O julgador, o assessor e a falta de humildade

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“[…]Nos dias mais recentes não é diferente. Dizem que, no passado não muito distante, determinado julgador de segunda instância, sempre que elogiavam o voto que apresentava, se ufanava de ter sido o autor solitário do mesmo[…]”

José Luiz Oliveira de Almeida

E-mail: jose.luiz.almeida@globo.com

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Todo mundo gosta de ser elogiado. Eu, pelo menos, gosto muito. Dias desses, descendo uma dessas quase íngremes ladeiras do centro histórico de nossa cidade, um cidadão, para o meu espanto, gritou meu nome:

– Des. José Luiz, espere um pouco. Preciso lhe dizer uma coisas. Não, não se preocupe, pois não vou lhe pedir emprego e nem dinheiro emprestado.

Eu, ainda estupefato diante do inusitado, disse-lhe, então:

-Pois diga o que tem a me dizer.

Ele prosseguiu:

-Desembargador, eu não sou do Maranhão, mas já moro aqui há muitos anos, e tenho ouvido falar muito bem do senhor. Eu quero apenas lhe pedir uma coisa: não mude. Continue sendo sempre essa mesma pessoa que tem sido até hoje. A sua maneira de ser, a sua honestidade, a sua postura profissional me dão muita esperança em dias melhores. E digo mais: muitas são as pessoas que pensam como eu.

É claro que, diante dessa e de outras manifestações do mesmo matiz, eu me sinto lisonjeado e preocupado, pois não sei, honestamente, se as mereço.

O certo mesmo é que todos gostam de ser elogiados. Se não há quem façam os elogios, muitos se autoelogiam. O que importa mesmo é inflar, massagear o ego.

Na mesma medida, poucos são os que admitem os erros que praticam. Muitos, sobretudo juízes, não admitem o erro, porque não são humildes. Praticar a humildade, ao que parece, não é bem a “praia” de magistrados, conquanto admita que há, sim, exceções.

Essa história de não assumir o erro é antiga. Existe desde que o homem é homem.

Um fato histórico, para ilustrar.

José Bonifácio, o patriarca da independência, parecia, aos olhos de muitos, pelas suas atitudes, vaidoso e arrogante. Quando elogiavam alguma obra no departamento que dirigia, dizia, sem titubeio:

-Fui em que fiz.

Se o tom era de crítica, defendia-se:

-É obra do burro e imbecil feitor que não cumpriu as minhas ordens.

Nos dias mais recentes não é diferente. Dizem que, no passado não muito distante, determinado julgador de segunda instância, sempre que elogiavam o voto que apresentava, se ufanava de ter sido o autor solitário do mesmo.

-Esse eu fiz no capricho, dizia. Comigo não tem essa de assessor elaborar meu voto. Eu sou um dos poucos que não depende de assessor.

Mas se, ao reverso, fosse flagrado num equívoco, por ocasião do julgamento, não se fazia de rogado: tirava dos cachorros e colocava no pobre assessor.

Dizia, contrafeito, fingindo indignação:

-É assim. Eu nunca deixo assessor fazer meus votos. No dia que resolvo correr o risco, olha no que dá. São todos uns energúmenos. Meu Deus, será que só eu não posso delegar poderes aos assessores. Assim não dá. É por essa e por outras que não vejo a hora de me aposentar.

Comentam que esse julgador não era muito afeito ao trabalho, que delegava quase tudo ao “incompetente”, e só se aposentou na compulsória.

É fato pode até não ter ocorrido. Pode ser, sim, pura maldade. Mas que ele parece muito real, não se pode negar.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

3 comentários em “O julgador, o assessor e a falta de humildade”

  1. Eu sou suspeita em fazer algum comentario, pelo simples fato de mim considerar a fã numero 1º desse ilustre magistrado/desembargador. Deus mim concedeu a honrar de trabalha com ele, e verdadeiramente, posso afirmar:explemplo de competencia e senso de justiça.

  2. raros são os casos de humildade na Magistratura, sei o que digo pois já convivi com vários. Parabéns.

  3. às vezes leio trechos das decisões de Vossa Excelência e até admiro o vosso senso de Justiça.

    Continue assim. De homems como Vossa Senhoria precisavam estar compostos todos os Tribunais Pátrios.

    Walderley Franco de Paiva
    (Paranaense)

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