Direito concreto

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“[…]Também não convence o argumento de que o sequestro de verba pública, supostamente, violaria o princípio da supremacia do interesse público, pois a própria Constituição Federal, expressamente, prevê a possibilidade de tal medida constritiva. Não é lícito, pois, ao ente público, escudar-se sob o princípio da supremacia do interesse público para justificar sua inadimplência, pois o ressarcimento pelo dano também é objeto de tutela constitucional[…]”

José Luiz Oliveira de Almeida

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No mandado de segurança impetrado pela prefeitura de Lago da Pedra, contra ato do presidente do Tribunal de Justiça, cujo voto publico a seguir,  o ponto mais relevante condiz com a possibilidade do bloqueio de verba pública, para pagamento de precatório.

Nesse sentido, a impetrante, por seu advogado, argumenta que o ato do presidente do Tribunal de Justiça do estado, que determinou o sequestro de parte do FPM para quitar precatório não horando, estaria em franca hostilidade com os preceitos legais.

Essa questão foi por mim enfrentada, quantum satis, de cujo voto, no particular, apanho e antecipo o fragmento abaixo, verbis:

“[…]Também não convence o argumento de que o sequestro de verba pública, supostamente, violaria o princípio da supremacia do interesse público, pois a própria Constituição Federal, expressamente, prevê a possibilidade de tal medida constritiva. Não é lícito, pois, ao ente público, escudar-se sob o princípio da supremacia do interesse público para justificar sua inadimplência, pois o ressarcimento pelo dano também é objeto de tutela constitucional (art. 5º, V, da CF 88).

Oportuno trazer à colação o fragmento da decisão que negou a liminar, na qual enfatizei que, “aos credores de valores de natureza alimentícia cabe o direito de receber o precatório fora da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa. Já ao ente público, devedor, resta a obrigação de satisfazer tais créditos nos mesmos termos. Entretanto, não lhe cabe alegar direito líquido e certo de não sofrer sequestro de suas rendas pelo inadimplemento de parcelas vencidas de débito não-alimentar, por alegado pagamento a credores de precatório de natureza alimentar.”[…]”

A impetrante, noutro giro, argumenta que somente precatório de natureza alimentar autorizam o sequestro de verbas públicas.

Essa questão foi por mim enfrentada, como se pode ver dos fragmentos que antecipo abaixo, litteris:

“[…]A existência de dois regimes distintos diferenciados – alimentares e não alimentares -, com suas ordens cronológicas de pagamentos próprias, não retira daqueles últimos sua importância, e, de forma acertada, previu o legislador formas de tutelá-lo, permitindo o sequestro de verbas públicas do ente público, em caso de preterição ou não pagamento.

Em verdade, tratam-se de dois regimes de precatórios distintos, em que o impetrante, com argumentos destituídos de qualquer embasamento jurídico, tenta fundi-los, no afã de justificar seu inadimplemento, argumentando, sem razão, que só precatórios de caráter alimentar autorizam o sequestro de verbas públicas[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

TRIBUNAL PLENO

Sessão do dia      de       de 2011.

Nº único 0017238-33.2010.8.10.0000

Mandado de Segurança nº 029861/2010 – São Luís

Impetrante : Município de Lago da Pedra
Advogado : Flávio Vinicius Araújo Costa e outros
Autoridade Coatora : Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida
Acórdão nº _________

Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PRECATÓRIO DECENAL (ART. 78, DO ADCT). PARCELAMENTO. INADIMPLÊNCIA DO ENTE PÚBLICO. SEQUESTRO DO FPM. ILEGALIDADE. INOCORRÊNCIA. ATUALIZAÇÃO DA DÍVIDA. INCIDÊNCIA DE JUROS REMUNERATÓRIOS NÃO EVIDENCIADA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.

1. A determinação de sequestro de quantia bastante a honrar precatório objeto de parcelamento, reiteradamente descumprido pela Municipalidade, encontra albergue no art. 78, § 4º, do ADCT, não se podendo dizer ilegal ou arbitrário o ato que o determina.

2.  O sequestro de verbas públicas para honrar o pagamento precatório de natureza não-alimentar não viola a ordem cronológica prevista no art. 100, da Constituição Federal, uma vez que não insere novo precatório na fila cronologicamente ordenada.

3. As dívidas da Fazenda Pública sujeitas ao regime de moratória constitucional prevista no art. 78, do ADCT, comportam atualização monetária e juros moratórios, estes últimos, apenas em caso de atraso no pagamento das respectivas parcelas. Precedentes do STJ.

4. Não evidenciado pelo impetrante, de plano, que os cálculos elaborados pela Contadoria Judicial teriam inserido juros remuneratórios, havendo necessidade de dilação probatória para dirimir a controvérsia, inviável a discussão da matéria na angusta via do writ.

5. Writ denegado.

Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça em denegar a segurança, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Acompanharam os Senhores Desembargadores, Antonio Fernando Bayma Araujo, Jorge Rachid Mubárack Maluf, Nelma Sarney Costa, José Joaquim Figueiredo dos Anjos, Paulo Sérgio Velten Pereira, Raimundo Nonato de Souza, José Stélio Nunes Muniz, Benedito de Jesus Guimarães Belo, Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, Marcelo Carvalho Silva e Lourival de Jesus Serejo Souza, Cleones Carvalho Cunha, Nelma Sarney Costa, Benedito de Jesus Guimarães Belo, Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, José Joaquim  Figueiredo dos Anjos, Marcelo Carvalho Silva e Raimundo Nonato de Souza.

Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. __________________.

São Luís(MA), ___ de ______ de 2011.

DESEMBARGADOR Jamil de Miranda Gedeon

Presidente

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

Relator

Relatório O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de Mandado de Segurança com pedido de liminar, impetrado pelo Município de Lago da Pedra, devidamente representado por sua prefeita municipal, contra ato supostamente ilegal, praticado pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

Na exordial de fls. 03/25, os impetrantes aduzem, em síntese:

I – que “[…] o município de Lago da Pedra foi condenado nos autos do precatório nº 11880/2000 – TJ, a pagar a quantia de R$ 141.008,38 (cento e quarenta e um mil e oito reais e trinta e oito centavos) à empresa Hidrossonda Ltda […]” (sic);

II – que devido o valor total da dívida, foi determinada a realização de precatório decenal para pagamento, em 10 (dez) parcelas;

III – que já foram quitadas 07 (sete) parcelas, estando em atraso, tão somente, aquela que se refere ao ano de 2009 (8ª parcela);

IV – que em função do descumprimento do pagamento do débito, mais precisamente a 8ª prestação, referente ao ano de 2009, deflagrou-se o processo de execução, que culminou na decisão de bloqueio do repasse do Fundo de Participação do Município (FPM) do município impetrante, no valor de R$ 111.794,62 (cento e onze mil setecentos e noventa e quatro reais e sessenta e dois centavos);

V – que tal valor, objeto de atualização monetária feita pela Contadoria Judicial, referente ao residual da 1ª à 9ª parcela, estaria equivocado e excessivo, levando o município de Lago da Pedro a impugná-lo, por entender que a quantia não é devida; e

VI – que, não obstante tal fato, o ofício expedido ao Banco do Brasil determinou o bloqueio da quantia em valor superior àquele previsto no decisum exarado pela autoridade coatora, qual seja, R$ 140.469,64 (cento e quarenta mil quatrocentos e sessenta e nove reais e sessenta e quatro centavos).

Prossegue o impetrante, alegando que o valor bloqueado referente ao precatório não é de caráter alimentar, incidindo sobre o FPM de forma ilegal; afirma, ademais, que o FPM não pode ser expropriado das contas municipais, por ofensa ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, já que tal constrição patrimonial prejudica a coletividade.

Com fulcro em tais razões, pleiteia a concessão de medida liminar, para que, cautelarmente, seja suspenso o ato da autoridade coatora, “[…] consubstanciado no ofício (ordem de bloqueio) nº 1129/2010 – AJP-TJ encaminhados à Superintendência Regional do Banco do Brasil, e, ainda, a expedição de novos ofícios ao referido órgão, com a determinação que os mesmos devam abster-se de qualquer ato que possa ensejar o bloqueio do Fundo de Participação do Município de Lago da Pedra, em face do precatório não alimentar nº 11.880/200-TJ, até o trânsito em julgado do presente mandamus […].”

Em caráter definitivo, requer a confirmação da liminar vindicada, tornando nulo o ato do impetrado, bem como que sejam refeitos os cálculos do precatório em questão, como forma de garantir a segurança jurídica do processo.

Com a inicial vieram acostados os documentos de fls. 26/34, e mais adiante, às fls. 40/47, os impetrantes juntaram novos documentos.

A liminar foi por mim indeferida às fls. 49/55, e o município, inconformado, interpôs agravo regimental às fls. 59/92, instruído com a documentação de fls. 93/112, a fim de que fosse reformada tal decisão.

Às fls. 116/117, a autoridade coatora prestou as devidas informações ao caso em análise.

Em sessão do dia 13 de outubro de 2010, os membros do Pleno desta Corte, em decisão unânime, votaram pelo improvimento do agravo regimental interposto pelo Município de Lago da Pedra (acórdão de fls. 121/125).

Em parecer de fls. 140/146, a d. Procuradoria Geral de Justiça, pronunciou-se pela denegação da segurança.

É o relatório. Passo a decisão.

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Conforme anotado no relatório retro, o Município de Lago da Pedra impetrou o presente mandado de segurança contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, o qual  determinou o bloqueio no Fundo de Participação do Município (FPM) do município impetrante, em razão do descumprimento no pagamento da dívida nos autos do precatório nº 11.880/2000, em favor da empresa Hidrossonda Ltda.

Analisando o pleito do município impetrante, entendo ser necessário, antes, uma breve digressão.

Como é sabido, o mandado de segurança constitui-se numa ação constitucional, que visa resguardar direito líquido e certo que está sofrendo ou na iminência de sofrer violação, não reparável por habeas corpus ou habeas data.

Direito líquido certo, também se sabe, é aquele que já está pronto para ser concedido, incontroverso, incontestável, enfim, que pode ser demonstrado de plano, sem necessidade de dilação probatória. Na definição de Vidal Serrano e Marcelo Sciriolli[1],

Líquido e certo é, pois, o direito comprovado no momento da impetração, vale dizer, que prescinde de outros meios de prova além daqueles que já acompanham a petição inicial […].

Para Alexandre de Moraes[2],

Direito liquido e certo é o que resulta de fato certo, ou seja, é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documentação inequívoca.

Assim sendo, tem-se que o mandado de segurança visa assegurar a fruição de direito já existente, aquele aferível de plano, sem necessidade de maiores incursões em matéria fático-probatória.

O ponto crucial da impetração, do qual as demais alegações são consectárias, diz respeito à viabilidade jurídica de determinação do seqüestro de verbas públicas municipais, notadamente, o FPM, em caso de descumprimento no pagamento de precatório judicial.

Quanto à esta argumentação, afirma o impetrante:

I – que por se tratar de verba de cunho nitidamente social, destinada ao custeio municipal da educação, saúde, saneamento básico etc., o FPM não pode sofrer qualquer tipo de restrição ou bloqueio, salvo em uma única exceção, qual seja, quando o respectivo precatório for de natureza alimentar, o que não é o caso dos autos.

Em que pesem os respeitáveis argumentos, devo dizer, de logo, que não comungo com a tese expendida na prefacial.

Ab initio, insta reforçar, conforme explanado em sede de cognição sumária, que, com a edição da Emenda Constitucional nº 30/2000, estabeleceu-se regra permissiva ao sequestro de recursos do ente público devedor, independentemente de seu caráter alimentar ou não.

Com efeito, a dicção constitucional não estabelece qualquer ressalva ou restrição relativamente à possibilidade de sequestro. Por oportuno, transcrevo a redação do artigo 78, § 4º, do ADCT, incluído pela EC Nº 30/2000, in verbis:

O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação.

(sem destaques no original).

Sobre a aplicabilidade do referido dispositivo, pronunciou-se o Ministro Teori Zavascki, no julgamento do RMS 16.991/RJ:

Contempla o texto constitucional, portanto, após a EC nº 30/2000, dois regimes de pagamento de precatórios: o geral, previsto no art. 100, em que a satisfação de crédito deve ocorrer até o final do exercício seguinte àquele em que o precatório foi apresentado, e no âmbito do qual o seqüestro de recursos está autorizado ‘exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência’, e o especial, disciplinado pelo art. 78 do ADCT, em que se faculta ao ente público o parcelamento, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, do valor do precatório. Esse último regime, ao mesmo tempo em que estabelece condição de pagamento mais favorável à Fazenda, confere ao credor, em contrapartida, o direito de requerer o seqüestro da verba necessária à satisfação de seu crédito não apenas na hipótese de preterição do direito de preferência, mas também quando “vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento”.

(destaque não consta no original)

Nesse diapasão, o sequestro de valores referente ao descumprimento de pagamento de precatório não se mostra inviável, de modo que a decisão da autoridade tida como coatora, desde meu olhar, não fora proferida ao arrepio da lei.

Também não convence o argumento de que o sequestro de verba pública, supostamente, violaria o princípio da supremacia do interesse público, pois a própria Constituição Federal, expressamente, prevê a possibilidade de tal medida constritiva. Não é lícito, pois, ao ente público, escudar-se sob o princípio da supremacia do interesse público para justificar sua inadimplência, pois o ressarcimento pelo dano também é objeto de tutela constitucional (art. 5º, V, da CF 88).

Oportuno trazer à colação o fragmento da decisão que negou a liminar, na qual enfatizei que, “aos credores de valores de natureza alimentícia cabe o direito de receber o precatório fora da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa. Já ao ente público, devedor, resta a obrigação de satisfazer tais créditos nos mesmos termos. Entretanto, não lhe cabe alegar direito líquido e certo de não sofrer sequestro de suas rendas pelo inadimplemento de parcelas vencidas de débito não-alimentar, por alegado pagamento a credores de precatório de natureza alimentar.”

O entendimento do Supremo Tribunal Federal alberga nossa posição:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. NÃO OBSERVÂNCIA DA ORDEM CRONOLÓGICA DE PRECATÓRIOS. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Impossibilidade do reexame de provas: incidência da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. 2. Possibilidade de sequestro de verbas públicas. Precedente.[3]

(destaques não constam no original)

No mesmo norte, o STJ já assentou:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PRECATÓRIOS. MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO. TERMO INICIAL. DECISÃO COLEGIADA. CONHECIMENTO DA MATÉRIA DE FUNDO. QUEBRA DE ORDEM. SEQÜESTRO. POSSIBILIDADE. JUROS EM CONTINUAÇÃO. ART. 33 DO ADCT. INVIABILIDADE. […] 3. O pagamento de precatórios parcelados na forma do art. 78 do ADCT antes dos créditos submetidos à sistemática do art. 33 do mesmo Ato implica quebra de ordem cronológica, permitindo o seqüestro de verbas públicas (art. 100, § 2º, da CF, na redação anterior à EC 62/2009). Precedentes do STJ. […] 5. Recurso Ordinário parcialmente provido.[4]

(destaques não constam no original)

Ainda, na mesma alheta:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRECATÓRIO VENCIDO E NÃO PAGO. SEQUESTRO. POSSIBILIDADE. VENCIMENTO DE PRAZO PARA PAGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE ATO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Os atos praticados pelo Presidente do Tribunal de Justiça sobre processamento e pagamento de precatório não têm caráter jurisdicional, mas administrativo, nos termos das Súmulas 311/STJ e 733/STF. Entendimento aplicável aos atos que deferem, ou não, pedido de sequestro de recursos públicos.

2.  O pagamento dos precatórios comuns obedece, nos termos do art.

100 da CF (antiga redação), à ordem cronológica de apresentação. Em caso de preterição, o § 2º autoriza o Presidente do Tribunal a sequestrar verbas públicas para assegurar o adimplemento do débito.

3. “Por sua vez, o art. 78 do ADCT dispõe a respeito da possibilidade de parcelamento de precatórios, autorizando, em seu § 4º, o sequestro de recursos financeiros destinados ao pagamento de precatório judicial, estabelecendo, no entanto, que é medida de caráter excepcional, restrita aos casos de preterição do direito de precedência, de omissão no orçamento ou de vencimento do prazo estabelecido para pagamento” (RMS 25.810/ES, Rel. Min. DENISE ARRUDA, Primeira Turma, DJe  2/6/09).

4. In casu, configurado o vencimento do prazo estabelecido para pagamento,  legitimamente foi determinado o sequestro das verbas municipais, não havendo falar, portanto, em ato eivado de ilegalidade a estear a concessão da segurança.

5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.[5]

As Cortes Estaduais também seguem a mesma balada:

MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. ATO IMPUGNADO. SEQUESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. PRECATÓRIO. NÃO-CUMPRIMENTO. ADCT, ART. 78, §4º. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REQUISITOS. ABUSO DE PODER E ILEGALIDADE. NÃO-DEMONSTRADOS. DENEGAÇÃO. A decisão que determina o seqüestro de verbas públicas, por possuir natureza administrativa, é passível de impugnação via mandado de segurança. O Supremo Tribunal Federal decidiu que o §4º do art. 78 do ADCT da Constituição Federal continua vigente e dotado de eficácia plena. Caracterizado o vencimento de parcelas de precatório de natureza não-alimentar, sem o seu pagamento, não há falar em ilegalidade ou abuso de poder praticado pela autoridade coatora, que determinou o seqüestro das quantias necessárias para o seu pagamento. Rejeita-se a preliminar e denega-se a segurança postulada.[6]

(destaques não constam no original)

Ainda, na mesma vertente:

MANDADO DE SEGURANÇA. SEQÜESTRO DE RENDAS PÚBLICAS PARA PAGAMENTO DAS PARCELAS VENCIDAS E INADIMPLIDAS, REFERENTES AOS EXERCÍCIOS DE 2004 A 2007, DO PRECATÓRIO NÃO ALIMENTAR N.º 17878, QUE RESTOU FRACIONADO POR FORÇA DO ADVENTO DA VIGÊNCIA DA EC N.º 30/2000. POSSIBILIDADE. O art. 78, § 4º, do ADCT autoriza, de forma expressa, o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação devida e não paga tempestivamente. Justamente o que ocorre no caso sub judice, pois, de forma incontroversa, não houve o pagamento do precatório de n.º 17878, extraído da execução de sentença de n.º 18247113298. Precedentes jurisprudenciais. SEGURANÇA DENEGADA. UNÂNIME. [7]

O outro enfoque argumentativo, qual seja, de que somente precatórios de caráter alimentar autorizariam o sequestro de verbas públicas, também é inconsistente.

A existência de dois regimes distintos diferenciados – alimentares e não alimentares -, com suas ordens cronológicas de pagamentos próprias, não retira daqueles últimos sua importância, e, de forma acertada, previu o legislador formas de tutelá-lo, permitindo o sequestro de verbas públicas do ente público, em caso de preterição ou não pagamento.

Em verdade, tratam-se de dois regimes de precatórios distintos, em que o impetrante, com argumentos destituídos de qualquer embasamento jurídico, tenta fundi-los, no afã de justificar seu inadimplemento, argumentando, sem razão, que só precatórios de caráter alimentar autorizam o sequestro de verbas públicas.

Em arrimo aos argumentos ora expendidos, trago à colação trecho do esclarecedor voto do Min. Mauro Campbell Marques, do STJ, nos autos do Recurso em Mandado de Segurança n. 23.374, julgado em 07/12/2010:

“[…] Decidiu com acerto o Tribunal de origem, ainda, quando considerou que o sequestro para satisfação de prestações do precatório complementar de natureza não alimentar sujeito ao parcelamento de que trata o art. 78 do ADDCT não viola a ordem cronológica prevista no caput do art. 100 da Constituição da República, na medida em que o sequestro não insere novo precatório na fila ordenada cronologicamente. […]”

(sem destaques no original)

Portanto, se o art. 78, § 4º, da ADCT estabelece, expressamente, o sequestro em caso de inadimplemento do precatório, não há como aceitar a pretensão do impetrante, em proibir tal ato, sob o argumento da ocorrência de preterição na ordem de pagamento de precatório de natureza alimentar.

Passemos, adiante, a averiguar a irresignação atinente aos cálculos de atualização da dívida.

Neste ponto, afirma o município impetrante:

I – que os cálculos de atualização da dívida, supostamente, estariam equivocados, por terem incluído, segundo afirmou, juros remuneratórios (juros sobre juros);

II – que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, submetidos ao regime de moratória constitucional dos precatórios decenais, somente comporta atualização monetária e juros moratórios, e quanto à estes últimos, apenas em caso de pagamento em atraso das respectivas parcelas;

III – que “[…] a contadoria judicial equivocadamente sempre atualizava o valor total do precatório, ou seja, sempre que uma parcela era paga a contadoria atualizava (juros compensatórios e moratórios) o montante do precatório e somava esta atualização à parcela anual, o que fazia crescer o valor da prestação anual para quase o dobro […]”; e

IV – que, uma vez atualizado o valor total da dívida, após o trânsito em julgado da decisão, e determinado o seu parcelamento em dez prestações anuais, iguais e sucessivas, de R$ 14.100,88 (catorze mil e cem reais e oitenta e oito centavos), a correção monetária e o juros de mora deveriam incidir, apenas, sobre tal valor da parcela, e não sobre o valor total do precatório. A operação feita pela Contadoria Judiciária, segundo disse, configura capitalização de juros, ou juros remuneratórios.

Em que pesem os respeitáveis argumentos, deles não comungo.

De modo a aclarar a discussão, salutar trazer à baila os ensinamentos doutrinários acerca dos juros. Nas didáticas lições dos ilustres civilistas Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[8]:

“[…] Trata-se, pois, [os juros], sob o prisma eminentemente jurídico, de um fruto civil correspondente à remuneração devida ao credor em virtude da utilização do seu capital.

Em linhas gerais, os juros fixados, legais (determinados por lei) ou convencionais (fixados pelas próprias partes), subdividem-se em:

a) compensatórios;

b) moratórios.

Os primeiros objetivam remunerar o credor pelo simples fato de haver desfalcado o seu patrimônio, concedendo o numerário solicitado pelo devedor. Os segundos, por sua vez, traduzem uma indenização devida ao credor por força do retardamento culposo no cumprimento da obrigação. […]”

(os destaques são do original)

Pois bem.

Os argumentos trazidos pelo impetrante não demonstram, a toda evidência, que a Contadoria Judicial incidiu juros remuneratórios nos cálculos de atualização do precatório em questão.

Na memória de cálculo da Contadoria Judicial, anexada às fls. 32/34 dos autos, não consta qualquer indicação expressa acerca de juros remuneratórios. Mencionou-se, apenas, a correção monetária pelo INPC/IBGE, e os juros de mora, no percentual de 0,5% (cinco décimos por cento), por cada mês de atraso no pagamento das parcelas.

Estes acréscimos (correção monetária e juros de mora), aliás, são perfeitamente aplicáveis ao caso, e restam incontroversos, pois o próprio impetrante admitiu sua inclusão, o que, de mais a mais, está em perfeita sintonia com o entendimento jurisprudencial majoritário, conforme se vê no aresto abaixo:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRECATÓRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL NO PROCESSAMENTO DE PRECATÓRIOS. POSSIBILIDADE. SEQUESTRO DE RECURSOS FINANCEIROS. INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS. PAGAMENTO QUE NÃO DESRESPEITOU O PRAZO PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA MORA.

1. O Presidente do Tribunal local é competente para corrigir erro de cálculo, nos termos do disposto no art. 1º- E da Lei 9.494/97, incluído pela Medida Provisória 2.180-35/2001, em que se lhe permite, de ofício ou a requerimento das partes, proceder à revisão das contas elaboradas para aferir o valor dos precatórios antes de seu pagamento ao credor.

2. Consoante reiterada jurisprudência do STJ, no tocante à incidência de juros de mora na atualização de precatório complementar, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 17.9.2002, o Recurso Extraordinário n. 305.186/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, publicado no DJ 18.10.2002, Seção I, pág. 49, decidiu não serem devidos os juros moratórios no período compreendido entre a data de expedição e a do efetivo pagamento de precatório judicial, no prazo constitucionalmente estabelecido, à vista da não-caracterização, na espécie, de inadimplemento por parte do Poder Público. […][9]

Na verdade, o impetrante quer fazer crer que os acréscimos legais aplicáveis à espécie deveriam incidir, apenas, sobre o valor da parcela – R$ 14.100,08 (catorze mil e cem reais e oito centavos) -, e não sobre o montante total do precatório, descontado a quantia da parcela efetivamente paga.

Essa questão, contudo, sobeja os limites de cognição da estreita via do writ, vez que diz respeito à forma de cálculo, e não seus critérios jurídicos, ou seja, qual espécie de juros é aplicável ao caso, e qual o índice oficial de correção monetária.

Como é de sabença, cabe ao impetrante demonstrar, de plano, sem maiores necessidades de incursão em matéria fático-probatória, seu suposto direito líquido e certo, o que a mim, quanto à este ponto (erro de cálculos de atualização monetária), restou inexitoso.

Isto porque, a alegação de que os cálculos confeccionados pela contadoria judicial não se coadunam com o valor exato da dívida, não restou demonstrado, de plano, sendo que para o deslinde de tal controvérsia, vislumbro a necessidade de produção de provas, seja pela realização de novos cálculos, seja através de perícia contábil, algo absolutamente inviável na célere e estreita via do mandado de segurança.

Neste sentido posiciona-se a doutrina:

[…] A prova que dá suporte à impetração deve ser, portanto, pré-constituída, na medida em que o rito célere conferido ao processamento do writ não dá oportunidade à abertura de dilação probatória.[10]

No mesmo rumo, é o entendimento dos nossos Tribunais Superiores, verbis:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. LIQUIDEZ E CERTEZA DO DIREITO INDEMONSTRADA. NECESSÁRIA DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRETERIÇÃO NO PAGAMENTO DE PRECATÓRIO. PREFERÊNCIA DAS REQUISIÇÕES DE PEQUENO VALOR – RPV. ART. 100, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E LEI ESTADUAL N.º 12.601/99.

1. O Mandado de segurança – remédio de natureza constitucional – visa a proteção de direito líquido e certo, exigindo a constatação de plano do direito alegado, e por ter rito processual célere não comporta dilação probatória.

2. Dessarte, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de ser contemplado em norma legal e ser induvidoso (certo e incontestável).

3. Revelando seu exercício dependência de circunstâncias fáticas ainda indeterminadas, o direito não enseja o uso da via da segurança, embora tutelado por outros meios judiciais. É cediço na Corte que a ordem cronológica de pagamento dos precatórios requisitórios é estabelecida de acordo com a data do protocolo feito no órgão fazendário da entidade devedora e não segundo a ordem cronológica do protocolo no Tribunal de Justiça. Inexistindo preterição na ordem de pagamento dos precatórios, correta a decisão do Presidente do Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido de seqüestro, previsto no art. 100, § 2º, da Constituição Federal. No julgamento do RMS 18286/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, ficou assentado que: “O precatório, após ser protocolado quando ingressar no Tribunal, pode ser baixado em diligência e, por isso, não estar apto à requisição de pagamento em 1º de julho.

(…) Somente será requisitado o pagamento dos precatórios devidamente processados e deferidos até 1º de julho de cada ano. Para determinar a ordem cronológica dos precatórios, o Presidente da Corte de Justiça obedece à prenotação (protocolo) recebida pelo requisitório na sua autuação. Em seguida, ele formula requisição de pagamento à entidade de direito público devedora.”

omissis.

8. Recurso ordinário desprovido.[11]

(destaques não constam no original)

Esclareço, outrossim, que o panorama de anemia probatória enseja, de fato, a denegação da segurança, sem resolução de mérito, relativamente ao pleito de confecção de novos cálculos, conforme reza art. 6º, § 5º, da Lei n. 12.016/2009[12], e iterativa jurisprudência do STJ:

“[…] 2. A expressão “denegação da segurança” é adequada, sendo escorreita sua utilização no caso vertente, ainda que o writ tenha sido rejeitado em função da falta de prova pré-constituída, isto é, sem a resolução do mérito da lide.

3. “Consoante jurisprudência assentada no STF e STJ, a locução ‘segurança denegada’ possui sentido amplo, abrangendo não apenas as decisões que apreciam o mérito para julgar improcedente o pedido, como também aquelas que extinguem o processo sem resolução de mérito, como ocorre nos casos de impropriedade da via eleita, quando os fatos da causa não são certos e supõem dilação probatória” (AgREsp 1.071.335/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 08.10.09).

[…]”.[13]

Portanto, a controvérsia subjacente aos cálculos de atualização monetária não podem ser discutidas nesta sede.

No que atine ao ofício endereçado ao Banco do Brasil, determinando a constrição no FPM do município impetrante, em valor superior àquele determinado pela autoridade coatora, nas informações de fls. 116/117, o mesmo esclareceu que novo ofício foi expedido ao Banco do Brasil, a fim de corrigir o equívoco. Nada há a ser esclarecido nesse ponto.

Por derradeiro, a alegação de que o ato impugnado (sequestro do FPM) teria inviabilizado as finanças públicas no município não restou comprovado, na medida em que o impetrante quedou-se, tão-somente, em meras alegações.

Com essas considerações, conheço do mandado de segurança, para:

I – denegar a segurança, em conformidade com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, no que concerne ao pedido para nulificar o sequestro do FPM; e

II – denegar a ordem, sem resolução de mérito, com fulcro no art. 6º, § 5º, da Lei n. 12.016/2009, relativamente ao pleito de confecção de novos cálculos da dívida objeto do precatório, por ausência de prova pré-constituída de tais alegações.

É como voto.

Sala das Sessões do Plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, _________ de _______________ de 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


[1] SERRANO NUNES e SCIORILLI. Vidal e Marcelo. Mandado de Segurança. Mandado de Injunção. Ação Civil Pública. Ação Popular. Habeas Data. 2ª Ed. Ed. Verbatim. 2010. p. 16.

[2] [2] Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 143.

[3] RE 544132 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 DIVULG 17-09-2009 PUBLIC 18-09-2009 EMENT VOL-02374-05 PP-00973)

[4] RMS 31.663/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 02/02/2011.

[5] RMS 30.684/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2010, DJe 01/10/2010.

[6] TJMG – MANDADO DE SEGURANÇA N° 1.0000.06.447106-3/000; Rel.: Des. Almeida Melo; DJ: 24/10/2007

[7] Mandado de Segurança Nº 70025368853, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 15/12/2008)

[8] Novo Curso de Direito Civil. 9. ed. Saraiva, 2008, v. II, p. 294-295

[9] RMS 23.987/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 16/02/2011.

[10] SERRANO NUNES, Vidal. SCIORILLI, Marcelo. Mandado de Segurança. Mandado de Injunção. Ação Civil Pública. Ação Popular. Habeas Data. 2ª Ed. Ed. Verbatim. 2010. p. 16.

[11] RMS 18.645/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2005, DJ 10/10/2005, p. 221

[12] Art. 6º. Omissis. § 5o Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.

[13] REsp 1095383/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 25/11/2009.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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