- Malgrado a importância da defesa para o equilíbrio processual, pese a relevância da DEFENSORIA PÚBLICA, para que se (re) estabeleça a paridade de armas, a verdade é que o Poder Executivo pouco tem se importado com essa questão, decorrendo da omissão do Estado-Administração de os magistrados, na quase totalidade das Comarcas do Maranhão, terem que nomear defensores dativos, que, como se sabe, não cuidam, com denodo, da defesa do hipossuficiente.
- Em face do diminuto número de Defensores Públicos, tenho assistido, aqui na capital, os poucos em atuação se desdobrando em várias varas ao mesmo tempo, fazendo duas ou três audiências simultaneamente, do que resulta, impende compreender, uma defesa criminal capenga – por mais que se esforcem; não por faltar-lhes condições técnicas, mas por faltar-lhe condições de trabalho.Não posso compreender, sinceramente, como se estabelecer a par conditio com tantas disparidades, sob todos os aspectos – menos o intelectual -, entre os dois agentes estatais – Ministério Público e Defensoria Pública – responsáveis pela representação das partes.
2-O PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO E A SITUAÇÃO ANTERIOR. O legislador ordinário, com a modificação, pretendeu privilegiar o princípio da informação, derivado dos princípios da ampla defesa e do contraditório, corolários do due process of law. Com essa inovação, pretendeu o legislador expungir qualquer decisão, no âmbito da Justiça criminal, sem que se tenha a mais incontestável certeza de que o acusado tenha tido conhecimento da imputação. É a legitimação, pura e simples, da ampla defesa, inobservada no dispositivo revogado, que admitia o julgamento do acusado, partindo da presunção de que tinha tido ciência da acusação. Sob os auspícios do dispositivo revogado, é por demais sabido, o processo, ante o silêncio do acusado, seguia à sua revelia, resultando disso, muitas vezes, que era surpreendido já com uma sentença condenatória desfavorável – e transitada em julgado, o que era mais grave.
Essa situação era desconfortável e nós mesmos, magistrados, tínhamos a nítida consciência de que, nessas circunstâncias, de verdadeiro simulacro da in jus vocatio, ofendia-se, a toda evidência, o direito à ampla defesa. Determinar, pura e simplesmente, que o processo permanecesse em cartório, até que o réu se manifestasse, não era uma providência razoável, porque, nessa hipótese, via-se fluir o prazo prescricional, o que, agora, com a inovação, não ocorre. A reforma, por isso, veio em boa hora.A situação anterior, preleciona a melhor doutrina, na mesma linha de argumentação emoldurada acima, deixava muito claro que se o estado “procurava preservar os interesses da sociedade, em face daqueles que violavam a ordem jurídico-penal, não permitindo que criminosos astutos pudessem burlar a ação da Justiça, por outro lado, lesionava-se o direito de defesa, haja vista que muitas vezes o cidadão era processado e condenado sem que lhe fosse dada real oportunidade para defender-se.”[2]
3-A DEFESA TÉCNICA E OS EFEITOS DA CITAÇÃO FICTA.
É verdade que o processo seguia com advogado designado para cuidar da defesa técnica do acusado revel, o que, entrementes, não minimizava os efeitos danosos da citação ficta. É que a ampla defesa, sob a viseira constitucional, não é a mesma, estando o réu ausente. Daí que a inovação foi recebida com entusiasmo, em razão dos fins colimados.
A inovação, devo dizer, tirou um peso que se colocava sobre os ombros do juiz criminal, que era quem, alfim, tinha que decidir. Essa situação, nada obstante, ao que eu saiba, não causava desconforto ao Ministério Público, que dela ser servia, muitas vezes – ressaltantes as exceções – para engordar as suas estatísticas. Lembro, para quem eventualmente se surpreenda com essa afirmação, que fui membro do Ministério Público estadual e que, por isso, sei do que estou falando.
4- A INOVAÇÃO E O PRINCÍPIO NEMO DAMMARI POTEST
Com a inovação introduzida, o legislador procurou “dar inteiro cumprimento ao princípio nemo inauditas dammari potest (ninguém pode ser julgado sem ser ouvido, evitando-se o perigoso expediente da decretação da revelia em caso de não comparecimento do réu para responder ao processo com a simples presunção de que tomou conhecimento da imputação.” [3] Com essa inovação, privilegiou-se a ampla defesa, em detrimento das vergonhosas estatísticas, que se valiam de uma iniqüidade, sem conseqüência prática, muitas vezes, pois que o acusado, foragido, sem paradeiro certo, não sofria os efeitos do édito condenatório.EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA, sintetizando o pensamento dos que, como eu, privilegiam as franquias constitucionais do réu, afirmou, apenas constatando uma evidência, que a nova regra mais benéfica que a anterior, pois que “exige efetive participação do acusado no processo, redimensionando o princípio da ampla defesa, de pouquíssima valia – quando de nenhuma – nos processos de réus citados por edital.” [4]
5-AS QUESTÕES QUE SE SUCEDERAM À VIGÊNCIA DA LEI E A POSIÇÃO DA DOUTRINA EM FACE DO TEMA
Seguiu-se à vigência da lei em comento, no entanto, várias questões que passaram a atormentar os doutrinadores e, sobretudo, a nós, julgadores. Uma delas, é saber, em face de um crime praticado depois da vigência da Lei 9.271/96, [5] qual o tempo de suspensão do curso do prazo prescricional, pois que o bom senso recomenda que não fique suspenso indefinidamente, mesmo porque, se assim o fosse, estar-se-ia diante de uma flagrante inconstitucionalidade, tendo em vista que as hipóteses de imprescritibilidade estão elencadas no Texto Magno.[6]Essa tormentosa questão tem sido tema das mais variadas análises.Varias têm sido, no mesmo passo, a conclusões dos nossos exegetas.
As diversas correntes chegaram a diversas conclusões, sintetizadas por PAULO RAGEL [7], a saber: : a)como não há limite temporal, o termo final do prazo suspensivo ocorre na data em que o réu comparece em juízo, qualquer que seja o tempo decorrido; b)deve ser levado em conta o mínimo abstrato da pena privativa de liberdade cominada; c) deve ser levado em consideração o limite máximo de prescrição previsto no Código Penal (artigo 109; d) deve ser levado em consideração o tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade, que é de 30(trinta) anos, segundo o artigo 75 do CP; e e)o prazo de suspensão deve ser o tempo de prescrição da infração penal regulado pelo máximo da pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 109, caput, do Código Penal.
JULIO FABBRINI MIRABETE, ad exempli, preleciona que o magistrado deve fixar o tempo da suspensão do prazo prescricional, “ indispensável, a fim de não se contrariar princípio estabelecido na Constituição Federal, que só prevê a imprescritibilidade para determinadas espécies de crime.” [8] Adiante o renomado doutrinador arremata afirmando que “Não se pode, apesar de apreciáveis opiniões em contrário, na falta de regra específica, estabelecer o prazo com fundamento no máximo ou no mínimo da pena cominada abstratamente, para o delito, sendo lícito, portanto, fixá-lo no máximo prescricional previsto em lei : 20 anos” [9]
FERNANDO CAPEZ, de seu lado, em franca hostilidade ao entendimento de MIRABETE, argumenta que o “período máximo não pode ser o mesmo para todos os crimes, pois haveria ofensa ao princípio da proporcionalidade. Imaginemos um mesmo prazo de uma suspensão para uma contravenção e um latrocínio…não seria razoável.” [10] Adiante o eminente jurista conclui que afirmando que, na sua visão, “o período máximo de suspensão deve ser o da prescrição calculada com base no máximo cominado abstratamente para a espécie.” [11]
PAULGO RANGEL, de seu lado, na mesma linha de pensar de FERNANDO CAPEZ, entende que “ o prazo máximo de suspensão do processo e do curso do prazo prescricional deve ser o prazo estipulado pelo legislador para que haja a perda do direito de punir pela prescrição da pretensão punitiva estatal.” [12]
Adiante o preclaro doutrinador obtempera que “Se o legislador exige um prazo para que o delito seja punido, nada mais justo que este prazo regule também a suspensão comentada”, para, adiante, afirmar que, “do contrário, criaríamos a imprescritibilidade sem autorização constitucional ( cf. art. 5º , LXII c/c XLI c/c art. 53, §2º, todos da CRFB), pois, sempre que um crime é imprescritível ou tem seu prazo prescricional suspenso, o legislador constitucional diz expressamente e, no caso de suspensão, estabelece prazo.” [13]
6-A QUESTÃO SOB A VISEIRA DO STJ.
Os Tribunais, hoje, parecem pacificar o entendimento de que o período máximo de suspensão deve ser o da prescrição máxima estabelecida no Código Penal. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, verbi gratia, tem entendido que “ante o silêncio da norma acerca de qual seria o parâmetro mais adequado à intenção do legislador é o limite máximo estabelecido no artigo 109, do Código Penal” [14]
7-A CITAÇÃO FICTA E A INDIGÊNCIA DO POVO DO MARANHÃO
Enquanto a pacificação não vem, enquanto os doutrinadores se esmeram no estudo da questão acerca do tempo de suspensão do processo e do prazo prescricional, a mim, enquanto julgador, o que me conforta é a espetacular modificação operada com a inovação.Sinto-me confortável com impossibilidade dela decorrente de se prosseguir uma ação penal contra réu que não atenda ao chamamento editalício, sabido que somente excepcionalmente um acusado toma conhecimento de citação ficta – máxime se considerarmos, por essas plagas, o estado de indigência do nosso povo, do sofrido povo do Maranhão, que não tem acesso à informação, a não ser a produzida – no afã de enganar – nos órgãos de comunicação de uma família que só tem proporcionado mal aos meus conterrâneos. A inovação legislativa, assim, veio em boa hora, sobretudo a considerar-se, que pelo menos no Maranhão, a persecução criminal se destina apenas e necessariamente aos desvalidos, exatamente aqueles que, em face de suas péssimas condições de vida, migram, com freqüência, em busca de melhores condições de vida.
8-A NECESSIDADE DE SE IMPLEMENTAR EM AS DEFENSORIAS PÚBLICAS
Definido que o processo não terá seqüência, sem que o acusado se faça presente, auxiliando o técnico encarregado de sua defesa, o que se espera, agora, sem mais delongas e noutro giro, é que o Poder Executivo estenda as ações da DEFENSORIA PÚBLICA a todas as Comarcas do Estado, pois que, é ressabido, as defesas dativas, como regra, são uma quase-defesa, não atendem aos reclames da amplitude de defesa, nos moldes preconizados em nossa Lex Magna, do que se conclui que a inovação legislativa foi um passo significativo, mas não suficiente para estabelecer, em sua plenitude, a dignidade de quem figura no pólo passivo da relação processual penal, num sistema que pretende ser garantista.
9-OS EFEITOS DA CITAÇÃO FICTA EM FACE DA AMPLA DEFESA.
É truísmo, mas não custa redizer, que, em face do princípio da ampla defesa, é “imprescindível que sejam os acusados cientificados da existência do processo e de todo o seu desenvolvimento.” [15]A citação por edital, nos moldes preconizados no dispositivo revogado, afrontava esse direito do acusado, como afronta, a olhos vistos, a defesa deficiente, a quase-defesa.Com a inovação introduzida, fica a critério do acusado, se assim entender, deixar de acompanhar o desenvolvimento do processo, afinal ele pode, sim, abdicar de sua autodefesa, ao longo da persecução criminal. Mas não pode, em face da inovação, alegar que não teve conhecimento da imputação. Abdicando o acusado da autodefesa, deve o processo ter seqüência com seu representante legal, que deve ser, tem que ser, um profissional tão qualificado quando o representante ministerial. Não vale a defesa apenas formal. Não vale a defesa inerte e/ou ascética.
10-A FINALIDADE DO ATO CITATÓRIO.
A citação, preleciona JOSÉ FREDERICO MARQUES, “é o ato processual com que se dá conhecimento ao réu da acusação contra ele intentada a fim de que possa defender-se e vir integrar a relação processual,”[16] e, como preleciona ADA PELLEGRINI GRINOVER et al, é uma “exigência fundamental ao exercício do contraditório, pelos interessados, de todos os dados do processo, pois sem a completa e adequada informação a respeito dos diversos atos praticados, das provas produzidas, dos argumentos apresentados pelo adversário, a participação seria ilusória e desprovida de aptidão para influenciar o convencimento do juiz”. [17]
A citação por edital, de seu lado, se traduz apenas em uma presunção de que o réu teve esse conhecimento, uma vez que foi pensada apenas como meio subsidiário destinado a suprir a citação real ou in faciem. Se se tem apenas a presunção de que o acusado teve conhecimento do processo, não era correto e nem atendia aos apelos constitucionais, que a ação penal, ainda assim, prosseguisse contra o réu silente, mesmo que se lhe fosse nomeado advogado para cuidar de sua defesa, a considerar, a fortiori, todos as deficiências da defesa dativa e, no mesmo passo, a rarefeita ação da DEFENSORIA PÚBLICA.
Importa enfatizar, nessa linha de pensar, que o legislador, ao preconizar a citação ficta, fê-lo nas hipóteses em que não fosse possível localizar o citando a fim de integrar a relação processual, no sentido de impedir, pela ação do autor do fato, que se interpusesse um obstáculo entre o Estado e o autor do crime. Pretendia-se, com isso, evitar que a ação repressiva do estado restasse debalde, em face, por exemplo, da fuga do acusado do distrito da culpa. Com o tempo, no entanto, verificou-se que, pior que prosseguir um processo penal à revelia do acusado, era não se lhe garantir o exercício de sua defesa, nos moldes preconizados pela Constituição Federal, daí a inovação.
11-O PRINCÍPIO DA IGUALDADE ALBERGADO E A PAR CONDITIO.
No Brasil, sabe-se, o princípio da igualdade emana do artigo 5º da CP.[18] Essa, igualdade, todavia, é mera ficção jurídica, a considerar que, de rigor, todos somos desiguais. Cabe, pois, ao Estado suprir essas desigualdades.
No processo penal, v. g., é curial que, sem a intervenção estatal, quer legislando, quer criando órgão de defesa do hipossuficiente, a desigualdade perduraria. A igualdade, assim, seria apenas uma formalidade.
Faz-se necessário, pois, a par dessa constatação, que se assegure aos litigantes no processo penal – MINISTÉRIO PUBLICO e acusado – a paridade de armas, a par conditio. Um das partes não pode, em face da desproporção de armas, massacrar a outra, tirar proveito da fraqueza da parte ex adversa. Permitir, como se assistia antes da inovação, que o réu revel litigasse com o MINISTÉRIO PÚBLICO, em absoluta condição de inferioridade, ausente, sem ter notícia real da existência do processo, seria, à toda evidência, sublimar a desigualdade.
Mas não basta apenas a presença do acusado, não basta que tão-somente se lhe permita conhecer o processo. E necessário, ao lado da ciência do fato, que a defesa técnica do acusado seja real, efetiva, à toda evidência. Não é aceitável que uma das partes litigantes tenha mais direitos que a outra. É preciso assegurar a ambas as partes idênticas oportunidades. Ao réu, devo redizer, não basta somente estar presente no curso do processo. É mister que a sua defesa seja exercida por um profissional que se coloque em condições eqüipolentes ao MINISTÉRIO PÚBLICO. Nessa sentido avulta de importância a DEFENSORIA PÚBLICA, órgão essencial à função jurisdicional do Estado, segundo a Carta Política em vigor. [19]
12-A PAR CONDITIO E A OMISSÃO DO PODER EXECUTIVO.
Malgrado a importância da defesa para o equilíbrio processual, pese a relevância da DEFENSORIA PÚBLICA, para que se (re) estabeleça a paridade de armas, a verdade é que o Poder Executivo pouco tem se importado com essa questão, decorrendo da omissão do Estado-Administração de os magistrados, na quase totalidade das Comarcas do Maranhão, terem que nomear defensores dativos, que, como se sabe, não cuidam, com denodo, da defesa do hipossuficiente.
Em face do diminuto número de Defensores Públicos, tenho assistido, aqui na capital, os poucos em atuação se desdobrando em várias varas ao mesmo tempo, fazendo duas ou três audiências simultaneamente, do que resulta, impende compreender, uma defesa criminal capenga – por mais que se esforcem; não por faltar-lhes condições técnicas, mas por faltar-lhe condições de trabalho.Não posso compreender, sinceramente, como se estabelecer a par conditio com tantas disparidades, sob todos os aspectos – menos o intelectual -, entre os dois agentes estatais – Ministério Público e Defensoria Pública – responsáveis pela representação das partes.
A propósito do tema em comento, id. est. das desigualdades entre as partes litigantes e da necessidade da instituição das Defensorias Públicas, ROGÉRIO TUCCI, citado por ANTONIO SCARANCE FERNANDES, assevera que “esses paliativos todavia, aqui como alhures, não tiveram, nem podem ter, o condão de solucionar o problema. E, acrescidos a eles os relacionados com a deficiência da atuação profissional do advogado incumbido de efetuá-la, verifica-se, realística e lamentavelmente, que os postulados constitucionais da igualdade e da assistência judiciária gratuita passaram, especialmente em matéria criminal, da salutar intenção do legislador constituinte à quimera dos menos afortunados de, em algum dia, contar com o efetivo patrocínio defensivo de seu direito subjetivo material, precipuamente do de liberdade, relegado ao utópico anseio de assemelhação com o assegurado aos economicamente poderosos…” [20]
13-O TRATAMENTO QUE SE DISPENSA À DEFENSORIA PÚBLICA NO MARANHÃO.
No Maranhão, conquanto exista a Defensoria Pública, com profissionais da mais alta envergadura moral e intelectual, a verdade é que esses profissionais têm sido tratados com descaso pelo Poder Público. Os homens públicos do Estado do Maranhão custam a se sensibilizar quando as suas ações se destinam a finalidades que não lhes dêem visibilidade. E, assim, se desdobrando, multiplicando o seu tempo, os ilustrados Defensores Públicos vão se superando, aqui e acolá, na defesa dos necessitados – necessitados e esquecidos pelo Estado.
14-O TRATAMENTO DESIGUAL SEM PERDER DE VISTA AS SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS
É cediço que quando falo na necessidade de que se dê às partes tratamento igualitário no Processo Penal, quando falo na paridade de armas, não estou excluindo a possibilidade de, em determinadas situações, dar-se a uma delas tratamento especial, até mesmo para restabelecer a igualdade, como acontece com o acusado, v.g., em face dos princípios do in dubio pro reo e favor rei -mesmo acusado que, na fase indiciária, se coloca em desigualdade diante do Estado.
A propósito, Tourinho Filho, refletindo acerca da quaestio, se valendo do escólio de Jimenez Asenjo assevera que “ É difícil estabelecer igualdade absoluta de condições jurídicas entre o indivíduo e o Estado no início do procedimento, pela desigualdade real que em momento tão crítico existe entre um e outro. Desigualdade provocada pelo próprio criminoso. Desde que surge em sua mente a idéia do crime, prossegue Tourinho Filho, estuda cauteloso um conjunto de precauções pra subtrair-se à ação da Justiça e coloca o Poder Público em posição análoga á da vítima, a qual sofre o golpe de surpresa, indefesa e desprevenida. Para restabelecer, pois, a igualdade nas condições de luta, já que se pretende que o procedimento criminal não deva ser senão um duelo ‘ nobremente’ sustentado por ambos os contendores, é preciso que o Estado tenha alguma vantagem nos primeiros momentos, apenas para recolher vestígios do crime e os indícios de culpabilidade do seu autor.” [21]
Essa desvantagem inicial do indiciado junto ao Estado, em face do crime que possa ter planejado e cometido, não pode, nada obstante, perdurar, indefinidamente. Devem ser preservados, assim, passado essa situação excepcional, de qualquer sorte, os mesmos direitos, o mesmo ônus e os mesmos deveres do acusado frente a Estado persecutório.
JOSÉ FREDERICO MARQUES, a propósito, preleciona que “ Dentro das necessidades técnicas do processo deve a lei propiciar ao autor e réu uma atuação processual em plano de igualdade no processo, deve dar a ambas as partes análogas possibilidades de alegação e prova.” [22]
15-AS QUESTÕES QUE SE SUSCITA EM FACE DO DESEQUILÍBRIO ENTRE AS PARTES.
Como estabelecer essa igualdade, como possibilitar às partes análogas condições, enfraquecendo uma instituição e fortalecendo outra, possibilitando que uma das instituições atue em todos os lugares e a outra apenas em determinadas áreas? Com estabelecer essa igualdade, destinando dois representantes de uma mesma instituição (MINISTÉRIO PÚBLICO) a uma vara e duas varas para apenas um representante da outra instituição (DEFENSORIA PÚBLICA)? Com estabelecer essa paridade de armas, remunerando muito bem uma das instituições e muito mal a outra, exatamente a que cuida dos interesses do acusado hipossuficiente? Com estabelecer a eqüipolência de forças, estruturando muito bem uma instituição e negando uma estrutura decente à outra?
16-O DESEQUILÍBRIO DAS PARTES E A IMPARCIALIDADE DO JULGADOR.
É mister ter presente que uma situação antípoda, uma situação de desequilíbrio entre as partes litigantes afronta até mesmo a garantia de imparcialidade da jurisdição, que brota, é por demais sabido, da colaboração entre as partes e o juiz condutor do feito. É claro que as partes litigam buscando cada uma a decisão que mais lhe seja favorável. Mas é necessário que o façam com as mesmas armas.As partes, em busca de uma solução que atenda aos seus anseios, terminam por cooperar com o exercício da jurisdição, sabido que “ para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para reverter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente.” [23]
17-A VERDADE PROCESSUAL QUE DECORRE DA FALTA DE DIÁLOGO PROCESSUAL
Incontáveis vezes têm ocorrido de, por falta de colaboração das partes, defrontar-se o magistrado apenas com a verdade processual, sem que tenha podido, como era seu desejo, reconstruir a verdade histórica dos fatos.A atuação eficiente e eficaz das partes contendoras é mais do que essencial à jurisdição. Nenhum juiz, por isso, deve se sentir confortável diante de um acusado que não teve assegurado o seu direito à ampla defesa; ampla defesa que não pode apenas ser formal, mas efetiva, eficaz, real.
Ao magistrado interesse a ampla defesa real, material, capaz de definir, à farta, a parcialidade da parte, que é essencial, mais que essencial, à função jurisdicional.A dialética processual não pode ocorrer no plano abstrato, apenas como previsão legal. É necessária a participação efetiva dos sujeitos da relação processual no procedimento cognitivo.
O Juiz só se sentirá verdadeiramente confortável, se, ao decidir, tiver a convicção de que as partes tiveram idêntico tratamento, as mesmas oportunidades, as mesmas armas. Sentir-se-á seguro o magistrado para decidir, se tiver presente que tenha ocorrido o verdadeiro diálogo processual, que haja contraposição dialética, que às partes se tenham assegurado “ a possibilidade de recorrerem das decisões, de agirem, enfim, em juízo, para tutela de seus direitos e interesses, utilizando toda a ampla gama de poderes e faculdades pelos quais se pode dialeticamente preparar o espírito do juiz. O paralelismo entre a ação e defesa é que assegura aos dois sujeitos do contraditório instituído perante o juiz a possibilidade de exercerem todos os atos processuais aptos a fazer valer em juízo seus direitos e interesses e a condicionar o êxito do processo.” [24]
18-A NECESSIDADE DE FORTALECER-SE A DEFENSORIA PÚBLICA
Para que acusado e defesa colaborem com a jurisdição, por intermédio do contraditório, para que a defesa tenha real possibilidade de reação diante da ação do órgão oficial do Estado, é imprescindível o fortalecimento e a ampliação da Defensoria Pública.
A presença do acusado no curso da instrução, a necessidade que se lhe dê ciência da acusação, as inovações, enfim, estabelecidas com a lei 9271/1996, de nada adiantarão se o acusado permanecer sem efetiva condição de lutar, com paridade de armas, com o MINISTÉRIO PÚBLICO.
Somente o equilíbrio de armas garante, verdadeiramente, a contraposição dialética. Contraposição dialética que se espera em todos os processos criminais e não somente nos que, eventualmente, figurem no pólo passivo um detentor de capital.
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 13ª Edição, Editora saraiva, 2006, p.583/584.
[2] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, saraiva, Vol. I, 1998, p. 600.
[3] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, Atlas, 17ª Edição, 2005, p.476.
[4] [4] DE OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal, Del rey, 4ª edição, 2005, p. 455.
[5] [5] A vigência deu em 17 de junho de 1996, já que foi publicada no dia 17 de abril e teve sessenta dias de vacatio legis.
[6] Artigo 5ª, XLII (racismo) e XLIV (ações de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o estado democrático)
[7] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 6ªedição, Lúmen Júris, 2002, p.596.
[8] MIRABETE, Julio Fabrinni, Processo Penal, ob. cit. p. 478
[9] Ibidem
[10] CAPEZ, Fernando, ob. cit. p. 586
[11] Ibidem
[12] RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal, ob. cit. 596
[13] ibidem
[14] STJ –AGA 514205 – RS – 5ª T. – Relª Min. Laurita vaz – DJU 17.05.2004 – p. 00272)(JCPP 366 JCP.109
[15] MIRABETE, Júlio Fabbrini, Processo Penal, 17ª edição, Atlas, 2005. 459.
[16] MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito processual Penal, Rio de Janeiro, 1997, Bookseller, v. II, p.171.
[17] GRINOVER, Ada Pellegini et all, As Nulidades do Processo Penal, 7ª edição, Editora revista dos Tribunais, 103.
[18] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[19] Art. 134 e parágrafo único da CF.
[20] TUCCI Rogério, Direito e Garantias, p. 107, apud, FERNANDES, Scarance Fernandes, Processo Penal Constitucional, 4ª Edição, Editora Revista dos tribunais, 2005, 51.
[21] TORUINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal, 20 ed. 1998, vol. I, p. 51
[22] MARQUES, José Frederico, Instituições de Direito Processual Civil, 4ª edição, vol. II, p. 97.
[23] GRINOVER, Ada Pellegrini, Novas tendências do Direito Processual, Forense Universitária, 2ª Edição, 1990, p.3.
[24] GRINOVER, Ada Pellegrini, ob. cit. p. 5.