Vandalismos – somos todos, em alguma medida, responsáveis.

Todos nós assistimos, estarrecidos, aos atos de vandalismo que se esparramam pelo Estado, a maioria guardando estreita relação com as eleições para os Poderes Executivo e Legislativo municipais, recentemente realizadas.

Confesso que nada disso me surpreende. Aqui mesmo, nas páginas deste matutino, fiz várias advertências de que a descrença em nossas instituições, mais cedo do que se supunha, desaguaria, inelutavelmente, em atos dessa natureza. As razões, pois, transcendem às análises precipitadas que têm sido feitas, muito mais para confundir do que para esclarecer.O que tem acontecido ao longo dos tempos, dentre outros equívocos que assomam a olhos vistos, é que alguns fanáticos pelo poder, embevecidos, embriagados pelo seu exercício – a qualquer custo, sob quaisquer condições, todavia sem estofo moral e intelectual para o seu exercício – , agem em desacordo com os princípios morais e éticos, incitando, com suas atitudes, a reação de muitos que já não suportam esperar por uma ação moralizadora dos órgãos correicionais.

A verdade, nesse contexto, é que há pessoas – e aqui me reporto, indistintamente, às encarapitadas, empoleiradas nos mais diversos níveis e esferas de poder – que, para ascenderem, fazem qualquer coisa – insuflam, arrostam, desconsideram as instituições, apostam no caos, para, depois, dele tirar proveito. São, na maioria das vezes, inconsequentes e incapazes de admitir o seu despreparo para dirigir; e, “dirigindo”, na marra, visando somente os seus interesses e de sua entourage, disparam comandos equivocados, em detrimento da instituição que lograram comandar. É aquela velha mania, já denunciada por mim, de almejarem apenas um retrato na parede, por pura vaidade, Essas pessoas, de tão vaidosas, não percebem que o orgulho, aliado à arrogância e a prepotência, são uma chaga que amaldiçoa as instituições que representam. Importa sublinhar, nessa linha de pensar e para não perder a oportunidade de refletir sobre o tema tão candente, que, ao lado das misérias materiais, há outras de maior gravidade, que são as misérias morais. A vaidade é uma delas. A vaidade, por si só, já se constitui em obstáculo ao progresso moral dos homens; se está de mãos com o poder, torna-se nefasta. É que o vaidoso, de regra, tem ambição desmedida. É hipócrita e gosta de ostentar. É presunçoso, arrogante e altivo. Tudo isso em medida extrema. O vaidoso tem necessidade de aparecer, de ser lembrado, passando, inclusive e se necessário, por cima de padrões éticos para alcançar os seus objetivos, sejam quais forem as conseqüências. Geralmente, pessoas com essas características ocupam cargos elevados e utilizam seu poder para impor suas vontades, manipulando as pessoas ao seu redor com o intuito de conseguir que tudo seja feito conforme seus desejos. As pessoas com essa característica e por sua necessidade de destaque dentro de uma corporação, desprezam as idéias e decisões da equipe. O conceito exagerado de si próprio, o amor-próprio demasiado, a necessidade de poder, são apenas máscaras que buscam compensar a falta de amor que sentem por si mesmos, pois possuem, em geral, necessidade de auto-afirmação.
A verdade, voltando ao tema central dessas reflexões, é que todas as instituições – nela incluídas as instâncias de controle social – estão padecendo de gravíssimo descrédito, daí por que, é necessário convir, com responsabilidade, com equilíbrio e sensatez que o momento reclama, que não há um culpado pelos atos de vandalismo pré e pós-eleitoral. Todos temos a nossa parcela de culpa – alguns mais, outros menos, como sói ocorre.
O Poder Judiciário, importa sublinhar, por não atender às expectativas da sociedade, ao longo de sua história, muito mais em decorrência de sua reconhecida inaptidão para julgar a tempo e hora que em face da desonestidade dos seus membros, tem, sim, uma parcela de responsabilidade. O Poder Executivo, da mesma forma, por não ser capaz de cumprir o seu papel constitucional, em face, dentre outras razões, do escoamento da verba pública pelo ralo da concussão desenfreada, também é co-responsável pelo descrédito institucional, como o é, de mais a mais, o Legislativo, cujas ações parecem mais voltadas para as questões pontuais que coletivas. A própria imprensa, quando instiga – de má-fé ou não – a população contra as instituições, de certa forma também empresta a sua colaboração para o quadro que se descortina , apavorante, sob os nossos olhos. Nessa conjuntura, tem-se o campo fértil no qual brotam os oportunistas, os quais, irresponsavelmente, insuflam a população, já descrente e revoltada – e, por isso mesmo, suscetível -, contra as instituições, usando-a como massa de manobra, para consecução dos interesses mais mesquinhos.
É muito fácil e cômodo atribuir apenas à Justiça Eleitoral e/ou à Força Pública a responsabilidade pelas lamentáveis ocorrências pós-período eleitoral. É fácil, mas também é falacioso. No exame dessas questões, com efeito, não se pode perder de vista a ação dos derrotados nos pleitos. A verdade, a partir dessa perspectiva, é que, os derrotados, como regra, nunca admitem ter perdido uma eleição em face de sua incompetência ou da maior densidade eleitoral do adversário; costumam, irresponsavelmente, transferir à Justiça Eleitoral a culpa pela sua derrota, indiferentes às conseqüências de sua ação para o conjunto da sociedade.
É claro que há, sim, nesse contexto, os que desviam a conduta, os que vêem no exercício do poder uma oportunidade para, despudoradamente, engordar a sua conta bancária. Mas esses são absoluta minoria. Os juízes eleitorais não podem ser julgados pela ação marginal de uma minoria sedenta, ávida de amealhar bens materiais. Nós temos de bradar, em alto e bom som, que não somos marginais. Mas, para fazê-lo, tem que ter passado, tem que ser reto, tem que ser probo; não vale apenas arroubo, mimetismo, falso discurso, demagogia.
É preciso olhar de frente o problema e admitir, com altivez: se padecem todas as instituições de descrédito, em face da ação nefasta de alguns oportunistas ou em face de sua reconhecida incapacidade de atender às demandas sociais, esse descrédito se potencializa e se faz mais deletério se algum marginal, travestido de líder político, insufla os incautos contra as instituições, para, na marra, na força bruta, resolver o seu inconformismo em face da derrota que se concretizou.
Num Estado de Direito as demandas devem ser solucionadas pelas instituições destinadas para esse fim. Nas sociedades primitivas, todos sabemos, cada um resolvia, a seu modo, as suas desinteligências. Nas sociedades civilizadas tem-se que aceitar a derrota como conseqüência do jogo democrático. O pior que se pode fazer é incutir na população a sensação de que não vale à pena recorrer às instâncias formais. Quando isso ocorre – e tem ocorrido, infelizmente – é só aguardar os acontecimentos.
Não há estabilidade democrática que resista a ação marginal de algum líder ou a ação despudorada de algum agente público, que, sem acanhamento, negocia o direito de outrem, fazendo de sua atividade um balcão de negócios, confiante na imunidade e na certeza de que as suas prerrogativas funcionais são suficientes para mantê-lo imune a qualquer ação moralizadora.
Nós, juízes, não somos santos – muito embora existam os que se julguem o próprio Deus – , mas também não somos marginais. Não podemos, pois, ser responsabilizados por todos os males que irrompem num processo eleitoral, os quais, muitas vezes, são da responsabilidade dos próprios interessados no resultado da pugna, embora tenha-se que admitir, para ser honesto, que há, sim, no Poder Judiciário, como em qualquer outra instituição, os que desviam da conduta ou, pelo menos, deixaram entrever que houve desvios. As notícias, nesse sentido, são mais do que eloqüentes, a dispensar qualquer comentário adicional.
Convém reafirmar, pois, em tributo à linha de raciocínio aqui desenvolvida, que, em face dos atos de vandalismo a que se tem assistido no nosso Estado, não há apenas um responsável. Todos nós – Poder Judiciário, Ministério Público, Sistema de Segurança, líderes políticos, etc – , de certa forma, temos nossa parcela de culpa.
Temos, todos nós, urgentemente, que reavaliar as nossas ações, admitir os nossos erros, a nossa incapacidade estrutural de atender às expectativas da sociedade. Mas é necessário, também, que os que perdem eleições aprendam a aceitar a derrota como parte do jogo ou, então, que manifestem o seu inconformismo junto ao Poder Judiciário, no aguardo de que a justiça seja feita.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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