Li na Folha de São Paulo

Impunidade para traficantes

ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS e SILVIO DE CILLO LEITE LOUBEH


Ao permitir que traficantes tenham penas substituídas por medidas alternativas, o STF passou por cima da manifestação do Legislativo


Lugar de traficante não é mais na cadeia. É na escola, prestando serviços. Pelo menos é essa a decisão do STF, que, em setembro, julgou inconstitucional dispositivo da Lei de Drogas que proibia a aplicação das chamadas penas alternativas àqueles condenados pelo crime de tráfico de entorpecentes.
A decisão, proferida no julgamento de um habeas corpus, produz efeitos apenas para o caso específico, mas indica um entendimento que poderá ser repetido em outros julgamentos.
O fundamento para o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma foi o princípio constitucional da individualização das penas.
Ora, é a própria Constituição Federal que prevê tratamento mais rigoroso para os autores dos crimes hediondos e equiparados, como é o caso do tráfico.
Também é a Constituição que remete ao Congresso a regulamentação das penas alternativas, que já o havia feito, inclusive criando restrições à sua aplicação, sem que se falasse em ofensa ao referido princípio da individualização das penas.
É certo que o legislador não pode tratar, de forma diversa, situações idênticas. Não é o caso do traficante, o que traz correção à decisão do Poder Legislativo na vedação de pena alternativa para o tráfico.
Ao permitir que traficantes tenham suas penas substituídas por medidas alternativas, o STF passou por cima da soberana manifestação do Poder Legislativo, que, de forma legítima e atendendo ao espírito da Constituição, impôs a estes criminosos um tratamento mais severo.
A Lei de Drogas, não com nosso aplauso, já havia criado diferença no tratamento para pequenos e grandes traficantes, permitindo àqueles redução drástica na pena.
Ou seja, o Poder Legislativo já tinha estabelecido uma política criminal favorecendo os criminosos de menor gravidade, com menos tempo de cárcere e possibilidade de reinserção rápida à sociedade, com a progressão de regime.
Nesse sentido, um traficante primário e não integrante de organização criminosa é condenado, em regra, a pena de um ano e oito meses.
Com a progressão, permanece apenas oito meses no regime fechado, passando ao semiaberto, com possibilidade de trabalhar fora do presídio, e depois para o aberto.
Isso já nos parece por demais brando, tratando-se de crime que a própria Constituição Federal considerou hediondo.
Não podemos nos esquecer, ainda, que Justiça criminal não se confunde com justiça social. Os malefícios decorrentes do tráfico de entorpecente são amplamente conhecidos pela sociedade brasileira e precisam ser reprimidos duramente.
A experiência mostra que, direta ou indiretamente, a maior parte dos crimes violentos (homicídios, latrocínios, roubos) está relacionada ao comércio e ao consumo de drogas.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal representa grave prejuízo para a repressão do tráfico de drogas e um incentivo para o envolvimento de nossos jovens no comércio de entorpecentes.


ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS, 34, mestre em direito constitucional, é promotor de Justiça em Guarujá (SP). Trabalhou no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) em Santos.
SILVIO DE CILLO LEITE LOUBEH 35, é promotor de Justiça em Cubatão (SP). Trabalhou no Gaeco em Guarulhos.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Li na Folha de São Paulo”

  1. Nossa!!
    Daqui um tempo, o crime de tráfico será aplicado a pena de multa, é cômico mas não descarto a hipótese diante do que vem ocorrendo em nossas cortes superiores. Fico indagando se eu que tenho pensamentos muitos rígidos ou se nosso ordenamento jurídico é fraco demais. (fica a dúvida)

    Será que eles esquecem que são as drogas que estimulam os crimes?

    Fernanda

  2. Acredito que não devemos ver isso como o Direito Penal do Inimigo, pois a pedra que cai no telhado do vizinho, tambem pode cair na nossa.. devemos sim, observar o principio da individualizacao da pena, bem como da insignificancia e da dignidade da pessoa humana sim.. e não nos contaminarmos com os Datenas da vida, países mais evoluidos já viram que não são as drogas que produzem mais crimes.. mais sim a falta do “Estado Social” dando suporte a sua população, aonde o estado falha, a criminalidade triunfa..

    Querer o rigor da lei, sem analisar o caso concreto, é apenas mais uma forma de tampar novamente o sol com a peneira jogando a responsabilidade para o “inimigo”.

    Se é assim.. porque não se pune os vendedores de cigarro, que tanto mata, porque não se pune o consumo de bebidas.. que tantos lares destrói..

    Talvez seja pela fato que isso nós fazemos.. então tem que se “tapar os olhos”, enquanto que quem consome drogas é apenas o “inimigo”, até que este inimigo seje seu irmão, filho ou amigo próximo.

    Como sempre digo.. “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”

    Não sou nem um pouco solidário ou a favor do traficante ou do usuário de drogas, mais sou a favor de um Estado Penal mínimo.. aonde não se busque apenas a criação de leis criminais que acabam não sendo aplicadas na prática, gerando com isso.. o que ja conhecemos de carterinha.. a sensação de impunidade por não se conseguir na prática.. sua aplicação..

    Antes ter poucas e boas leis criminais eficazes, do que muitas de que nada se aplicam ou resolvam o problema.

    Fernando Fraga Alves – 5 Periodo de Direito – Faculdade de Pedro Leopoldo \ MG

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.