A falta de alegações finais – nulidade relativa ou absoluta ?

 Nenhum juiz que tenha presidido uma instrução, que vivencie um processo, que inquiri as testemunhas com os olhos voltados apenas para esclarecer a verdade, que não decide com os olhos voltados para as estatísticas, condena um réu apenas porque lhe faltou uma defesa mais eficaz.

Nenhum juiz que não tenha perdido a sua sensibilidade de ser humano e que tenha a exata compreensão dos efeitos de sua decisão, precisa de uma peça final de defesa para formar a sua convicção.

Juiz  José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

Cuida-se de artigo no qual refleti sobre a falta das alegações finais e suas consequencias.
Em determinados fragmentos anotei.

 

  1. Em face do entendimento do Tribunal de Justiça do Maranhão ficamos aqui embaixo, no primeiro grau, enfrentando toda sorte de esperteza, de manha e de artimanha, para conseguir julgar um processo, quando se poderia pacificar o seguinte entendimento, na linha de pensar do STF: intimado o procurador do acusado e se esse se fizesse silente, julgar-se-ia o processo, condicionada a anulação da decisão à prova, quantum satis, do prejuízo.
  2. Entendo que, se presumindo o prejuízo e inviabilizando-se o julgamento do processo sem as alegações finais da defesa, estimula-se a trampolinice, a solércia.
  3. Na linha de entendimento do Tribunal de Justiça do Maranhão, diametralmente oposta à minha, tem ocorrido, com freqüência, que, intimado o acusado para constituir novo procurador, em face da omissão do seu advogado, a artimanha se evidencia, pois que, nesse caso, tem ocorrido, com freqüência, que o advogado, até então omisso, peticiona para reafirmar que continua patrocinando a defesa do acusado. Diante da reafirmação do patrocínio, não há alternativa que não se lhe reabrir o prazo, para ofertar as alegações finais – como se reabriria, sem escapatória, se fosse outro o advogado a se habilitar.
  4. Tradução do exposto: o advogado, com essa manobra, ganha o prazo em dobro, eterniza a demanda, em detrimento da ética, do interesse coletivo e da credibilidade das instâncias responsáveis pela persecução criminal.
  5. Um parêntese. Qualquer processo que sofra percalço em seu andamento, considerando a infinidade de outros processos no aguardo de providências, pode ficar em cartório, aguardando novo despacho, por até um ano – numa visão otimista – não estando o acusado preso, é claro.
     
A seguir, o artigo por inteiro.
SUMÁRIO- I. A experiência acumulada– II. A falta de alegações finais e a posição da TJMA – III.Como deve se comportar o magistrado diante da omissão da defesa – IV.As chincanas que enfrentamos cá embaixo- V.O papel do juiz e do promotor de justiça num sistema garantista-VI.Como agem os chicaneiros em situações que tais- VII. O proceder diante da inevitabilidade da alicantina –VIII. AS nulidades decorrentes da falta de alegações finais – IX.A quaestio na visão dos tribunais- X.A quaestio na visão da doutrina – XI. Conclusão.
  

[1] GRINOVER, Ada Pellegrine et all. As Nulidades no Processo Penal, Editora revista dos Tribunais,7ª edição, 2001, p.202.
[2] ibidem
[3] ibidem
[4] STJ – HC 200500113588 – (41240 RJ) – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 29.08.2005 – p. 00380) JCPP.563 SÚMULA 523: No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”
[5] STF – HC 74.183/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 21/2/1997, p. 2.825). (STJ – HC 200401767514 – (40304 GO) – 5ª T. – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – DJU 22.08.2005 – p. 00312) JCPP.185 JCPC.572 JCPP.571 JCPP.188.
[6] HC 6.888-PE, DJ 8/9/1998, e HC 6.545-PE, DJ 25/2/1998. REsp 254.456-GO, Rel. Min. Vicente Leal, julgado em 4/10/2001.
[7]Processo RHC 16817 / SE ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2004/0155353-5 Relator(a) MIN. LAURITA VAZ (1120) T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 27/09/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 07.11.2005 p. 309
[8] STJ – HC 200401266247 – (38099 RJ) – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 01.08.2005 – p. 00484)
[9] TRF 1ª R. – ACR 200001000614374 – PI – 3ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Saulo José Casali Bahia – DJU 12.08.2005 – p. 66) JCPP.500
[10] TJAP – ACr 178604 – (6973) – C.Ún – Rel. Des. Gilberto Pinheiro – DOEAP 17.08.2004 – p. 15
[11] RT 592/326).
[12] MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal, 17ª edição, editora Atlas, 2005, p. 593
[13] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal, 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 620.
[14] ibidem
[15] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 13ª edição, Editora Saraiva, 2006, p.564
[16] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, Lúmen Júris, 6ª Edição, p. 436.
[17] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, Del rey, 4ª edição, 2005, p. 503

 

 

 

I-A EXPERIÊNCIA ACUMULADA.

Sou juiz da 7ª Vara da Comarca de São Luis, desde 1992, quando cheguei nesta capital, promovido da comarca de Imperatriz, onde atuei, por dois anos, na 2ª Vara Criminal. Inicialmente, fui auxiliar durante dois anos, para, depois, em 1994, assumir a titularidade.
Desde a faculdade que tenho um caso de amor com o Direito Penal e o Processo Penal. Em Imperatriz, nos dois anos que lá estive, ministrei aulas na Universidade Federal do Maranhão. Aqui em São Luis, também lecionei na mesma Universidade, Campus do Bacanga. Várias vezes ministrei aulas e cursos na Escola da Magistratura do Maranhão. Treinei, na mesma escola, magistrados recém-aprovados.

Posso afirmar, depois dessa longa experiência, que tenho alguma contribuição a dar aos leitores do meu blog, razão pela qual, vez por outra, exponho as minhas opiniões acerca dos mais variados temas, sempre na área criminal.

Pretendo, nesse artigo, tecer considerações acerca das alegações finais, ou melhor, da não apresentação das alegações finais e as suas conseqüências.

II-AS ALEGAÇÕES FINAIS.

Durante a persecução criminal, em seu momento judicial, desenvolvem-se varias atividades, no sentido de instruir o processo, ou seja, de produzirem-se provas, em face do crime eventualmente cometido, objetivando a reconstrução histórica dos fatos, para o provimento final.

Encerrada a produção de provas, a instrução se completa com o oferecimento das alegações finais, em cuja oportunidade as partes “constroem as suas versões” [1], objetivando “demonstrar o direito aplicável à hipótese” [2], buscando o convencimento do juiz acerca de suas teses.

No vigente CPP, “a omissão das alegações finais não é expressamente mencionada como causa de nulidade do processo; somente a falta de concessão do prazo respectivo(art. 564, III, e, parte final).”[3]

II-A FALTA DE ALEGAÇÕES FINAIS e A POSIÇÃO DO TJMA

Pretendo, nesse espaço, como dito acima, expender algumas considerações acerca das alegações finais, momento processual relevante, de efetividade do princípio do contraditório, em face da posição que tem sido adotada no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, ao defrontar-se com a sua não apresentação.

As considerações aqui expendidas decorrem do meu dia-a-dia como magistrado.

O que abaixo vou refletir, no que se refere à ação (ou omissão?) dos advogados, não há nos manuais, pois que só vivenciado por quem tem o dever de decidir uma demanda judicial.

Deter-me-ei, pois, sobre os expedientes pouco profissionais de alguns advogados que se julgam mais espertos que os outros, que deixam de apresentar as alegações finais, ainda que intimados para esse fim.

Não será objeto de considerações, é bem de ver-se, a falta de apresentação de alegações finais, como estratégia de defesa, fato de resto muito comum e compreensivo.

Pois bem.

Finda a instrução criminal, é cediço que se segue a fase das alegações finais – escritas, tratando-se de procedimento comum ou de procedimento bifásico do Júri, ou oral, em audiência, cuidando-se de rito ordinário ou sumário

É exatamente nessa hora, a partir da intimação do representante legal do acusado em juízo, para apresentar as alegações, que reside a questão que me tem atormentado no labor diário.

Explico. É que, Intimado o Ministério Público, este, a tempo e hora, de regra, oferta as alegações finais. O mesmo não ocorre, no entanto, em relação ao procurador do acusado. Não raro, pese intimados, os advogados deixam de ofertar as alegações finais. Uns, por estratégia de defesa; outros, por pura malandragem. No primeiro caso, a omissão é compreensivel; no segundo, abominável.

Como se comportar o magistrado, diante dessa omissão?

É o que pretendo refletir a seguir.

III-COMO DEVE SE COMPORTAR O JUIZ DIANTE DA OMISSÃO DA DEFESA.

O que deve fazer o juiz, em face dessa omissão? Pura e simplesmente nomear defensor dativo? Ou dar ciência da omissão ao acusado para se manifestar e constituir novo procurador? Ou, noutro giro, deve, ou não, julgar o processo, sem qualquer providência adicional, ainda que sem as alegações finais?

No início da minha carreira, estimulado por decisões do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que o que causa a nulidade é a falta de intimação do advogado e, não, a falta das alegações finais, eu, simplesmente julgava o processo e o fazia por não vislumbrar ofensa irreparável às garantias do devido processo legal.

Por vezes agi assim; por vezes tive o dissabor de ver as minhas decisões anuladas pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, em beneficio do acusado e de seu advogado omisso, à alegação de cerceamento de defesa, mesmo sem que a parte demonstrasse a ocorrência de prejuízo e ainda que o advogado do acusado tivesse sido intimado e tivesse, por isso, dado causa à “nulidade”.

Em face dessa posição do TJMA, passei a não mais julgar os processos sem alegações finais, ainda que traindo minhas convicções.

Conquanto tenha sido compelido a me comportar dessa forma, não estou desobrigado de refletir acerca da questão e nem concordar com o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO.

Desde minha visão, no que discrepo do TJMA, a condição para que não ocorra nulidade é a intimação do advogado; nunca a falta de alegações finais. Se ele se faz omisso, essa é uma questão afeta a ele e ao seu constituinte.

Entendo que, tendo sido julgado o processo, sem as alegações finais da defesa, a decisão só deveria ser anulada se, depois, em sede de recurso, restasse provada, sem rebuço, a ocorrência de prejuízo. Nunca, entrementes, apenas porque foi julgado o processo sem as alegações finais, com presunção do prejuízo.

IV-AS CHINCANAS QUE ENFRENTAMOS CA EMBAIXO

Em face do entendimento do Tribunal de Justiça do Maranhão ficamos aqui embaixo, no primeiro grau, enfrentando toda sorte de esperteza, de manha e de artimanha, para conseguir julgar um processo, quando se poderia pacificar o seguinte entendimento, na linha de pensar do STF: intimado o procurador do acusado e se esse se fizesse silente, julgar-se-ia o processo, condicionada a anulação da decisão à prova, quantum satis, do prejuízo.

Entendo que, se presumindo o prejuízo e inviabilizando-se o julgamento do processo sem as alegações finais da defesa, estimula-se a trampolinice, a solércia.

Na linha de entendimento do Tribunal de Justiça do Maranhão, diametralmente oposta à minha, tem ocorrido, com freqüência, que, intimado o acusado para constituir novo procurador, em face da omissão do seu advogado, a artimanha se evidencia, pois que, nesse caso, tem ocorrido, com freqüência, que o advogado, até então omisso, peticiona para reafirmar que continua patrocinando a defesa do acusado. Diante da reafirmação do patrocínio, não há alternativa que não se lhe reabrir o prazo, para ofertar as alegações finais – como se reabriria, sem escapatória, se fosse outro o advogado a se habilitar.

Tradução do exposto: o advogado, com essa manobra, ganha o prazo em dobro, eterniza a demanda, em detrimento da ética, do interesse coletivo e da credibilidade das instâncias responsáveis pela persecução criminal.

Um parêntese. Qualquer processo que sofra percalço em seu andamento, considerando a infinidade de outros processos no aguardo de providências, pode ficar em cartório, aguardando novo despacho, por até um ano – numa visão otimista – não estando o acusado preso, é claro.

Retorno ao tema.

E por que os advogados agem assim? Porque sabem que, se o feito subir sem alegações finais, o Tribunal de Justiça do Maranhão simplesmente o anula.

Conclusão: a posição do Tribunal de Justiça, estimula a deslealdade. Adotasse o Tribunal outro entendimento, ou seja, reconhecesse o Tribunal a inocorrência de nulidade em face da falta de alegações finais – desde que, claro, o advogado tivesse sido intimado – os advogados chicaneiros não agiriam assim, já teriam adotado outro procedimento.

Na minha visão, reafirmo, a questão não é de difícil desate: intimado o advogado para ofertar as alegações finais, quer nos crimes da competência do juiz singular, quer nos crimes da competência do Tribunal do Júri, o juiz deveria decidir. Recorrendo a defesa da decisão que lhe tenha sido desfavorável, o Tribunal, provada a ocorrência de prejuízo, aí, sim, anularia o processo. Anulá-lo somente porque desacompanhado das alegações finais, com presunção juris et de jure de prejuízo, para mim é um estimulo à trampolinice.

V- O PAPEL DO JUIZ DE DO PROMOTOR NUM SISTEMA GARANTISTA.

Sobreleva consignar, em defesa da tese, que ao juiz compete, num sistema garantista, respeitar e fazer respeitar os direitos do acusado. Nenhum juiz, minimamente consciente, condena um acusado, ante a certeza de que a falta das alegações finais tenha vindo em detrimento de sua defesa. É mínimo que se espera de um juiz garantista, num sistema penal também garantista.

Releva anotar, demais, que no pólo ativo da relação processual está o Ministério Público, o qual, conquanto adote uma posição de ataque, não deve, sob qualquer pretexto, se valer de eventual fraqueza da defesa. O Ministério Público, a meu ver, acumula, no processo penal, as funções de dominus litis e de custos legis. O Ministério Público e o magistrado, nesse contexto, devem ser os garantidores das franquias constitucionais do acusado. O juiz que julga um processo e condena, tirando proveito de uma situação de desequilíbrio entre os litigantes, não cumpre bem o seu papel.

VI-COMO AGEM OS CHICANEIROS EM SITUAÇÕES QUE TAIS.

Interessante consignar que os mesmos advogados que se fazem omissos quando intimados para as alegações finais, são os que, entregue o provimento, sem alegações finais, recorrem da decisão, postulando a sua anulação à alegação de cerceamento de defesa. É dizer: é o infrator se beneficiando da infração. È o advogado se beneficiando da própria torpeza.

Acontecia no passado, nesta vara, que, anulado o processo e baixando-se os autos – na hipótese de julgamento sem as alegações finais -, aqui embaixo se determinava, mais uma vez, a intimação do advogado do acusado. Aquele mesmo advogado que, na primeira oportunidade, se fez omisso, mais uma vez, intimado, se fazia omisso. Em face dessa nova omissão, mais uma vez se determinava a intimação do acusado, para constituir novo procurador. Somente se ele não o fizesse é que se destinava defensor dativo.

Intimado o acusado para constituir novo procurador, ele se apresenta, mais uma vez, com o mesmo advogado, o qual, muitas vezes, vem a juízo apenas para dizer que continua patrocinando a defesa do acusado, esperando, depois, nova intimação para ofertar as alegações finais.

E assim vão levando, procrastinando o resultado do processo.

Mas se o juiz, diante dessa manobra resolve nomear defensor dativo, ao invés de reabrir o prazo? O que pode acontecer? A decisão pode vir a ser anulada, sempre frente ao argumento de que o acusado não foi defendido por quem havia escolhido.

Vale à pena correr o risco? Ou é melhor se submeter aos caprichos dos advogados espertalhões?

Sabendo como sei que o Tribunal reconhece a nulidade absoluta à falta de alegações finais, quer nos crimes do júri, que nos do juiz singular, não mais me atrevo julgar sem a peça em comento, ainda que tenha sido intimado o procurador do acusado. Sabendo, como sei, que a decisão pode ser anulada, se apresentadas as alegações finais por defensor dativo, tendo o acusado manifestado que tem advogado constituído, sinto-me compelido a suportar a ardileza – suportar, mas discordando da posição do Tribunal.

Diante da omissão da defesa, têm-se duas opções.- todas em detrimento do interesse da coletividade. Ou se julga sem as alegações finais e o processo será anulado no juízo ad quem, ou, logo aqui embaixo, se enfrenta, sem delongas, a chincana.

Tenho preferido, ultimamente, enfrentar a alincantina, porque sei que, se julgar, o feito retorna e vou ter que refazer a decisão, intimando, antes, o advogado do acusado – ou ele próprio, se o advogado se fizer omisso, para constituir novo procurador. Numa ou noutra hipótese, quer julgue logo, quer julgue depois, a situação é a mesma. Tem-se que expender energia para conseguir as alegações finais.

Entre a primeira intimação e a última, considerando todos os entraves burocráticos, o acusado pode ganhar até um ano, em face da infinidade de processos em andamento.

E isso ocorre, repito, porque os advogados já sabem que o feito, sem alegações finais, não será julgado; se julgado, será anulado no órgão ad quem. Sabem que, tendo declinado ter procurador, se for nomeado defensor dativo, para ofertar as alegações finais, o processo também pode ser anulado por isso.

VII -O PROCEDER O JUIZ DIANTE DA INEVITÁBILIDADE DA ALICANTINA.

O que fazer, diante dessa situação, se o Tribunal de Justiça, por suas Câmaras, chancela, com seu entendimento, essa trampolinice? O que fazer, se o juiz não pode deixar de cumprir a determinação superior, no sentido de, mais uma vez, intimar o advogado do acusado, apesar de saber tratar-se de uma manobra ? O que fazer aqui embaixo, no juízo a quo, se o juiz não pode nomear defensor, sem, antes, ouvir o acusado? O que fazer, se o acusado, depois de intimado, reafirma que seu advogado é o mesmo que antes se mostrou omisso?

A meu aviso, o juiz de primeiro grau, diante dessa verdadeira alicantina, nada pode fazer. A única solução que vislumbro é o Tribunal entender e pacificar o entendimento, definitivamente, de que, ainda que sem alegações finais, o juiz pode entregar o provimento judicial, desde que, claro, o procurador do acusado tenha sido intimado para esse fim, ficando eventual anulação do feito condicionada à prova de prejuízo.

VIII-A QUAESTIO NA VISÃO DOS TRIBUNAIS

Os Tribunais, como a doutrina, ainda não firmaram uma posição definitiva acerca da quaestio. Essa posição pendular dos Tribunais e da doutrina – ora considerando nulidade absoluta; ora considerando nulidade relativa; ora não vendo nulidade alguma – tem causado a todos nós julgadores inseguranças e tem servido de expediente vergonhoso dos maus profissionais.

As decisões díspares acerca do tema se multiplicam, como a que proclama que em tema de nulidade, “é princípio fundamental, no processo penal, a assertiva de que não se declara nulidade de ato, se dele não resultar prejuízo comprovado para o réu, nos termos do art. 563 do CPP e da Súmula 523 do STF” [4]

O entendimento sumulado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL encontra conforto na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal no excerto em que condena a elevação de uma formalidade ao paroxismo, ao firmar que “Se a parte interessada não argúi a irregularidade ou com esta implicitamente se conforma, aceitando-se os efeitos, nada mais natural que se entenda haver renunciado ao direito de argüi-la. Se toda formalidade processual visa um determinado fim, e este fim é alcançado, apesar de sua irregularidade, evidentemente carece esta de importância. Decidir de outro modo será incidir no despropósito de considerar-se a formalidade um fim em si mesma”. [5]

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, por uma de suas turmas, já pacificou o entendimento de que,”nos processos de competência do Tribunal do Júri, não consubstancia nulidade a falta de apresentação das alegações finais que antecedem a fase acusatória “.[6]

O mesmo Tribunal, em outra oportunidade, decidiu no mesmo sentido de que “nos processos da competência do Júri Popular, o não-oferecimento de alegações finais na fase acusatória (iudicium accusationis) não é causa de nulidade do processo , pois o juízo de pronúncia é provisório, não havendo antecipação do mérito da ação penal, mas mero juízo de admissibilidade positivo ou negativo da acusação formulada, para que o Réu seja submetido, ou não, a julgamento perante o Tribunal do Júri, juízo natural da causa” [7]

Em outra oportunidade, agora em crimes da competência do juiz singular, mitigando o rigor inicial e decidindo na mesma linha de entendimento que defendo nesse artigo, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA proclamou que é “Descabido o argumento de nulidade em virtude da nomeação de Defensor Público ao paciente, pois tal fato somente ocorreu após sua ciência acerca da não apresentação da peça por seu patrono e a abertura de oportunidade para nomear novo defensor. Não há ilegalidade a ser sanada, tendo em vista a culpa da própria defesa, a qual se negou a apresentar as alegações finais, inviabilizando o término do processo. Tratando-se de nulidade no Processo Penal, é imprescindível, para o seu reconhecimento, que se faça a indicação do prejuízo causado ao réu, o qual não restou evidenciado no presente caso. Incidência da Súmula nº 523/STF. VIII”. [8]

O TRF, na mesma senda do entendimento do signatário de que o que deve ser obrigatória é a intimação e não a peça processual, já proclamou que “ Diante da falta de alegações finais pela acusada, a partir da falta de efetiva intimação do advogado constituído para a prática do ato e inexistindo a nomeação de defensor dativo para suprir a falta, deve a sentença ser anulada, retornando os autos ao Juízo de origem, para os fins do art. 500 do Código de Processo Penal. A ausência das alegações finais acarreta violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa”.[9]

No mesmo sentido da tese aqui esposada é a decisão segundo a qual “a ausência de intimação do defensor para apresentar alegações finais causa nulidade em razão de ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”. [10]

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, enfrentando a quaestio iuris, decidiu que “as alegações finais são da essência do contraditório penal e sua falta ou seu cunho absolutamente inexpressivo, que a tanto equivale, fere o princípio constitucional da ampla defesa”. [11]

X-A QUAESTIO NA VISÃO DA DOUTRINA

É de relevo que se reafirme, antes de qualquer outro argumento, que não se pode simplesmente suprimir os prazos para oferecimento das alegações finais.

JULIO FABBRINI MIRABETE, depois de ressaltar a importância de se intimar o procurador do acusado para ofertar as alegações finais, conclui afirmando que “ a apresentação de alegações finais é uma faculdade da defesa, que pode-se omitir, já que o juiz decidirá a causa de acordo com a prova existente autos. Assim, só se deve decretar a nulidade na falta de oportunidade para oferecimento das alegações finais pela defesa e não pela sua ausência”. [12]

GUILHERME DE SOUZA NUCCI entende que as alegações finais são essenciais, “em homenagem à ampla defesa”, pois que, segundo ele, “é preciso o prounciamento da defesa técnica sobre a prova produzida, algo que o réu não pode fazer”.[13]

Em defesa do argumento, GUILHERME DE SOUZA NUCCI aduz que “nas alegações finais está o momento correto para a parte interessada levantar eventuais nulidade havidas ao longo da instrução e somente detectadas pelo estudo das provas”.[14]

FERNANDO CAPEZ, na mesma linha de entendimento do signatário, argumenta ser imprescindível “ a intimação da defesa para qualquer daqueles atos processuais, em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), sob pena de nulidade”. [15]

PAULO RANGEL não discrepa. Preleciona, a propósito, que “as alegações finais são peças imprescindíveis, pois, se não forem oferecidas no momento oportuno, ficará extinto o direito de fazê-lo fora do prazo do artigo 500 do CPP” Aduz, mais adiante, que “assim se repete o que se disse quanto à defesa prévia, ou seja, indispensável é a notificação das partes para se manifestarem em alegações finais”. [16]

EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA, a seu tempo, na mesma toada, preleciona que “É também essencial a fase das alegações finais, particularmente para a defesa,já que é nessa fase que se expõe, mais profunda e amplamente, as teses de direito, bem como o confronto entre o material probatório produzido pela acusação e aquele produzido pela defesa, e/ou em que se busca infirmar o valor probatório das provas realizadas pela acusação na fase de instrução. Por isso, a falta de ‘oportunidade’ para o oferecimento das alegações finais é passível de nulidade absoluta, conforme se reconhece, sem divergência, na doutrina e na jurisprudência”. [17]

XI-CONCLUSÃO

Disse nas notas introdutórias que tenho vários anos dedicados à Justiça Criminal no meu Estado. Só aqui em São Luis me dedico a Justiça Criminal há 14(quatorze) anos. Nesse tempo já me deparei com todas as questões possíveis e imagináveis. Já me defrontei, também, com todo tipo de profissional, com todo tipo de artimanha, de esperteza, de deslealdade processual, de negligência profissional, de ardileza, de manha e velhacaria.

Pese o exposto, nunca condenei um acusado sem que tivesse a mais nítida convicção de sua culpa. Nunca, em tempo algum, uma peça de defesa conseguiu mudar a convicção que vou formando ao longo da instrução criminal, daí a minha compreensão de que a falta de alegações finais não causa nulidade, porque dela não decorre, necessariamente, prejuízo ao acusado.

Nenhum juiz que tenha presidido uma instrução, que vivencie um processo, que inquiri as testemunhas com os olhos voltados apenas para esclarecer a verdade, que não decide com os olhos voltados para as estatísticas, condena um réu apenas porque lhe faltou uma defesa mais eficaz.

Nenhum juiz que não tenha perdido a sua sensibilidade de ser humano e que tenha a exata compreensão dos efeitos de sua decisão, precisa de uma peça final de defesa para formar a sua convicção.

Já ocorreu, incontáveis vezes, de a própria defesa se surpreender com, por exemplo, o perdão judicial em favor do seu constituinte, sem que sequer tenha cogitado dessa possibilidade. Já ocorreu, demais, de o signatário reconhecer a atipicidade da conduta, em face da insignificância da lesão, sem que tenha sido a questão agitada. Já ocorreu, também, de o signatário promover a substituição da pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade, sem que a defesa se tenha apercebido dessa possibilidade. Já ocorreu, outrossim, de pese, a divergência jurisprudencial, o signatário reconhecer a confissão policial como atenuante, surpreendendo, mais uma vez, a defesa. Já aconteceu de o réu ser absolvido à consideração de furto de uso, sem que a quaestio tenha sido pensada e pese o pedido de condenação formulado pelo Ministério Público.

Com essas constatações, reafirmo que a simples falta das alegações finais, num sistema garantista, não decorre, necessariamente, a anulação do processo, à presunção de prejuízo – a menos que demonstrado.

A meu aviso, se o magistrado que presidiu a instrução e alfim dela ainda precisa das alegações finais, quer da defesa, quer do Ministério Público, para decidir acerca da condenação do acusado ou acerca de sua absolvição, não deve decidir.

Nenhum magistrado, ao que eu saiba, encerra uma instrução sem que tenha formado a sua convicção – ou da inocência do acusado, ou da sua culpa, ou da inexistência de provas suficientes para condenar.

Entendo que a defesa pode contribuir com o magistrado nas questões meramente técnicas, nunca, entrementes, nas questões fáticas, encerrada a instrução. O juiz que chega alfim de uma instrução criminal e ainda depende das alegações finais das partes para formar a sua convicção, não viveu o processo, não devendo, por isso mesmo, decidir a sorte do acusado.

Quando o juiz recebe o processo concluso para decidir, sob os seus olhos vê repassarem os fatos, como se fora um filme. Nessa hora, assoma em seu espírito a convicção que foi se sedimentando ao longo da instrução. Convicção que pode ser, repito, ou da culpa do acusado ou da sua inocência. Ou da incerteza acerca da autoria e/ou da existência do crime. Ou da inexistência de provas para dar sustentação a uma decisão de preceito sancionatório ou da inexistência de provas bastante de ter ele concorrido para o resultado lesivo.

O magistrado, tenho dito, não é uma máquina. O magistrado, por isso, não deixa de se envolver emocionalmente com as questões que se lhes colocam para examinar. Por isso que, ao receber um processo para julgar, cuja instrução tenha presidido, ele já sabe, muito bem, que posição adotar. Ele já tem formado em seu espírito o entendimento de ser, ou não ser, culpado o acusado. De posse dos autos, portanto, o que lhe pode faltar, naquele momento, é a sua convicção acerca de determinados detalhes técnicos da decisão, os quais serão buscados no momento em que for decidir. Detalhes técnicos cuja solução encontrará no momento em que se debruçar sobre os autos com mais vagar. Nenhuma questão técnica relevante deve passar ao largo do seu exame, ainda que não tenha sido agitado pelas partes. É dever do magistrado enfrentar todas as questões jurídicas que se apresentem ao decidir – ainda que as partes sobre elas não tenham expendido uma só linha –, ainda que não tenham sido ofertas as alegações finais.

De tudo o que expus acima posso afirmar que, sob a minha ótica, a inexistência da peça final da defesa não é causa de nulidade, desde que tenha sido intimado o representante legal do acusado para esse fim.

Reafirmo que o juiz e o Promotor, num sistema garantista, não podem quedar-se inertes diante de uma ofensa a direito do acusado. O Promotor de Justiça que tenha consciência de seu papel, não busca uma condenação como um fim em si mesma, não se vale da fraqueza do acusado e/ou da deficiência de sua defesa. Da mesma forma, um magistrado garantista não se vale da fragilidade da defesa e/ou da negligência do representante legal do acusado para condená-lo.
Por tudo isso é que entendo não se deve supervalorizar as alegações finais, pois que, agindo assim, faz-se o jogo do profissional esperto, em detrimento da celeridade processual.

Referências bibliográficas e jurisprudenciais

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “A falta de alegações finais – nulidade relativa ou absoluta ?”

  1. Muito bom o artigo. É uma pena que em nosso Tribunal de Justiça ainda persista entendimentos que estimulam a morosidade e a impunidade preponderante em nosso sistema jurídico.

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