Absolvição por insuficiência de provas

No voto a seguir, entendi que não havia provas suficientes a autorizar a condenação do apelante.

Em determinados fragmentos anotei:

[…] Nessa senda e à consideração dos argumentos acima alinhavados, é de concluir-se que as provas colhidas na segunda fase, a fase das franquias constitucionais, revelaram-se frágeis, de modo que não servem para supedanear um decreto de preceito sancionatório, daí o desacerto da decisão monocrática, pois que teve por base provas produzidas em sede extrajudicial, sem arrimo, sem apoio, sem qualquer sustentação em provas produzidas em sede judicial.

É inegável que durante o inquérito policial foram produzidas provas que apontavam o apelante como um dos autores do delito. Entretanto, na fase judicial, nenhuma delas foi confirmada. A sede judicial, com efeito, se encontra jejuna de provas especialmente acerca da autoria.

Apesar de o Código de Processo Penal admitir o uso das provas indiciárias para a formação da convicção do juiz acerca da prática delituosa, compreendo que tais provas só podem ser buscadas para compor o conjunto probatório se assomem provas produzidas sob os crivos do contraditório e da ampla defesa a lhes emprestar conforto. Isoladas, tenho dito, na esteira da melhor doutrina e da mais consentânea construção jurisprudencial, de nada servem, ou melhor, não servem para embasar uma decisão condenatória, sob pena de malferir-se, a mais não poder, a Carta Republicana vigente […]”

A seguir, o voto, integralmente.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 31 de agosto de 2010.

Nº Único: 0037645-94.2009.8.10.0000

Apelação Criminal n.º 037645/2009 – Imperatriz-MA

Apelante : A. D. da S. P.
Advogado : J. R. M.
Apelado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 157, § 2º, II do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº: __________.

Ementa: PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO. ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES. ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. AUTORIA DUVIDOSA. PROVAS APURADAS EM SEDE DE INQUÉRITO POLICIAL, NÃO CONFIRMADAS EM JUÍZO. CONDENAÇÃO FUNDADA EM EXCLUSIVA PROVA INDICIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. FRAGILIDADE DA OITIVA DE TESTEMUNHAS DA ACUSAÇÃO. ACERVO PROBATÓRIO QUE NÃO AUTORIZA O DESFECHO CONDENATÓRIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO REO.

1. Provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que não dão a necessária certeza acerca da autoria do crime.

2. Apelante condenado, exclusivamente, com base nos depoimentos prestados na fase policial.

3. É imprescindível reconhecer que somente podem ser utilizados os elementos informativos colhidos no curso do inquérito policial se encontram conforto em dados coligidos na fase judicial, sob os crivos do contraditório e da ampla defesa.

4. A condenação deve sempre resultar de prova certa, segura, tranqüila e convincente. Havendo dúvida, decide-se em favor do acusado, em tributo à parêmia in dúbio pro reo.

5. Recurso do apelante provido.

Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que figuram como apelante e apelado os acima enunciados, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, à unanimidade de votos e de acordo com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, em dar provimento ao presente recurso, para absolver o apelante, nos termos do voto do desembargador relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato de Souza e José Luiz Oliveira de Almeida. Funcionou pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís (MA), 31 de agosto de 2010.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal n.º 037645/2009 – Imperatriz-MA

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por A. D. da S. P. contra a sentença de fls. 100/107, proferida pela Juíza de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Imperatriz, que o condenou, por incidência comportamental no artigo 157, § 2°, inciso II, do Código Penal, a 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, pena a ser cumprida, inicialmente, em regime semiaberto, e 30 (trinta) dias-multa.

O Ministério Público Estadual, com base em inquérito policial, ofereceu denúncia contra o recorrente e outro incriminado, imputando-lhes a prática do crime de roubo qualificado (artigo 157, § 2º, II, do Digesto Penal), por terem subtraído, mediante grave ameaça e em concurso de pessoas, pertences de S. F. B. (fls.04/06).

Da denúncia, colho:

I – que no dia 19 de junho de 2002, por volta das 14 horas, no bairro da Vila Redenção II, o apelante e seu comparsa foram presos em flagrante delito após subtraírem de S. F. B., mediante ameaça, uma bicicleta;

II – que os denunciados abordaram a vítima, seguraram seu veículo e a mandaram descer;

III – que ela desceu da bicicleta sem reagir e os denunciados fugiram do local levando o objeto subtraído;

IV – que, após esses fatos, a vítima acionou a polícia militar, a qual prontamente iniciou as diligências, tendo logrado êxito na captura dos denunciados e na recuperação da res furtiva; e

V – que, autuados em flagrante, os interrogados confessaram a prática do crime.

A persecução criminal, na sua fase primeira, foi deflagrada com auto de prisão em flagrante (fls. 07/29).

Auto de apresentação, apreensão e entrega às fls. 13.

Denúncia recebida às fls. 31, com designação de data para a qualificação e interrogatório do apelante.

Devidamente citado, o apelante foi qualificado e interrogado às fls. 36/37, oportunidade em que negou a autoria do delito.

O outro denunciado, S. P. da S., citado, foi qualificado e interrogado (fls. 44/45), oportunidade em que declarou ser verdadeira, em parte, a imputação que lhe era feita.

Certidão informando a suspensão do processo principal em relação a S. P. da S., em face da instauração de incidente de sanidade mental, às fls. 47.

Não foi oferecida defesa prévia do apelante, conforme certidão de fls. 50, embora devidamente intimado o seu representante legal(fls. 44).

Decisão do juiz a quo determinando, em face da urgência, que as testemunhas arroladas na denúncia fossem ouvidas em relação aos dois denunciados (fls. 51).

Oitiva das testemunhas de acusação às fls. 62 e 63.

Alegações finais ministeriais pela condenação do apelante, nos termos da exordial (fls. 70/73).

Decisão do magistrado de primeira instância determinando a nomeação de defensor dativo em relação ao apelado e o prosseguimento do feito em relação ao denunciado S. P. da S. (fls. 80).

Alegações finais ministeriais pela absolvição do denunciado S. P. da S. e, demonstrada a prática delitiva, aplicação de medida de segurança, tendo em vista sua comprovada inimputabilidade por doença mental (fls. 83/87).

Alegações finais da defesa de A. D. da S. P. às fls.90/94, pugnando pela absolvição, ante a ausência de provas capazes de configurar o elemento subjetivo do tipo dolo. Alternativamente, pela desclassificação do ilícito para furto simples.

Alegações finais da defesa de S. P. da S. às fls. 97/98, pleiteando a improcedência da denúncia, para absolvê-lo e, por consequência, o afastamento de qualquer medida de segurança, por falta de provas.

A sentença, datada de 29 de maio de 2009 (fls. 100/107), foi proferida nos seguintes termos: A. D. da S., condenado por incidência comportamental no artigo 157, § 2º, inciso II, do Código Penal, a 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, pena a ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, mais 30 (trinta) dias-multa; S. P. da S., absolvido, nos termos do art. 26 do Código de Processo Penal, com aplicação de medida de segurança, consistente em sua internação em clínica especializada, por tempo indeterminado, devendo ser submetido a perícia médica no final do terceiro ano.

Insurgindo-se contra o decisum, recorreu o apenado, postulando (fls. 120/126):

I- preliminarmente, a absolvição, ante a ocorrência de erro de tipo, porquanto não restou comprovada a violência de fato, agressão física ou grave ameaça; e

II- alternativamente, a desclassificação do ilícito para furto simples.

Certidão de óbito de S. P. da S. às fls. 129.

O Ministério Público, em contrarrazões, pugnou pelo conhecimento e improvimento do apelo, mantendo-se in totum o édito a quo, comprovadas a autoria e a materialidade do delito (fls. 133/140).

Sentença declarando extinta a punibilidade de S. P. da S. às fls. 144/146.

Conclusos os autos ao então relator Desembargador Mário Lima Reis, encaminhados à Procuradoria Geral de Justiça, esta, em parecer da lavra do Dr. Suvamy Vivekananda Meireles, às fls. 159/165, opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso, com a consequente manutenção da sentença monocrática.

Apensados aos autos, pedido de arbitramento de fiança do apelante, pedido de liberdade provisória e incidente de insanidade mental, ambos de S. P. da S..

É o relatório.

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Conforme relatado, A. D. da S. P. busca, preliminarmente, a sua absolvição, alegando ocorrência de erro de tipo, pois entende não haver comprovação da violência de fato, agressão física ou grave ameaça; alternativamente, pretende a desclassificação do ilícito para furto simples.

À análise dos autos, verifico que a materialidade do delito é incontroversa, não constituindo sequer objeto do recurso.

No tocante à autoria atribuída ao apelante, infiro não haver prova jurisdicionalizada para condená-lo como autor ou partícipe do crime em comento.

É cediço que, em se tratando de definição da autoria, a tarefa é árdua em crimes dessa natureza, eis que praticados na clandestinidade. Por tal motivo, os julgados, monocráticos e colegiados, têm dado especial relevo às declarações da vítima, como principal suporte probatório para arrimar uma condenação, desde que, claro, harmonizadas com o restante do conjunto fático-probatório.

Nesse diapasão têm decidido os nossos Tribunais, verbis:

PENAL. CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE AGENTES E PELO USO DE ARMA DE FOGO. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PROVAS PARA CONDENAÇÃO NÃO ACOLHIDA. DEPOIMENTO DAS VÍTIMAS. PENA BASE. CONFIGURAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADE DESVINCULADOS DE DADOS CONCRETOS. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. AUSÊNCIA DE RECUPERAÇÃO DA COISA ROUBADA INERENTE AO DELITO DE ROUBO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. nos crimes contra o patrimônio, a palavra da vítima assume especial relevância, especialmente quando em consonância entre si e com as demais provas dos autos, tornando-se elemento apto a embasar decreto condenatório.

2. no delito de roubo, a causa de aumento referente ao emprego de arma (ART. 157, § 2º, INC. I, DO CP) pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima ou pelo depoimento de testemunha presencial noticiando seu uso, tornando desnecessária sua apreensão. precedentes STJ.

3. Omissis.

4. Omissis.
5. Recurso parcialmente provido.[1] (destaques não constam no original)

Na mesma senda:

APELAÇÃO CRIMINAL – ROUBO TENTADO – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADA – DELITO CONFIGURADO – PALAVRA DA VÍTIMA – VALIOSA PEÇA DE CONVICÇÃO – DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA – NÃO OCORRÊNCIA – TENTATIVA – REDUÇÃO DA PENA.

I – Tratando-se de delito praticado na clandestinidade como o roubo, é de dar-se especial relevância às palavras das vítimas como elemento de prova, desde que não destoem do conjunto probatório e que não se encontrem nos autos indícios ou provas de que elas pretendam incriminar pessoas inocentes.

II – Omissis.[2] (destaques não constam no original).

Na mesma alheta:

Nos crimes contra o patrimônio, como o roubo, muitas vezes praticados na clandestinidade, crucial a palavra do ofendido na elucidação dos fatos e na identificação do autor.[3]

Realçada a importância do depoimento da ofendida em crimes dessa natureza, constato, in casu sub examine, que, contraditoriamente, esta foi ouvida apenas em sede extrajudicial, não tendo o representante do parquet, titular da ação penal, envidado esforços para que a mesma fosse ouvida em sede judicial. Ao reverso, o representante ministerial prescindiu de seu depoimento em juízo.

As duas testemunhas de acusação ouvidas em juízo, que bem poderiam, pelo menos, emprestar conforto à palavra da ofendida em sede extrajudicial, declararam que não se recordavam do evento delituoso e que não conheciam os acusados, um dos quais o ora apelante (fls. 62/63).

Desse modo, referidos depoimentos não podem ser considerados a ponto de conduzir ao desfecho condenatório, já que nada, ou quase nada, acrescentaram que pudesse definir a autoria e as circunstâncias nas quais se desenvolveu a ação delituosa.

Importa consignar que o apelante, ouvido em juízo, negou a autoria do delito, atribuindo-o, única e exclusivamente, ao denunciado S. P. da S.. Este, por sua vez, quando inquirido, declarou que o apelante pediu “emprestado” a bicicleta da vítima (fls. 44).

Nessa senda e à consideração dos elementos acima alinhavados, é de concluir-se que as provas colhidas na segunda fase, a fase das franquias constitucionais, revelaram-se frágeis, de modo que não servem para supedanear um decreto de preceito sancionatório, daí o desacerto da decisão monocrática, pois que teve por base provas produzidas em sede extrajudicial, sem arrimo, sem apoio, sem qualquer sustentação em provas produzidas em sede judicial.

É inegável que durante o inquérito policial foram produzidas provas que apontavam o apelante como um dos autores do delito. Entretanto, na fase judicial, nenhuma delas foi confirmada. A sede judicial, com efeito, se encontra jejuna de provas especialmente acerca da autoria.

Apesar de o Código de Processo Penal admitir o uso das provas indiciárias para a formação da convicção do juiz acerca da prática delituosa, compreendo que tais provas só podem ser buscadas para compor o conjunto probatório se assomem provas produzidas sob os crivos do contraditório e da ampla defesa a lhes emprestar conforto. Isoladas, tenho dito, na esteira da melhor doutrina e da mais consentânea construção jurisprudencial, de nada servem, ou melhor, não servem para embasar uma decisão condenatória, sob pena de malferir-se, a mais não poder, a Carta Republicana vigente.

Nessa linha de argumentação é o artigo 155 do Código de Processo Penal, com a nova redação dada pela Lei n. 11.690/2008, que dispõe, verbis:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Do exposto se infere, sem dificuldades interpretativas, que somente podem ser utilizados os elementos informativos amealhados no curso do inquérito policial, se, por hipótese, forem confirmados na fase judicial, o que, é de relevo que se diga, não ocorreu no caso sob retina.

É nessa senda a ensinança de Julio Fabbrini Mirabete, segundo o qual o inquérito policial serve para colheita de dados circunstanciais que podem ser comprovados ou corroborados pela prova judicial e de elementos subsidiários para reforçar o que for apurado em juízo.[4]

Alberto Silva Franco e Rui Stoco, de seu lado, não discrepam, quando afirmam que como prova subsidiária, dependente de robustecimento na cognição processual, não pode em absoluto ser invocada, isoladamente, para fundamentar decreto condenatório, sob pena de reconhecer-se instância policial, ofensiva ao princípio do contraditório.[5]

Nesse sentido, decidem os Tribunais Pátrios, verbis:

PROCESSUAL PENAL – SENTENÇA CONDENATÓRIA LASTREADA UNICAMENTE EM PROVA PRODUZIDA DURANTE A FASE INQUISITORIAL – INQUÉRITO POLICIAL – OBJETIVO – VALOR PROBATÓRIO – AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO – MALFERIMENTO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO – PRECEDENTE DA CASA E DO C. STJ.

1. De cediço conhecimento que o inquérito policial é o conjunto de diligências determinadas pela autoridade policial, consistentes na oitiva de testemunhas, do indiciado e na determinação de realização de prova pericial, objetivando a apuração de uma infração penal e de sua autoria, possibilitando-se ao titular da ação penal possa ingressar em juízo, iniciando-se a persecução penal.

2. Possui o inquérito policial valor probatório relativo “haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito. Assim, a confissão extrajudicial, por exemplo, terá validade como elemento de convicção do juiz apenas se confirmada por outros elementos colhidos durante a instrução processual.” (in Fernando Capez, Curso de Processo Penal, 12ª edição atualizada, Saraiva, p. 74).

3. Cuidando-se de peça meramente informativa destinada à opinio delicti do Ministério Público, simples investigação criminal, de natureza inquisitiva, não há como ratificar-se decreto condenatório quando o mesmo apóia-se exclusivamente em inquérito policial, pena de malferimento ao princípio constitucional do contraditório.

4. Certo é que nem toda absolvição corresponde a uma declaração de inocência pura e simplesmente, como sói ocorrer in casu, porém, o decreto condenatório exige prova robusta e estreme de dúvidas e não apenas indícios.

5. Precedente da Casa. 5.1 “Se as provas colhidas durante a fase inquisitorial não são ratificadas em juízo, a absolvição é medida que se impõe, sob pena de violação ao princípio constitucional do contraditório”. Decisão: Desprover. Unânime. (in Apelação Criminal 20010110334692, 1a Turma Criminal, Relator: Lecir Manoel da Luz, DJ 24/04/2006, pág. 118).

6. Precedente do C. STJ. 6.1 “1. O fato de a vítima haver reconhecido os pacientes como autores do delito na fase inquisitorial não se mostra suficiente para sustentar o decreto condenatório, principalmente quando em Juízo o reconhecimento dos denunciados não se realizou com convicção, além de não ter sido produzida, ao longo da instrução criminal, qualquer outra prova que pudesse firmar a conduta delitiva denunciada e a eles atribuída. 2. O inquérito policial é procedimento meramente informativo, que não se submete ao crivo do contraditório e no qual não se garante aos indiciados o exercício da ampla defesa, razão pela qual impõe-se, na hipótese, a absolvição dos denunciados” (in Habeas Corpus 39192/SP, Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 01/07/2005 PG: 00575).

7. No caso dos autos não há como impor-se decreto baseado exclusivamente no depoimento prestado pelo Policial Militar que apenas foi acionado para comparecer ao Supermercado onde o réu supostamente teria tentar furtar dois aparelhos reprodutores DVD.

8. Recurso a que se dá provimento para o fim de reformar a r. sentença.[6]

Na mesma senda:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO, AMPARADO EM PROVAS PRODUZIDAS EXCLUSIVAMENTE NA FASE INQUISITORIAL. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRECEDENTES.

1. O inquérito policial é procedimento meramente informativo, que não se submete ao crivo do contraditório e no qual não se garante ao indiciado o exercício da ampla defesa, afigurando-se, portanto, nulo o decreto condenatório que não produz, ao longo da instrução criminal, qualquer outra prova hábil para fundamentá-lo. Precedentes desta Corte.

2. O Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo ministerial para condenar os Pacientes, amparou-se no auto de prisão em flagrante, auto de apreensão, depoimento da vítima colhido na fase inquisitorial, bem como na confissão extrajudicial de um dos acusados, que não restou ratificada em juízo. Não houve, assim, qualquer prova desfavorável produzida na fase judicial, evidenciado, com isso, flagrante constrangimento ilegal na condenação imposta.

3. Ordem concedida para, cassando o acórdão atacado, restabelecer a sentença de primeiro grau que absolveu os ora Pacientes. (destaques não constam no original)[7]

Não basta para a inculpação do denunciado, tem-se afirmado, com acerto, que se lhe impute na peça acusatória determinado ilícito penal. É indispensável que o titular da persecutio criminis demonstre a veracidade das suas alegações durante a instrução processual.

É consabido que a condenação deve sempre resultar de prova certa, segura, tranquila e convincente. Havendo dúvida, deve-se optar pela absolvição, à luz do princípio in dubio pro reo, na esteira do princípio da presunção da inocência previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal.

Nessa senda, o Tribunal de Minas Gerais tem decidido:

PENAL – ROUBO – MATERIALIDADE E AUTORIA DUVIDOSAS – CONJUNTO PROBATÓRIO FRÁGIL E CONTRADITÓRIO – ABSOLVIÇÃO.

As provas para uma condenação hão de ser cabais e definitivas quanto à materialidade e à autoria dos fatos, não podendo, em hipótese alguma, sustentar-se na versão da vítima fornecida apenas na primeira fase da persecução. Sendo o conjunto probatório frágil e contraditório, do qual pairam dúvidas quanto à autoria, a absolvição é a única opção do julgador que, à mingua de provas, deve preferir absolver um possível culpado a condenar um inocente. Recurso da defesa provido.[8]

   

Nessa direção dos argumentos aqui expendidos, destaco a lição de Guilherme de Souza Nucci, verbis:

“[…] Integra-se a este o princípio da prevalência do interesse do réu (in dúbio pro réu), garantindo que, em caso de dúvida, deve sempre prevalecer o estado de inocência, absolvendo-se o acusado. Reforça, ainda, o princípio da intervenção mínima do Estado na vida do cidadão, uma vez que a reprovação penal somente alcançará aquele que for efetivamente culpado”.[9]

Na mesma esteira, o professor Fernando Capez preleciona:

“[…]A dúvida sempre beneficia o acusado. Se houver duas interpretações, deve-se optar pela mais benéfica, na dúvida, absolve-se o réu, por insuficiência de provas […]”[10]

Ainda sobre o tema, a lição de Ada Pellegrini Grinover, litteris:

Para a prova de certos fatos, o legislador exige apenas um juízo de verossimilhança e, para outros, que a prova seja convincente prima facie: para a condenação penal, por exemplo, é necessário um elevado grau de certeza sobre a prova do fato e da autoria; havendo dúvidas, o juiz deverá absolver por insuficiência de provas (art. 386, VI, CPP). [11]

Não é outro o entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CRIMINAL – DELITO DE ROUBO – ART. 157, § 2º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL – RECURSO DA DEFESA – PLEITO ABSOLUTÓRIO – ALEGADA FRAGILIDADE PROBATÓRIA – CONDENAÇÃO LASTREADA UNICAMENTE EM DEPOIMENTOS INCOERENTES DA VÍTIMA – PRETENSÃO RECURSAL VIÁVEL – CADERNO PROCESSUAL CARENTE DE EVIDÊNCIAS QUE APONTAM PARA A PARTICIPAÇÃO DO AGENTE NO EVENTO CRIMINOSO – CONDENAÇÃO AFASTADA – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – RESPEITO AO PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO REO – A palavra da vítima constitui, inegavelmente, um meio de prova, notadamente nos crimes praticados às ocultas, como é o caso de roubo, sem significar, todavia, que deva ser sempre aceita como expressão da verdade. Uma coisa são os meios de prova, e outra, a valoração que delas vem a fazer o julgador para formação do seu convencimento. Assim, isolada nos autos, contraditória consigo mesma nas diferentes fases processuais, ou conflitante com a versão do acusado, sem que outras provas esclareçam os fatos, a única solução possível é o proferimento do non liquet. Recurso Provido.[12]

Na mesma senda:

PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO QUALIFICADO. FRAGILIDADE DA PROVA PRODUZIDA NO DECORRER DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CONTRADIÇÕES ENTRE DEPOIMENTOS. DESISTÊNCIA DA OITIVA DA VÍTIMA E DE TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO. SITUAÇÃO DE DÚVIDA QUE CONDUZ À ABSOLVIÇÃO DO RÉU. RECURSO PROVIDO.

1. A existência de contradições entre os depoimentos de testemunhas aliada à desistência da acusação no tocante à oitiva da vítima e de testemunha que a acompanhava faz surgir efetiva dúvida quanto à participação do réu no delito noticiado na inicial.

2. Sendo o processo penal orientado pelo princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), a dúvida acerca da autoria beneficia o réu, devendo ser proclamada sua absolvição.

3. apelação provida.[13]

Inexistindo nos autos provas suficientes para comprovar a autoria delitiva, vez que o acervo probatório da fase policial não foi confirmado em juízo, resta-nos, à luz do princípio constitucional da presunção da inocência e do in dubio pro reo, a reforma da sentença para que o apelante seja absolvido.

Pelo exposto, conheço do presente recurso e, discordando do parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, dou-lhe provimento, reformando a sentença in totum, para absolver Antônio Daniel da Silva Pimentel nos termos do art. 386, VII do Código de Processo Penal.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 31 de agosto de 2010.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] TJ/DF. Processo nº 2008 04 1 008016-7 APR. Julg 21.01.2010. Rel. Silvânio Barbosa dos Santos.

[2] TJ/MG. Proc. Nº 1.0479.08.141508-1/001(1). Julg. 19.05.2009. Rel. Paulo Cesar Dias.

[3] TACrim SP, Rel. Wilson Barreira, RT 737/624.

[4] MIRABETE. Julio Fabrini. Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1992. p. 79.

[5]TACRIM-SP – AP – Rel. Albuquerque Maranhão – JUTACRIM-SP 20/401. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 1666.

[6] TJDFT. Proc. 20070710001313 APR, Rel. João Egmont, 1ª Turma Criminal, julgado em 12/11/2009.

[7] STJ. HC 112577/2009, Rel. Min. Laurita Vaz, julg. 03/08/2009)

[8] TJMG. Proc. Nº 2.0000.00.492981-3/000(1). Rel. Antônio Armando dos Anjos. Julg. 20.09.2005

[9] NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9. ed. Editora Revista dos Tribunais, p. 39

[10] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal 9. Editora Saraiva. p. 39

[11] GRINOVER, Ada Pellegrini et al. As Nulidades do Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. p.118

[12] TAPR – ACr 0250587-1 – (213122) – Maringá – 3ª C.Crim. – Relª Juíza Sônia Regina de Castro – DJPR 10.09.2004.

[13] TJ/MA – Apelação 18949/2007 – 3ª C. Crim. Relator Des. Lourival Serejo – DJ 20/02/2008.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “Absolvição por insuficiência de provas”

  1. Sr Desembargadore Excelente trabalho
    Desculpe a expressão é “clean” não distorcendo ou emitindo opiniões pessoais, porém, jurídicas, caracterizando a humildade daquele que busca conhecimento e respeita opiniões.

    Fundamentado, objetivo

    Obrigado pelo privilégio e oportunidade de compulsar tão imporante fonte de conhecimento e informação

  2. Não creio ser possível condenar o/a denunciado (a), com base somente no depoimento (palavra) da vítima, sem nenhuma prova desse (a) depoimento (palavra).

  3. Maravilhoso… Digno de um julgador que respeita nossa Costituição. Parabéns nobre Jurista!

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