Somos, ou não, filhos do mesmo estado?

Se somos filhos do mesmo Estado, se vivemos numa mesma sociedade, se a lei é feita para todos, por que, então, sempre que se prende uma pessoa destacada ( econômica e politicamente) da sociedade a sensibilidade das pessoas fica mais evidente?

A verdade é que, ao que sinto, os responsáveis pela persecução criminal, em casos que envolvam os chamados figurões, ficam parecendo, sempre que se restringe a liberdade de um colarinho branco, aos olhos de parcela da sociedade, verdadeiros algozes ou justiceiros. Mas eu não sou justiceiro e nem algoz de ninguém. A minha única convicção é a de que todos devem receber tratamento igual, conquanto, para muitos, isso seja uma quimera.

Em face do caso Euromar, até notas maldosas plantaram na imprensa, objetivando me atingir, apenas porque neguei uma liminar através da qual pretendiam os pacientes ser colocados em liberdade, imediatamente. É como se, por serem de outra classe, não pudessem aguardar o julgamento do mérito do habeas corpus presos, como ocorre, de regra, com qualquer mortal. E como se fossem melhores que os outros acusados. E como se o seu direito valesse mais que o dos outros acusados. E como se pertencessem a um outro mundo: o mundo do faz de conta.

Nós temos que mudar essa cultura. Enquanto os olhos das instâncias persecutórias estiveram voltados apenas para os miseráveis, enquanto não se sedimentar na sociedade o entendimento de que a lei vale para todos, enquanto não se criar uma cultura punitiva linear, vamos passar por esses tormentos. E as maiores vítimas terminam sendo os que não fazem discriminação quanto aos destinatários da norma penal.

O mais risível dessa história é que, todos os dias, todas as horas, prendem-se os miseráveis, às vezes de forma arbitrária, e não se vê nenhuma manifestação, de quem quer que seja, em sua defesa. Nesses casos o que se argumenta é que prisão é uma amarga necessidade.

Mas que fique claro: eu não me deixo abater com esse tipo de intimidação. E a minha defesa não faço sequer formalmente, pois a minha defesa é a minha história, construída ao longo de muitos anos e a custa de muito sacrifício.


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “Somos, ou não, filhos do mesmo estado?”

  1. Dr. José Luiz, Bauman explica muito bem esta situação: sociedade de consumo. Antes de sermos cidadãos somos consumidores. E nosso status, inclusive de preferências, é significado de quanto podemos ou aparentamos poder consumir. Daí, prender “tubarões” significa prender grandes consumidores, o que é praticamente uma afronta em uma sociedade de consumo. Lógico que é possível analisarmos por outros ângulos, mas acredito que a análise baseada dentro do sistema que estamos inseridos, reflete uma realidade mais forte.
    Abraço.
    Rogério

  2. Somos filhos do mesmo Estado sim, mas em tese, pois quando o próprio Presidente da República afirma que determinados políticos não podem ser tratados como cidadãos comuns, vemos que, na prática, o Estado tem seus filhos preferidos, e estes são, na maioria das vezes, os detentores do poder econômico e da influência política.

  3. Desembargador,
    Eu o admiro! Entretanto, entendo que um erro não justifica o outro…

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