Nós, as vítimas dos maus políticos

 Sempre que se imputa a um deles uma falcatrua, um ato de corrupção, eles se apressam em dizer que tudo é criação do adversário político. É a antecipação da campanha política, argumentam. E assim vão vivendo, escamoteando aqui, enganando ali, ludibriando acolá, aumentando o patrimônio, se apossando de um naco do poder, de um fragmento da coisa pública, dando maus exemplos, causando em todos nós desesperança, revolta, indignação e descrença.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Na crônica que publico a seguir reflito sobre a ação dos políticos.

Antecipo, a seguir, um fragmento relevante.

  1. No período eleitoral, as ignomínias perpetradas por eles se multiplicam. Eles vendem falsas esperanças, compram votos, loteiam o Estado, definem que vai ser eleito. Maquinam! Fazem manobras! Plantam notícias! Desdenham do eleitor! Procuram meios de destruir o adversário. Se tiver rabo preso, melhor. Se não tiver, cria-se um fato que o coloque mal diante dos seus leitores. A história registra incontáveis episódios nesse sentido. É sempre assim. Faltam-lhes dignidade e honradez. Às favas as convicções, as promessas, a honra, a palavra empenhada. O que vale mesmo é poder. Por ele vendem a honra, expõem a sua família, carregam dinheiro na cueca, assumem o uso de caixa dois, fraudam, lesam, ludibriam, madam matar, plantam notícias, desrespeitam a família do adversário, achincalham, desonram, chafurdam na lama, vão à tribuna, choram, gesticulam, vendem a alma, juram pela mulher, pelos filhos, pela sogra – até a sogra! – , pela mãe, pela alma da mãe, em nome de Deus, de Jesus Cristo, de Madalena, de São Judas Tadeu…E assim vão vivendo. E salve-se quem puder! E o eleitor? Que morra! Dele só querem o voto. Nada mais! Não sei aonde vamos parar.

A seguir, a crônica, por inteiro.

Tenho dito, nas conversas coloquiais, que quase tudo de ruim que circunda a nossa vida é da responsabilidade dos políticos. Eles – salvo honrosas exceções, cada dia mais raras – não têm sentimento. Eles, definitivamente, não têm sequer compaixão das pessoas que estão muito próximas deles. São insensíveis. Até parece que não têm famílias , não têm amigos, parentes…Nada! Nada! Nada mais tem importância que não seja o poder e as facilidades que ele proporciona.

O dinheiro público, para eles, se confunde com o privado. Eles não distinguem os bens públicos – veículos, casas, móveis, utensílios, tudo, enfim –dos privados.

Todos os dias, todas as horas se aponta uma malfeitoria de um político. Mas eles, desdenhando de todos, encaram as acusações como uma coisa natural. Eles não têm sensibilidade, repito. Eu, às vezes, me imagino sendo acusado de corrupção e não imagino qual seria minha reação. Não consigo dimensionar qual o tamanho da minha indignação, da minha revolta. Não sei como encararia a minha família, os meus amigos, os advogados, os colegas e promotores, se me apontassem qualquer ato de impropridade.

Os políticos – os maus políticos, repito -, no entanto, são alvos, todos os dias, das mais graves acusações e, de regra, nem reagem. Quando reagem, não o fazem nem com veemência. O fazem sem convicção, numa reação própria de quem não tem certeza de sua própria inocência. Estão calejados. Confiam na incapacidade de discernimento do eleitor.

Sempre que se imputa a um deles uma falcatrua, um ato de corrupção, eles se apressam em dizer que tudo é criação do adversário político. É a antecipação da campanha política, argumentam. E assim vão vivendo, escamoteando aqui, enganando ali, ludibriando acolá, aumentando o patrimônio, se apossando de um naco do poder, de um fragmento da coisa pública, dando maus exemplos, causando em todos nós desesperança, revolta, indignação e descrença.

No período eleitoral, as ignomínias perpetradas por eles se multiplicam. Eles vendem falsas esperanças, compram votos, loteiam o Estado, definem que vai ser eleito. Maquinam! Fazem manobras! Plantam notícias! Desdenham do eleitor! Procuram meios de destruir o adversário. Se tiver rabo preso, melhor. Se não tiver, cria-se um fato que o coloque mal diante dos seus leitores. A história registra incontáveis episódios nesse sentido. É sempre assim. Faltam-lhes dignidade e honradez. Às favas as convicções, as promessas, a honra, a palavra empenhada. O que vale mesmo é poder. Por ele vendem a honra, expõem a sua família, carregam dinheiro na cueca, assumem o uso de caixa dois, fraudam, lesam, ludibriam, mandam matar, plantam notícias, desrespeitam a família do adversário, achincalham, desonram, chafurdam na lama, vão à tribuna, choram, gesticulam, vendem a alma, juram pela mulher, pelos filhos, pela sogra – até a sogra! – , pela mãe, pela alma da mãe, em nome de Deus, de Jesus Cristo, de Madalena, de São Judas Tadeu…E assim vão vivendo. E salve-se quem puder! E o eleitor? Que morra! Dele só querem o voto. Nada mais! Não sei aonde vamos parar.

Ao término do fraudulento, sórdido, oprobrioso processo eleitoral, onde a compra de votos se fez às escâncaras, a olhos vistos, às claras, à vista de todos,sem cerimônia, ainda dizem na imprensa, se “eleitos”, que foram julgados e absolvidos pelas urnas. Como se o eleitor,de barriga vazia, iletrado, inculto, sofrido, soubesse em quem e por que estava votando. Esse eleitor não atende sequer à sua consciência na hora de votar. Vota atendendo aos apelos do cabo eleitoral, que vende votos aos candidatos aos milhares, como se fosse dono – e o é – de um curral eleitoral.

O processo eleitoral, tenho ciência, é um mar de lamas. O poder econômico é uma praga. De nada adianta urna eletrônica se não se consegue coibir a compra de votos. Tenho dito e o dizia quando Juiz Eleitoral, que a pior praga a contaminar o processo eleitoral é o abuso do poder econômico. Se esse abuso não for coibido, de nada adianta a urna eletrônica e outras coisas que tais, pois a fraude se dá antes de o eleitor depositar o seu voto. A runa eletrônica é apenas um desaguadoro de um processo já fraudado em sua origem.

Não há eleição limpa se o eleitor, com fome e na ignorância, não tem a capacidade de discernir. Não há eleição democrática se eleitor não tem educação, o que comer e onde morar. Nesse contexto, ele vende o voto, troca-o por um favor, por uma esmola. E não pode ser acusado por isso. Ele é apenas mais uma vítima desse processo eleitoral ignóbil, abjeto, sórdido, vil.

A eleição, para o pobre, que vive só de favores, é uma oportunidade de conseguir cem telhas para cobrir o casebre, uma cadeira de rodas para um ente querido, dez reais, para pagar a quitanda da esquina, um saco de cimento, uma consulta, um dinheiro para comprar remédio, uma passagem para votar em sua terra e rever um semelhante.

Depois das eleições, viciada em todos os aspectos, onde o eleitor miserável votou como um autômato, sem consciência, vejo, estupefato, os analistas políticos dizerem que o eleitorado se inclinou para direito ou para esquerda, ou se manteve no centro, como se o eleitor de barriga vazia, ignorante, iletrado, soubesse o que é direita, esquerda, centro, centro-esquerda, etc.

Reafirmando o que disse acima: quase tudo de ruim que acontece em um estado, em um país ou em um município é culpa do mal político. Claro, disse-o acima, que ainda há homens honrados – poucos, é verdade – dos quais pode-se discordar de suas idéias, mas não se pode qualificá-los de desonestos, desleais de mau caráter. Os exemplos são poucos, raros. Lembro, agora, de Mário Covas e Brizola. Dois estadistas que a história saberá fazer Justiça. São – foram – espécimes raros, nesse mundo onde tudo vale. Onde só não vale ser leal, ser honrado ou perder a eleição para o adversário. Para vencer o inimigo político tudo pode. Até pisar no pescoço da mãe. É Brizola tinha razão!

Se a saúde vai mal, a culpa é do político, que não hesita, se puder se beneficiar da verba a ela destinada, em benefício pessoal. Se não há estradas, a culpa também é deles, que pouco estão se importando com a insegurança e com as vidas dos miseráveis que trafegam nas estradas esburacadas, mesmo porque delas eles náo se utilizam.

Se nos falta segurança, a culpa só pode ser deles. Na visão deles segurança não rende votos. Se a Universidade está sucateada, a quem se pode atribuir a culpa que não a eles? Universidade pra quê? Na visão deles o povo deve ser mantido na ignorância. Se não há rede de esgotos, a culpa, também, é deles. Afinal, obra subterrânea, segundo eles próprios, não lhes dá imagem para a propaganda política. Se não se faz a reforma agrária, a culpa é só deles. Se o crime organizado chegou ao limite de invadir um quartel, a responsabilidade é só deles, que deixaram o crime organizado sobrepujar o próprio Estado, afinal, onde falta o Estado oficial, o paralelo tende se incrustrar. O caixa II, se não é invenção deles, eles são os maiores protagonistas. Se a agricultura está em frangalhos, não se pode imputar a culpa a outra classe, que não à política.

Eles – os maus políticos, que são muitos – são, definitivamente, uns delinqüentes. Ainda bem que há exceções. Poucas, raras, mas há. Pena que esses, logo, logo, desestimulados, deixam a vida pública. Ou porque desistem ou porque não são reeleitos, porque são incapazes de mentir, de escamotear a verdade. Para ser um político vencedor, tem que todos esses péssimos predicados.

Triste de nós outros que em tudo dependemos deles!

Num país como o nosso, onde grassa a impunidade, onde a corrupção flui solta, nas mais de cinco mil prefeituras e em outros órgãos da administração direta e indireta, num país como nosso, cujos prefeitos usam o talão de cheques das prefeituras como se fossem de sua conta pessoal, num país como nosso, cujo homem público em pouco tempo amealha uma grande fortuna e não se questiona a origem do dinheiro, num país como nosso, onde os políticos têm a capacidade divina de multiplicar os pães, eu só posso ter vergonha de manter um batedor de carteira preso. Não foi por outra razão que hoje, ao chegar ao fórum, a primeira providência foi determinar a soltura de dois furtadores, presos há oito meses.

Num país como o nosso, cujos tentáculos da persecução criminal só se destinam aos miseráveis, é preciso refletir quando nos decidimos pela condenação de um furtador. Afinal, eles são estimulados pela própria classe política. Eles vêem o crime, a delinqüência desfilar na tela de sua televisão, dentro de casa, na cara dos seus filhos. E, o que é mais grave, impunemente.

Os simples mortais, os éticos, os que não fazem falcatruas, que não usam o cargo para dele tirar proveito, ainda são obrigados – como eu – a descontar uma parcela significativa do salário, na forma de imposto, para regar as contas dos malfeitores que tomaram conta do Estado.

O pior, o mais grave, é que somos todos jogados, sem apelo, na mesma vala comum. A sensação que temos é que, para população, somos todos iguais. Não há honestidade que resista à sedução do poder, na visão de muitos.

Muitos, infelizmente, passam a vida apontando os erros dos outros, mas quando assumem o poder, procedem da mesma forma.

Tenho dito que só quem exerce o Poder e não se corrompe pode dizer que é honesto. Quem nunca foi testado, não pode fazer essa afirmação, mesmo porque a impunidade é má conselheira. Mas a grande maioria do povo, a absoluta maioria do povo, na minha visão, é honesto e tem bom caráter. Não fosse assim, a sociedade não sobreviveria. Um exemplo é esse programa da Globo – Big Brother – onde a esperteza não prevalece. O povo só bota pra rua quem, na sua visão, não tem boa conduta, tem mau caráter, não se comporta a contento. Para mim, esse é um grande exemplo de como somos um povo honesto. Nós não merecíamos a classe política que dirige os nossos destinos.

O nosso mundo, em face desses espertalhões, está contaminado. Qual o mundo que vamos deixar para os nossos filhos? Como convencê-los de que ser honesto ainda vale à pena? Como exigir deles retidão de caráter, se eles assistem, todos os dias, imperar a esperteza? Como convencê-los que não podemos atender às suas demandas, se pessoas supostamente com os mesmos vencimentos tudo podem?
As colocações que faço foram estimuladas pela absolvição de mais dois “mensaleiros” no Congresso.

Quando imaginava ser um indignado solitário, eis que leio o editorial Livres para Delinqüir, da Folha de São Paulo, que abaixo transcrevo.

LIVRES PARA DELINQÜIR

A acintosa decisão da Câmara de absolver dois deputados federais que receberam dinheiro ilegal exige da Casa -para manter a coerência com o despudor que norteou as votações de anteontem- a extinção de seu Conselho de Ética. O órgão deve ser fulminado por colapso de autoridade e de objeto.Na sessão de quarta-feira, a maioria dos parlamentares não se restringiu a livrar da cassação Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP). Foi muito além e produziu uma norma não-escrita: políticos estão liberados para beneficiar-se de esquemas criminosos de captação e distribuição de recursos desde que declarem que o dinheiro foi usado para fins partidários ou eleitorais.Nos três casos em que julgou deputados que assumidamente receberam recursos por intermédio do publicitário Marcos Valério de Souza, o plenário foi reincidente na ignomínia. Afrontou o Conselho de Ética e preservou mandatos e direitos políticos do trio -o primeiro a ser absolvido foi Romeu Queiroz (PTB-MG), em dezembro- que sorveu mais de R$ 500 mil do “valerioduto”.Ao liberar a delinqüência -caixa dois é crime financiado por corrupção e outras fraudes-, os deputados expulsaram o que se entende por ética de seus domínios. Indecorosa é por definição a maioria de uma Casa que -ao abrigo do escrutínio público, escudada no anonimato do voto secreto- abona indecorosos. Mas, como não há pena possível para a quebra de decoro de um colegiado, só se pode concluir que os legisladores reescreveram seu código de costumes para aceitar a indecência.Qual a utilidade de seguir com os processos dos outros “mensaleiros”? O plenário já afirmou que o delito que praticaram em furtivas procissões à agência do Banco Rural de Brasília para sacar dinheiro vivo não custa um mandato. É escarnecer ainda mais dos cidadãos manter um Conselho de Ética quando a maior parte dos legisladores atropela a sua essência.A Câmara dos Deputados optou pelo caminho do isolamento corporativo, do acordo espúrio, do cálculo miúdo que não vislumbra um palmo além do nariz. Votou a favor da percepção, cada vez mais difundida na sociedade, de que os políticos seriam todos iguais em venalidade.
Apesar de tudo, ainda não perdi a esperança. Vou continuar pregando, onde tiver oportunidade, que ainda acredito na preponderância da verdade sobre a mentira, da seriedade sobre a esperteza, a retidão sobre a burla, a lisura sobre a fraude.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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