Desde que assumi a segunda instância tenho refletido, inquieto, acerca dos requisitos para redução da pena, em face do que prescreve o §4º, do artigo 33, da Lei de Drogas, em vista, sobretudo, das decisões dissonantes dos nossos Sodalícios acerca da quaestio.
Alguns Tribunais, com efeito, têm decidido que, além dos pressupostos legais ( a-agente primário; b- bons antecedentes; c – não dedicação a atividades criminosas; e d – não integração em organizações criminosas ), deve-se levar em conta, também, a quantidade e natureza da droga apreendida, para o reconhecimento, ou não, da causa de diminuição da pena prevista no §4º, da Lei de Drogas, como se pode inferir das ementas abaixo transcritas, a guisa de exemplo.
Habeas Corpus. Tráfico de Drogas. Condenação. Dosimetria. Causa especial de diminuição prevista no §4º do art. 33 da lei 11.343/2006.Pretendida aplicação. Requisitos subjetivos. Não preenchimento. Quantidade de droga. Negativa de mitigação justificada. Coação ilegal não demonstrada. Embora a paciente seja tecnicamente primária e de bons antecedentes, revela-se inviável a aplicação da causa especial de diminuição prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06, em razão das circunstâncias do caso concreto indicarem que integrava organização criminosa e da elevada quantidade de droga apreendida(
STJ, 5ª Turma, HC 194212/MS, 31 de maio de 2001)
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Habeas corpura. Tráfico de drogas. Lei nº 11.343/06. Pena-base no mínimo legal. Pequena quantidade de droga. Causa especial de diminuição. Patamar máximo. Fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga(37 gramas), legítima é a aplicação da causa de diminuição( art.33,§4º, da lei 11.343/2006) pelo seu máximo, ou seja, dois terços. Precedentes. Ordem concedida para reduzir a pena imposta ao paciente, relativamente ao tráfico de drogas, para 01 ano e 08 meses de reclusão, mantidos os demais termos da sentença e do acórdão.(HC 118.097, Sexta Turma, julgado em 03/03/2011)
Dos julgamentos que participei, até a data atual, na 1ª Câmara Criminal e nas Câmaras Criminais Reunidas, a quantidade e a natureza da droga apreendida têm, sim, sido levadas em consideração para o reconhecimento da minorante em comento.
Inobstante, nunca deixei de me inquietar com essa questão, por compreender, prima facie, que ao julgador não cabe estabelecer pressuposto impeditivo, não o tendo feito o legislador.
A lei em comento, registre-se, nessa linha de raciocínio, não estabeleceu que o reconhecimento da causa de diminuição de pena estivesse condicionada à quantidade e qualidade da droga apreendida, daí, repito, a minha inquietação; inquietação que se faz mais veemente quando vejo que, no artigo 42, da Lei 11.343/2006, está estabelecido que o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no artigo 59, do CP, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade do agente e a conduta social.
Convenhamos, se a quantidade da droga apreendida é levada em conta na fixação da pena-base, como, sem flertar com o bis in idem, se pode invocar o mesmo fato para reconhecer, ou não, a causa de diminuição de pena ?
Concluo, com receio de estar equivocado, por isso mesmo aberto ao debate, que, se a quantidade e qualidade da droga é considerada na fixação da pena-base, é impróprio, depois, considerar-se essa mesma quantidade e qualidade, para negar a redução da resposta penal.
Compreendo, com a mente aberta à discussão, que se o réu é primário, tens bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e nem integra organização criminosa, a redução não é favor e não está condicionada a qualquer outro pressuposto, sendo, inclusive, dever do julgador, ao decidir pela redução mínima, fundamentar as razões pelas quais não o fez no seu grau máximo.
É inaceitável que o juiz exaspere a resposta penal, em face do que prescreve o artigo 42, da Lei de Drogas, para, no mesmo passo, em face do mesmo quadro fático, negar o direito à redução da pena.
É preciso levar em conta, na análise da quaestio, que o legislador, ao acenar com a possibilidade de redução das penas, ex vi do §4º, do artigo 33, da Lei em comento, pretendeu conferir tratamento menos rigoroso ao pequeno traficante e ao traficante ocasional, que não se qualifica nesse sentido, registre-se, em face da quantidade ou qualidade da droga apreendida, o que só será possível fazê-lo em face do caso em concreto, analisadas, o quanto baste, todas as circunstâncias que envolvam a prática do crime.
É dizer, em arremate: se, à luz das provas amealhadas, não se constatou que o acusado fizesse parte de organização criminosa e nem se dedicava às atividades criminosas, sendo, ademais, primário e possuidor de bons antecedentes, é de rigor que seja beneficiado com a diminuição da pena, ainda que com ele tenha sido apreendida grande quantidade de drogas, que deve, sim, de lege lata, ser levada em conta, quando da fixação da pena-base.
Tenho para mim – vou repetir, sem temer pela exaustão – que, à mingua de qualquer outro dado, não se pode, à conta apenas da quantidade e da qualidade de droga apreendida, concluir que o acusado integre, ou não, verbi gratia, uma organização criminosa, para negar-lhe o favor legis sob retina.
Gostaria de saber se os Excelentíssimos Ministros do STF irão abrir mão dos recessos de janeiro e julho? Fica a pergunta.