Cuida-se sentença condenatória, em face de crime de roubo tentado, prolatada em 2002.
Acerca da tentativa, em determinado excerto sublinhei, verbis:
- O crime, de efeito, entrou em execução, mas no seu caminho para a consumação foi interrompido pela reação da vítima e de populares, como ressai dos depoimentos acima transcritos.
Em face da tese da defesa, expendi, dentre outros, os seguintes argumentos:
- A propósito da tese da defesa, devo anotar que na espécie não se configurou a desistência voluntária-como já mencionado acima-que só ocorre, como ressabido, quando o agente, iniciada a execução e mesmo podendo prosseguir nela, não a leva adiante; mesmo podendo dar seqüência à sua ação, desiste da realização típica. Na desistência voluntária, o agente muda de propósito. Não é forçado, como se deu em caso sob retina. Mantém o propósito, mas recua diante da dificuldade de prosseguir.
A seguir, a sentença de corpo inteiro, com a observação de que foi prolatada em 2002.
Processo nº 81/2001.
Ação Penal Pública
Acusado: C. de L. L.
Vítima: S. C.
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra C. de L. L., brasileiro, solteiro, mecânico, filho de R.de L. da C. L., residente na Rua Santa Luzia, 04, Vila dos Frades, nesta cidade, a quem imputa a prática do crime de tentativa de roubo qualificado, em face de, no dia 24 de abril do ano de 2001, por volta das 16:30 horas, nas proximidades do terminal de ônibus da Vila Conceição, ter agarrado a vítima S. C., pelo colarinho, anunciando o assalto, tendo tentado tomar-lhe a bolsa e o relógio, ao tempo em que lhe desferia golpes de faca, pelo que teria incidido nas penas do artigo 157, §2º, I , c/c o artigo 14, II, ambos do Código Penal.
A persecução teve início com a prisão em flagrante do acusado(fls.05/07).
Exame de corpo de delito às fls.46.
Recebimento da denúncia às fls.52.
O acusado foi citado, qualificado e interrogado às fls.55/56.
Defesa prévia às fls. 61/62.
Durante a instrução criminal foram ouvidas a testemunha A. C. S.(fls.70) e a vítima(fls.71).
Na fase de diligências, nada foi requerido pelas partes(fls.79 e 81).
Nas alegações finais, o Ministério Público, após discorrer acerca da prova colhida nos autos, pede, alfim, a condenação do acusados, nos termos da denúncia(fls.83/85).
A defesa, de seu lado, alega que o acusados desistiu voluntariamente de praticar o crime e que as lesões foram fruto do desajuste da vítima, que, nervosa e descontrolada, partiu para o confronto pessoal com o acusado, pelo que requer a sua absolvição, ou que, assim não entendendo, seja aplicada a pena no mínimo legal(fls.87/89).
Relatados. Decido.
Nos autos sub examine, como mencionado no relatório, o acusado foi denunciado pelo Ministério Público, em razão de ter tentado assaltar a vítima, com violência, em razão do que foi produzido na mesma lesão corporal, fato que não se concretizou por circunstâncias alheais à sua vontade.
Alfim e ao cabo da análise das provas consolidadas nos autos em aprêço, concluo, como o fez o representante ministerial, que o acusado, em verdade, malferiu , com sua ação, o preceito primário do artigo 157 do CP, com a utilização de uma faca, em razão do que a reprimenda deve ser majorada, a teor do inciso I, do §2º, do mencionado artigo.
Com efeito.
O acusado, malgrado tenha, na fase pré-processual(informatio deliciti)da persecução, negado a autoria do crime, na fase de cognição, oxigenada pelo contraditório e pela ampla defesa, sem tergirversar, admitiu ter tentado assaltar a vítima, o fazendo nos termos abaixo, verbis:
“…que, inicialmente, o interrogado não pensou em assaltar a vítima; que quando a vítima retornou, o interrogado resolver assaltá-la; que, então, aproximou-se da vítima com uma faca e deu voz de assalto; (…) que a vítima reagiu ao assalto, tendo sido, por isso, lesionada pelo interrogado; que o interrogado nada levou da vítima, porque, em verdade, queria dinheiro e a vítima não trazia consigo; que a vítima, quando recebeu voz de assalto, começou a gritar dizendo que não tinha dinheiro; que o acusado, então, nada levou…”(fls.55/56).
A confissão do acusado, de outra parte, restou confirmada pela vítima, que acrescentou ter o mesmo levado a sua bolsa, que foi-lhe tomada, em seguida, por populares, como se vê abaixo:
“…que, ao descer do veículo, foi surpreendido com a presença do acusado, o qual apontou uma faca em sua direção dizendo que se tratava de um assalto; que o acusado lesionou o declarante; que o acusado pegou uma bolsa presidente do declarante e saiu correndo; que a testemunha Adalberto e alguns populares, armados de pau, conseguiram tomar a bolsa das mãos do acusado; que o acusado ainda tentou tomar o relógio do braço do declarante, o declarante chutou referido relógio, o que impossibilitou o acusado de levá-lo; que o acusado, nessa hora, utilizou-se de uma faca, mais uma vez lesionou o declarante; que reconhece o acusado aqui presente como autor do fato…”(fls.71).
Posso concluir, assim, que o acusado-reconhecido em juízo pela vítima– tentou subtrair a res furtiva, não logrando êxito na empreitada criminosa, em face da reação do ofendido. É dizer, por circunstâncias alheias à sua vontade.
O crime, de efeito, entrou em execução, mas no seu caminho para a consumação foi interrompido pela reação da vítima e de populares, como ressai dos depoimentos acima transcritos.
Presentes estão, à evidência, todos os elementos da tentativa, da realização incompleta da figura típica, ou seja: a)o início da execução. Pegou a bolsa da vítima e saiu correndo; b) não-consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do acusado. Reação dos populares não prevista pelo acusado; e c) dolo total em relação ao crime. Malgrado não tenha logrado êxito, em verdade buscava um resultado final, qual seja, a subtração de coisa alheia móvel, mediante violência.
O acusado, ao que entrevejo dos autos, buscava a realização da subtração da res furtiva, mediante violência, ou seja, buscava produzir um resultado mais grave do que efetivamente conseguiu.
A propósito da tese da defesa, devo anotar que na espécie não se configurou a desistência voluntária-como já mencionado acima-que só ocorre, como ressabido, quando o agente, iniciada a execução e mesmo podendo prosseguir nela, não a leva adiante; mesmo podendo dar seqüência à sua ação, desiste da realização típica. Na desistência voluntária, o agente muda de propósito. Não é forçado, como se deu em caso sob retina. Mantém o propósito, mas recua diante da dificuldade de prosseguir.
Os Tribunais, na hipótese vertente, são unissonantes. Confira-se, a propósito, as seguintes ementas:
“Desistência voluntária. Se o agente é impedido de prosseguir na execução de sua conduta, na há de se falar em desistência voluntária”(TJRS, AC 70000220046, Rel. José Eugêncio Tedesco, j.6-04-2000).
No mesmo sentido:
“Não há falar em arrependimento eficaz ou desistência voluntária se o iter criminis foi interrompido por circunstâncias alheias à vontade do acusado”(TJSP, AC, Rel. Dirceu de Mello, RT599:325).
Igual:
“Para a configuração da desistência voluntária é necessário que o agente não tenha sido coagido, moral ou materialmente, a interromper o iter criminis”(RJDTACIM 5/89).
Como se extrai das ementas retro transcritas, a desistência voluntária somente se caracteriza se a renúncia ao resultado da ação criminosa decorre de circunstâncias internas do autor do fato, tais como medo, piedade, o receio de ser descoberto, o remorso, etc.
Seguramente, não foi o que ocorreu no caso sob retina. Aqui, o acusado, em face da intervenção de populares e mesmo em vista da reação da vítima, não teve como prosseguir com a sua ação, pelo que se pode concluir que o iter criminis foi interrompido não porque o acusado tenha cessado espontanemente a sua ação, mas porque não tinha condições de prosseguir com sua empreitada criminosa.
Nos autos sub oculli, tenho a convicção, em face das provas que aqui se avolumam, que o acusado iniciou a execução do seu plano, colocando em risco o bem da vítima, juridicamente tutelado, passando, portanto, da simples cogitatio para a espécie punível da tentativa, devendo a resposta penal, com efeito, ser diminuída em 1/3, em face do iter percorrido, já que o acusado chegou, inclusive, a se apoderar da bolsa da vítima, não a tendo levado consigo, em face da reação dos populares, como já mencionado à exaustão.
Sob tal perspectiva, devo anotar, em relação à diminuição da pena, em face da tentativa, que ” o percentual menor, um terço, deve ser aplicado nos casos em que o sujeito ativo mais se aproximou da consumação; quanto mais longe ele estiver do seu ato criminoso, maior deve ser a atenuação, dois terços”(RT 733/694).
Ante o exposto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado C. de .L. L., devidamente qualificado, por incidência comportamental no artigo 157 do Código Pena, cuja pena-base fixo em 04(quatro)anos de reclusão e 10(dez)DM, à base de 1/30 do SM vigente à época do fato, que reduzo em 1/3, em face da causa de diminuição de pena prevista no parágrafo único do artigo 14 do CP, perfazendo, assim, um total de 2(dois) anos e 08(oito) meses de reclusão e 03(três) DM, sobre as quais faço incidir, finalmente, 1/3, em face da causa de aumento de pena prevista no §2º, I, do artigo 157, também do CP, totalizando, em definitivo, 03(três) anos, 06(seis) meses e 20(vinte) dias de reclusão, e 04(quatro)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, em face do que estabelece o artigo 33, §2º, letra c, do CP.
O acusado deve aguardar em liberdade eventual recurso tomado desta decisão.
Consigno que deixei de reconhecer a atenuante decorrente da confissão do acusado, em face de a pena ter sido aplicada no mínimo legal.
Devo gizar, finalmente, que não fiz referência à circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, pelo mesmo motivo, ou seja, porque a pena-base foi fixada no mínimo legal, em razão do que, sabe-se, não há falar-se em nulidade do decisum.
P.R.I.C.
Certificado o trânsito em julgado, lançar o nome no réu no rol dos culpados.
Encaminhem-se os autos, após, à Central de Penas Alternativas e de Execução, para os devidos fins, com a baixa em nossos registros.
Custas, pelo acusado.
São Luís, 05 de novembro de 2002.
José Luiz Oliveira de Almeida
Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal
Preclaro colega Desembargador JOSÉ LUIZ OLIVEIRA DE ALMEIDA. Há muito leio suas decisões e opiniões, que para mim servem de inspiração e parâmetro. Quero aqui apenas lhe parabenizar pelo brilhantismo do texto, bem escrito, claro, jornalísitico, erudito, de uma profusão inesgotável para o ativista do direito. Em algumas de minhas sentenças já fiz menção ao vosso trabalho, que, de resto, guarda a melhor tradição do lirismo maranhense. Augusto César Cavalcante – Juiz de Direito, titular da Vara dos Crimes contra o Consumidor e a Ordem Tributária – Comarca de Belém-PA.