Sentença condenatória.

Em se tratando de crime de roubo, praticado com arma de fogo, todos que contribuíram para a execução do tipo fundamental respondem pelo resultado morte, mesmo não agindo diretamente na execução desta, pois assumiram o risco pelo evento mais grave.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 

Na sentença que publico a seguir,  tive a oportunidade de refletir sobre a conduta com relevância jurídica, nos termos abaixo, litteris:

  1. Na conduta humana, além disso, só adquire relevância jurídico-penal, como elemento do fato típico, a ação voluntária. Donde dizer-se que o primeiro característico da ação é a subjetividade.
  2. Nem todo ato humano, mesmo que se enquadre numa descrição típica, é ação delituosa. Para que exista é necessária a voluntariedade. Somente a conduta lastreada pela vontade tem relevância na tipificação do ato. Onde não há dinamismo volitivo, mas simples automatismo mecânico, não existe ação.


Sobre a vontade punível, anotei, verbis:

 

  1. No caso de força irresistível, falta a ação porque a pessoa, em conseqüência da pressão exterior sobre ela exercida, atua como instrumento sem vontade.
  2. Para existir ação causante de um resultado, é necessário que a esse querer interno suceda uma conduta corporal a que se ligue o resultado.
  3. Sem que a vontade, ou ato psíquico interno, se incorpore a um ato externo, não há fato punível nem ação delituosa.


Sobre a relevância da conduta, para interessar ao Direito Penal, consignei,litteris:


  1. É cediço que não basta que alguém pratique uma conduta que se ajuste a um tipo penal, para que suporte a ira estatal. Para que alguém se submeta ao constrangimento de um processo criminal, é necessário a conduta (ação ou omissão voluntária e consciente), além típica (amoldável aos elementos do tipo penal), antijurídica (contrária ao Direito) e culpável (realizada com imputabilidade etc.), seja relevante, significativa.

 

A seguir, a sentença, integralmente, verbis:

PROCESSO Nº 171982007
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADO: J. G. S.
VÍTIMA: J. B. DE L. J.

Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra J. G. S., devidamente qualificado na denúncia e por ocasião do seu interrogatório, por incidência comportamental no artigo 157, § 2º, I e II , do Código Penal, em face de, no dia 18 de julho de 2007, ter assaltado o estabelecimento comercial CDL Games, localizado no bairro João de Deus, em companhia de mais dois indivíduos, com arma de fogo, de onde subtraiu 02(dois) aparelhos de play station, 06(seis) controle, 02(dois) memory-card, 02(duas) fontes e aproximadamente a quantia de R$ 210,00 (duzentos e dez reais).
A persecução criminal teve início com o auto de prisão em flagrante do acusado. (fls.06/06)
Autos de reconhecimento de pessoas às fls. 29 e 30.
Recebimento da denúncia às fls.71/72.
O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 82/85.
Defesa prévia às fls. 81.v.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas J. A. S. V. (fls.116/117), J. B. DE L. Júnior(fls.132/135), L. S. DA M. (fls.136/140),
Na fase de diligências, nada foi requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO bem assim pelo DEFENSOR do acusado (fls.129)
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu a condenação do acusado no termos da denúncia(fls.149/152).
A DEFESA, de seu lado, pede, cumulativamente, a) a absolvição do acusado, com espeque no inciso IV ou VI do artigo 386 do CP; ou, se assim não entendido, b) a aplicação do §1º, do artigo 29 do CP, uma vez que a participação do acusado foi de menor importância para consumação do ilícito(fls.154/158).

Relatados. Decido.

01.00. A potestade punitiva do Estado está centrada no denominado jus puniendi. Para exercer o jus puniendi, o Estado adota uma determina política criminal e declara punível e dotado de perseguibilidade um determinado fato. O jus puniendi, entretanto, não é ilimitado. Nem todas as condutas sociais, portanto, são passíveis de punição. O jus puniendi é limitado tanto ao nível da criação da norma penal quanto ao de sua aplicação. Os limites situados no plano da criação são as chamadas garantias penais; os que se relacionam com a aplicação das normas penais são as denominadas garantias de persecução, processuais e de execução.
02.00. A conjugação das garantias penais e processuais dá lugar a um sistema penal garantista que não apenas legitima democraticamente o jus puniendi, mas também deslegitima o uso abusivo da potestade punitiva do Estado.
03.00. A persecução criminal que se desenvolveu nos autos sub examine não se fez abusivamente, mas em virtude de comandos legais esculpidos na ordem jurídica vigente, em face da notícia de que o acusado enfrentou um comando normativo penal.
04.00. O Estado, com efeito, aqui só interveio, em face da perspectiva de que os acusados tenham afrontado um comando legal do Codex Penal, daí a imprescindibilidade da intervenção estatal, que se não se apresenta abusiva e ilegítima.
05.00. Os autos sub examine noticiam uma infração penal relevante, um fato da vida real que o legislador definiu como crime (artigo 157 do CP), que teria sido praticado por J. G. S., , daí a razão de ter-se colocado em funcionamento a máquina estatal responsável pela persecução criminal.
06.00. O enquadramento de um fato da vida real – na descrição legal de norma incriminadora – deve estar presente em todos os momentos da persecutio criminis, sem o que não se justifica a potestas coercendi e a potestas cognoscendi das diversas instâncias formais que atuam na esfera penal.
07.00. O JUSTIÇA PENAL só sai de sua inércia quando se noticia a prática de um crime, em razão do que ela se põe em movimento, como se deu em o caso sob retina, para possibilitar, alfim, a inflição de pena ao autor do fato que a norma penal diz ser crime .
08.00. No primeiro momento, claro, com a notícia da prática de um crime, desde que relevante o fato(mínima non curat praetor), a investigação criminal se instaura (informatio delicti), sem que se possa aferir, no primeiro momento, a culpabilidade do seu autor, o que só se dará, é consabido, quando da conclusão das diversas etapas do procedimento penal.
09.00. O crime, sabe-se, é a violação de um bem jurídico penalmente tutelado, não podendo haver infração sem que a conduta humana esteja em contraste com a ordem jurídica. Faz-se necessário, ademais, que essa mesma conduta seja praticada por alguém dotado de capacidade de entendimento e que o faço, ademais, voluntariamente.
10.00. Sempre que alguém pratica uma ação típica, id. est., quando a ação de um ser dotado de vontade se amolda ao modelo abstrato que o legislador definiu como crime, há a violação do dever de obediência que o Estado impõe erga omnes no preceito penal incriminador. O autor de um fato típico, portanto, descumpre uma obrigação que lhe é imposta na norma penal em que descansa o direito subjetivo de punir, in abstracto, do Estado.
11.00. Do descumprimento, pelo autor do delito, da obrigação derivada da norma incriminadora, faz nascer para o Estado o direito concreto de punir, uma vez que lhe cabe o direito de impor a sanção prevista no preceito secundário (sanctio iuris) do comando normativo eventualmente afrontado.
11.01. Assim é que o legislador ordinário fez inserir no nosso ordenamento jurídico, ad. exempli, um comando normativo que diz ser crime a subtração de “coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência” , devendo os autores da conduta típica suportaram os efeitos de sua ação, traduzida em uma sanção penal.
11.01.01. Bem por isso é que a regra secundária da norma penal incriminadora se apresenta como uma dupla e clara direção, qual seja, a de impor ao Estado a obrigação de punir, e, ao réu, a obrigação de sofrer a pena.
12.00. A norma incriminadora é, assim, uma garantia que o réu tem de não ser punido além dos limites estabelecidos no preceito sancionador, direito a que corresponde, de parte do Estado, o dever de não impor outras sanções que não aquelas previstas no preceito secundário da norma incriminadora.
13.00. A culpa penal constitui-se no centro ético do direito punitivo. Não há pena sem culpabilidade, como também a pena não pode exceder-lhe na medida. Pena e culpa são binômios que se juntam indissociavelmente, consistindo no exato ponto de ligadura e de penetração da teoria das conseqüências jurídicas na teoria do delito.
14.00. O Direito deve limitar-se a disciplinar condutas potencialmente prejudiciais a alguém (alterum no laedere), ou seja, o direito só deve atuar segundo um critério de necessidade, previamente contemplado em lei, inspirada nos mais sagrados princípios do humanismo.
15.00. O elemento primário de todo delito, é uma conduta humana voluntária no mundo exterior. Não é por motivo outro que o artigo 13 do CP, ao fixar os preceitos sobre a relação de causalidade, estatui claramente, que o resultado do fato típico só é imputável a quem praticou a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
16.00. O crime, como atentado a um bem jurídico, interessa à ordem normativo-penal do direito porque produz um dano. Não há crime sem resultado danoso ( in actu ou in potentia). Mas a lesão ao bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da antijuridicidade, está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constitui a base do resultado lesivo.
17.00. Não há crime, pois, sem determinado comportamento humano ( nullum crimen si actione) contrário à ordem jurídica.
17.01. A ação e omissão constituem, por isso mesmo, o primeiro momento do delito, ou seja, o ponto em que o homem entra em contato com o ordenamento jurídico-penal.
18.00. Na conduta humana, além disso, só adquire relevância jurídico-penal, como elemento do fato típico, a ação voluntária. Donde dizer-se que o primeiro característico da ação é a subjetividade.
19.00. Nem todo ato humano, mesmo que se enquadre numa descrição típica, é ação delituosa. Para que exista é necessária a voluntariedade. Somente a conduta lastreada pela vontade tem relevância na tipificação do ato. Onde não há dinamismo volitivo, mas simples automatismo mecânico, não existe ação.
20.00. No caso de força irresistível, falta a ação porque a pessoa, em conseqüência da pressão exterior sobre ela exercida, atua como instrumento sem vontade.
21.00. Para existir ação causante de um resultado, é necessário que a esse querer interno suceda uma conduta corporal a que se ligue o resultado.
21.01. Sem que a vontade, ou ato psíquico interno, se incorpore a um ato externo, não há fato punível nem ação delituosa. Cogitationis poenam nemo patitur: o simples querer, a voluntas acti não exteriorizada em ato concreto no mundo físico, fica impune por não constituir fato típico.
22.00. Essas diretrizes não se perderão de vista quando do exame dos fatos que ensejaram a movimentação da maquina estatal in casu su examine.
23.00. É cediço que não basta que alguém pratique uma conduta que se ajuste a um tipo penal, para que suporte a ira estatal. Para que alguém se submeta ao constrangimento de um processo criminal, é necessário a conduta (ação ou omissão voluntária e consciente), além típica (amoldável aos elementos do tipo penal), antijurídica (contrária ao Direito) e culpável (realizada com imputabilidade etc.), seja relevante, significativa.
23.01. O MINISTÉRIO PÚBLICO, por isso, só deve provocar o Estado-Juiz, através da ação penal, a fim de processar e punir o agente de uma conduta, se não despontarem os motivos que afastam a responsabilidade (embora prevaleçam a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade), tais como a bagatela (ou princípio da insignificância) ou outra falta qualquer de justa causa para o exercício do jus persequendi in judici”, dentre outras.
24.00. Ao acusado J. G. S. o MINISTÉRIO PÚBLICO aponta a autoria do crime de roubo consumado e qualificado . É dizer, com sua conduta teria afrontado um comando normativo penal, o fazendo com emprego de arma e em concurso com outro meliante que não foi identificado
25.00. O direito, antecipei acima, pretende regular a conduta humana, pois o delito não pode ser delito, se não resultar de uma conduta do homem.
26.00. O princípio nullum crimen sine conducta uma garantia elementar, garantia que não pode ser postergada sob qualquer fundamento, pois que, se fosse eliminada, “o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de ser, as características pessoais etc”.
27.00. Um direito penal que reconheça um mínimo de respeito à dignidade humana “não pode deixar de reafirmar que a base do delito – como iniludível caráter genérico – é a conduta, identificada em sua estrutura onto-ontológica. Se esta estrutura é desconhecida, corre-se o risco de salvar a forma mas evitar o conteúdo, porque no lugar de uma conduta humana se colocará outra coisa”
28.00. No artigo 157,do Digesto Penal está definido o tipo simples (preceptum iuris) de roubo e a pena prevista para os seus transgressores (sanctio iuris), nos seguintes termos, verbis:

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.

§2º. A pena aumenta-se de um terço até metade:
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II- se há concurso de duas ou mais pessoas;
III -omissis;
IV – omissis;
V – omissis.

29.00. A conduta típica é subtrair, tirar, arrebatar coisa alheia móvel empregando o agente violência grave, ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.
30.00. O objeto material é a coisa alheia móvel. Coisa, para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível, suscetível de apreensão e transporte.
31.00. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade de subtrair, com emprego de violência, grave ameaça ou outro recurso análogo, com a finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem(animus furandi ou animus rem sibi habend).
32.00. O crime sob retina se consuma, segundo consagrou a jurisprudência, com a inversão da posse, id. est, quando o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou que a res esteja fora da esfera de vigilância da vítima.
33.00. O roubo se consuma, ademais, quando a detenção da coisa móvel alheia se transforma em posse mediante a cessação da grave ameaça ou violência à pessoa.
34.00. O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, menos o seu proprietário, na medida em que o tipo exige que a coisa seja alheia. O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor, ou até mesmo o detentor. É indiferente, ademais, a natureza da posse.
35.00. Sob essas diretrizes, sob essas considerações, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para, somente alfim e ao cabo do exame, concluir se os acusados, efetivamente, atentaram, ou não, contra a ordem pública, como pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO.
36.00. J. G. S., foi denunciado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ( ne procedeta judex ex officio e nemo judex sine actore), à alegação de terem malferido o preceito primário do artigo 157, do Codex Penal, com a qualificadora decorrente do emprego de arma
37.00. Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa dos acusados, sabido que os réus se defendem da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.
38.00. Para materialização da persecução criminal as autoridades policiais e os órgãos judiciários estão dotados de potestas coercendi que lhes permite praticar atos dessa natureza, respectivamente, no curso do inquérito policial e da relação processual.
39.00. É que a persecução criminal, no sistema acusatório brasileiro, em regra, se divide em duas etapas distintas, nas quais são produzidas as provas da existência do crime e de sua autoria: uma, a chamada fase administrativa (informatio delict) é procedimento meramente administrativo, preliminar e informativo (inquisitio est quam informatio delicti) cujo objeto de apuração se destina à formação da opinio delicti pelo órgão oficial do Estado; a outra, a nominada fase judicial (persecutio criminis in judicio), visa amealhar dados que possibilitem, a inflição de pena ao autor , ou autores, do ilícito, garantido o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.
40.00. A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame do quadro de provas que se avoluma nos autos
41.00. Pois bem, a primeira fase, disse-o acima, teve início com a prisão em flagrante do acusado. (fls.02/06).
42.00. O acusado, então indiciado, negou a autoria do crime. (fls.10)
43.00. A vítima, ouvida em sede policial, narrou detalhes do assalto e a ousadia do acusado, aduzindo que foram três os autores do fato, sendo que um deles portava arma de fogo.(fls.09)
44.00. O ofendido, depois, reconheceu o acusado em um Celta vermelho, tendo, por isso, acionado a polícia de segurança, que logrou prendê-lo. (ibidem)
45.00. O acusado foi, em seguida, reconhecido pelos ofendidos às fls. 29 e 30, convindo anotar que, segundo as vítimas, era o acusado que estava de posse da arma de fogo.
46.00. Vê-se que, já no primeiro momento da persecução, a prova consolidada – com especial destaque para a palavra do ofendido e para a formalização do reconhecimento – já emergia os contornos da ação ilícita do acusado.
47.00. Faz-se necessário continuar analisando o quadro probatório, pois que, sabe-se, a prova administrativa, isolada, não serve à edição de um decreto de preceito sancionatório.
48.00. Encerrada a primeira fase, o MINISTÉRIO PÚBLICO, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial ( informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra o acusado J. G. S., imputando ao mesmo o malferimento do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 157 do Digesto Penal, com as qualificadoras decorrentes do uso de arma de fogo e do concurso de pessoas, fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.
49.00. Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras, o interrogatório do acusado (audiatur et altera pars) .
50.00. O acusado negou a autoria do crime, dizendo que acho que está sendo acusado do crime, em face do local onde se encontrava.(fls. 82/85)
51.00. O acusado disse, ademais, que apanhou para confessar o crime. (ibidem)
52.00. Mais adiante o acusado disse que foi preso porque estava andando fora de hora.(ibidem)
53.00. Em seguida foi inquirida a testemunha J. A. S. V., que confirmou as diligências encetadas para localização do acusado e o seu reconhecimento pelo ofendido.(fls.116/118)
54.00. A testemunha em comento disse que se recordava de ter prendido o acusado, sob a suspeita de ter praticado um roubo. (ibidem)
55.00. Noutro excerto a testemunha disse que, depois de preso, o acusado foi reconhecido pelo ofendido.(ibidem)
56.00. O ofendido confirmou a participação do acusado no crime.
57.00. A seguir, os principais fragmentos do depoimento do ofendido, verbis:

Processo N.° 171982007
Transcrição do depoimento J. B. de L. J..

Juiz: 0 senhor é proprietário da locadora tomada de assalto não è mesmo?
Vítima: Isso. Eu fui o primeiro a ser enquadrado.
Juiz: E como se deu esse enquadramento? Que horas foi isso?

Vitima: Eu tinha acabado de chegar do serviço, por volta das oito horas da noite, pois meu irmão me falou de um jogo novo e eu fui testar o jogo. Foi ai que eu sentado lá, jogando, fui abordado pelo cara com um revolver em cima de mim. O Marquinhos.
Juiz: 0 senhor já o conhecia antes?
Vítima: Não. Só fui saber o nome depois. Ai ele chegou me empurrando e me jogando já pro ultimo banco. Foi ai que entrou o Jhonnathan e o outro que ninguém sabe o nome. Ai eles começaram a desligar as coisas, a pegar os jogos. Foi ai que a minha mulher desceu, com dois meses de parida, e o M. já mandou ela entrar, me largou e foi colocar a arma na cabeça dela. Ela começou a gritar, pedido pra ele não atirar. Enquanto isso, os outros, Jhonnathan e o outro, foram pegando as coisas, os jogos, controles. O M. não me deixava levantar a cabeça prá nada, daí eu não sei qual dos dois perguntou pra ele se levavam ou não as antes. Ai o M. mandou levar tudo. Foi ai que acabou a ação deles. Os dois que estavam com as mochilas levaram tudo e foram embora e o M. continuou lá, fazendo a segurança deles com a arma. Dai quando os outros dobraram o canto, o Marquinhos pegou a bicicleta e disse: – Agora vocês podem sair bando de otários!
Juiz: Ainda disse isso?
Vitima: Disse. Ai eu fui em casa, peguei um facão e corri atrás deles a pé. Foi ai que encontrei um amigo meu que tava de moto e me deu uma carona. A gente foi atrás deles até no São Bernardo. O M. entrou numa rua que não dava pra gente ir atrás dele. Aí a gente seguiu só os dois que estavam de bicicleta na nossa frente. O J. e o outro. Ai eles se atrapalharam e caíram da bicicleta, foi ai que eu pulei da moto e fui correndo atrás dele. Eles pularam o muro que estava quebrado de uma residência. E saíram na outra rua. Daí eu peguei as duas bicicletas e um lado de um chinelo e levei pra oficina. Ai liguei pro meu pai, pro meu irmão, liguei pra todo mundo e a gente saiu atrás deles. O primeiro assalto que teve eu saí no prejuízo porque eles estavam de taxi. Eu dei parte na Delegacia, mas não aconteceu nada. Ai nesse segundo eu agi por conta própria. Fui pesquisar, perguntei pra muita gente e quando cheguei em casa minha mulher tinha chegado do hospital, porque ela havia desmaiado e me disse que ela reconhecia um. Eu perguntei qual, e ela me disse que conhecia o loiro que estava com o revólver na minha cabeça. Disse que não sabia o nome dele, mas já tinha visto ele na porta do colégio de N., irmã dela que tem um colégio no São Bernardo. Quando foi de manhã, que eu ia atrás dele, o padrinho da minha mulher chegou lá, perguntando pelo assalto e perguntou como eram as pessoas que assaltaram. Ai eu expliquei e ele disse que conhecia o loiro da cara espalhafatosa e cheia de sardas, de olhos azuis. Disse que o nome dele era M. e que ele vivia lá no colégio. Ai eu disse pra ele que eu ia atrás desse cara porque ele tinha que me pagar o prejuízo.
Juiz: E o que aconteceu?
Vítima: Ai eu liguei pro meu irmão, larguei o serviço e fui com a moto do meu irmão mais velho. Passei o dia todinho rodando aquele São Bernardo e nada de encontrar esse M.. Ai quando foi umas sete horas da noite ele me disse pra eu não voltar mais la. Dai encontrei com meu outro irmão, o André, ai eu conte pra ele e disse que ia atrás desses caras. Ai a gente retomou lá, eu, meu irmão mais um amigo.
Juiz: Que horas foi isso?
Vítima: Sete horas.
Juiz: Da manhã?
Vitima: Não, da noite. Fiquei rodando e quando deu umas onze horas eu fui pra perto de onde eles ficam lá fumando diamba, fui na rua do colégio e nada deles. Ai quando a gente tava vindo, na rua principal, perto do hospital, eu encontrei o Marquinhos e o J. andando de costas. Ai eu mostrei eles pro A. e pro D.. Ai nós entramos em outra rua e eles entraram num Celta, o J. foi o último a entrar no Celta. E o celta veio contra a gente. Ai eu falei que era pra gente ver onde esse Celta ia parar e chamar a policia pra ir lá. Ai eu encontrei uma viatura na avenida, contei tudo e a gente foi lá. Lá pela chamada “Rua da Bosta”, eu vi o Celta estacionado, com os faros desligados. Foi a aí que os policiais mandaram todo mundo sair de dentro do carro. Colocaram eles na parede. O J. desceu e o M. já não se encontrava mais. Tinha outro que tava dirigindo o carro e um que eles haviam acabado de deixar lá, mas esses não têm nada a ver com o roubo. Ai foi que os policiais deram voz de prisão pra eles. E até o que tava dirigindo o carro foi parar na Delegacia.
Juiz: Não conseguiram reaver nada do que eles levaram?
Vítima: Nada.
Juiz: De quanto foi o prejuízo?
Vítima. Foi na faixa de 3.800 reais. Só não levaram as televisões porque não dava pra levar numa bicicleta.
Juiz: Tu não tem dúvidas de que o J. participou?
Vítima: Não tenho dúvidas nenhuma.
Juiz: E qual foi realmente a participação dele nesse fato?
Vítima: Ele recolheu todos os vídeo games e colocaram na bolsa.
Juiz: Você não os conhecia antes?
Vítima: Não.
Juiz: Armado só tinha um?
Vítima: Só o M. que já é muito conhecido por lá.
Juiz: Esse M. já foi preso?
Vitima: Procurado eu sei que ele é bastante, mas se já foi preso eu não sei.
( fl.s 132/135)(com a supressão de excertos irrelevantes para o deslinde da questão)

58.00. Dando prosseguimento à instrução foi ouvida a testemunha L. S. DA M., companheira do ofendido, que, da mesma forma, narrou os fatos de modo a não deixar dúvidas acerca da existência do crime, a autoria, o concurso de pessoas e a utilização de arma de fogo, como se vê às fls. 136/140)
59.00. Com os dados acima posso afirmar, agora definitivamente, que a prova acerca da existência do crime e de sua autoria é plena, irretorquível e indene de dúvidas.
60.00. A prova é extreme de dúvidas, ademais, de que o crime tenha sido praticado em concurso e com a utilização de arma de fogo, daí a sua dupla qualificação.
61.00. De se concluir, outrossim, que o crime restou consumado, em face de a res mobilis não ter sido reincorporada ao patrimônio do ofendido.
62.00. O acusado, dimana das provas, com sua ação, profanou a ordem jurídica, fazendo subsumir o seu proceder no tipo penal do artigo 157, do Digesto Penal.
63.00. O crime praticado pelo acusado, em face de sua gravidade, exige punição exemplar ao autor do fato.
64.00. Diante de crimes desse jaez e restando provados, quantum sufficit, a autoria e a materialidade delitiva, o Estado tem o dever de agir, até mesmo para desestimular os que têm propensão para o ilícito.
65.00. Vou abrir um parêntese, agora, para refletir sobre a palavra do ofendido, em crimes desse jaez.
66.00. Pois bem. Como consignado acima, a vítima foi ouvida em sedes administrativa e judicial, tendo confirmado o assalto, apontando a autoria ao acusado, daí a relevância do seu depoimento para definição da autoria do crime.
67.00. A palavra do ofendido, ressabe-se, destaca-se, in casu sub examine, com especial carga probatória, pois que, em tema de crimes contra o patrimônio, a sua palavra é a pedra de toque, na maioria das vezes, para definir a autoria, máxime se nada tinha de pessoal contra os autores do fato.
68.00. Os Tribunais não dissentem:
Prova. Palavra da vítima de crimes patrimoniais. Valor: – Em sede crimes patrimoniais, geralmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima assume relevância no reconhecimento dos agentes.
69.00. No mesmo sentido:

EMENTA OFICIAL: – Roubo Palavra da vítima – Validade. Nos crimes contra o patrimônio, como o roubo, muitas vezes praticados na clandestinidade, crucial a palavra do ofendido na elucidação dos fatos e na identificação do autor.

 
70.00. Na mesma senda:

 

EMENTA OFICIAL: – ROUBO – PALAVRA DA VÍTIMA – VALIDADE. – Nos crimes contra o patrimônio, como o roubo, muitas vezes praticados na clandestinidade, crucial a palavra do ofendido na elucidação dos fatos e na identificação do autor.

71.00. Agora, uma exortação, em face da ação do acusado.
72.00. O Estado não pode deixar de, diante de um crime, aplicar a pena ao transgressor, sob pena de estabelecer-se a anarquia, que nos levaria ao caos social. É, pois, com a pena que se estabelece o necessário controle social, com o que se prentende evitar que comportamentos desse matiz se realizem.
73.00. O acusado ao subtrair os bens da vítima, o fez com a vontade, com a finalidade de ter a coisa para si (animus furandi ou animus rem sibi habendi), que independe do intuito de lucro (abemos lucri faciendi).
74.00. O acusado, disse-o acima, ao subtrair os bens da vítima o fez, subjetivamente, para ter a res para si, desfalcando o seu patrimônio, daí avultando o aspecto subjetivo de sua conduta, realçada de importância nos autos sub examine em face do princípio da culpabilidade(nullum crimen, nulla poena sine culpa).
75.00. A conduta do acusado, ao agredir, ao atentar contra o patrimônio da vítima, é antinormativa e o fato materialmente típico, devendo, por isso, ser responsabilizado pessoalmente pela ação reprochável.
76.00. Conduta, de jure constitute, é a ação ou omissão consciente e dirigida a determinada finalidade. É um comportamento humano, com repercussão externa da vontade do agente.
77.00. Força é dizer que, in casu, o acusado não se limitou a planejar, a pensar ou assalto, hipótese em que não haveria que cogitar-se da prática de crime, pois que “o pensamento e o querer humanos não preenchem as características da ação enquanto não tenha iniciado a manifestação exterior dessa vontade”.
78.00. A conduta é um fazer (ou não fazer) voluntário, implicando, necessariamente, em uma finalidade. “O direito pretende regular a conduta humana, não podendo ser delito outra coisa além de uma conduta. Se admitíssemos que o delito é algo diferente de uma conduta, o direito penal pretenderia regular algo distinto da conduta e, portanto, não seria direito, pois romperia o atual horizonte de projeção de nossa ciência. O princípio nullum crimen sine conducta é uma garantia elementar. Se fosse eliminado, o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de ser, as características pessoais etc. Neste momento de nossa cultura isto parece suficientemente óbvio, mas, apesar disto, não faltam tentativas de suprimir ou de obstaculizar este princípio elementar. Quem quiser defender a vigência de um direito penal que reconheça um mínimo de respeito à dignidade humana não pode deixar de reafirmar que a base do delito – como iniludível caráter genérico – é a conduta, identificada em sua estrutura onto-ontológica. Se esta estrutura é desconhecida, corre-se o risco de salvar a forma mas evitar o conteúdo, porque lugar de uma conduta humana se colocará outra coisa”
79.00. O acusado, viu-se à exaustão, transgrediu o preceptivo (ou regra primária) da norma penal incriminadora, porque praticou um fato típico, daí ter-se dirigido a ele a pretensão punitiva do Estado, que culminará, alfim, com a inflição de pena (regra secundária).
80.00. A regra secundária da norma incriminadora, ressabe-se, é o instrumento de que se vale a tutela jurídica estatal, para garantir a obediência aos imperativos contidos no preceito primário da norma.
81.00. O mandamento primário do artigo 157 do CP definiu o ato ilícito, estabelecendo ser crime “subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”.
82.00. O acusado, conquanto tivesse plena consciência da ilegalidade do ato que praticara, não se comportou como era de se esperar, devendo, por isso, suportar os efeitos da ilicitude, consubstanciados no preceito secundário do artigo 157.
83.00. O acusado, por atingir, com sua ação, com sua conduta, “um interesse penalmente tutelado, um valor social cuja relevância para a vida coletiva impele ao Estado a garanti-lo com as sanções penais – sofrerá a perda ou diminuição de um bem jurídico”.
84.00. Infere-se do que foi exposto, que “a sanção penal, como toda e qualquer outra sancionadora, é a conseqüência de um comportamento contrário ao direito e aos preceitos imperativos da ordem jurídica”.
85.00. Do que restou apurado nos autos, há um dado também inquestionável, qual seja, a da res mobilis foi subtraída da ofendida e ao seu patrimônio não mais se incorporando.
85.01. Nessa linha de consideração, devo anotar que aqui se está a cuidar de crime de roubo consumado.
86.00. No passado, e ainda hoje, há quem entenda que só se consuma o crime de furto ou roubo com a posse tranqüila da res substracta.
86.01. Esse entendimento, devo grafar, é superado. Hoje, já não se tem dúvidas de que basta a subtração, com emprego de violência ou ameaça, para tipificar o crime de roubo consumado, independentemente do tempo em que a res permaneça em poder do autor do fato.
87.00. Assim posta a questão acerca da consumação do crime, creio que não há muito o que argumentar, em face mesma de a res substrcata sequer ter sido reincorporada ao patrimônio do ofendido.
88.00. Vou, a seguir, expender considerações, a propósito das teses da defesa.
89.00. A propósito da tese da defesa, acerca da participação de menor importância do acusado, devo dizer que para mim, no que dela discordo, intenso na melhor interpretação jurisprudencial e doutrinária, “a associação para a prática de crime em que a violência contra a pessoa é a parte integrante e fundamental do tipo torna todos os co-participantes responsáveis pelo resultado mais gravoso, nada importando a circunstância de ter sido a atuação de um, durante a execução, menos intensa de que a de outro”.
90.00. Da mesma forma entendo que no crime de latrocínio, “a condenação deve se estender ao co-réu que não efetuou os disparos contra a vítima, pois a violência foi empregada para assegurar a impunidade de ambos”.
91.00. FERNANDO CAPEZ adota o mesmo entendimento, ao lecionar que, no roubo praticado “com emprego de arma de fogo, do qual resulte a morte da vítima ou de terceiro, é co-autor do latrocínio tanta aquele que somente se apoderou da res quanto o comparsa que desferiu tiros contra a pessoa para assegurar a posse da res ou a impunidade do crime”.
92.00. O autor, mais adiante, complementa aduzindo que “Os agentes ao participar do roubo à mão armada assumem os riscos provenientes dessa ação criminosa, de modo que está inserida perfeitamente no desdobramento causal da ação delitiva a produção do evento morte por ocasião da subtração”.
93.00. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL não destoa, ao decidir que “Não importa saber qual dos co-autores do latrocínio desferiu os tiros, pois todos respondem pelo mesmo fato”.
94.00. O mesmo Sodalício, noutra oportunidade, decidiu no mesmo sentido, litteris:

O co-autor que participa de roubo armado responde pelo latrocínio, ainda que o disparo tenha sido efetuado só pelo comparsa.

95.00. O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA também não destoa acerca dessa questão como se verifica da decisão a seguir transcrita, verbis:

Vários co-autores de roubo à mão armada a estabelecimento bancário, com morte causada por dois deles, sem a participação dos demais, durante a fuga, na tentativa de roubo de veículo, ante a resistência oposta pela vítima. Condenação de todos por latrocínio (art.157,§3º, do CP). Pretendida exclusão da qualificadora do §3º em relação ao co-autor que não participou da execução do homicídio. Limites da responsabilidade penal no concurso de pessoas. Nos crimes qualificados pelo resultado, a agravação da pena restringe-se aos intervenientes ( co-autor, instigar ou cúmplice) em relação aos quais a conseqüência mais grave era, ao menos, previsível (art. 19 do CP). Mas, no roubo à mão armada, respondem pelo resultado morte, situado em pleno desdobramento causal da ação criminosa, todos os que, mesmo não participando diretamente da execução do homicídio (excesso quantitativo), planejaram e executaram o tipo básico, assumindo conscientemente o risco do resultado mais grave durante a ação criminosa ou durante a fuga”. (grifei)

96.00. O mesmo Sodalício, noutra oportunidade, decidiu na mesma toada, como se colhe da ementa a seguir transcrita, litteris:

Em se tratando de crime de roubo, praticado com arma de fogo, todos que contribuíram para a execução do tipo fundamental respondem pelo resultado morte, mesmo não agindo diretamente na execução desta, pois assumiram o risco pelo evento mais grave.

97.00. Ainda recentemente, enfrentando embargos de declaração versando sobre a mesma matéria, tive a oportunidade de reafirmar as minhas convicções acerca da questão sob retina, como se vê abaixo, verbis:

Processo nº 12695/2008
Ação Penal Pública
Acusado: C. F. M.
Vítima: M.P. T. C. dos S.
Vistos etc.
Os autos presentes albergam um ação penal que move o Ministério Público contra C. F. M., devidamente qualificado, o qual, alfim, foi condenado a 20(vinte) anos de reclusão e 10(dez)DM.
O defensor público, intimado da decisão, embargou de declaração, à alegação de que a sentença não enfrentou a tese albergada nas alegações finais, especificamente no que concerne à participação de menor importância, prevista no §2º, do artigo 29, do Codex Penal.
Vieram-me os autos, agora, para decidir, em face do alegado pela Defesa.
Devo anotar, preambularmente, que, por formação, por convicção e por tudo o mais que se possa especular, não faço tabula rasa da defesa dos acusados. Eu não seria digno da toga que visto se assim procedesse.
Importa anotar, nesse sentido, que, por formação, não sei teatralizar essas questões, mesmo porque, tenho a mais nítida convicção, não se pode fazer troça, não se pode e não se deve escarnecer direitos de ninguém.
Convém consignar que um juiz garantista, por mais rigoroso que seja, não pode, sob qualquer pretexto, arrostar, afrontar os direitos do acusado.
Ainda que seja rigoroso no enfrentar crimes do tipo albergado na proemial sob retina, não sou de profanar, de hostilizar, enfim, qualquer garantia constitucional dos acusados que julgo. Não é meu feitio. Não me apraz tripudiar sobre o direito de ninguém. Não sou de descer a esse nível.
Defeitos? Os tenho, sim. Arrogante? Sou apontado, aqui e acolá, como tal. Mas nunca fui acusado, com supedâneo em dados colhidos no mundo real, de não respeitar os direitos dos acusados. Nem mesmo a defesa mais desatenta tem merecido de mim qualquer desatenção, qualquer descortesia. Não é do meu feitio.
Profissional que tem a exata noção dos seus deveres, não procede toscamente, rudemente. Profissional, na verdadeira acepção do termo, não tira proveito do poder que tem para envilecer, escarnecer, aviltar as prerrogativas de quem quer que seja.
As minhas sentenças – do tipo artesanal, de um juiz apenas esforçado e voluntarioso, mero operário do direito – todas sabem, podem padecer de excesso; nunca de omissão.
Não sei, definitivamente, ser omisso; só sei ser intenso. Eu vou, com essa volúpia, muitas vezes, além do limite. Mas sempre em defesa das minhas convicções, dos meus ideais.
E quando, aos olhos de alguns, parece que fui omisso, é que, infelizmente, podem não ter compreendido o alcance dos meus argumentos.
Todavia, podem ter certeza: nunca julgo movido por um sentimento menor, pela má-fé, pela pequenez. Pérfido, desleal, traidor, falso ou omisso não o sou. Intenso, teimoso, obstinado, dedicado são, reconheço, alguns dos meus graves defeitos, aos olhos dos que se acostumaram à desídia, à indolência, à inércia, ao desleixo e à incúria dos homens públicos.
Com essas colocações preambulares, quase um desabafo em face das inúmeras agressões que tenho sofrido em incontáveis pleitos formulados neste juízo, pretendo dizer que só não fiz menção expressa à tese da defesa, por entender que, abraçando tese oposta, a teria enfrentado, quantum satis, seguindo na mesma direção das mais conspícuas decisões pretorianas – aliás, referidas na decisão guerreada.
É bem de se ver, pois, que não agi impulsionado pelo desejo, que não se compatibiliza com a minha formação profissional e moral, de teatralizar o primado da ampla defesa.
Sobreleva gizar, na mesma linha de argumentação, que, por mais teratológica que seja a tese defensiva – o que, apresso-me em dizer, não é o caso em comento – , nunca faço menção desairosa ou desrespeitosa a ela, pois que sou daqueles que, muito embora sempre atacado graciosamente, só sei ser ético e profissional.
Ora, se não faço desdém das peças risíveis que tenho recebido de profissionais desatentos que militam na área criminal, como fazê-lo, então, das peças do ínclito Defensor Público, que tem atuado com esmero e dedicação e tem produzido belas peças processuais, dignas dos mais rasgados encômios?
Na verdade, o ilustrado Defensor Público se equivocou, quando da interposição do recurso sub examine, pois que não há omissão a ser sanada.
Com efeito. Em diversas passagens da decisão me detive, quantum satis, na questão referente à participação do acusado.
Fiz ver, por exemplo, que, no roubo à mão armada, respondem pelo resultado morte todos os que, mesmo não participando diretamente da execução do homicídio (excesso quantitativo), planejaram e executaram o tipo básico.
Noutro excerto da decisão consignei que, em se tratando de crime de roubo, praticado com arma de fogo, todos que contribuíram para a execução do tipo fundamental respondem pelo resultado morte.
E a contribuição do acusado C. F. M. é inquestionável, como se pode entrever do depoimento de R. C. T. C. dos S..
Todavia, ainda que não tivesse enfrentado, de frente, a tese da defesa, não se pode perder de vista que, com esta decisão, adotei tese diametralmente oposta a da defesa, daí a desnecessidade de referência explícita à sua tese.
Por amor ao debate e consciente de que não devo me furtar de enfrentar qualquer argumento, ainda que insubsistente, anoto, somente pelo prazer de argumentar, que “quem se associa a outrem para prática de assalto sabendo que o comparsa está armado assume o risco de responder como co-autor de latrocínio se da violência à vítima resultar morte, sendo irrelevante a circunstância de não ter sido o autor do disparo fatal. (RT 634/265)
Digo mais, em adição ao acima exposto:
“…a vontade do co-autor, em tal hipótese, é dirigida, finalisticamente, com todos os riscos inerentes, ao resultado e orientada em tal direção, devendo-se concluir que o resultado letal não foi acontecimento puramente causal, não o favorecendo o benefício da participação de menor importância” (ibidem)
Vou adiante na análise, para sublinhar que o partícipe só não responde pelo resultado mais grave quando ele é imprevisível; quando sua ocorrência não estava inserida como conseqüência da atividade inerente à ação para a qual ele houvera colaborado.
Convenhamos, quem adere a um plano criminoso de prática de roubo, ilícito penal que contém na sua tipificação violência e a grave ameaça à pessoa, onde até o resultado morte é previsível, não pode invocar a aplicação do §2º, do artigo 29, do CP.
Os Tribunais não dissentem, a firmarem o entendimento de que “quem se associa a outrem com a finalidade de praticar assalto sabendo que o comparsa está armado assume o risco de responde como co-autor de latrocínio se da violência à vitima resultar morte, sendo irrelevante a circunstâncias de não ser o autor do disparo”. (RT 579/381)
E não se argumente que o acusado C. F. M. não sabia que o co-réu e autor do disparo,C. M. de A., estava desarmado. Basta ler, com vagar, o seu depoimento em sede extrajudicial, para compreender que sabia, sim, desse fato.(fls. 32/33)
E não se argumente, agora, que o depoimento do acusado em sede extrajudicial de nada vale, pois, é da sabença comum, as provas produzidas em sede extrajudicial podem, sim, ser buscadas para compor o quadro probatório. Eu disse: compor o quadro probatório. E, assim entendendo, não profano a Constituição, não cometo nenhuma heresia jurídica.
Por todo o exposto, conheço dos EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, mas lhe nego provimento, para manter, de conseqüência, a decisão guerreada nos mesmos termos em que está vazada, à míngua de qualquer omissão
Int.
São Luís, 2 de dezembro de 2008.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

98.00. É claro que aqui não se está a cuidar de latrocínio. Mas é claro, também, que os argumentos suso mencionados servem para dar sustentação ao argumento de que o acusado, conquanto tenha se limitado a recolher os bens do ofendido, deve, sim, suportar as conseqüências legais previstas para o crime de roubo qualificado, sendo insustentáveis os argumentos de que teve participação secundaria.
99.00. Reafirmo, agora, depois de tudo que foi expendido, depois de enfrentar a tese da defesa, que o acusado e seus comparsas, unidos pelo mesmo desiderato, em colaboração recíproca, unidos pelo mesmo vínculo subjetivo, concorreram para a prática da infração penal, devendo, agora, ser responsabilizados penalmente, sendo de todo insubsistente falar-se em participação de menor importância, como pretende a defesa.
100.00. Pese tenham sido rechaçados todos os argumentos da defesa, em face dos argumentos suso expendidos, é possível, sim, que, em sede recursal, a defesa aponte alguma mácula na decisão que ora se edita, à alegação de que não foram enfrentados, ponto por ponto, os argumentos consolidados nas alegações finais.
101.00. Devo dizer, a propósito, que, segundo reiteradíssimas decisões pretorianas, não se faz necessário o enfrentamento particularizado dos pontos versados pela defesa, se a sentença hostiliza, implicitamente, as teses apresentadas.
102.00. Os Tribunais pacificaram o entendimento de que “se o Juiz, ao formar seu convencimento e elaborar sua decisão, não respondeu, ponto a ponto, a todos os argumentos mas, na estrutura final, desenvolveu adequadamente a prestação jurisdicional solicitada, afastando, implicitamente, as teses apresentadas” pela defesa, não se há apontar qualquer nulidade do decisum, sob o fundamento de que não enfrentou as teses defensivas.
103.00. TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, para, de conseqüência,

CONDENAR J. G. S., brasileiro, solteiro, pedreiro, filho de M. L. G. S., residente na Rua Padre Marco, nº 07-A, São Bernardo, nesta cidade, cujas penas-base fixo em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de pena previstas nos incisos I e II, §2º, artigo 157, totalizando, definitivamente, 05(cinco) anos e 04(quatro)meses de reclusão e 13(treze)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime semi-aberto, ex vi legis.

P.R.I.C.
Com o trânsito em julgado desta decisão, lançar o nome do acusado no rol dos culpados, expedindo, a seguir, CARTA DE SENTENÇA.
Arquivem-se, após, com a baixa em nossos registros.
Custas, na forma da lei.
São Luis, 23 de dezembro de 2008.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Sentença condenatória.”

  1. Sou leitora assídua do seu blog e admiro as decisões pois temos pensamentos muito semelhantes. Gostaria de ter acesso à sentença condenatória do acusado Carlos Flaviano Moraes pois só tive acesso à decisão dos Embargos Declaratórios.Desde logo obrigada! Sandra

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