Vivendo intensamente o trabalho.

Eu vivo intensamente tudo que faço. Eu vivo e absorvo tudo que gira em torno de minhas atividades profissionais. Sou profissional full time. Trabalho todos os dias do ano. Pra mim não tem sábados, domingos e feriados. Não tenho a capacidade de, chegando em casa, abstrair o meu trabalho, mesmo porque é em casa que faço as minhas sentenças e os despachos que exijam maior concetração.
Tudo, no âmbito do meu trabalho, é motivo de preocupação. Não sei ser indiferente. Preocupa-me o processo recebido com carga e não devolvido. Preocupa-me o inquérito que desce e não mais retorna. Exaspero-me com o abandono do processo pelos advogados. Apoquenta-me, sobremaneira, não realizar uma audiência. Agasta-me a notícia de tortura nas delegacias Impacienta-me a situação de desconforto da vítima perante o acusado. Incomoda-me o desleixo de um funcionário. Inflama-me a alma a falta de condições de trabalho e a indiferença da cúpula do Tribunal de Justiça.
Não gosto, saio do sério, quando se concede habeas corpus aos réus violentos, em detrimento da ordem pública, hostilizando-se os interesses da comunidade. Indigna-me o atraso das partes, o não cumprimento de horário. Não me dou ao luxo de chegar atrasado a um compromisso.
Mortifica-me não fazer a Justiça dos meus sonhos. Amargura-me a ociosidade de muitos. Enluta-me se tratar com indiferença os problemas dos jurisdicionados, empurrá-los com a barriga.
Não aceito que tratem as pessoas com indiferença, sejam de que classe forem.
Melindra-me a descortesia. Funcionário de mau-humor me contrista. Incomoda-me não poder decidir mais rapidamente. Enferma-me a omissão do Ministério Público, a indiferença do Ministério Público para com os vários problemas que nos afligem no dia-a-dia.
Tenho como de péssimo caráter o profissional que usa de suas petições para agredir aos outros. Para mim é mau-caráter quem não é capaz de aceitar, com altivez, a decisão de um juiz que seja desfavorável aos seus interesses. Espicaça-me conviver com esse tipo de pessoa.
Tenho nojo do invejoso, do mesquinho, daquele que não aceita o brilho do semelhante.
É por tudo isso, por não ser um turista no meu trabalho, por viver intensamente o que faço, por não ser mau-caráter, por não ter idéias pré-concebidas, por respeitar meus semelhantes, por saber até onde posso ir, por saber os limites de minha competência, que, às vezes, saio da linha, porque não sou feito de barro e cimento. Nas minhas veias corre sangue. O sangue da retidão, da dedicação, do esforço, da labuta diária, da sofreguidão, da tenacidade.
Desde os meus olhos não vejo com indiferença o sofrimento das vítimas. Desde o meu olhar me sinto impedido de fazer concessões a meliantes, ainda que tenha que enfrentar a ira dos advogados.
Eu sou assim. Só sei ser assim, Tenho muitos e muitos defeitos, mas não sou omisso, insensível, indiferente.
Vivo intensamente o meu trabalho! Não uso o meu gabinete para distribuir simpatia. Não gosto de ser visitado no meu trabalho. Não gosto de esticar conversa, tendo tanto o que fazer.
Eu sou assim. O que fazer? Ou me aceitam como sou, ou vão todos para ….

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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