Do colega Gervásio, no blog do Itevaldo

Comarca não é cárcere
Por Gervásio Protásio
A comarca é o local de trabalho do juiz, é a sua residência e jamais, em hipótese alguma, o seu cárcere. Lamentavelmente é nisso que alguns estão tentando transformar as Comarcas do interior do Maranhão a partir do momento em que resolveram elevar o art. 93, VII da CF à condição de algoz da magistratura.
A recente decisão anunciada pela Corregedoria de enviar equipes de fiscais às comarcas para constatar se as informações e os documentos apresentados pelos juízes, comprovando suas residências, são ou não verdadeiros, é demasiadamente nociva não apenas à magistratura, mas a todo o Judiciário. Ao duvidar da palavra dos juízes, a CGJ está colocando em suspeição um dos Poderes que, ao lado do Legislativo e do Executivo, dá sustentação ao Estado Democrático de Direito.
O trabalho da Corregedoria não pode ser equiparado a de um bedel, pois ao desconfiar dos juízes esta passa para a sociedade a visão distorcida de que o magistrado é mentiroso, o que compromete seriamente a credibilidade do Judiciário como um todo. A Corregedoria tem, ou pelo menos deveria ter um papel relevante para a qualidade do serviço jurisdicional, cuja função não se equipara a de um bedel.
A exigência constitucional da residência do juiz na Comarca tem por essência permitir que estes conheçam seus jurisdicionados, acompanhem os problemas da Comarca e decidam com celeridade todos os feitos, principalmente os que reclamam urgência. Em momento algum foi positivada regra impondo a reclusão do juiz. Isto afronta a sua liberdade de ir e vir quando entender conveniente. Ninguém mais do que o magistrado conhece os problemas da Comarca e as oportunidades devidas para ausentar-se dela.
Todos nós sabemos que não são estes os caminhos para a melhoria da Justiça brasileira. A bandeira de “juiz residir na comarca” nada mais é do que um mero paliativo. Ao direcionar-se o foco para determinado segmento, esconde-se com mais facilidades mazelas outras. E na vã tentativa de buscar notoriedade junto à sociedade, eis que surgem os “carcereiros do poder”, como se esta atitude representasse a efetiva melhoria da prestação jurisdicional.
Os problemas crônicos do Judiciário não são e nunca serão debelados com a utilização de agressão à magistratura de 1ª grau. As Comarcas, sim, estas precisam de uma atenção especial a partir de uma infraestrutura operacional adequada para a prestação jurisdicional mais célere. O que é mais eficaz: a Corregedoria dotar as comarcas de condições para que se possa vencer a demanda ou desconfiar das informações prestadas pelo juiz, em especial quando este é produtivo e corresponde às expectativas da sociedade?
Para dar conta de todas as demandas, que muitas das vezes superam a alta concentração de processos em sua Vara, o magistrado tem que se adequar a um ritmo que vai além, muito além da carga horária de trabalho consolidada na Constituição Federal. A lei maior prevê o máximo de 44 horas semanais, e já há, inclusive, mobilização das centrais sindicais pela aprovação de uma PEC para reduzir para 40 horas.
Vamos supor que um juiz passe a trabalhar apenas as 44 horas semanais, correspondendo a oito diárias e mais quatro aos sábados ou distribuídos durante a semana. Jamais serão suficientes, pois já imaginou o magistrado ter que interromper a audiência para informar às partes e aos advogados que o número de horas semanais já foi alcançado, pois este passou as noites sentenciando.
É apenas um dos muitos exemplos que servem para comprovar o quanto é castigante a carga laboral de um juiz. Por desconhecimento, a sociedade cobra que o magistrado dedique à atividade judicante o mesmo número de horas que um servidor que não é agente político. Equívoco pensar assim. Afinal, só fazer audiências, despachar, atender os advogados, administrar a Secretaria, prestar informações ao Tribunal e ao CNJ já seria suficiente para gastar as 40 horas semanais. Há de ser contabilizado, também, o tempo que o magistrado dedica-se ao estudo, à pesquisa e à redação das sentenças, afinal, há processos que exigem horas para preparação.
Se a regra fosse trabalhar 40 horas semanais, o juiz teria que separar um dia para cada atividade, além de não atender advogados e as partes; não sentenciar e não levar trabalho para casa. É claro que o trabalho de julgar é peculiar e uma Vara com um número razoável de processos, se não forem gastas no mínimo 50 horas de trabalho, não anda.
O que é mais importante para a sociedade: a prestação jurisdicional eficaz – que não se consegue fazer com pouco trabalho – ou saber se o juiz possui uma ou duas residências.
Todos são iguais perante a lei, mas é certo que há atividades funcionais diferenciadas. E a magistratura é apenas uma delas. Se for feita uma pesquisa, certamente os juízes serão unânimes em afirmar que gostariam de trabalhar apenas as horas estipuladas na Constituição e atender à demanda, mas afirmo: com a estrutura deficiente nas Varas e comarcas e com o número de processos, isto é impossível. Via de regra será exigido trabalho extra.
Então, reflitamos: desviar o foco das reais dificuldades do Judiciário em nada ajudará a melhorar o serviço que é prestado à sociedade. Quando muito se consegue eleger bodes expiatórios, e o da vez, é a residência dos juízes.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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