O dia-a-dia de um magistrado-I

A partir de agora, todos os dias, a menos que não ocorro fato novo, pretendo descrever o meu dia-a-dia como magistrado. Acho que o leitor gostará de saber como vivemos, como decidimos no nosso labor diário. As nossas dificuldades para decidir, os entraves burocráticos e má vontade dos dirigentes também merecerão considerações.

Hoje, por exemplo, das cinco audiências que designei, realizei apenas duas, à falta de cumprimento dos mandados. Mês passado designei 22 audiências, pela manhã e pela tarde, mas só realizei duas.É que a Sétima Vara Criminal conta com apenas um oficial de justiça. Além disso, a Corregedoria só disponibiliza carro 6 vezes ao mês. É dizer: não se tem o básico para funcionar. E não se deve esperar nada além disso. Os homens que dirigem o Tribunal, pelo menos em relação à Sétima vara Criminal, não têm nenhuma sensibilidade. Nada obstante tenha oficiado, por quatro vezes, à Corregedoria, pedindo a designação de mais um oficial de justiça, de lá não recebi, até as dezessete horas de hoje, quando deixei o Fórum, nem mesmo um telefonema. Lá estão surdos para as minhas reivindicações, como se as fizesse em meu interesse pessoal e, não, no interesse da própria coletividade.

No último ofício que encaminhei ao Corregedor, no dia de hoje – para o qual, a exemplo dos demais, não espero resposta – fiz ver a ele que o povo tem razão quando acha que não merecemos o que ganhamos.

Várias são as diligências que temos que implementar para realizar uma audiência. Gasta-se papel, tinta, energia, cafezinho, água e outras coisas mais, para, alfim, não se realizar o ato.

O que é mais grave é que as testemunhas, a maioria pobre, se deslocam para o Fórum para, depois, simplesmente, serem dispensadas porque o ato não se realizará. Hoje, pela manhã, a Secretária judicial estava pedindo dinheiro trocado para pagar a passagem de uma testemunha que se deslocou ao Fórum para nada.

Semana passada fui pedir desculpas a uma testemunha que também se deslocou e não foi ouvida – e que terá que retornar em outra data – e fui tratado com desdém. Mas eu compreendo, pois as pessoas ficam mesmo revoltadas ao terem que ir ao fórum em vão. Eu, pelo menos, costumo dar uma satisfação às pessoas. Muitos não estão nem aí.

O grave, em tudo isso, é que o Tribunal não se sensibiliza para essa situação, que depõe contra a instituição. Os nossos dirigentes não estão nem aí. O que importa mesmo é um retrato na galeria dos dirigentes do Tribunal e da Corregedoria, para posteridade.

Na verdade, ao que tenho constatado, ao longo de quase vinte anos dedicados à magistratura, é que o Poder Judiciário é uma quimera. Só tem servido, ao longo dos anos, como legitimador da denominação de uma elite, que só olha para o seu próprio umbigo.

O que mais estarrecedor é que muitos juízes – a grande maioria – são egressos das classes menos favorecidas. Pese essa constatação, quando ascendem ao Poder, sobretudo se ungidos ao desembargo, passam a tratar os menos favorecidos com escárnio, com desprezo.

É por essas e por outras tantas razões que não temos credibilidade.As pessoas se cansam de esperar por Justiça. Aliás, só se sabe que ela funciona mal, muito mal, quando dela se precisa. Triste daquele que precisar do Poder Judiciário. Ainda que tenha uma pessoa amiga para ajudar.

Tenho uma amiga, cujo marido faleceu recentemente, num grave acidente de trânsito, que está desde outubro no aguardo de um simples alvará, para sacar uma determinada importância. Eu disse, desde outubro!!! Para amenizar a sua decepção, eu, pessoalmente, a levei ao magistrado que cuida do pedido, para ver se agilizava a decisão. Isso depois dela ter ficado por quase duas horas esperando para ser atendida pela Secretária Judicial.

É, definitivamente, um absurdo. E não adiante denunciar para Corregedoria que nada vai acontecer, porque no Poder Judiciário não há órfãos. Todos são apadrinhados. E triste de quem resolver enfrentar uma Secretaria – antiga Escrivã – que tenha um padrinho.

Hoje, pela manhã, uma senhora estava à procura de uma vara da família. Não tinha noção de como saber qual das varas de família corria o seu inventário. A vi apelando para um e para outro, nos corregedores, perdida, e ninguém lhe dava a menor importância. Na minha sala determinei que a ajudassem. Com facilidade descobri a vara que procurava, tendo determinado, depois, que uma funcionária a levasse ao cartório.

Triste dessa senhora – de oitenta anos, segundo me disse – se não fosse a minha intervenção. Estaria perdida até agora. È que as pessoas, definitivamente, perderam a sensibilidade. Muitas são as pessoas, como ela, que buscam e não encontram quem lhes dê atenção. Nos cartórios as pessoas são tratadas com desprezo. Menos na sétima vara. Os meus funcionários são treinados para tratar bem, ainda que sejam maltratados.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “O dia-a-dia de um magistrado-I”

  1. bem aventurado sejais, pois raramente vemos magistrados com o nível de consciência humana que tens!!

  2. Felizmente, nós maranhenses temos através deste espaço a oportunidade de saber um pouco dos bastidores do nosso sistema judiciário.

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