir, faço mais uma divagação, sem outra pretensão que não seja instar o ledor à reflexão.

Numa sociedade que se pretenda civilizada, devem existir regras disciplinadoras da vida social, com o fim de impedir os conflitos interpessoais, regulando, de efeito, os interesses coletivos com as prerrogativas do homem.

Para prevenção (controle social) dos conflitos que emergem da vida em sociedade, há as instâncias informais (família, escola, igreja, clube, etc) e as instâncias formais (PODER JUDICIÁRIO, MINISTÉRIO PÚBLICO, POLÍCIA, SISTEMA PENITENCIÁRIO), dentre outras. Estas – as instâncias formais – atuam, quando aquelas – as instâncias informais – falham. Se as instâncias informais falham – o que, de resto, é comum – as formais são chamadas a compor o conflito, aplicando o direito. Nessa hora, cuidando-se de crime, o Direito Penal é chamado, inapelavelmente, para compor a ordem maculada e infligir a pena correspondente ao infrator. O Direito Penal, nada obstante, só se legitima, só se justifica, quando as demais instâncias de controle social falham, em face do princípio da intervenção mínima, uma vez que o Direito Penal não deve ser visto como uma panacéia, a prima ratio, uma solução para todos os males.

Controle social, sabe-se, significa contenção de impulsos e tendências prejudiciais ao bem comum, sabido que o homem, com sua vocação natural para vida em comunidade, entra, inevitavelmente, em conflito com o semelhante.

Para GARCIA-PABLOS DE MOLINA o controle social é o conjunto de instituições, estratégias e sanções sociais, que pretendem promover e garantir o submetimento do indivíduo aos modelos e normas comunitários (RT, 2002, p.133).

Da Criminologia extrai-se que o controle dos crimes ocorre também pela integração da atuação social de dois tipos de controles antes referenciados: o informal e o formal.

O controle informal é o do dia-a-dia das pessoas dentro de suas famílias, escola, profissão, opinião pública etc. A imensa maioria da população não delinqüe, pois sucumbe, já no primeiro momento, às barreiras desse primeiro controle. O controle formal, antecipei algures, é chamado para compor o conflito, civilizadamente, quando falham as instâncias informais de controle.

A pessoa nasce em uma sociedade organizada, para, a partir daí, ser moldada, socializada pelo sistema informal. O controle informal, em geral, preconiza a inflição de uma pena moral. O desprezo social, muitas vezes, é o que basta. A rejeição pelos membros da comunidade, por exemplo, é, às vezes, sanção mais que suficiente para inibir a prática de um crime.

O controle formal, sublinhei acima, é exercido pelos diversos órgãos públicos que atuam na esfera criminal. Quando os membros de uma comunidade não respeitam as regras sociais e cometem uma infração criminal, passam a ser controlados por essas instâncias, bem mais agressivas e repressoras que as instâncias informais.

É cediço que essa repressão nem sempre se traduz na redução da criminalidade, mas deve, ainda assim, ser buscada – agora sim – como ultima ratio, para recompor a ordem aviltada.

As instâncias formais, pese a sua carga repressora, não têm o condão de demover as pessoas a não cometerem delitos. Apesar delas, os crimes se sucedem, a exigir dos responsáveis por essas instâncias – o Magistrado entre eles – denodo e sofreguidão no sentido de punir, exemplarmente, os infratores.

Diante dessa constatação pragmática, ou seja, de que as instâncias formais de controle não são suficientes para prevenir a prática de crimes, há que se fortalecer os chamados controles informais (ética, família, religião, etc), porquanto o sistema de controle formal acaba se sobrecarregado de uma missão que, em tese, deveria ser melhor compartilhada com o sistema informal.

A família é uma peça fundamental nesse intricado problema. Uma família desestruturada pode gerar adultos problemáticos para enfrentar a complexidade da convivência social, aproximando-os das drogas e do alcoolismo desenfreado, o que possibilita o aparecimento de oportunidades para a prática de delitos.

Posso afirmar, sintetizando, que, com a integração dos controles sociais, informal (prévio) e formal (posterior-estatal), com uma equilibrada divisão dessas missões, decorrerá uma importante contribuição para se reduzir os índices de criminalidade de forma mais eficiente.

03º Sumário. OUTRA TERGIVERSAÇÃO. ESCAPATÓRIA QUE FAÇO PARA, OUTRA VEZ, REFLETIR. O HOMEM EM SOCIEDADE. (ubi societas ibi jus). AS FORMAS ANTIGAS DE COMPOSIÇÃO DOS LITIGIOS. A VINGANÇA PRIVADA. A IMPOSIÇÃO DA LEI DOS MAIS FORTE.

É notório que não há, nos dias hoje, sociedade sem direito – ubi societas ibi jus. É consabido, também, que, vivendo em sociedade, o homem, vez por outra, entre em conflito com os seus parecentes.

A tarefa do direito é, exatamente, harmonizar as relações sociais intersubjetivas, como uma das formas mais eficazes e civilizadas do chamado controle social.

Nada obstante exista – nas sociedades civilizadas – o direito regulador das relações humanas (os ditos controles formais) , a verdade é que não é suficiente para evitar ou eliminar os conflitos que podem surgir das relações entre as pessoas – às vezes, em face da fragilidade do Estado, que não dispõe de meios, de peias, para evitar o conflito; outras vezes, em face da arrogância e prepotência de um ou dos contendores, que preferem impor a sua vontade, forma excepcional e démodé de composição de litígios.

A forma civilizada de composição dos conflitos sociais – falando os controles informais – é, e deve ser, sempre, pela intervenção do Estado-Juiz, chamado para dizer qual a vontade do ordenamento jurídico para o caso concreto; ao particular só se confere o direito à autotutela excepcionalmente.

Nas sociedades mais atrasadas, diante de um ato criminoso, a repressão se fazia pelo regime da vingança privada, pois que o Estado ainda não havia chamado para si o jus punitionis.

Não se pode tolerar, entrementes, no principio do século 21, que as pessoas, por não confiarem que o Estado possa intervir para satisfazer uma pretensão resistida, façam uso da força, forma primitiva e desusada de resolver os impasses que se avolumam em face da vida em sociedade. A solução dos conflitos por esse meio não civilizado, resulta, sempre, na preponderância do direito da força e não na força do direito, como é desejável.

A propósito, lanço mão, só para ilustrar, do excerto abaixo, da mais abalizada doutrina, verbis:

“Na autotutela, aquele que impõe ao adversário uma solução não cogita de apresentar ou pedir a declaração de existência ou inexistência do direito; satisfaz-se simplesmente pela força (ou seja, realiza a sua pretensa) (ANTONIO CARLOS et all, Teoria geral do Processo, 15ª edição, Malheiros Editores,22).

04º Sumário. MAIS UMA TERGIVERSAÇÃO. A VIDA EM SOCIEDADE. A INEVITABILIDADE DO CRIME. A NORMA PENAL( preceptum iuris). A IMPOSIÇÃO DE PENA (sanctio iuris) AOS TRANGRESSORES. O DIREITO DE PUNIR ( jus puniendi).

A vida em sociedade, dada a sua complexidade, exige, para discipliná-la, uma infinidade de regras indispensáveis para o bom convívio entre os homens,

O conjunto dessas regras, nominado DIREITO POSITIVO, é imposto a todos, indistintamente, prevendo as mesmas conseqüências e sanções aos que as violem.

Às normas jurídicas inseridas em nosso ordenamento jurídico com a previsão de sanção penal, estabelecendo os princípios gerais e os pressupostos para a aplicação das penas e das medidas de segurança, dá-se o nome de Direito Penal.

Da vida em sociedade, como consignado algures, resulta, inevitável, a prática de ilícitos, alguns mais graves, outros menos graves, alguns com conseqüências meramente civis e outros com conseqüências de tal ordem que reclamam a inflição de uma pena aos seus autores, pois que, algumas vezes, as sanções meramente civis são insuficientes para coibir a prática de ilícitos jurídicos graves.

O Estado, detentor do direito de punir (jus puniendi) não pode, no entanto, aplicar as sanções penais arbitrariamente, daí porque na legislação penal são definidos esses fatos graves, que passam a ser ilícitos penais (crimes e contravenções), estabelecendo as penas e as medidas de segurança aplicáveis aos infratores dessas normas.

Nessa linha de argumentação é o escólio de JULIO FABBRINE MIRABETE.

“Como já se observou, das necessidades humanas decorrentes da vida em sociedade surge o Direito, que visa garantir as condições indispensáveis à coexistência dos elementos que compõem o grupo social. O fato que contraria a norma de Direito, ofendendo ou pondo em perigo um bem alheio ou a própria existência da sociedade, é um ilícito jurídico, que pode ter conseqüências meramente civis ou possibilitar a aplicação de sanções penais” (Manual de Direito Penal, Vol. I, Atlas, pag.22).

O pranteado autor, mais adiante, conclui, verbis:

“Muitas vezes, porém, essas sanções civis se mostram insuficientes para coibir a prática de ilícitos jurídicos graves, que atingem não apenas interesses individuais, mas também bens jurídicos relevantes, em condutas profundamente lesivas à vida social. Arma-se o Estado, então, contra os respectivos autores desses fatos, cominando e aplicando sanções severas por meio de um conjunto de normas que constituem o Direito Penal” (ibidem).

05º Sumário. AINDA O JUS PUNIENDI. DIREITO DO ESTADO DE SELECIONAR AS CONDUTAS TIPICAS. PODER DO ESTADO QUE NÃO É ABSOLUTO. A DIGNIDADE DA PESSOA.

Anoto que o poder do Estado, na definição dos tipos penais, não é, no entanto, ilimitado. O Direito Penal brasileiro, com efeito, somente pode ser concebido à luz do perfil constitucional do ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, devendo, portanto, ser um direito penal democrático, que não pode abstrair, na sua concepção, o princípio da dignidade humana, sob pena de a incriminação apresentar-se substancialmente inconstitucional.

A dignidade humana deve ser o norte a partir do qual devem ser estabelecidos, devem ser selecionados os tipos penais pelo legislador, daí decorrendo que o legislador, no momento de escolher os interesses que merecerão a tutela penal, bem assim o operador do direito, quando é instado a promover a adequação típica, devem, necessariamente, sob pena de afrontarem a Constituição, verificar, previamente, se o conteúdo material daquela conduta atenta contra a dignidade humana. Se do exercício desse controle técnico assomar manifesta afronta à dignidade da pessoa e, de conseqüência, à inconstitucionalidade substancial da norma penal, deve o operador do direito abster-se de aplicá-la.

Nos autos sub examine o MINISTÉRIO PÚBLICO dirigiu os seus tentáculos contra os acusados M. A. M. L. e V. C. F., porque eles, com sua ação (dinamismo volitivo), teriam assassinado J. A. B., ação contra a qual o Estado se armou ao fazer inserir no Direito Penal brasileiro o tipo penal o artigo 121 do Código Repressor, cominando sanções severas, no exercício de sua função de selecionar os comportamentos humanos graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para convivência social, sem olvidar-se de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação.

06º Sumário. A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL. A SELEÇÃO DO COMPORTAMENTO HUMANO GRAVE E PERNICIOSO PARA A VIDA EM SOCIEDADE. O PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE. O CRIME DE HOMICÍDIO.

O Direito Penal, sabe-se, é o segmento do ordenamento jurídico que tem por função selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à sociedade, capazes de colocarem em risco valores fundamentais para convivência social.

Selecionados os comportamentos humanos em face de sua gravidade, o Direito Penal os descreve como infrações penais, cominando-lhes, de conseqüência, as respectivas sanções.

Sublinhe-se que não é qualquer conduta, não é qualquer situação que deve ser incriminada senão aquela que se mostra necessária, idônea e adequada ao fim que se destina, ou seja, à concreta e real proteção do bem jurídico.

LUIS FLÁVIO GOMES, a propósito, preleciona que “o princípio do fato não permite que o direito penal se ocupe das intenções e pensamentos das pessoas, do seu modo de viver ou de pensar, das suas atitudes internas…”(Princípio da Ofensividade no Direito Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p.41).

A atuação repressiva-penal pressupõe que haja efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, sabido que não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico.
Pondera FERNANDO CAPEZ, a propósito, que “o princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos os chamados “delitos de perigo abstrato”, pois, segundo ele, “não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico. Não se confunde com princípio da exclusiva proteção do bem jurídico, segundo o qual o direito não pode defender valores meramente morais, éticos ou religiosos, mas tão-somente os bens fundamentais para a convivência e o desenvolvimento social. Na ofensividade, somente se considera a existência de uma infração penal quando houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. No primeiro, a uma limitação quanto aos interesses que podem ser tutelados pelo Direito penal; no segundo, só se considera existente o delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto”(Curso de Direito penal, Parte Geral, Editora Saraiva, vol. 01, p.25).

Na precisa lição de LUIZ FLÁVIO GOMES, “a função principal do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos é a de delimitar uma forma de direito penal, o direito penal do bem jurídico, daí que não seja tarefa sua proteger a ética, a moral, os costumes, uma ideologia, uma determinada religião, estratégias sociais, valores culturais como tais, programas de governo, a norma penal em si etc. O direito penal, em outras palavras, pode e deve ser conceituado como um conjunto normativo destinado à tutela de bens jurídicos, isto é, de relações sociais conflitivas valoradas positivamente na sociedade democrática. O princípio da ofensividade, por sua vez, nada diz diretamente sobre a missão ou forma do direito penal, senão que expressa uma forma de compreender ou de conceber o delito: o delito como ofensa a um bem jurídico” (Princípio da Ofensividade, ob.cit. p. 43.).

RENÉ ARIEL DOTTI ensina, nessa linha de argumentação, que “a missão o direito penal consiste na proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à comunidade. Incumbi-lhe, através de um conjunto de normas (incriminatórias, sancionatórias e de outra natureza), definir e punir as condutas ofensivas à vida, à liberdade, à segurança, ao patrimônio e outros bens declarados e protegidos pela Constituição e demais leis”(Curso de Direito penal, Parte Geral, 2ª Edição, Editora Forense, p.3).

Resulta de tudo que foi expendido acima que o legislador “deve se abster de formular descrições incapazes de lesar, ou pelo menos, colocar em real perigo o interesse tutelado pela norma. Caso isto ocorra, o tipo deverá ser excluído do ordenamento jurídico por incompatibilidade vertical com o Texto Constitucional” (FERNANDO CAPEZ, ob. cit. p. 26).

Impõe consignar-se, forte, ainda, na lição de FERNANDO CAPEZ, que “toda norma em cujo teor não se vislumbrar um bem jurídico claramente definido e dotado de um mínimo de relevância social, será considerada nula e materialmente inconstitucional” (ob.cit. p. 26).

Alicerçado nessas e noutras premissas de igual relevância foi que o legislador ordinário fez inserir em nosso ordenamento jurídico o crime de homicídio, cuja norma protege o bem jurídico de maior relevância, ou seja, a vida.

07º Sumário. A CONDUTA DO HOMEM E O DIREITO PENAL. A VOLUNTARIEDADE. A CONDUTA QUE IMPULSINA O HOMEM À PRÁTICA DE UM ATO ILÍCITO.

O Ilícito penal (crime ou contravenção) é fruto exclusivo da vontade humana. O Digesto Penal declara que a causa produtora do resultado (de que depende a existência do crime) é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido (artigo 13, do CP).

Somente a pessoa física – que o Código Civil chama de pessoa natural – pode ser sujeito ativo da infração penal.

Bem por isso é que “o poder de decisão entre o fazer e o não fazer alguma coisa, que constitui a base psicológica e racional da conduta lícita ou ilícita,é um atributo inerente às pessoas naturais” (RENE ARIEL DOTTI, Curso de Direito penal, Parte Geral, Editora Forense, pag. 302).

A conduta implica vontade, desejo. A conduta, para interessar ao direito penal, tem que ser voluntária, voltada para uma finalidade, porque é inconcebível que haja vontade de nada ou vontade para nada.
Faz mister, por isso, aferir, em face do contexto de prova, qual a vontade, qual o desejo que impulsionou o autor do fato para a realização do tipo penal e se essa vontade foi, ou não viciada, pois que uma vontade sem conteúdo não é vontade. É “impossível a conduta sem vontade, e a vontade sem finalidade”, daí resulta, por conseqüência, “que a conduta requer sempre uma finalidade” (EUGENIO RAÚL ZAFARONI E JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI, Manual de Direito penal Brasileiro, Parte Geral, 2ª Edição, Editora revista dos Tribunais, Pag. 414).

08º Sumário. A CONDUTA DELITUOSA DOS ACUSADOS. A INEXISTÊNCIA DE DELITO SEM CONDUTA. O NULLUM CRIMEN SINE CONDUCTA. O HOMICÍDIO. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI, DE INSPIRAÇÃO CONSTITUCIONAL.

Aos acusados M. L., vulgo “Macalé “ e V C. F., o MINISTÉRIO PÚBLICO aponta a autoria do crime de homicídio duplamente qualificado É dizer, com sua conduta, os acusados teriam enfrentado o comando normativo esculpido no artigo 121 , §2º, II, c/c com o artigo 29, ambos do Digesto Penal (nulla poena sine lege scripta)

O direito, disse-o acima, pretende regular a conduta humana, pois o delito não pode ser delito, se não resultar de uma conduta do homem, como acima antecipei.
O princípio nullum crimen sine conducta é uma garantia elementar, garantia que não pode ser postergada num sistema garantista, sob qualquer fundamento, pois que, se fosse eliminada, “o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de ser, as características pessoais etc.” (EUGENIO RAÚL ZAFARONI E JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI, ob.cit., p. 409).

Um direito penal que reconheça um mínimo de respeito à dignidade humana “não pode deixar de reafirmar que a base do delito – como iniludível caráter genérico – é a conduta, identificada em sua estrutura onto-ontológica. Se esta estrutura é desconhecida, corre-se o risco de salvar a forma mas evitar o conteúdo, porque no lugar de uma conduta humana se colocará outra coisa.”(EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e JOSÉ HENRIQUE PIERRANGELI, , ob. cit. p. 409).

O crime em comento, doloso contra a vida, é de competência, por destinação constitucional, do TRIBUNAL DO JÚRI POPULAR. O judicium accusationis, por isso, tem por objeto a admissibilidade da ação perante o TRIBUNAL DO JÚRI (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”), presentes os pressupostos legais.

09º Sumário. O DOLO. A CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE. A CONSCIENCIA DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE AÇÃO E RESULTADO. OS ELEMENTOS DO DOLO. OS ELEMENTOS COGNITIVO E VOLITIVO.

Os crimes dolosos contra a vida, sabe-se, são da competência, de jure constitute, do TRIBUNAL DO JÚRI (artigo 74, §1º, do Digesto de Processo Penal) por força de mandamento constitucional (artigo 5º, XXXVIII, da CF).
Dolo, não custa lembrar, é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal, ou, na expressão de Welzel “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito”(WELZEL, Derecho Penal Alemám, 3 ed, Castellana, Santiago, ed. jurídica de Chile, 1987, p. 227, apud CÉSAR ROBERTO BITTENCOURT, MANUAL DE DIREITO PENAL, Vol.I, Saraiva, p.205).

BASILEU GARCIA, a propósito do tem em comento, prelecionada que “O dolo vem a ser a vontade, que tem o agente, de praticar um ato, previsto como crime, consciente da relação de causalidade entre a ação e o resultado.” (Instituições de Direito penal, São Paulo, Max Limonad, 1982, V.I, p. 277)

Dolo, para CARRARA, seu mais ilustre defensor, “consiste na intenção mais ou menos perfeita de fazer um ato que se conhece contrário à lei” (FRANCESCO CARRARA, Programa de Derecho Criminal, Bogotá, Temis, 1971, v. 1, §69, p.73 , apud CÉSAR ROBERTO BITTENCOURT. ob. cit. p. 205).

A mais conspícua e abalizada doutrina aponta como integrantes do dolo o a) elemento cognitivo, que é o conhecimento do fato constitutivo da ação típica; e b) elemento volitivo, que é a vontade de realizá-la. O primeiro elemento, o conhecimento, é pressuposto do segundo, a vontade, que não pode existir sem aquele.

Para a configuração do dolo exige-se a consciência daquilo que se pretende praticar (elemento cognitivo). Essa consciência deve ser atual, isto é, deve estar presente no momento da ação, quando ela está sendo realizada. A vontade (elemento volitivo), incondicionada, deve abranger a ação ou omissão (conduta), o resultado e o nexo causal. A vontade pressupõe a previsão, na medida em que é impossível querer algo inconscientemente senão aquilo que se previu ou representou a nossa mente – pelo menos, parcialmente.

A vontade de realização do tipo objetivo pressupõe a possibilidade de influir no curso causal, pois tudo que estiver fora da possibilidade de influência concreta do agente pode ser desejado e esperado, mas não significa querer realizá-la. Somente pode ser objeto da norma jurídica algo que o agente possa realizar ou omitir.

À luz do exposto, não se pode negar, ainda que o exame se faça perfunctório, que os autos sub studio albergam, sim, crime doloso contra a vida, com o que se reafirma a competência do TRIBUNAL DO JÚRI POPULAR, ex vi legis (artigo 74, §1º, do Digesto de Processo Penal).

10º Sumário. OS CRIMES DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO. PRESSUPOSTOS. PROVA DA EXISTÊNCIA DO CRIME E OS INDÍCIOS DE AUTORIA. O IN DUBIO PRO SOCIETTATE.

Cuidando a matéria albergada nos autos de crime de competência do TRIBUNAL DO JÚRI, devo grafar que, de lege lata, para admissibilidade da acusação, bastam que dos autos despontem os indícios de autoria e a prova da existência do crime (artigo 408, do Digesto de Processo Penal)

Assim sendo, não se estando a cuidar de uma decisão de preceito condenatório, eventuais dúvidas serão dirimidas em favor da sociedade, em homenagem à parêmia in dúbio pro societtate, que norteia o julgamento dos crimes de competência do TRIBUNAL DO JÚRI.

Curial compreender, no mesmo passo, que aqui não tem aplicação o princípio do in dubio pro reo, razão pela qual eventual excludente de ilicitude só deverá ser reconhecida se estiver demonstrada, cabal e inelutavelmente, pena de ser a quaestio remetida ao TRIBUNAL DO JÚRI, competente, ex vi legis, em razão da matéria.

11º Sumário. AS POSSIBILIDADES DIANTE DAS PROVAS. A PRONÚNCIA. A IMPRONÚNCIA. A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E A DESCLASSIFICAÇÃO.

Cuidando-se de crime doloso contra a vida, alfim e ao cabo da instrução, o juiz singular poderá a) pronunciar o acusado, se estiver convencido da existência do crime e dos indícios de que tenha sido o seu autor; b) impronunciará o acusado, se não se convencer da existência do crime e dos indícios de autoria; c) desclassificará a imputação inicial, se se convencer, em discordância com a denúncia, da existência de crime diverso dos dolosos contra a vida; e d) absolverá o acusado sumariamente, se se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena.

Com vistas dos autos, o juiz poderá pronunciar os réus, nos termos do artigo 408 do Digesto de Processo Penal, que dispõe, verbis:

Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronuncia-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.

A pronúncia, é cediço, é a decisão interlocutória mediante a qual o magistrado declara a viabilidade da acusação por se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor.
A sentença de pronúncia, como decisão sobre a admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado de suspeita, não o juízo de certeza que se exige para a condenação, daí a incompatibilidade do provérbio in dúbio pro reo com ela.

Se o juiz, de posse dos autos, se convence que o crime não é da competência do TRIBUNAL DO JURI, poderá desclassificar a imputação, nos termos do artigo 410 do Digesto de Processo Penal, que estabelece, verbis:

Art. 410. Quando o juiz se convencer, em discordância com a denúncia ou queixa, da existência de crime diverso dos referidos no artigo 74, § 1º, e não for o competente para julgá-lo, remeterá o processo ao juiz que o seja. Em qualquer caso, será reaberto ao acusado prazo para defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se, depois de encerrada a inquirição, de acordo com os artigos 499 e segs. Não se admitirá, entretanto, que sejam arroladas testemunhas já anteriormente ouvidas.

Segundo o artigo 409, caput, do mesmo diploma legal, “Se não se convencer da existência do crime ou de indício suficiente de que seja o réu o seu autor, o juiz julgará improcedente a denúncia ou a queixa”

A impronúncia, é da sabença de todos, é um julgamento de inadmissibilidade de encaminhamento da imputação para o julgamento perante o TRIBUNAL DO JÚRI porque o juiz não se convenceu da existência da prova da materialidade do crime ou de indícios da autoria, ou de nenhum dos dois.

O juiz pode, também, verificando que dos autos que há prova da existência do fato e da autoria, absolver o acusado sumariamente se estiver convencido de que agiu ao abrigo de uma causa excludente da antijuridicidade ou da culpabilidade, nos termos do artigo 411 do CPP, que estabelece, litteris:

Art. 411. O juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu (artigos 17, 18, 19, 22, e 24, § 1º, do Código Penal), recorrendo, de ofício, da sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação.

Norteado por esses comandos legais, devo decidir, depois de criteriosa análise das provas consubstanciada nos autos.

12º Sumário. AINDA A COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. COMEDIMENTO NA ANÁLISE DAS PROVAS. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA ORIGINAL. PONDERAÇÃO E EQUILIBRIO NA ANÁLISE DO QUADRO DE PROVAS.

Albergando os em sub examine de crime de competência do TRIBUNAL DO JÚRI, a linguagem a ser utilizada será a mais comedida, de moldes a não usurpar a sua competência, pena de infiltra-ser a decisão de nulidade.
Conquanto o exposto, o exame da prova não será superficial, a ponto de contaminá-la, à míngua de fundamentação, sabido que a fundamentação das decisões judiciais é uma garantia constitucional, que não pode ser postergada.
Curial ressaltar, assim, que a sobriedade da linguagem a ser utilizada não deve ser confundida com falta de fundamentação, isto porque, a considerar a linha de decisões dos nossos Pretórios, “descabe irrogar a pecha de desfundamentada a sentença de pronúncia que, em linguagem sóbria e adequada à fase do judicium accusationis, cumpre as diretrizes do art. 408 do CPP e guarda relação com a denúncia, de modo a permitir a plena atuação da acusação e da defesa. Ordem denegada.” (STJ – HC 21428 – SC – 5ª T. – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca – DJU 28.06.2004 – p. 00353).

13º Sumário. OS LIMITES DA DECISÃO EM COMENTO. O EXAME DA PROVA COLACIONADA. CAUTELA PARA NÃO USURPAR COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

Forte nas premissas que norteiam o julgamento sob retina, há de convir-se que, na eventualidade de o julgador ultrapassar o limite estabelecido para o exame da prova colacionada, emitindo sobre ela juízo de valor acerca da culpabilidade do acusado, usurpará a competência do TRIBUNAL DO JÚRI, contaminando a decisão de nulidade absoluta.

Os Tribunais, à farta, têm decidido no mesmo diapasão, como entrevejo das decisões a seguir transcritas, verbis:

PROCESSUAL PENAL – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – EXISTÊNCIA DO DELITO E INDÍCIOS DA AUTORIA – PRISÃO PREVENTIVA – MOMENTO – JUNTADA DE DOCUMENTOS – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA –

1. Na sentença que pronuncia o réu, a análise da autoridade judiciária fica adstrita, tão-somente, à materialidade do crime e a presença dos elementos probatórios que apontem para a provável autoria, sob pena de usurpar a competência do Júri Popular.

2. Hipótese em que o juízo a quo vislumbrou a existência do delito, bem como a participação do recorrente na sua concretização, tendo acolhido, inclusive, as qualificadoras sustentadas pela acusação.

3. A teor do art. 311, CPP, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito, ou da instrução criminal, desde que configurados os requisitos do art. 312, CPP. Precedente do STF.

4. A juntada de documento, tido como desconhecido pelo réu, que prejuízo nenhum trouxe à defesa e que não teve qualquer relevância na fundamentação do decisum impugnado, não tem o condão de macular a sentença de pronúncia. 5. Recurso improvido. (TRF 5ª R. – RCCR 617 – (2002.83.00.012442-1) – PE – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel – DJU 06.04.2004 – p. 541) JCPP.311 JCPP.312

No mesmo sentido:

HOMICÍDIO – PRONÚNCIA – PROVAS – INDÍCIOS – Para a pronúncia, mero juízo de admissibilidade da imputação feita na denúncia, que não pressupõe prova segura da autoria, basta que o juiz se convença da existência do crime e de indícios de ser o acusado o autor (CPP, art. 408). Recurso não provido. (TJDF – RSE 20010810000725 – DF – 1ª T.Crim. – Rel. Des. Jair Soares – DJU 10.03.2004 – p. 69) JCPP.408

À luz do exposto, traçadas as diretrizes que devem nortear esta decisão, passo ao exame da prova colacionada, aqui consideradas as produzidas nas duas fases da persecutio criminis.

14º Sumário. O FATO CRIMINOSO. AUTORIDADE POLICIAL. PERSECUTIO CRIMINIS, PRIMEIRA FASE. INFORMATIO DELICTI. ÁREA PERIFÉRICA DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. DADOS MARCADAMENTE ADMINISTRATIVOS. MOBILIZAÇÃO DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO.

Ante a notícia da ocorrência do crime e com o surgimento da pretensão punitiva do Estado, a autoridade policial deu início a persecutio criminis, objetivando colher dados acerca do crime e de sua autoria ( informatio deliciti) e municiar o MINISTÉRIO PÚBLICO (opinio delicti) de dados para deflagração da persecutio criminis in judicio ( direito subjetivo público).

Como de praxe no direito pátrio, em dois momentos distintos produziram-se dados probatórios, em face dos crimes de homicídio que vitimara JERCLEYSON ALMEIDA BASTOS.

O procedimento administrativo teve início mediante portaria(fls.09).

Na fase pré-processual foram produzidas provas testemunhais, cujos depoimentos passo a analisar a seguir.
CARLOS CÉSAR BARROSO FILHO, vulgo “Mãozinha”, disse que M. A. M. L., vulgo “Macalé”, e seu irmão ‘Guru’, estavam armados de faca e, provavelmente, um dos dois atingiu a vítima(fls. 14/15).

SAMUEL LIMA DE SOUSA, também inquirido em sede policial, disse ter visto o acusado M. A. M. L., vulgo “Macalé”, desferindo três golpes de faca na vitima(fls.16).

O acusado V. C. F., ouvido em sede administrativa, disse, dentre outras coisas, que “recorda-se com clareza que ANTONIO JOSÉ LOBÃO (GURU) e MARCOS ANTONIO MORAES LOBÃO(MACALÉ) portava cada um, uma faca quando correram atrás da vítima JERCLEYSON ALMEIDA BASTOS.” (fls.42/43)(Sic).

O acusado M. A. M. L., de seu lado, negou qualquer participação no crime, aduzindo que viu C. C. B. F., vulgo “Mãozinha”, desferindo uma facada na vítima(fls.53).

GERALDO COSTA DE SOUSA, que disse, às fls. 17, ter visto o acusado M. A. M. L. desferindo facadas na vítima JERCLEYSON ALMEIDA BASTOS, sendo que, quando foi acareado com o acusado acima nominado, reafirmou o que dissera antes (fls.57/58).

Na acareação realizada às fls. 59/60, a testemunha SAMUEL LIMA DE SOUSA disse que viu quando M. A. M. L., de posse de uma faca, puxou a vítima pela camisa e desferiu três golpes contra a mesma, o que, evidentemente, foi negado pelo acusado.

A testemunha AYLTON CARLOS BARROS, de seu lado, também acareado com o acusado M. A. M. L., disse tê-lo visto correndo atrás da vítima, não sabendo, entretanto, se estava armado(fls.61/62).

C. C. B. F., reinquirido, disse ter visto perfeitamente M. A. M. L., de posse de um punhal, correndo atrás da vítima, para, depois, retornar de posse da arma suja de sangue, tendo entregado a mesma a Jaila, para guardar (fls.64/66).

Acareada a testemunha CARLOS CESAR BARROSO FILHO, vulgo “Mãozinha”, com o acusado M. A. M. L., vulgo “Macalé”, por aquela foi reafirmado ter visto o primeiro acusado furando a vítima(fls.67/68).

O acusado M. A. M. L., reinquirido, confessou ter dado uma facada na vítima, para, depois, no mesmo depoimento, dizer que o acusado V. C. F. continuou a agredir a vítima junto com dois rapazes desconhecidos, tendo presenciado quando o acusado V. C. F. sacou de uma faca que portava e também desferiu facada na vítima, não sabendo precisar se uma ou duas (fls.88/89).

O acusado V. C. F., ouvido em sede policial, negou a autoria do crime, mas admitiu que, no dia do crime, envolveu-se numa confusão integrada pela vítima JERCLEYSON ALMEIDA BASTOS, SAMUEL LIMA DE SOUSA e MARCOS ANTONIO MORAIS LOBÃO, da qual resultou a morte da vítima(fls.91/92).

O acusado V. C. F., pese negasse a autoria do crime, admitiu portar uma faca pequena de serra cabo branco, faca que lhe foi fornecida por HUDSON, mas que não a utilizou para lesionar a vítima(ibidem).

Com os dados acima – e outros tantos que deixei de mencionar – encerrou-se a fase administrativa, donde entrevejo a certeza de que ambos os acusados participaram da confusão que resultou na morte da vítima. Vejo das mesmas provas, ademais, fortíssimos indícios de que ambos os acusados concorreram para o resultado morte.

Cediço que, cuidando-se, até aqui, de provas extrajudiciais, não de pode falar, validamente, em admissibilidade da acusação só com esteio nelas, pois que a prova pré-processual, embora relevante, não serve, isoladamente, solitária, para os fins colimados na pretensão punitiva do Estado.

Faz-se necessário, por isso, prosseguir na análise das provas produzidas, devendo, agora, ser objeto de exame a prova judicial, esta, sim, a prova por excelência, pois que bafejada pela ampla defesa e pelo contraditório, corolários do devido processo legal (due process of law).

15º Sumário. A PERSECUTIO CRIMINIS IN JUDICIO. AÇÃO PENAL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE E DA OBRIGATORIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. DOMINUS LITIS.

Tendo às mãos o caderno inquisitório, o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, órgão oficial do Estado, titular da ação penal pública, deflagrou a persecutio criminis in judicio – afinal, ne procedat iudex ex offico e nulla poena sine judicio– imputando aos acusados M. A. M. L. e V. C. F. o malferimento do artigo 121, §2º, II , c/c o artigo 29, ambos do Digesto Penal.

Com a deflagração da persecução criminal (jus persequendi) o MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso de suas prerrogativas e atribuições legais, formalizou a pretensão punitiva do Estado, com o que possibilitou aos acusados o exercício da ampla defesa, nos moldes preconizados na LEX FUNDAMENTALIS (artigo 5º LV).

Com a proposta ministerial ofertada ao ESTADO-JUIZ, buscou o ESTADO-ADMINISTRAÇÃO, por intermédio do seu órgão oficial (artigo 129, I, da CF), o MINISTÉRIO PÚBLICO, dominus litis, submeter o autor do fato típico a julgamento perante seus pares, pois que, sabe-se, nec delicti manet impunita.

16º Sumário. A FASE JUDICIAL DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. O DEVIDO PROCESSO LEGAL. A AMPLA DEFESA E O CONTRADITORIO, GARANTIAS CONSTITUCIONAIS IMPOSTERGÁVEIS.

Com os dados amealhados na fase extrajudicial, teve início a segunda fase da persecutio criminis.

O processo sub examine seguiu seu curso normal, tal como preconizado na legislação de ritos, naquilo em que se compatibiliza com a ordem constitucional decorrente da CARTA POLITICA vigente.

Albergando os autos matéria de competência do TRIBUNAL DO JÚRI, juiz natural para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, XXXVIII, da CF), o feito chega, à agora, à fase na qual dever-se-á decidir acerca da admissibilidade, ou não, da acusação, nos moldes preconizados nos artigos 408 e seguintes do CPP.

Na construção da instrução probatória, eminentemente judicializada, nenhuma franquia constitucional dos acusados deixou de ser respeitada ou foi postergada, assegurados, por isso, a ampla defesa e o contraditório, corolários do due process of law.

O contraditório e ampla defesa, constituíram-se, ao longo da persecução criminal, a base sólida sobre a qual se desenvolveu todo o processo, visando a proteção dos acusados diante do aparato persecutório, realizando-se um processo justo e eqüitativo, único caminho aceitável para imposição de sanção de natureza penal.

17º Sumário. AS PROVAS PRODUZIDAS EM SEDE JUDICIAL. O INTERROGATÓRIO DOS ACUSADOS. O EXERCÍCIO DO DIREITO AO SILÊNCIO. O DIREITO DE NÃO SE INCRIMINAR (nemo tenetur se detegere). A NOVA ORDEM LEGAL. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 5º, LXIII, DA LEX MATER. A PALAVRA DO CO-REU.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988, consagra o direito do acusado de não cooperar na própria incriminação, nos seguintes termos, verbis:

“o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado a assistência da família e de advogado” (artigo 5, LXIII).

Dois instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos complementam a LEX FUNDAMENTALIS. Com dicção um pouco diversa encontra-se o reconhecimento desse direito no PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, de 1966. Com o mesmo teor, há disposição embrechada na CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica).

Sublinho que, no trato dos direitos fundamentais da pessoa humana, o PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS adquire especial relevância, e, no caso de dúvidas, “deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais” (J.J.G.CANOTILHO, Direito Penal, 6ª Edição, Coimbra, Almedina, 1993, p. 227)

THEODOMIRO DIAS NETO, analisando o tratamento da matéria pelo Direito Alemão – matéria omissa na CARTA POLÍTICA daquele país, observa que “o direito ao silêncio é expressão da proibição contra a auto-incriminação, constitui direito de personalidade, que por possuir a dignidade humana como seu núcleo, não está à disposição do legislador” (THEODOMIRO DIAS NETO, in O Direito ao Silencia: Tratamento nos Direitos Alemão e Americano, Revista Brasileira de Ciências Criminais 19/86, de 1997).

Decorrência da nova ordem constitucional, o legislador ordinário modificou o Código de Ritos, dando ao artigo 186, parágrafo único, a seguinte redação:

“Art. 186. omissis.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (NR) (Redação dada ao artigo pela Lei nº 10.792, de 01.12.2003, DOU 02.12.2003).

Resulta do exposto que, integrada a norma inscrita no artigo 5º, LXIII, da LEX MAGNA, com a nova disciplina legal do interrogatório encartada no Digesto de Processo Penal, pode-se afirmar que em nosso ordenamento jurídico está inserido o Direito Humano de não cooperar na própria incriminação, daí decorrendo que, no confronto entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade da pessoa humana, o processo penal deve servir como instrumento de proteção deste último.

Sob os auspícios dessa nova ordem constitucional e deflagrada a persecução criminal, em seu momento judicial, o acusado MARCOS ANTONIO MORAIS LOBÃO, a diferente do que fizera em sede extrajudicial, negou a autoria do crime (fls.147/149).

Ao tempo que negou a autoria, o acusado M. A. M. L. disse ter visto o acusado V.. C. F. e mais dois desconhecidos agredindo a vítima(ibidem).

V. C. F., sob as mesmas franquias, negou a autoria do crime, tendo informado que, depois do entrevero por causa de um boné, permaneceu caído no chão, porque se encontrava bêbado, mas que a vítima saiu do local correndo, tendo sido seguida pelo acusado M. A. M. L., por “Guru”, alcunha de ANTONIO JOSÉ LOBÃO DOS SANTOS, e “Mãozinhza”, alcunha de CARLOS CÉSAR BARROSO FILHO(fls. 150/152).

Acrescentou VALDENIR CAMPOS FERREIRA que, no mesmo dia, foi informado que M. A. M. L., “Guru” e “Mãozinha” tinham lesionado a vítima(ibidem).

A testemunha GERALDO COSTA DOS SANTOS, pese tenha visto os acusados correndo atrás da vítima, atribuiu a autoria do crime apenas ao acusado M. A. M. L. (fls.174/175).

Acerca da participação de V. C. F., GERALDO COSTA DOS SANTOS acrescentou, de relevo, apenas que, ao tempo em que o acusado M. A. M. L. lesionava a vítima, V. C. F. estava próximo, cerca de meio metro de distância(ibidem).

A testemunha AYLTON CARLOS BARROS, de seu lado, também inocenta o acusado V. C. F., ao tempo em que afirma ter visto o acusado M. A. M. L. correndo atrás da vítima(ibidem).

A testemunha CARLOS CÉSAR BARROSO, a seu tempo e modo, disse ter visto M. A. M. L. e V. C. F. correndo atrás da vítima e de Samunel(fls.177).

Aduziu a testemunha CARLOS CÉSAR BARROSO que, depois, viu o acusado M. A. M. L. retornando, sozinho, com um instrumento na mão, parecendo um punhal(ibidem).

Mais adiante a testemunha CARLOS CÉSAR BARROSO disse que, pese tenha visto o acusado V. C. F. correndo atrás da vítima, não o viu lesionando-a(ibidem).

HEVAL CAMILO LIMA DA SILVA, de seu turno, disse ter ouvido comentários de que o acusado M. A. M. L. assassinou a vítima e que não ouviu nenhum comentário de que o segundo denunciado, V. C. F., tivesse tido qualquer participação (fls. 178).

A testemunha SAMUEL LIMA DE SOUSA, também aponta o acusado M. A. M. L. como autor do crime, o qual teria segurado a vítima pela nuca, desferindo contra a mesma três facadas, sendo duas no abdômen e uma próxima ao queixo(fls.282).

Devo, a seguir, expender as minhas conclusões acerca dos depoimentos analisados nas duas sedes, sem, entretanto, emitir juízo de valor, para não ultrajar a decisão sob retina.

18º Sumário. OS INDÍCIOS DE AUTORIA QUE DESPONTAM DA ANÁLISE DAS PROVAS. OS INDÍCIOS VEEMENTES DE QUE OS DOIS ACUSADOS TENHAM CONCORRIDO PARA O RESULTADO MORTE, DADOS QUE AUTORIZAM A ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO. A PRONÚNCIA DO ACUSADOS. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 408 DO CPP.

Viu-se da análise das provas consolidadas nos autos, em seus dois momentos, que há, sim, indícios de que os acusados foram, efetivamente, os autores do crime narrado na denúncia, do que resulta que a admissibilidade da acusação, para que sejam submetidos a julgamento perante o TRIBUNAL DO JÚRI, não se traduzirá em nenhum desvario, em uma sandice, um despautério.

A prova testemunhal, aqui considerados, repito, os dois momentos do persecutio criminis, pelo que contém de informação acerca da autoria do crime, é que o basta, a meu juízo, para a admissibilidade da acusação, mesmo porque o crime foi praticado às claras, às escâncaras, à vista de todos, sem receio,sem cautela, decisivamente.

Sobreleva gizar, apenas para ser fiel às provas, que elas parecem muitos mais robustas, muito mais contundentes, em relação ao acusado M. A. M. L., do que em relação ao acusado V. C. F., cuja autoria foi apontada, solitariamente, por aquele.

De se anotar, ademais, que pese a acusação(rectius: delação) solitária em relação ao acusado V. C. F., há dados significativos de seu envolvimento com o entrevero de que resultou na morte da vítima e que, de mais a mais, estava muito próximo dos acontecimentos que culminaram com o desenlace fatal, a autorizar, por isso, também em relação a ele, a admissibilidade da acusação.

É ressabido, não é demais repetir, que, nos crimes de competência do TRIBUNAL DO JÚRI, para a admissibilidade da acusação, não se faz necessário a prova incontroversa da autoria e da materialidade do crime, bastando que dos autos assomem indícios suficientes da existência de ambos.

In casu sub studio, entendo que provadas estão tanto a existência dos crimes, em face da prova material acostada, quanto a autoria, esta em razão dos depoimentos colacionados nos autos, em sedes administrativa e judicial.

De lege lata, sabe-se e reafirmo, para admissibilidade da acusação, decisão interlocutória, de encerramento da primeira fase do rito dos crimes dolosos contra a vida, exige-se a presença de dois requisitos, quais sejam, o da existência do crime e dos indícios de autoria, os quais, reitero, estão presentes no caso sob análise.

A absolvição pretendida pela defesa dos acusados é inviável tendo em vista que aqui se está a cuidar de crime de competência do TRIBUNAL DO JÚRI, a quem compete o exame do mérito, resultando daí que ao signatário, de jure constitute, falece competência para assim decidir.

Devo anotar, ademais, ainda acerca da tese da defesa, que é um despautério falar-se em absolvição por insuficiência de provas; quando muito, poder-se-ia falar em ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA, decisão que está no âmbito da competência do juiz singular, em face do que estabelece o artigo 411 do Digesto de Processo Penal.

Conquanto não nos faleça competência para a decisão ABSOLUTÓRIA, em face do que prescreve o artigo 411 acima mencionado, esta só se dá, é da sabença comum, se do conjunto probatório assome, induvidosamente, inquestionavelmente, extreme de dúvida, alguma excludente de ilicitude, o que, efetivamente, inocorreu em o caso sub examine.

A impronúncia, numa outra vertente, só pode florescer, não custa lembrar, se o juiz não estiver convencido da existência do crime e dos indícios de autoria, segundo comando legal esculpido no artigo 409 do Codex de Processo Penal.

No caso sob retina, como dito algures, há veementes indícios acerca da atuação reprochável dos acusados, em face dos depoimentos de várias das testemunhas de visu e, em também, em face dos depoimentos dos próprios acusados.

Convencido, pois, da existência do crime e dos indícios de autoria, passo, a seguir, a análise da qualificadora apontada na incoativa e nas alegações finais do MINISTÉRIO PÚBLICO.

19º Sumário. A QUALIFICADORA APONTADA NA EXORDIAL. MANUTENÇÃO, DADOS PROBATÓRIOS QUE NÃO A REPELEM. MANUTENÇÃO. CRIME DE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

De tudo que restou apurado, entendo que a qualificadora apontada na denúncia deve ser mantida, porque as provas não a repele. Ela, a qualificadora, se não se apresenta extreme de dúvidas, também não foi ultrajada pelas provas amealhadas, daí a necessidade de que seja mantida nesta decisão, para que o TRIBUNAL DO JÚRI sobre elas se manifesta.

À guisa de argumento, sublinho que o magistrado só está compelido a afastar eventuais qualificadoras, quando de todo improcedentes, quando as provas dos autos as repele decisivamente, o que, seguramente, não se verifica no caso em comento. Mínima que seja a dúvida, deve se mantida, para que não seja subtraído o seu julgamento pelo TRIBUNAL DO JÚRI.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA abona o argumento:

Processo REsp 736321 / MT ; RECURSO ESPECIAL
2005/0036997-8 Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 23/08/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 26.09.2005 p. 453 Ementa PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 121, § 2º, I E IV DO CP. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE.

I – As qualificadoras somente podem ser excluídas na fase do iudicium accusationis, se manifestamente improcedentes.(Precedentes).

II – omissis.

III – Recurso desprovido.

É curial que o afastamento de qualificadora manifestamente improcedente, não conspurca a competência do TRIBUNAL DO JÚRI. Não é o que ocorre, entrementes, no caso sub examine, pois que as provas colacionadas não a repele, definitivamente.

Releva anotar, nesse passo, que, em relação às qualificadoras, também vigora o princípio do in dubio pro societtate, daí porque, se o conjunto de provas não as repele, se não são manifestamente improcedentes, de todo descabidas, é de rigor que sejam mantidas.

O propósito da quaestio, não custa lembrar que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, afirmou, com ênfase, que “ao juiz singular, ao fazer a pronúncia, é defeso excluir as qualificadoras”, pois que o seu julgamento, por imposição constitucional, é do TRIBUNAL DO JÚRI (RT 694/393).

20º Sumário. A ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO. A PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS. OS INDÍCIOS DE AUTORIA E A MATERIALIDADE DA INFRAÇÕE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 408 DO DIGESTO DE PROCESSO PENAL

À vista do exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia, para, de conseqüência, pronunciar os acusados M. A. M. L., vulgo “Macalé” e V. C. F., antes qualificados, por incidência comportamental no artigo 121, §2, II, c/c o artigo 29 ambos do Código Penal, porque provadas a autoria e a materialidade delitiva, o fazendo com espeque no artigo 408 do Código de Processo Penal, para que os acusados sejam submetidos a julgamento perante o e. TRIBUNAL DO JÚRI.

21º Sumário. A DECRETAÇÃO DA PRISÃO DOS ACUSADOS. NECESSIDADE. GRAVIDADE DO CRIME. CRIME HEDIONDO. PRISÃO QUE SE DECRETA COMO EFEITO NATURAL DA ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO E EM FACE DA PERICULOSIDADE DOS ACUSADOS.

Os acusados foram presos em razão de decreto emanado deste juízo, para, depois, serem postos em liberdade, por decisão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Devo dizer, nada obstante, que os acusados não fazem por merecer a sua liberdade, posto que, além de terem cometido crime hediondo, em razão do qual foram pronunciados, são perigosos, pois que, ao que dimana das provas amealhadas, são integrantes de gangues – esses grupos de covardes que infernizam os bairros periféricos de nossa comunidade.

Aliás, no início deste processo recebi um abaixo-assinado dos moradores do bairro da Belira, onde pediam providência contra o acusado M. A. M. L., que, com sua ação, inferniza os moradores do mencionado bairro(fls.116/124).

Não bastassem os apelos dos moradores da Belira, o MINISTÉRIO PÚBLICO, ao ofertar denúncia contra os acusados, também postulou a prisão preventiva de ambos, pelo perigo que representam à ordem pública em liberdade(fls.02/06).

A prisão dos acusados é uma necessidade premente. A uma, porque foram denunciados e agora pronunciados por crime de homicídio qualificado, crime etiquetado hediondo, de lege lata. A duas, por que são perigosos, periculosidade demonstrada, à farta, nos autos sub examine. A três, porque a primariedade e os antecedentes dos acusados, isoladamente, não autorizam a mantença de sua liberdade, se há razões objetivas a reclamar a constrição cautelar. A quatro, porque, tendo sido pronunciados, a prisão é uma conseqüência natural dessa decisão, como, aliás, têm decidido os nossos Tribunais, à farta, como se colhe da decisão abaixo, litteris;

RECURSO EM HABEAS CORPUS – DIREITO PROCESSUAL PENAL – PRONÚNCIA – EFEITOS – PRISÃO CAUTELAR – LEGALIDADE –

1. Nos processos da competência do Tribunal do Júri, a prisão do réu é efeito legal da pronúncia, não havendo falar em constrangimento, se o decisum se ajusta à letra do artigo 408 do Código de Processo Penal.

2. Recurso improvido.

(STJ – RHC 13217 – AC – 6ª T. – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJU 10.05.2004 – p. 00345) JCPP.408

É de relevo que se diga que a hipótese de garantia da ordem pública é de amplo espectro, tem amplitude muito maior do que em princípio se possa crer. A ordem jurídica, a paz pública, a normalidade da vida social, o respeito à lei e às instituições, à segurança do modelo social e da vida honesta e pacífica, também estão inseridos no contexto.

Nessa toada, é de relevo que se considere necessária a prisão preventiva dos acusados, os quais, com sua ação, profanaram, deslustraram, aviltaram a ordem pública, daí a necessidade de sua preservação.

As decisões da SUPREMA CORTE têm sido nesse sentido, como abaixo se vê, verbis:

“Prisão preventiva. Garantia da ordem pública. No conceito de ordem pública não se visa apenas prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida deve ser revelada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa”( RHC 65.043, 2ª Turma).

É cediço que a prisão preventiva é uma medida de força que só deve ser implementada, por isso mesmo, na exata medida de sua real necessidade, sob pena de desvalar a decisão do juiz em punição antecipada, em manifesta contrariedade às garantias constitucionais do devido processo legal e da presunção de não-culpabilidade. Disso estou ciente, daí porque me apresso e justificar as razões da medida constritiva que aqui edito.

Em face da convicção que tenho de que a prisão preventiva não pode se constituir em uma punição antecipada é que, ao decretar uma prisão, não o faço fundado em motivos alheios aos imperativos cautelares que a legitimam.

Pese a vacilação pendular de alguns Tribunais, de minha parte só decreto uma prisão preventiva se fundada em motivos cautelares concretamente manifestos nos autos.

22º Sumário. AINDA A MANUTENÇÃO DA PRISÃO DOS ACUSADOS. CRIME QUE CAUSOU ESTUPOR. REPERCUSSÃO QUE TAMBÉM LEGITIMA A DECRETAÇÃO DO CACER ANTE TEMPUS.

Não fosse suficiente o fato de os acusados terem sido pronunciados por crime de homicídio qualificado, com a marca da hediondez, o que, per si, justificaria a decretação de sua prisão, é bem de ver-se, ademais, que o crime causou revolta, estupor e inquietação, em razão do que, a fortiori, devem ser segregados.
Essa observação não vaga no mundo solitária. Os Tribunais, ao contrário, têm decidido, iterativamente, nesse sentido, como se vê abaixo, litteris;

PROCESSO PENAL – ARTIGOS 121, § 2º, INCISOS I, II, IV E V E 155, § 4º, AMBOS DO CÓDIGO PENAL – PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTAÇÃO – CLAMOR SOCIAL – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA –

O modus operandi, os motivos, a comoção social e outras circunstâncias, em crime gravíssimo, de grande repercussão, são indicativos, como garantia da ordem pública, da necessidade da segregação cautelar, dada a afronta a regras elementares de bom convívio social.

Precedentes. Recurso desprovido.

(STJ – RHC 14633 – MG – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 28.10.2003 – p. 00301) JCP.121 JCP.121.2.I JCP.121.2.II JCP.121.2.IV JCP.121.2.V JCP.155 JCP.155.40.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu na mesma senda, como se colhe da ementa abaixo, verbis:

Habeas Corpus. Decreto de Prisão Preventiva suficientemente fundamentado na garantia da ordem pública em virtude da gravidade do delito e de sua repercussão, e na garantia da aplicação da lei penal. Precedentes do STF, quanto ao primeiro desses fundamentos. Habeas corpus conhecido em parte. (HC nº 73.292. 1ª Turma. Rel. Ministro Moreira Alves, julgado em 18.12.1995 e veiculado no DJ de 17.05.1996, p. 16.326).

23º Sumário. AINDA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO DOS ACUSADOS. PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES QUE NÃO AUTORIZAM A SUA LIBERDADE. O ADVENTO DA PRONUNCIA. NOVO TÍTULO LEGITIMADOR DA CAUTELAR.

Em adição aos argumentos acima esparramados acerca da manutenção da prisão dos acusados, sobreleva consignar que o fato de serem primários e possuidores de bons antecedentes, isoladamente, não autoriza a restituição do seu status libertatis dos acusados, se outras razões despontam dos autos a autorizar a prisão cautelar.

A afirmação supra não decorre de um desvario. Os nossos Sodalícios vêm decidindo, repetidamente, no mesmo diapasão, litteris:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – PROCESSUAL PENAL – PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTAÇÃO – ADVENTO DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA – NOVO TÍTULO LEGITIMADOR DA CUSTÓDIA – CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS – IRRELEVÂNCIA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO –

1. Preenchidos os requisitos da prisão preventiva e ocorrendo uma ou mais hipóteses do art. 312 do CPP, como se verifica no caso, não há que se falar em ilegalidade da custódia cautelar.

2. O advento da sentença de pronúncia faz novo título legitimador da custódia cautelar, devendo o réu que se manteve preso cautelarmente durante a formação do sumário de culpa assim permanecer até o seu julgamento pelo tribunal do júri.

3. As condições pessoais favoráveis do recorrente – Primariedade, bons antecedentes, residência fixa e atividade lícita – Não são garantidoras de eventual direito de liberdade quando outros elementos constantes nos autos recomendam a sua custódia cautelar.

4. Recurso a que se nega provimento.

(STJ – RHC 200401640100 – (16931 ES) – 5ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – DJU 21.03.2005 – p. 00406) JCPP.312

No mesmo diapasão:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – TENTATIVA DE HOMÍCIDIO – PRONÚNCIA – PRISÃO PREVENTIVA ANTERIORMENTE DECRETADA – TENTATIVA DE FUGA – LIBERDADE PROVISÓRIA – FACULDADE JUDICIAL – ORDEM DENEGADA –

1. A prisão provisória constitui efeito jurídico-processual, decorrendo, ordinariamente da sentença de pronúncia.

2. Constitui-se mera faculdade legal reconhecida ao Juiz a concessão de liberdade provisória ao réu pronunciado. Inteligência do art. 408, § 2º, do CPP.

3. Não se modifica a custódia provisória do réu preso preventivamente, uma vez persistindo os motivos que justificaram a decretação do decreto cautelar.

4. Irrelevantes para a obtenção de liberdade provisória, a primariedade e os bons antecedentes do acusado.

5. Ordem denegada.

(TJAC – HC 01.000562-5 – (1.468) – C.Crim. – Relª Desª Eva Evangelista – J. 22.06.2001) JCPP.408 JCPP.408.2

Determino, em face do exposto, a expedição do necessário mandado de prisão, em três vias, uma das quais servirá de nota de culpa.

Encaminhe-se o mandado á autoridade que presidiu o inquérito policial, para que nos auxilie na captura dos acusados.

P.R.I.

Recomendem-se os acusados na prisão em que se encontram.

Intimem-se os acusados, pessoalmente, desta decisão.

Certificado o trânsito em julgado, encaminhem-se os presentes autos uma das varas do TRIBUNAL DO JÚRI, via distribuição, com a baixa em nossos registros.

São Luís, 05 de outubro de 2005.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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