Ação Penal Privada. Falta de capacidade postulatória. Decadência. Extinção da punibilidade

Cuida-se de acórdão, com voto condutor de minha autoria, que declarou extinta a punibilidade do querelado, em face de a querelante ter sido representada em juízo por pessoa não habilitada.

Em determinado excerto do voto, anotei:

No caso em apreço, a controvérsia processual, prejudicial ao mérito, diz respeito à ausência de capacidade postulatória da querelante, porquanto apurou-se, conforme ofício enviado pela OAB-MA, acostado às fls. 1419, que a advogada H. de J. A. estava suspensa de suas atividades advocatícias, desde 04/08/2004.

É notório, portanto, que desde o ajuizamento da queixa-crime, em 28 de fevereiro de 2005, a advogada já estava inapta a exercer a advocacia, em razão da suspensão de suas atividades.

Com efeito, em casos deste jaez, é forçoso concluir que os atos praticados por advogado com sua inscrição suspensa são absolutamente nulos, impassíveis de ratificação.

Mais adiante, afirmei:

Ainda que se admitisse, em tese, a viabilidade de sanar a mácula, o transcurso do prazo decadencial de 06 (seis) meses, de qualquer sorte, obstaria tal desiderato, conforme reiterada e pacífica jurisprudência antes colacionada, já que a tentativa de regularizar a representação da querelante só ocorreu em 12 de novembro de 2008, já transcorridos mais de 03 (três) anos desde o ajuizamento da queixa-crime.

Constatada, pois, a ausência de capacidade postulatória da querelante, aliada ao escoamento do prazo decadencial de 06 (seis) meses, sem que tal vício fosse sanado nesse interregno, forçoso concluir que o direito de queixa foi fulminado pela decadência, cujo prazo, “[…] de natureza decadencial, não se prorroga, não se suspende nem se interrompe, contando-se na forma do art. 10 do CP, incluindo-se o primeiro dia e excluindo-se o do vencimento. Portanto, a vítima tem prazo para exercer a ação privada. Se não o fizer, decai do direito, ocasionando a extinção da punibilidade

 

A seguir, o voto, por inteiro.


TRIBUNAL PLENO

Sessão do dia 27 de outubro de 2010.

Nº Único: 0004722-54.2005.8.10.0000

Ação Penal nº 021750/2007 – São Luís

Autora

:

O. G.

Advogados

:

A. C. B. F. e outra

Réu

:

R. S. C.

Advogado

:

J. L. F. G.

Relator

:

Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº ____________

Ementa. PENAL. PROCESSO PENAL. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA HONRA. DIFAMAÇÃO. CALÚNIA. FALTA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. NULIDADE. VÍCIO SANADO APÓS A FLUÊNCIA DO PRAZO DECADENCIAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

1. Para procurar em juízo, é imprescindível que a parte interessada o faça através de advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, salvo as exceções legalmente previstas.

2. O advogado com a inscrição suspensa na OAB não está habilitado a postular em juízo, sendo nulos os atos praticados nessas condições, acarretando, pois, ausência de capacidade postulatória da parte. Inteligência do art. 4º, da Lei n. 8.906/94.

3. Na ação penal privada, eventuais vícios no instrumento procuratório só podem ser sanados dentro do prazo decadencial de 06 (seis) meses, sob pena de extinção da punibilidade.

4. É direito do querelado ser processado em estrita observância às garantias do devido processo legal e seus consectários, decorrendo, pois, o necessário cumprimento à higidez procedimental.

5. Precedentes do STF e STJ. Inteligência dos arts. 38 do CPP, e art. 107, IV, do CPB.

6. Declarada extinta a punibilidade do querelado, pela decadência do direito de queixa.

 

Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores do Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, modificado em banca, em declarar extinta a punibilidade do querelado, em face do acolhimento da preliminar de decadência, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida, José Ribamar Froz Sobrinho, Jorge Rachid Mubárack Maluf, José Stélio Nunes Muniz, Raimundo Freire Cutrim, Cleonice Silva Freire, Cleones Carvalho Cunha, Nelma Sarney Costa, Benedito de Jesus Guimarães Belo, Maria dos Remédios Buna Costa Magalhães, Maria das Graças de Castro Duarte Mendes, Lourival de Jesus Serejo Sousa, Raimundo Nonato de Souza, Jaime Ferreira de Araujo e José Bernardo Silva Rodrigues. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr Eduardo Jorge Hiluy Nicolau.

São Luís(MA), 27 de outubro de 2010.

 

DESEMBARGADOR Jamil de Miranda Gedeon Neto

PRESIDENTE

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Ação Penal Nº 021750/2007 – São Luís

 

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de ação penal privada movida pela juíza de Direito O. G. contra R. S. C., à época Secretário de Segurança do Estado, pelo suposto cometimento dos crimes de calúnia e difamação.

Extrai-se da referida queixa-crime (fls. 02/57) que as condutas tidas por delituosas foram praticadas por meio de representações formuladas contra a autora nas quais lhe foram imputadas a prática dos crimes de abuso de autoridade, constrangimento ilegal e improbidade administrativa, do que resultaria ofensa a sua honra.

Documentos acostados à exordial às fls. 58/425.

Defesa preliminar apresentada pelo querelado, às fls. 483/501, onde rebate as alegações constantes na exordial, arguindo, preliminarmente, a ilegitimidade ativa ad causam e, no mérito, pugna pelo indeferimento do pedido, com rejeição da queixa-crime, por ausência de previsão legal e atipicidade da conduta.

A douta Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 519, opinou pela baixa dos autos à instância a quo, considerando a inconstitucionalidade declarada pelo STF acerca da competência de foro, haja vista que o querelado teve cessada a sua condição de Secretário de Estado de Segurança Pública.

Acatado o requerimento do Parquet, os autos foram remetidos ao primeiro grau, sendo, logo em seguida, designada audiência de conciliação.

Em audiência de qualificação e interrogatório do querelado, às fls. 586/588, o mesmo afirmou que não são verdadeiras as imputações que lhe foram feitas na queixa-crime e que os fatos narrados nas representações, ensejadores da presente demanda, estão devidamente provados.

Às fls. 597/603, o magistrado de primeiro grau declinou da competência, determinando o encaminhamento do processo ao Tribunal de Justiça, por ter o querelado readquirido o foro por prerrogativa de função, em razão da diplomação do cargo de Deputado Estadual.

Retornando os autos a este Sodalício, em sessão do dia 29 de agosto de 2007, em questão de ordem suscitada pelo então Relator Desembargador Mário Lima Reis, os atos praticados no processo em primeiro grau, na fase instrutoria, foram convalidados por este Tribunal, em decisão unânime, conforme se depreende do Acórdão de fls. 622/627.

Termo de audiência e interrogatório às fls. 1329/1335 e 1370/1374.

As alegações finais foram apresentadas pela querelante, às fls. 1378/1392, nas quais reitera os termos da queixa-crime.

Termo de declarações às fls. 1394/1400.

Às fls. 1404/1410, o querelado apresenta suas alegações finais, arguindo, em sede preliminar:

1) falta de capacidade postulatória da advogada da parte autora;

2) ausência dos requisitos essenciais à queixa-crime;

3) falta de legitimidade ativa; e,

4) prescrição dos delitos contra si imputados e consequente pedido de arquivamento dos autos.

Em sendo outro o entendimento, no mérito, requer sua absolvição pela falta de dolo específico em ofender a querelante.

O órgão ministerial, às fls. 1422/1424, antes da emissão de parecer final, requereu que fosse procedida a intimação da parte autora para regularizar e ratificar os atos praticados pelos patronos da mesma, vez que a OAB, em resposta a uma solicitação pretérita, informou estarem os mesmos com suas inscrições suspensas.

Regularizada tal situação às fls. 1437/1438.

O parecer da Procuradoria Geral de Justiça da lavra da douta procuradora Nilde Cardoso Macedo Sandes opina pela procedência da Ação Penal, com a consequente condenação do querelante (fls. 1441/1451).

É o que merecia relatar.

Passo à decisão.


Voto –O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): antes de incursionarmos no meritum causae, é de rigor a análise prévia dos respectivos requisitos legais atinentes à regularidade formal da postulação, face à preliminar agitada pela defesa do querelado, em suas razões finais de fls. 1404/1410.

É sabido que a ação penal privada é regida, dentre outros, pelo princípio da oportunidade, segundo o qual o particular, ofendido pela conduta, em tese, delituosa, tem a faculdade de ingressar com ação penal em face de seu agressor.

Em sentido oposto à obrigatoriedade que norteia a ação penal pública, na ação penal privada, optou o legislador transferir à conveniência do ofendido a decisão de processar o autor do crime, ou quedar-se inerte, posto que, não raro, lhe é preferível preservar sua esfera de vida privada, evitando o constrangimento invariavelmente causado pela instauração do processo crime.

Nas lições da doutrina:

Naquelas infrações penais que ofendem sobremaneira a intimidade da vítima, o legislador lhe conferiu o próprio exercício do direito de ação. Nestas hipóteses, a persecução criminal é transferida excepcionalmente ao particular que atua em nome próprio, na tutela de interesse alheio (jus puniendi do Estado). O fundamento é evitar o constrangimento do processo (strepitus iudicii), podendo a vítima optar entre expor a sua intimidade em juízo ou quedar-se inerte, pois muitas vezes, o sofrimento causado pela exposição ao processo é maior do que a própria impunidade do criminoso. Não obstante, se o desejar, a vítima pode processar o infrator, apresentando a competente queixa-crime, que é a peça inaugural das ações penais de iniciativa privada. Na ação privada, o autor da demanda ganha o nome de querelante, ao passo que o réu é o querelado.

(destaques no original).

A legitimidade da ação penal privada é conferida ao próprio titular ou seu representante legal, nos termos em que preconizados no art. 30, do CPP, e, para a deflagração do jus puniendi, é imprescindível que o querelante o faça através de advogado legalmente constituído.

A doutrina processual, face à imprescindibilidade da representação em juízo por um profissional habilitado, erigiu a capacidade postulatória a pressuposto processual subjetivo relacionado à parte. É dizer, sem se fazer representar por advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB, faltará à parte interessada a capacidade de postular em juízo.

A matéria, inserida no âmbito da teoria geral do processo, é minudentemente tratada pela doutrina processual civil.

Nas preclaras lições de Daniel Amorim Assumpção Neves:

Questão interessante diz respeito à natureza jurídica desse pressuposto processual. O art. 37, parágrafo único, do CPC, afirma que os atos praticados por advogado sem procuração nos autos, não ratificados no prazo de 15 dias prorrogáveis por mais 15 dias (art. 37, caput, do CPC), serão havidos por inexistentes, o que poderá levar o intérprete a entender a capacidade postulatória como um pressuposto processual de existência. Ocorre, entretanto, que o Estatuto da Ordem dos Advogados, que é lei federal (Lei 8906/94), em seu art. 4º, prevê que são nulos os atos privativos do advogado praticados por pessoa não inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil.

A divergência entre os dispositivos é evidente, porque o vício menos grave – ato praticado por advogado sem procuração – tem uma consequência mais séria – inexistência jurídica – do que o ato praticado por quem sequer advogado é, ou ao menos não está inscrito devidamente no órgão de classe – nulidade. Como essa divergência é insuportável ao sistema, o melhor entendimento é o que aponta que o ato praticado por advogado sem procuração nos autos é ineficaz, enquanto o ato privativo de advogado praticado por quem não está inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil é absolutamente nulo.

A matéria, até o advento da Lei 11.719/08, não era tratada pelo CPP. Nada obstante, sempre foi inserida no âmbito da teoria geral do processo, e, consequentemente, tinha aplicabilidade na seara processual penal.

Na atual redação do art. 395, II, do CPP, alterada pela Lei n. 11.719/2008, a falta de pressuposto processual é causa de rejeição da denúncia ou da queixa.

Embora não seja o caso em apreciação nos autos, já que a ação penal encontra-se em fase de julgamento, o tratamento específico da matéria pelo CPP reflete a preocupação do legislador em positivar o regramento relativo aos pressupostos processuais, cuja análise, não raro, é negligenciada pelos órgãos judicantes, permitindo que o processo tenha seguimento em inobservância aos ditames procedimentais.

Mas a matéria é de suma importância na análise do caso vertente. Explico doravante.

A ação penal privada admite várias hipóteses em que o exame meritório é obstado por intercorrências de ordem puramente processuais, as quais, entretanto, o legislador erigiu como consequência, a extinção da punibilidade do querelado, a teor do que dispõe o art. 107, IV e V, do CPB.

Pois bem.

No caso em apreço, a controvérsia processual, prejudicial ao mérito, diz respeito à ausência de capacidade postulatória da querelante, porquanto apurou-se, conforme ofício enviado pela OAB-MA, acostado às fls. 1419, que a advogada H. de J. A. estava suspensa de suas atividades advocatícias, desde 04/08/2004.

É notório, portanto, que desde o ajuizamento da queixa-crime, em 28 de fevereiro de 2005, a advogada já estava inapta a exercer a advocacia, em razão da suspensão de suas atividades.

Com efeito, em casos deste jaez, é forçoso concluir que os atos praticados por advogado com sua inscrição suspensa são absolutamente nulos, impassíveis de ratificação.

Isso porque, nos termos em que assentados na norma constitucional, inserta no art. 133, da Carta Magna, “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” O preceito é corroborado em sede infraconstitucional, no art. 2º do Estatuto da Advocacia.

Mais adiante, o referido diploma estabelece que:

Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido – no âmbito do impedimento – suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia.

Nesse sentido, à guisa de exemplo, no âmbito do processo civil:

PROCESSUAL CIVIL. SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO DO ADVOGADO NOS QUADROS DA OAB. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE POSTULATÓRIA. NULIDADE ABSOLUTA DOS ATOS PRATICADOS NO PROCESSO. 1. Se o advogado da parte, ao tempo do ajuizamento da ação, encontrava-se com sua inscrição suspensa junto à OAB – Seccional Goiás, tendo se utilizado de inscrição inexistente da Seccional do Distrito Federal, todos os atos praticados são nulos, por ausência de capacidade postulatória do signatário da petição inicial. 2. Ação rescisória julgada procedente, para desconstituir a r. sentença rescindenda e, proferindo novo julgamento, julgar extinto o processo originário, sem exame de mérito, nos termos do art. 267, IV, do Código de Processo Civil.

Com base nos julgados acima transcritos, posso concluir que os atos processuais praticados por advogado com a inscrição suspensa são reputados nulos, de pleno direito.

Ainda que se admita a viabilidade de ratificação dos atos praticados nessas condições, especificamente, nos casos de ação penal privada, só se afigura possível quando feito dentro do prazo decadencial de seis meses, conforme entendimento sedimentado na jurisprudência.

Nesse sentido, o STJ já se manifestou:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA A HONRA. QUEIXA-CRIME. REJEIÇÃO. IRREGULARIDADE DO INSTRUMENTO DE MANDATO. ART. 44 DO CPP. DECADÊNCIA. I – A falha na representação processual do querelante pode ser sanada a qualquer tempo, desde que dentro do prazo decadencial (Precedentes do STJ e do STF). II – In casu, verifica-se que o instrumento procuratório juntado aos autos não contém a descrição das condutas delituosas, a tipificação dos crimes, nem a indicação dos querelados, em desatendimento ao disposto no art. 44 do CPP. Recurso especial desprovido.

(Sem destaques no original).

Na mesma alheta, o STF já decidiu:

EMENTA: – Queixa-crime. – Não-ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato. – A procuração outorgada ao advogado do querelante, ao se limitar a dar o “nomen iuris” dos crimes que a queixa atribui ao querelado, não atende à finalidade a que visa o artigo 44 do Código de Processo Penal, e que é a da fixação da responsabilidade por denunciação caluniosa no exercício do direito personalíssimo de queixa. Precedentes do S.T.F. – Ademais, essa omissão não foi suprida com a subscrição, pelo querelante, da queixa conjuntamente com seu patrono, nem é ela mais sanável no curso da ação penal por já se encontrar esgotado o prazo de decadência previsto no artigo 38 do Código de Processo Penal. Queixa-crime rejeitada.

(Sem destaques no original).

Os sodalícios nacionais seguem a mesma linha de orientação:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. JUIZADOS ESPECIAIS. QUEIXA-CRIME. ACUSAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE INJÚRIA TIPIFICADO NO ART. 140 DO CÓDIGO PENAL. IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. REJEIÇÃO DA INICIAL. QUEIXA. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Nos termos do art. 44 do CPP, é necessário para o ajuizamento da queixa-crime que o instrumento do mandato contenha poderes especiais ao Advogado constituído. Não atendido tal requisito, a irregularidade da representação processual torna-se insanável se expirado o prazo decadencial para o ajuizamento da queixa.
2. O artigo 103 do CP estabelece que “o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses.

[…]”

(Sem destaques no original).

No mesmo norte:

HABEAS CORPUS – QUEIXA – VÍCIO DE REPRESENTAÇÃO – PROCURAÇÃO DEFICIENTE – REGULARIZAÇÃO APÓS O ESGOTAMENTO DO PRAZO DECADENCIAL – IMPOSSIBILIDADE Não sendo sanadas no prazo de seis meses (art. 38 do CPP) as omissões da procuração consistentes na ausência de poderes especiais conferidos ao advogado, falta de individualização do fato delituoso, bem como ausência do nome do querelado (art. 44 do CPP), opera-se a decadência com a conseqüente extinção de punibilidade do acusado. Conceder a ordem impetrada.

(Sem destaques no original).

Ainda, no mesmo diapasão:

“[…] Para o ajuizamento de queixa-crime, indispensável a juntada do instrumento de procuração pelo advogado subscritor, não assistindo aos querelantes, quando não advogados, capacidade postulatória para ingressar em Juízo. Exegese do art. 44 do Código de Processo Penal. – Assinatura dos querelantes na queixa-crime não supre a ausência de procuração, servindo apenas para sanar eventual irregularidade no instrumento.

As lições da doutrina não destoam do entendimento sufragado pela jurisprudência:

Permite ainda a lei que a falha na representação outorgada ao advogado possa ser a todo tempo sanada, com ratificação dos atos processuais praticados (art. 568 do CPP). Entretanto, isso não será possível depois de decorrido o prazo de decadência do direito de queixa. A regularização antes desse prazo não causa prejuízo ao acusado, podendo-se, por isso, dar seguimento ao processo. Há, contudo, prejuízo se for feita depois, pois o querelado tem o direito de ser acusado, de forma regular, por quem represente corretamente o querelante, somente até o prazo decadencial, não depois disso.

Este último argumento parece ser decisivo a não permitir a ratificação de atos processuais, em ação penal privada, após o decurso do prazo de decadência, pois o querelado deve ser processado de acordo com as garantias constitucionais inerentes ao sistema processual, sobretudo no que tange à sua higidez procedimental, e, nesse particular, exige-se a regular representação do querelante para tal desiderato.

Por oportuno, rechaço eventual argumentação de que, no processo penal, a decretação de nulidade requer efetiva demonstração de prejuízo, porquanto tal raciocínio só se aplica em benefício do réu, o que, obviamente, não é o caso dos autos, e sim, o oposto.

Consequentemente, admitir-se, in casu, a ratificação dos atos praticados desde a queixa-crime, seria chancelar uma acusação destituída de higidez procedimental, em inobservância aos postulados garantísticos do devido processo legal, que devem, sempre, permear a imputação criminosa, em homenagem aos valores constitucionalmente tutelados, da liberdade e da presunção de inocência.

No caso sob retina, assevero que o vício atinente à capacidade postulatória afigura-se muito mais grave, porquanto existiu desde o ajuizamento da ação, desde a gênese do processo, pois, a partir de 2004, repise-se, a advogada H. de J. A. já estava com sua inscrição na OAB/MA suspensa.

A tentativa de sanar o defeito de representação só ocorreu em 12 de novembro de 2008, quando a referida causídica substabeleceu, sem reservas, os poderes que lhe foram outrora conferidos, ao advogado J. T. dos S., OAB/MA 3094.

Em minha compreensão, todos os atos processuais praticados desde que a queixa-crime foi aforada, em 28 de fevereiro de 2005, até a substituição do patrono, em 12 de novembro de 2008, são absolutamente nulos, porque a rigor, não foram praticados por advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB. E, como não é permitido procurar em juízo sem profissional regularmente habilitado, os atos praticados são, invariavelmente, nulos.

Necessário esclarecer: o que a jurisprudência admite, com tranquilidade, nas hipóteses de ação penal privada, é a correção de vícios no instrumento procuratório, e não a convalidação de atos absolutamente nulos, em decorrência de ausência de capacidade postulatória do querelante.

Ainda que se admitisse, em tese, a viabilidade de sanar a mácula, o transcurso do prazo decadencial de 06 (seis) meses, de qualquer sorte, obstaria tal desiderato, conforme reiterada e pacífica jurisprudência antes colacionada, já que a tentativa de regularizar a representação da querelante só ocorreu em 12 de novembro de 2008, já transcorridos mais de 03 (três) anos desde o ajuizamento da queixa-crime.

Constatada, pois, a ausência de capacidade postulatória da querelante, aliada ao escoamento do prazo decadencial de 06 (seis) meses, sem que tal vício fosse sanado nesse interregno, forçoso concluir que o direito de queixa foi fulminado pela decadência, cujo prazo, “[…] de natureza decadencial, não se prorroga, não se suspende nem se interrompe, contando-se na forma do art. 10 do CP, incluindo-se o primeiro dia e excluindo-se o do vencimento. Portanto, a vítima tem prazo para exercer a ação privada. Se não o fizer, decai do direito, ocasionando a extinção da punibilidade.”

Não é demais dizer que o reconhecimento da decadência é prejudicial ao mérito, já que acarreta a extinção da punibilidade, prescindindo-se, pois, a análise das demais questões suscitadas no bojo dos autos. Nesse norte:

AGRAVO REGIMENTAL. PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO A RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA CRIMINAL. CINCO DIAS. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.

INOCORRÊNCIA.

[…]

2. As chamadas matérias de ordem pública, relativas, em regra, às condições da ação, aos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido do processo, às nulidades de natureza absoluta e às causas extintivas de punibilidade previstas no art.

107 do Código Penal, se caracterizam como questões prejudiciais à análise do julgamento de mérito, não demandando, para sua verificação, aprofundada dilação probatória.

3. No caso, ao contrário do alegado pelo agravante, com exceção da apontada prescrição da pretensão punitiva, já afastada na decisão agravada, as demais questões agitadas no recurso especial dizem respeito ao mérito da causa, não versando, portanto, sobre matéria de ordem pública.

4. Agravo regimental desprovido.

Ao lume dessas considerações, em desacordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, julgo extinta a punibilidade do querelado, o que faço com base no art. 107, IV, do CPB, c/c art. 38, do CPP.

É como voto.

Sala das Sessões Plenárias do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 27 de outubro de 2010.

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

 

<!–[if !supportFootnotes]–>

 


<!–[endif]–>

TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Jus Podium. 4. ed. Salvador-BA: 2010, p. 159.

Art. 30 – Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Método, 2009, p. 50

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

omissis;

II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

omissis

Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: […]IV – pela prescrição, decadência ou perempção; V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; […]

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

AR 200201000430155, JUÍZA FEDERAL SIMONE DOS SANTOS LEMOS FERNANDES (CONV.), TRF1 – PRIMEIRA SEÇÃO, 13/04/2007.

REsp 879.749/BA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2007, DJ 03/09/2007, p. 214.

Inq 1696, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 27/11/2002, DJ 07-03-2003 PP-00034 EMENT VOL-02101-01 PP-00031.

TJ/DF: 20090110787863APJ, Relator FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF, julgado em 22/06/2010, DJ 30/07/2010 p. 154.

TJ/MG: Processo n. 4307526-40.2000.8.13.0000. Rel.: Des. VIEIRA DE BRITO. Dj: 25/11/2003.

TJ/MG: 5000220-34.2006.8.13.0140. Rel.: Des. HERCULANO RODRIGUES. Dj: 04/06/2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. FERNANDES, Antonio Scarance. As Nulidades no Processo Penal. RT. 11. ed. 2009, p. 94-95

Ob. cit., p. 160-161

AgRg no Ag 1036913/AM, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 24/06/2008, DJe 04/08/2008.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.