Juiz garantidor-IV

Sé é verdade, como temos decidido na 1ª Câmara Criminal, que inquéritos policiais e ações penais em curso, sem decisão transitada em julgado, não autorizam a majoração da resposta penal básica, nem tampouco justificam a exacerbação do regime inicial de cumprimento de pena, não é menos verdadeiro que autorizam, sim, a segregação provisória, na medida em que a a cautelar em comento tenha por escopo a garantia da ordem pública, sem embargo do resguardo do processo de conhecimento.

Não se deve, pois, a meu sentir, desprestigiar um decreto de prisão preventiva, se ele tem  por esteio várias incidências penais do acusado, ainda que em face  de nenhuma delas  tenha resultado em condenação definitiva.

É claro, inobstante, que, ainda assim, não está desobrigado o magistrado de fundamentar a sua decisão. Não vale, nesse caso, pese as várias incidências, que o prolator da decisão se limite a dizer que a prisão se faz necessária, como garantia da ordem pública, pois cada caso deve ser examinado a partir de suas peculiaridades.

O magistrado não está desobrigado de demonstrar, quantum satis, a presença dos pressupostos legais – fumus comissi delicti e periculum in libertatis -,  na hipótese de decidir-se pelo carcer ante tempus, apenas porque o acusado ostente folha penal maculada.

De qualquer sorte, o que vale mesmo para essas reflexões, é deixar claro que, desde minha compreensão,uma vida pregressa pontuada de agressões à ordem pública, conquanto não possa servir de moduladora para o incremento da pena-base ou para definição de um regime mais gravoso de cumprimento inicial da pena privativa de liberdade, pode, sim, servir da supedâneo a um decreto de prisão preventiva.

Mas que fique claro que nem só a vida ante acta autoriza  a prisão ante tempus.  Entendo, ademais, que, mesmo sem antecedentes criminais, o modus operandi e a perigosidade demonstrada por ocasião da prática do crime, dentre outros,  também autorizam a prisão preventiva, sendo irrelevantes, nesse casos, para alcançar a liberdade provisória,  os argumentos baseados na folha penal imaculada do acusado.

De tudo o que expusemos acima a conclusão a que se pode chegar é que, de uma forma ou de outra, para prisão cautelar, quer tenha o acusado folha penal prenhe de incidências, que a tenha imaculada, deve o magistrado fundamentar a sua decisão, sob pena de resvalar para o arbítrio, intolerável num Estado de Direito.

Uma observação final. Não se pode confundir prisão cautelar com política de combate à violência. O magistrado  não deve ser responsabilizado pelos índices de violência, pelo fato de conceder uma liberdade provisória. Da mesma forma, o magistrado não combate a violência, apenas porque, isoladamente, decidiu-se por uma prisão preventiva. Pensar dessa formar  é minimizar a questão.

Os altos índices de violência não têm nada a ver com a prisão cautelar.

Não se pode, tenho dito, transferir a responsabilidade dos outros poderes ao Poder Judiciário, que deve ser, acima de tudo, garantidor.

Não se arrosta o direito à liberdade provisória, para dar satisfação à opinião pública, agastada com a violência.

Mas que fique claro: o juiz, diante dos pressupostos legais – fumus comissi delicti e periculum in libertates – não pode ser pusilânime. Se a prisão se mostrar necessária, deve, sim, sem enleio, decretá-la – ou manter a antes decretada – , conquanto não perca de vista os efeitos deletérios da medida extrema,  ainda que se presuma inocente o autor do fato.

Mas que fique muito mais claro ainda: assaltos, roubos, furtos, estupros, estelionatos, corrupção,  dentre outros crimes, não refluirão, significativamente,  em face  de um decreto de prisão ou da concessão de uma liberdade provisória, muito embora não se deslembre que a sensação de impunidade pode estimular, sim, a prática de crimes.

Segurança pública, nunca é demais repetir,  é dever do Poder Executivo. O Poder Judiciário só é chamado em casos pontuais. Não pode o magistrado, por exemplo, decretar prisões no atacado, na vã tentativa de assumir um papel que não lhe cabe na sociedade.

É claro que quando os órgãos de comunicação, quase todos a serviço do Poder Executivo, noticiam,  nos casos mais emblemáticos,  a concessão de liberdade a um meliante, o fazem, sim, com o claro objetivo de inculcar na população a sensação de que o responsável pela criminalidade – e pela impunidade –  é o Poder Judiciário.

Não é por acaso que se cunhou – e sedimentou no inconsciente da população – a máxima segunda a qual a Polícia – rectius: Poder Executivo – prende e o juiz – rectius: Poder Judiciário – solta.

É muito mais fácil escamotear a verdade que combater a sério a criminalidade.

O certo e recerto é que o magistrado não pode, a pretexto de combater a criminalidade, fazer cortesia com o direito alheio.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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