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“[…] Eu, de meu lado, ser humano que sou, cheio de defeitos, também faço as minhas travessuras, afinal, eu não sou – e nem quero ser – esse virtuose que se imagina.
Mas ninguém pode dizer que não tenho me esforçado, a mais não poder, para que a minha prática de vida não seja diferente do meu dircurso[…]”
José Luiz Oliveira de Almeida
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Não é incomum – aliás, é, até, muito comum – que fatos passados, nos dias presentes, se apresentem com a coloração diferente da que tinha antes.
Niguém é capaz de contar a mesma história duas vezes. A segunda sempre altera a primeira, de acordo com as conveniências de quem narra o fato.
E, assim, de alteração em alteração, adulteram-se os fatos, dá-se novo matiz a determinado acontecimento, sempre de acordo com as circunstâncias e os interesses de quem faz a narrativa ou de quem dissemina a versão.
É assim na história. É assim na vida.
Abaixo, um fato exemplar, só para ilustrar.
Os ingleses passaram para história a imagem de defensores da liberdade dos escravos no mundo. Eu mesmo acreditei nisso a vida inteira.
O que não se diz, com a mesma ênfase, é que, no século XIX, com o avanço do capitalismo, o trabalho escravo deixou de ser um negócio atrativo para os ingleses, os quais concluíram que era melhor contratar operários que manter escravos.
“O que se infere do exposto é que muitos têm um discurso de vida diferente da sua prática. Muitos tentam nos fazer crer, disfarçadamente, que são paladinos da moralidade, arautos da retidão, quando, em verdade, a sua prática de vida é diametralmente oposta.”
É que, concluíram, os operários não precisavam ser alimentados e nem de cuidado quando envelhecessem ou fossem acometidos de algum mal – e podiam, ademais, ser demitidos, quando fosse do interesse dos capitalistas.
A verdade é que os escravos, com o tempo, passavam a ser um estorvo, um fardo difícil de carregar para os capitalistas, daí por que decidiram-se pela abolição da escravatura, pois que, está claro, nela não tinham mais nenhum interesse.
Não foi, portanto, por razões humanitárias que os ingleses , depois de mais de duzentos anos como os maiores traficantes do planeta, decidiram-se pelo fim da escravatura em seu pais e além fronteiras, convindo anotar, nesse vértice, que, para os ingleses, a manutenção do comércio de escravos era, ademais, uma óbice às suas pretensões de comercializar produtos industrializadas com a África.
É assim na história. É assim na vida.
Há outros dados históricos que não convém citar, pois que apenas alongariam, desnecessariamente, essas reflexões.
O que se infere do exposto é que muitos têm um discurso de vida diferente da sua prática. Muitos tentam nos fazer crer, disfarçadamente, que são paladinos da moralidade, arautos da retidão, quando, em verdade, a sua prática de vida é diametralmente oposta.
Muitos condenam, por exemplo, o mau uso do dinheiro público, mas, tão logo tenham oportunidade, fazem o mesmo, sem o menor escrúpulo, despindo-se, a olhos vistos, da vestes da virtude com as quais se apresentaram a vida inteira.
E o discurso de ontem? Bem, isso não mais importa. Convém, agora, jogá-lo no lixo.
É assim na história. É assim na vida.
Outro exemplo. Quando estamos na condição de pedestres, não é incomum nos indignarmos com os condutores de veículos automotores que não param nas faixas para que possamos atravessar; na condição de motoristas, inobstante, é mais do que comum nos descuramos desse dever de cuidado. É dizer: somos cidadãos na condição de pedestres e infratores, na condição de motorista.
Mais um exemplo. Todos somos contra o “jetinho brasileiro”, entretanto, quando nos convém, não nos acanhamos de tomar posse desse “jeitinho” para levar uma vantagem.
Eu, de meu lado, ser humano que sou, cheio de defeitos, também faço as minhas travessuaras, afinal, eu não sou – e nem quero ser – esse virtuose que se imagina.
Mas ninguém pode dizer que não tenho me esforçado, a mais não poder, para que a minha prática de vida não seja diferente do meu dircurso.