Roubo. Emprego de arma de fogo

No acórdão que publico a seguir, com voto condutor da minha autoria,  a divergência ficou por conta do emprego de arma, para os fins de majoração da resposta penal, em face de sua não apreensão e, consequentemente, pela falta de prova pericial que atestasse a sua potencialidade lesiva.

Entendi, diferente do juizo monocrático, que, para o reconhecimento da qualificadora, era indiferente a apreensão da arma utililizada para intimidar a vítima, vez que a prova testemunhal, com destaque para a palavra da vítima, não deixou dúvidas acerca da utilização de arma de fogo por ocasião do roubo.

A seguir, o voto, por inteiro:

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 15 de fevereiro de 2011.

Nº Único: 0020625-63.2004.8.10.0001

Apelação Criminal nº 037559/2010 – São Luís

Apelante : Ministério Público Estadual
Apelado : R. N. A. de S.
Defensor : S. Q. G.
Incidência Penal : Art. 157, §2º, I e II, do CP
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº ____________

 

 

Ementa. APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. USO DE ARMA DE FOGO NÃO APREENDIDA E NÃO PERICIADA. PRESCINDIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA. PROVA SUFICIENTE. ART. 167, DO CPP. PROVIMENTO.

1. É desnecessária a apreensão e perícia da arma de fogo para reconhecimento da majorante prevista no artigo 157, § 2º, I, do CP, quando é possível demonstrar seu uso efetivo através de outros meios de prova.

2. A palavra firme e coerente das vítimas, que possui especial relevo em crimes contra o patrimônio, mostra-se suficiente para a comprovação do efetivo emprego da arma de fogo.

3. A teor do que prescreve o artigo 167, do Código de Processo Penal, o laudo pericial pode ser suprido pela prova testemunhal diante do desaparecimento dos vestígios, como na hipótese em que não houve a apreensão da arma de fogo.

4. Apelo conhecido e provido.

 

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em dar provimento ao recurso, para reformando a sentença proferida em primeira instância, reconhecer a majorante prevista no artigo 157, §2º, I, do Código Penal, entretanto, mantendo o aumento de 1/3 sobre a pena base fixada – 4 (quatro) anos – totalizando em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antônio Fernando Bayma Araújo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Domingas de Jesus Froz Gomes.

São Luís(MA), 15 de fevereiro de 2011.

 

 

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

 

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Apelação Criminal nº 037559/2010 – São Luís

 

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de recurso de apelação criminal interposto pelo Ministério Público Estadual, contra a sentença de fls. 112/122, que condenou R. N. A. S., por incidência comportamental no art. 157, §2º, II, do Código Penal, a uma pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida, inicialmente, em regime semiaberto.

O Ministério Público, com base em elementos colhidos na fase pré-processual, ofertou denúncia contra Raimundo Nonato Araújo Sousa, imputando-lhe a prática do crime de roubo, qualificado pelo emprego de arma e concurso de pessoas.

De acordo com a inicial acusatória, no dia 19 de novembro de 2004, o apelado, em companhia de outro indivíduo, ambos portando armas de fogo, abordaram o motorista e o passageiro de um caminhão que transportava bebidas e, após subtrair determinada quantia em dinheiro, deixaram o local, sendo que a prisão em flagrante do recorrido foi efetuada logo em seguida pela polícia.

Recebimento da denúncia às fls. 39.

O apelado foi qualificado e interrogado às fls. 51/52.

Durante a instrução criminal, colheu-se o depoimento da testemunha R. M. T. (fls. 66) e das vítimas R. A. S. (fls. 93/94) e G. D. da S. (fls. 95), arroladas na denúncia, além das testemunhas do rol da defesa, J. D. F. (fls. 97) e C. C. F. (fls. 98).

Em sede de alegações finais, o Ministério Público requereu a condenação do apelante nas penas do art. 157, §2º, I e II, do Código Penal (fls. 100/103)

A defesa, por sua vez, pleiteou a improcedência do pedido contido na exordial para absolver o apelante, com fundamento no princípio in dubio pro reo. (fls. 106/108).

O juízo a quo julgou parcialmente procedente a denúncia, condenando o apelante pela prática do delito previsto no art. 157, §2º, II, do CP, a uma pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida, em regime inicial semiaberto (fls. 112/122).

Inconformada, a acusação interpôs o recurso de apelação às fls. 124v., para, em suas razões (fls. 128/132), requerer a reforma da sentença de primeiro grau, para que seja reconhecida a qualificadora prevista no artigo 157, §2º, I, do Código Penal.

Em suas contrarrazões, a defesa requer o improvimento do apelo, para que se mantenha a decisão que condenou o recorrente, diante da ausência de apreensão e consequente perícia na arma de fogo, ou que seja o mesmo absolvido da acusação constante na denúncia (fls. 154/155).

Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 165/167, opinou pelo provimento do recurso, a fim de que seja reformada a decisão proferida pelo juízo a quo para reconhecer a qualificadora do emprego de arma.

É o relatório.


 

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação criminal.

Consoante relatado, o presente recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público Estadual, visa a reforma da sentença proferida pelo juiz de base, a qual condenou o apelado à pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, por incidência comportamental no artigo 157, § 2º, II, do Código Penal, para que seja reconhecida a causa especial de aumento de pena constante no inciso I, do mesmo dispositivo penal.

Cumpre anotar, inicialmente, que a autoria e a materialidade do crime, que não foram objeto do apelo, são incontestes diante das provas colacionadas aos autos, destacando-se, nesse sentido, os depoimentos das vítimas.

Na espécie, discute-se, tão somente, a possibilidade de reconhecimento da causa de aumento de pena prevista no artigo 157, § 2º, I, do CP[1], consistente no emprego de arma de fogo, em razão de essa não ter sido apreendida nem periciada.

A questão, que antes causava certa divergência na doutrina e jurisprudência, hoje é pacífica nos tribunais superiores, no sentido de ser prescindível a apreensão e perícia da arma de fogo para caracterizar a majorante prevista no artigo 157, § 2º, I, do Codex Penal, desde que, por outros meios de prova, se puder comprovar o seu efetivo emprego.

A propósito, trago à colação a ementa de um dos julgados do Supremo Tribunal Federal que traduzem o entendimento acima mencionado:

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PREVISÃO DO ART. 192 DO RISTF. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.

I – (omissis).

II – (omissis).

IV – A majorante do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima – reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente – ou pelo depoimento de testemunha presencial.

V – Agravo regimental desprovido[2]. (grifei)

 

No mesmo sentido, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

[…] Nesse contexto, a ausência de perícia na arma, quando impossibilitada sua realização, não afasta a causa especial de aumento prevista no inciso I do § 2.º do art. 157 do Código Penal, desde que existentes outros meios aptos a comprovar o seu efetivo emprego na ação delituosa. Precedentes desta Corte e do Col. Excelso Pretório.[3]

Na mesma senda:

A apreensão e a perícia da arma de fogo utilizada no roubo são desnecessárias para configurar a majorante, quando as demais provas são firmes sobre a efetiva utilização na prática da conduta criminosa. Precedentes desta Corte e do STJ.[4]

Na hipótese em apreço, o juiz sentenciante deixou de aplicar a majorante em discussão sob o argumento de que a ausência de apreensão da arma impossibilitava a comprovação da lesividade ao bem jurídico (fls. 118).

Entretanto, o efetivo emprego da arma de fogo pelo apelado restou comprovado nos autos através do depoimento das vítimas, conforme se constata por meio das transcrições abaixo:

Que o depoente tinha acabado de efetuar uma entrega no comércio de dona Enedina quando ao dar marcha ré em seu caminhão foi abordado por dois elementos armados com revolveres, sendo que o Barão estava com um revólver grande e niquelado e o denunciado estava com um revolver preto; que na circunstância o depoente estava acompanhado de Geilson, sendo que o Barão foi quem apontou a arma para o depoente e o denunciado apontou para o G. […] (R. A. S., às fls. 93)

Da mesma forma, a vítima G. D. da S., ao prestar declarações em juízo, afirma que

[…] no momento do assalto estava dentro do veículo ao lado do motorista Reginaldo; que o assaltante mais moreno, baixo e de cabelo crespo foi quem apontou a arma para o depoente e o outro mais claro apontou a arma para o Reginaldo; que ambos os assaltantes estavam armados com revolver […]

Além das vítimas, cuja palavra, em crimes contra o patrimônio, tem especial relevância, o próprio apelado, em que pese tenha negado participação no delito, diz, em seu interrogatório judicial, ter visto seu primo “colocando revólver na cabeça do motorista do referido caminhão” (fls. 51).

Nesse contexto, cumpre salientar que, a teor do que prescreve o artigo 167, do Código de Processo Penal, o laudo pericial pode ser suprido pela prova testemunhal diante do desaparecimento dos vestígios, como no caso em análise, em que não houve a apreensão da arma de fogo.

Registra-se, no entanto, que, embora reconhecida a causa especial de aumento de pena prevista no inciso I, do § 2º, do artigo 157, do CP, não constatei a presença de circunstâncias que indiquem a necessidade de exasperação do percentual fixado na sentença.

A propósito, há inúmeras decisões no sentido de que a presença de mais de uma causa de aumento de pena no crime de roubo não é razão obrigatória da punição em patamar acima do mínimo legal, a exemplo do acórdão abaixo transcrito, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, verbis:

HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE AGENTES E EMPREGO DE ARMA DE FOGO. EXAME PERICIAL. IMPOSSIBILIDADE. NÃO APREENSÃO DO INSTRUMENTO. DISPENSABILIDADE PARA A CARACTERIZAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO, QUANDO PROVADO O SEU EMPREGO NA PRÁTICA DO CRIME. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO PLENÁRIO DA SUPREMA CORTE. RECONHECIMENTO DE DUAS CAUSAS DE AUMENTO DE PENA. ACRÉSCIMO FIXADO EM 3/8. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ILEGALIDADE. SÚMULA N.º 443 DESTE TRIBUNAL. PERCENTUAL DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. PROXIMIDADE DA CONSUMAÇÃO. CRITÉRIO OBJETIVO. OBSERVÂNCIA. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

1 Nos termos do art. 167 do Código de Processo Penal, o laudo pericial pode ser suprido pela prova testemunhal diante do desaparecimento dos vestígios, como na espécie, em que não houve a apreensão da arma de fogo.

2. Nesse contexto, a ausência de perícia na arma, quando impossibilitada sua realização, não afasta a causa especial de aumento prevista no inciso I do § 2.º do art. 157 do Código Penal, desde que existentes outros meios aptos a comprovar o seu efetivo emprego na ação delituosa. Precedentes desta Corte e do Col. Excelso Pretório.

3. (omissis).

4. A presença de mais de uma majorante no crime de roubo não é causa obrigatória de aumento da reprimenda em percentual acima do mínimo previsto, a menos que o magistrado, considerando as peculiaridades do caso concreto, constate a existência de circunstâncias que indiquem a necessidade da exasperação, o que não ocorreu na espécie.

Incidência da Súmula n.º 443 deste Tribunal.

5. Ordem parcialmente concedida para, mantida a condenação, reformar a sentença condenatória e o acórdão impugnados, alterando, na terceira fase de aplicação da pena, a fração de aumento de 3/8 (três oitavos) para 1/3 (um terço), reduzindo-se a reprimenda do Paciente para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, mantido o regime prisional semiaberto para o inicial cumprimento da pena reclusiva imposta.

Assim, estando cabalmente demonstrado o uso de grave ameaça, mediante emprego de arma de fogo contra as vítimas, dou provimento ao recurso para, reformando a sentença proferida em primeira instância, reconhecer a majorante prevista no artigo 157, § 2º, I, do Código Penal, entretanto, mantenho o aumento de 1/3 sobre a pena-base fixada – 4 (quatro) anos – totalizando 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, pena esta a ser cumprida em regime inicial semiaberto.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 15 de fevereiro de 2011.

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

[…]

§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; […]

[2] RHC 104583 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 26/10/2010, DJe-222 DIVULG 18-11-2010 PUBLIC 19-11-2010

[3] HC 124.846/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 06/12/2010.

[4] TJDFT, 20100710000223APR, Relator SANDRA DE SANTIS, 1ª Turma Criminal, julgado em 18/11/2010, DJ 06/12/2010 p. 401.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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