Trajes no Judiciário devem ser adequados a instância
Por Vladimir Passos de Freitas
Os trajes que uma pessoa usa simbolizam o que ela é. São como uma mensagem do que ela pensa e de como quer ser vista. Em todas as épocas ou locais, o ser humano vale-se das roupas e de adornos para ressaltar sua beleza, condição social, coragem ou mesmo o desprezo que tem pela vida ou pelos outros.
Os imperadores se vestiam com mantos e colocavam coroas na cabeça, exteriorizando seu poder. Os oficiais do Exército nazista usavam uniformes de corte reto e ombros largos para darem a impressão de força. Chefes indígenas sempre se valeram de cocares com penas de pássaros. Mulheres de qualquer época, continente, etnia ou idade, usam brincos e outros enfeites. Tudo isto é da natureza humana.
Contudo, atualmente o mundo passa por uma revolução de valores. E as regras, inclusive de etiqueta, tornaram-se menos rígidas. No Brasil, em razão do clima e de um informalismo natural, a mudança é ainda maior. Por exemplo, em todos os países latino-americanos as crianças, regra geral, usam uniformes escolares. Aqui eles são praticamente inexistentes. No Tribunal de Justiça de Mérida, um estado do México, funcionários usam um elegante uniforme. Aqui seria inimaginável.
Mas, ainda assim, persiste no Brasil um “dress code” peculiar a cada profissão. Médicos vestem-se de branco, aos arquitetos uma informalidade dá um certo charme e professores de educação física usam roupas esportivas. Profissões novas, como analista de mídias sociais ou especialista em tecnologias disruptivas, não sei como se vestem e nem o que fazem.
O fato é que existe um código não escrito, que fixa regras mínimas. Se violadas, geram algum tipo de reprimenda, mesmo que velada. Por isso mesmo, especialistas, como Célia Leão (Revista Você S.A., Ed. Abril), dão bons conselhos aos jovens executivos sobre os trajes a serem adotados na vida corporativa ou social.
No Direito persiste o culto a um formalismo nos trajes, mitigado pela mudança dos tempos e pela entrada no mercado de trabalho das novas gerações. Estas regras de conduta são vistas, acompanhadas e cobradas, desde os bancos acadêmicos até a aposentadoria. E tudo isto, no mais das vezes, silenciosamente. Vejamos.
O formalismo é mais acentuado no Judiciário. Por razões óbvias. Quem julga é mais visto, analisado e cobrado. Por isso, dele se espera muito e se tolera pouco. O traje do magistrado, nos Tribunais colegiados, é a toga. É o símbolo máximo da austeridade e relevância da função. Os romanos usavam a toga por cima da túnica, uma espécie de manto colocado nos atos oficiais, inclusive nos Tribunais. Esta tradição acompanhou os Tribunais do Reino de Portugal e tornou-se regra escrita no Brasil.
Mas, se em Tribunais, sempre nas capitais e com aparelhos de ar condicionado, é possível o uso da toga, que é acompanhada por outros operadores jurídicos pelo uso da beca (p. ex., advogados) e pelos servidores (capa preta sobre os ombros). A começar pelo fato de que não se usam, salvo por exceção, as chamadas vestes talares. É que no primeiro grau as Varas se espalham por todo o país, com hábitos, clima, cultura, absolutamente diversos. Não é possível, e é um erro, querer igualar o que é desigual na essência.
Assim, em um Juizado Especial Cível, cujo objetivo maior é a conciliação, não faz sentido um formalismo maior. O juiz deve ser mais do que tudo um interlocutor e isto recomenda identificação com as pessoas que o procuram. Imagine-se um Juizado itinerante na região norte do país, com um calor sufocante, com um juiz trajando um elegante terno de Ermenegildo Zegna. Certamente terá pouco sucesso. É preciso que ele tenha, cultive, empatia com a população.
Já o oposto se pode dizer de uma Vara Federal de crimes contra a ordem econômica. Criminosos de “colarinho branco”, com alto nível intelectual, por vezes arrogantes, não recomendam qualquer tipo de aproximação. O relacionamento será técnico e profissional, muito embora respeitoso.
O paletó e gravata, com o tempo, serão abolidos. No Brasil, alguns juízes de primeira instância não usam mais este traje formal. Na América Central e países do Caribe espanhol, autoridades dos três Poderes usam a guayabera nas solenidades oficiais. É uma camisa de linho branco, mangas compridas e quatro bolsos grandes.
Mas há que se ter cuidado. É preciso evitar que do informal se passe ao vulgar, ao desrespeitoso. Na falta de regras corre-se o risco, como ocorreu em uma comarca nos tempos em que fui promotor, de um funcionário ir para a audiência de chinelos de dedo, tirá-los e esticar seus enormes pés por debaixo da mesa, deixando-os à mostra, como se fossem a obra máxima da criação.
Os estudantes e os demais operadores jurídicos também têm seus “Códigos de Vestuário”. Na faculdade, o aluno aparecer de agasalho de ginástica dará a impressão de que errou de curso, sua vocação era a Educação Física. Ela, se insistir nas blusas que deixam a barriga à mostra, poderá dar a idéia de que sua real vocação é ser “top model”. Evidentemente, eles serão os últimos a serem lembrados para um bom estágio ou outra oportunidade profissional.
O promotor de Justiça, em determinadas ocasiões, pode ser absolutamente informal. Conheci um excelente promotor do meio ambiente que ia trabalhar de bicicleta e de camisa. Nada mais coerente, pois estava contribuindo para diminuir a poluição atmosférica. Mas, no oposto e caso real também, participar de julgamento em um Tribunal de segunda instância de jeans e sem gravata revela imaturidade, algo semelhante a um adolescente que quer testar os limites estabelecidos pelo pai.
Para um advogado as regras são mais flexíveis. Uma jovem que ingressa em uma enorme banca de advocacia, com ramificações internacionais, será de pronto orientada a apresentar-se com terninhos ou tailleurs. Já um advogado trabalhista que lide normalmente com empregados, poderá trabalhar em mangas de camisa, sem problema.
Em suma, o importante é saber adequar o traje ao local e à profissão escolhida, lembrando sempre que, deste e de outros pequenos detalhes, depende o sucesso ou o fracasso profissional. Por outro lado, aulas a respeito em cursos interdisciplinares cairiam bem. E não constituem nenhum demérito, pois isto não se ensina na Universidade.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Matéria capturada no Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2011