Excesso de prazo. Inocorrência

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINALSessão do dia 10 de maio de 2011.

Nº Único: 0001861-85.2011.8.10.0000

Habeas Corpus Nº 008770/2011- São Luís

Paciente : C. S. S.
Impetrante : G. F. V.
Impetrado : Juiz de Direito da Comarca de Morros
Incidência Penal : Arts. 333, c/c 14, II, e arts. 171, c/c 29, todos do CPB
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº 102027/2011

 

 

Ementa. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO E CORRUPÇÃO ATIVA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. RAZOABILIDADE. CONDIÇÕES SUBJETIVAS. IRRELEVÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.

1. A questão do excesso de prazo deve ser analisada sob o prisma do princípio da razoabilidade, restando afastada quando não se verifica qualquer desídia por parte da autoridade processante na condução do feito.

2. Condições pessoais, mesmo que realmente favoráveis, em princípio, não têm o condão de, por si sós, impedir a manutenção da custódia cautelar.

3. Ordem denegada.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer ministerial, em denegar a ordem impetrada, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida, Antonio Fernando Bayma Araújo (Presidente)e Raimundo Nonato Magalhães Melo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr._______________.

São Luís, 10 de maio de 2011.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


 

Habeas Corpus Nº 00 8770/2011 – São Luís

 

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de habeas corpus impetrado pela advogada G. F. V., em favor de C. S. S., contra ato proveniente do MM. Juiz de Direito da Comarca de Morros.

 

Segundo consta na inicial do mandamus, C. S. S.foi preso em flagrante delito, no dia 18 de setembro de 2010, sob a acusação de ter praticado o crime de corrupção ativa.

 

De acordo com o impetrante, não existem provas nem indícios suficientes da autoria delitiva, nem testemunhas que possam incriminar o paciente, o qual é primário, portador de bons antecedentes, com domicílio certo e profissão definida.

 

Alega, ainda, que o prazo máximo previsto para a realização da instrução processual, já consagrado pela doutrina como sendo de 81 (oitenta e um) dias, encontra-se esgotado, gerando constrangimento ilegal ao paciente, o que constitui o objeto da presente impetração.

 

Requer, assim, a concessão da ordem de habeas corpus, para fazer cessar o alegado constrangimento no jus libertatis do paciente, com a expedição de alvará de soltura em seu favor.

 

Instruiu o writ com os documentos de fls. 06/21, ressalvando-se a enumeração equivocada a partir do termo de distribuição de fls. 41.

 

Às fls. 45, por constatar a inexistência de pedido liminar, solicitei as informações por parte da autoridade apontada como coatora, as quais foram prestadas e juntadas às fls. 46/47

 

Com vista dos autos, a Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador Eduardo Jorge Hiluy Nicolau, opinou pela denegação da ordem (fls. 50/52).

 

É o relatório.

 

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do habeas corpus impetrado.

 

Colhe-se dos autos em apreço que C. S. S. foi preso em flagrante delito, no dia 18 de setembro de 2010, sob a acusação da prática dos crimes previstos nos artigos 333, c/c 14, II, e artigos 171, c/c 29, todos do Código Penal.

 

Sustenta o impetrante, em síntese, que o paciente encontra-se preso por tempo superior ao permitido em lei, sem que a instrução processual tenha se encerrado.

 

Da análise detida dos autos em apreço, não pude constatar o alegado constrangimento exercido sobre o jus libertatis do paciente.

 

De acordo com as informações constantes do relatório processual anexado ao presente writ, observo que a denúncia formulada contra o paciente fora recebida no dia 23 de fevereiro do corrente ano e a resposta à acusação protocolada no dia 15 de março do mesmo ano.

 

Ademais, segundo informou a autoridade apontada como coatora, o paciente não se encontra mais preso em razão do flagrante, visto que fora decretada sua custódia cautelar quando da homologação da prisão, em 18 de dezembro de 2010, ressaltando, ainda, que a audiência de instrução e julgamento já se encontra designada (fls. 47).

 

Vê-se, portanto, que a ação criminal ajuizada contra o paciente segue seu curso normal, sendo certo que eventual atraso na entrega da prestação jurisdicional não pode ser atribuído ao juízo processante, de quem não se constatou qualquer desídia na condução do feito.

 

De relevo que se diga que a questão acerca do excesso de prazo para a formação da culpa não pode ser analisada utilizando-se de simples critérios matemáticos, devendo-se ponderar outras circunstâncias, tais como a complexidade do caso, o número de pessoas envolvidas, além das dificuldades técnicas na produção das provas, que terminam por impedir que a instrução seja concluída no lapso temporal que se deseja.

 

No caso em tela, ao contrário do que alega o impetrante, não há atraso na instrução processual de forma a autorizar o relaxamento da prisão do paciente. Ao contrário, constata-se que a instrução criminal vem se desenvolvendo dentro do limite da razoabilidade.

 

É evidente que a ação penal não pode prolongar-se indefinidamente, o que representaria uma afronta a princípios fundamentais insculpidos na Carta Magna. Os autos evidenciam, porém, que os atos necessários ao prosseguimento do feito estão sendo realizados, motivo pelo qual não restou configurado o excesso de prazo alegado pelo impetrante.

 

Quanto ao argumento de que o paciente é primário, tem endereço fixo e profissão definida, devo dizer que tais atributos não bastam, por si sós, para autorizar a liberdade do paciente.

 

A propósito, trago à colação o entendimento predominante dos Tribunais Superiores:

 

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. DEMORA NA FORMAÇÃO DA CULPA. COMPLEXIDADE DO FEITO. RAZOABILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO FUNDAMENTADA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. Há elementos nos autos que apontam para a complexidade do processo, com a existência de vários réus, com defensores distintos. 2. A razoável duração do processo (CF, art. 5°, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos. 3. Esta Suprema Corte vem entendendo que a complexidade do processo pode justificar eventual dilatação no prazo da instrução criminal. Precedentes. 4. A prisão preventiva do paciente foi devidamente fundamentada, apoiada em elementos concretos. 5. Primariedade, bons antecedentes e residência fixa, por si sós, não são elementos aptos a afastar a prisão provisória. Precedentes. 6. Não há constrangimento ilegal a ser sanado. 7. Writ denegado.[1]

 

No mesmo sentido:

 

[…] A existência de atributos pessoais, como primariedade e bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, não constituem óbice à manutenção da segregação antecipada do paciente, quando presente condição autorizativa para a decretação da prisão preventiva.[2]

 

Ante o exposto, não configurado o constrangimento ilegal suscitado no mandamus, denego a ordem, em conformidade com o parecer ministerial.

 

É como voto.

 

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 10 de maio de 2011.

 

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

 

RELATOR


 


[1] STF, HC 101364, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010, DJe-116 DIVULG 24-06-2010 PUBLIC 25-06-2010 EMENT VOL-02407-03 PP-00616.

 

[2] STJ, HC 172.611/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 04/10/2010.

Liberdade Provisória e Tráfico de Entorpecentes

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 10 de maio de 2011.

Nº Único: 0017515-46.2010.8.10.0001

Recurso em Sentido Estrito Nº. 038656/2010 – São Luís

RecorrentePromotor de Justiça

Recorrido

Advogado

Incidência Penal

Relator

: Ministério Público do Estado do Maranhão: V. C. L.

: F. S. de A.

: I. P. C. L.

: Art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006

: Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida


Acórdão Nº 101643/2010

 

 

Ementa. PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRISÃO EM FLAGRANTE. RELAXAMENTO E CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 44, DA LEI N. 11.343/2006. INOCORRÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. É ônus da parte recorrente instruir seu recurso com as peças imprescindíveis à demonstração do alegado, sob pena de inviabilizar o exame da matéria.

2. A inexistência do auto de prisão em flagrante obsta a análise dos aspectos de legalidade do ergástulo.

3. A despeito do Plenário da Suprema Corte ainda não ter dirimido a controvérsia acerca da constitucionalidade do art. 44, da Lei n. 11.343/2006, sinaliza a jurisprudência majoritária daquele Sodalício, da 6ª T. do STJ, e da 1ª Câmara Criminal desta Corte, pela necessidade de demonstração dos requisitos de ordem cautelar, previstos no art. 312, do CPP, para o indeferimento da liberdade provisória, não bastando a mera remissão ao dispositivo legal da Lei de Drogas. Precedentes.

4. Recurso conhecido e improvido.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em negar provimento ao recurso, para manter a decisão que concedeu benefício da liberdade provisória ao recorrido, advertindo-o que o descumprimento de qualquer das condições ali expostas, implicará em imediata revogação da benesse e recolhimento ao cárcere, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos  Senhores Desembargadores Raimundo Nonato Magalhães Melo (Presidente), Raimundo Nonato de Souza e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Suvamy Vivekananda Meireles.

São Luís, 10 de maio de 2011.



DESEMBARGADOR Raimundo Nonato Magalhães Melo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Recurso em Sentido Estrito Nº. 038656/2010 – São Luís

Relatório O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo órgão de base do Ministério Público Estadual, em face de decisão oriunda do juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Luís, à época, respondendo pelo plantão judicial, a qual relaxou a prisão em flagrante do recorrido, e concedeu-lhe o benefício da liberdade provisória.

No pedido de relaxamento da prisão em flagrante acostado às fls. 02/04, relata o recorrido, em síntese, que foi preso em flagrante delito no dia 24/05/2010, por volta das 17:00 horas, por prática, em tese, do delito tipificado no art. 33, da Lei n. 11.343/2006.

Assevera que “[…] o requerente, até o presente momento não teve a sua prisão comunicada a autoridade judiciária competente […]” (sic), acrescentando, ademais, que “[…] o que se deve encaminhar 24 h após a prisão é o auto de prisão em flagrante e não a comunicação, que é imediata […]”.

Com fulcro em tais argumentos, requereu o relaxamento de sua prisão em flagrante.

A autoridade judiciária da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Luís, respondendo pelo plantão judiciário no dia 25 de maio de 2010, acatou o pleito do recorrido, às fls. 24, relaxando sua prisão em flagrante, concedendo-lhe o benefício da liberdade provisória, asseverando, em resumo, ausência dos requisitos da prisão preventiva no caso vertente, a qual não pode representar antecipação de sanção penal, em homenagem ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Contra esta decisão, o representante do Ministério Público de 1º grau interpôs o presente recurso em sentido estrito, às fls. 30/38, delineando sua irresignação com base nos seguintes argumentos:

I – que, após denúncia anônima, policiais dirigiram-se à residência do recorrido, onde encontraram e apreenderam uma “trouxa” de substância entorpecente conhecida vulgarmente por crack, de tamanho médio, a quantia de R$ 155,00 (cento e cinquenta e cinco reais), e duas balanças de precisão, sendo efetuado o flagrante do recorrido;

II – que exames toxicológicos atestaram a presença da substância alcalóide cocaína naquela “trouxa” apreendida, em massa líquida de 12g (doze gramas);

III – que não procedem os argumentos do recorrido, quanto à alegada comunicação tardia da prisão em flagrante pela autoridade policial, asseverando que foi levada a cabo no prazo legalmente estabelecido, através do ofício n. 294/2010 – DENARC;

IV – que a prisão do recorrido foi relaxada um dia após a decretação do flagrante, sem que o inquérito sequer tivesse encerrado;

V – que o flagrante restou claramente configurado na espécie, havendo, em linha de princípio, indícios suficientes de autoria delitiva, de acordo com as declarações dos policiais que efetuaram a prisão;

VI – que a qualidade e quantidade do material narcótico apreendido, o dinheiro trocado, em notas de pequeno valor, e as duas balanças de precisão, indicam que a droga se destinava à comercialização ilícita, não prosperando o argumento do recorrido, de que seria para seu uso próprio; e

VII – que o art. 44, da Lei n. 11.343/2006, veda a concessão de liberdade provisória.

Forte nessas razões, requereu o Ministério Público de base a reforma da decisão, a fim de manter o encarceramento cautelar do recorrido.

Em suas contrarrazões de fls. 43/46, o recorrido postula pela manutenção da decisão ora atacada.

Acatando a promoção ministerial de fls. 57/59, determinei a baixa dos autos ao juízo de origem para cumprir o disposto no art. 589, do CPP, tendo sido mantida, in totum, a decisão ora fustigada (fls. 64).

Em manifestação conclusiva, às fls. 69/73, o Procurador de Justiça Suvamy Vivekananda Meireles opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso, aduzindo, em essência, que a ausência da cópia do auto de prisão em flagrante prejudica a análise a respeito, e, que o art. 44, da Lei de Tóxicos, ofende o princípio da isonomia, já que outros crimes hediondos admitem o benefício da liberdade provisória, citando precedentes desta Corte.

Os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.


Voto O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso.

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo membro de base do Parquet Estadual, irresignado com a decisão exarada durante o plantão judicial, que relaxou a prisão em flagrante do recorrido, concedendo-lhe a liberdade provisória.

A insurgência recursal, ao que extraio das razões, cinge-se nos seguintes pontos:

I – que a prisão em flagrante do recorrido foi comunicada no prazo legalmente estabelecido;

II – que existem nos autos prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria da imputação delitiva – art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006;

III – que estão presentes os requisitos para a decretação da prisão cautelar; e

IV – que o art. 44, da Lei de Drogas, veda a concessão de liberdade provisória para os acusados de crime de tráfico de entorpecentes.

Pois bem.

Após acurada análise das alegações expendidas nos autos, devo dizer que não assiste razão ao recorrente, conforme acentuarei doravante.

Ab initio, devo concordar com o ilustre Procurador de Justiça, quando adverte ser inviável analisar os aspectos de legalidade atinentes ao auto de prisão em flagrante do recorrido, eis que esta peça não está acostada aos presentes autos, e o ônus de fazê-lo, obviamente, competia ao recorrente.

Consequentemente, o exame da matéria acerca da homologação do flagrante, de acordo com o art. 310, parágrafo único[1], do CPP (requisitos da prisão preventiva), também resta obstado.

Relativamente a esta questão – homologação da prisão em flagrante –, uma breve digressão se mostra pertinente.

Não olvido que a homologação da prisão em flagrante limite-se em atestar os aspectos de legalidade do respectivo auto, prescindindo-se de maiores fundamentações, o que, aliás, é entendimento assente na jurisprudência.

Nada obstante, considerando que o fato delituoso, em tese, ocorreu em 24/05/2010, a necessidade do ergastulamento cautelar, agora, quase um ano após, adviria, inexoravelmente, da necessária demonstração dos requisitos da preventiva, consubstanciados no periculum in libertatis, porque não se trataria de mera homologação do flagrante, mas de verdadeira prisão preventiva.

Nesse contexto, observo que o ilustre Promotor de Justiça recorrente, ao longo de seu arrazoado, limitou-se a sustentar a necessidade da prisão cautelar do recorrido com base, unicamente, nos pressupostos da prisão preventiva (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria), não tecendo qualquer comentário sobre os requisitos contidos no art. 312[2], do CPP, que tratam, especificamente, do periculum in libertatis, o que, de plano, mostra o insucesso da empreitada recursal nesse ponto.

Poder-se-ia sustentar que a prisão cautelar, na hipótese de crime de tráfico de drogas, prescindiria de maiores digressões, em razão da expressa vedação legal à concessão da liberdade provisória, constante no art. 44, da Lei de Drogas.

Entretanto, devo alertar, de plano, que não comungo com essa linha de pensar, a qual constitui outro ponto de irresignação do recurso que passo a enfrentar, doravante.

Dispõe o preceito em comento:

Art. 44.  Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

A matéria é objeto de intensa controvérsia no âmbito dos pretórios superiores, notadamente, no STJ, em que as 5ª e 6ª Turmas sustentam posições diametralmente opostas. Enquanto a 5ª T. admite a vedação da liberdade provisória, unicamente pela previsão legal do art. 44, da Lei de Drogas, a 6ª T. assevera que é necessária a presença dos requisitos de ordem cautelar a autorizarem tal vedação do benefício (fumus boni juris e periculum in mora).

Os precedentes da 5ª Turma do STJ estão assim ementados:

[…] V. Em que pese o STF, nos autos do RE n.º 601.384/RS, ter se manifestado pela existência de repercussão geral, a constitucionalidade do art. 44 da Lei n.º 11.343/06 ainda não foi dirimida, devendo prevalecer o entendimento consolidado no âmbito desta Quinta Turma até o julgamento final da matéria pelo Pretório Excelso, no sentido da vedação da liberdade provisória aos acusados de tráfico de drogas e condutas afins. (Precedentes).

VI. Ordem denegada.[3]

Na mesma alheta:

[…] 1. A vedação de concessão de liberdade provisória, na hipótese de acusados da prática de tráfico ilícito de entorpecentes,  encontra amparo no art. 44 da Lei 11.343/06 (nova Lei de Tóxicos), que é norma especial em relação ao parágrafo único do art. 310 do CPP e à Lei de Crimes Hediondos, com a nova redação dada pela Lei 11.464/07; a Carta Magna (art. 5o., XLIII da CF/88) prevê a inafiançabilidade do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, fornecendo a base constitucional dos dispositivos constantes das Leis 11.343/06 e 11.464/07.

2. Referida vedação legal é, portanto, razão idônea e suficiente para o indeferimento da benesse, de sorte que prescinde de maiores digressões a decisão que indefere o pedido de liberdade provisória, nestes casos.[4]

[…]

Em sentido oposto, a 6ª Turma daquele Sodalício sustenta:

[…] A Sexta Turma desta Corte tem reiteradamente proclamado que, mesmo nas hipóteses de crimes hediondos ou equiparados, é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, e, isso, inclusive em relação aos acusados da prática de tráfico de entorpecentes presos em flagrante, não obstante a vedação contida no artigo 44 da nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006.[5] […]

No mesmo norte:

[…] 1. A Sexta Turma desta Corte vem decidindo no sentido de que, com o advento da Lei nº 11.464/07, que alterou a redação do art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90, tornou-se possível a concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos ou equiparados, nas hipóteses em que não estejam presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

2.  No caso, a negativa da liberdade provisória está fundamentada tão somente na gravidade abstrata do delito e na vedação legal contida no art. 44 da Lei nº 11.343/06.

[…]

5. Ordem concedida a fim de deferir liberdade provisória aos pacientes, mediante termo de compromisso de comparecimento aos atos processuais.[6]

Embora reconhecida a repercussão geral da matéria, no âmbito da Suprema Corte (RE n.º 601.384/RS), o plenário ainda não se posicionou a respeito, tendo prevalecido, no entanto, o entendimento de que devem estar presentes no caso concreto, os requisitos da preventiva, a viabilizar o comando normativo contido no preceito do art. 44, da Lei de Drogas.

Nesse norte, a 1ª Turma já se manifestou:

Habeas Corpus. 2. Tráfico de drogas. Prisão em flagrante. Liberdade provisória. Vedação expressa (Lei 11.343/2006, art. 44). 3. Constrição cautelar mantida somente com base na proibição legal. 4. Necessidade de análise dos requisitos do art. 312 do CPP. Fundamentação inidônea. 5. Ordem concedida para tornar definitiva a liminar.[7]

(sem destaques no original)

Em idêntico sentido, assentou a 2ª Turma:

[…] I – A vedação à liberdade provisória para o delito de tráfico de drogas advém da própria Constituição Federal, a qual prevê a inafiançabilidade (art. 5º, XLIII), e do art. 44 da Lei 11.343/2006. II – Presentes os requisitos autorizadores da prisão cautelar, previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, em especial o da garantia da ordem pública, por existirem sólidas evidências do envolvimento dos pacientes na prática reiterada do delito de tráfico de drogas, bem como na grande quantidade e variedade dos entorpecentes apreendidos. III – Habeas corpus denegado.[8]

(sem destaques no original)

Nesta Corte de Justiça, a despeito de entendimentos em sentido contrário, a 1ª Câmara Criminal filiou-se ao referido posicionamento da Suprema Corte, conforme se depreende dos arestos abaixo:

[…] 2. Como se observa da decisão acostada às fls. 39  a decisão atacada limita-se a apontar onde residiu a participação do paciente no tráfico de drogas e dizer que a prisão cautelar do paciente se justifica apenas quanto ao disposto no art. 44 da Lei 11.343 que veda a concessão de liberdade provisória à crimes de tráfico; 3. Não há nenhuma análise concreta acerca dos requisitos previstos no artigo 312 da Lei Processual Penal, nem mesmo sobre o perigo que represente a liberdade do paciente; 4. Só se justifica a segregação durante o processo quando é ela extremamente necessária dadas as circunstâncias concretas da causa, não evidenciadas no caso em exame, ainda mais levando-se em conta as qualidades pessoais do paciente que é réu primário, bons antecedentes; 5. Deve ser concedida a ordem a fim de permitir, ao menos por ora, que o paciente espere o julgamento do processo em liberdade – sem olvidar a possibilidade do juízo, a qualquer tempo, entendendo preenchidos os requisitos do art. 312 e seguintes do CPP, decretar com fundamentação idônea, a prisão preventiva do agente; 6. Ordem concedida.[9]

(sem destaques no original)

No mesmo norte, em acórdão de minha lavra:

[…] 1. A decisão que indefere pleito de liberdade provisória, para manter a prisão em flagrante de acusado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes, deve demonstrar a existência dos requisitos do art. 312,  do Código de Processo Penal, não bastando, apenas, lastrear-se na vedação legal estabelecida pelo art. 44,  da Lei 11.343/2006.[10]

(sem destaques no original)

Diante da controvérsia acima delineada, a posição que, a mim, afigura-se mais consentânea com o postulado constitucional da necessária motivação das decisões judiciais, é aquela que propugna a inafastável declinação das razões de ordem cautelar concretamente aferíveis, contidas no art. 312, do CPP, para negar a liberdade provisória, mesmo em relação aos acusados de tráfico de entorpecente, não bastando, para esse desiderato, a mera remissão ao dispositivo legal (art. 44, da Lei n. 11.343/2006).

Conforme já asseverei linhas acima, não cuidou o recorrente de demonstrar, expressamente, estarem presentes os requisitos previstos no art. 312, do CPP, de modo a cassar a decisão ora objurgada, revogando a liberdade provisória outrora deferida.

Embora o recorrente sustente que foram encontradas duas balanças de precisão na residência do recorrido, e dinheiro trocado em notas de pequeno valor, o que, de fato, constitui um forte indicativo que a droga, apesar da pouca quantidade (doze gramas), era destinada ao tráfico, não há nos presentes autos nenhum documento sequer alusivo a esta alegação, tal como auto de apreensão, o que, invariavelmente, inviabiliza a análise da segregação cautelar sob a ótica da garantia da ordem pública, pela ausência de elemento concreto a arrimá-la.

Com as considerações supra, conheço do presente recurso, para, de acordo com o parecer da Procuradoria de Justiça, negar-lhe provimento, mantendo a decisão que concedeu o benefício da liberdade provisória ao recorrido, advertindo-o que o descumprimento de qualquer das condições ali expostas, implicará em imediata revogação da benesse e recolhimento ao cárcere.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 10 de maio de 2011.


DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] Art. 310.  Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Parágrafo único.  Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).

[2] Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

[3] HC 174.046/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011.

[4] HC 195.046/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011.

[5] HC 179.770/MS, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 28/03/2011.

[6] HC 185.640/GO, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 17/02/2011, DJe 09/03/2011.

[7] HC 100185, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/06/2010.

[8] HC 104515, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 03/08/2010.

[9] HC 33121/2010, Relator(a):  Des. Raimundo Nonato Magalhães Melo. 1ª Câmara Criminal. Julgado em: 14/12/2010.

[10] HC 026863/2010, Relator(a): Des. José Luiz Oliveira de Almeida. 1ª Câmara Criminal. Julgado em: 21/09/2010.

Capturado no Migalhas Jurídicas

PEC 33/11

PEC submete decisões do STF à aprovação do Congresso

A Câmara analisa a PEC 33/11 (clique aqui), do deputado Nazareno Fonteles (PT/PI), que prevê aprovação do Congresso Nacional das súmulas vinculantes, das ADIn’s e das ADC emitidas pelo STF. O projeto também amplia de seis para nove o número mínimo de ministros do STF necessários para declarar a inconstitucionalidade de normas.

Segundo o autor, a proposta visa diminuir o ativismo judicial do Supremo. “Em prejuízo da democracia, a hipertrofia do Judiciário vem deslocando do Legislativo boa parte do debate de questões relevantes, como as ações afirmativas de cotas raciais e a questão das células-tronco”, afirma Fonteles. De acordo com ele, essas decisões não possuem legitimidade democrática porque não passaram pelo exame do Congresso.

Súmula vinculante

Pela PEC, será necessária a aprovação de 9 dos 11 ministros (4/5 do total) do Supremo para a publicação da súmula, que deverá ser remetida ao Congresso Nacional para aprovação, por maioria absoluta, de seu efeito vinculante, em até 90 dias. Atualmente, a decisão é tomada por, no mínimo, 8 ministros (2/3 do total) e tem efeito vinculante a partir da data da publicação.

Caso o Congresso não tome nenhuma decisão no prazo de 90 dias, a súmula terá efeitos vinculantes. A proposta enfatiza que a súmula deve se basear somente nas decisões precedentes, sem extrapolar para outras possíveis situações. Segundo o autor da proposta, a alteração é semelhante à apreciação dos vetos presidenciais pelo Legislativo e não viola a separação de poderes. “A súmula vinculante vem sendo utilizada como um ‘cheque em branco’. Há um desapego do Supremo aos contornos dos casos precedentes, bem como à necessidade de reiteradas decisões para que se edite uma súmula”, afirma Fonteles.

ADIn e ADC

Para que as ADIn’s e as ADC’s tenham efeito vinculante, elas precisarão ser aprovadas por 3/5 dos membros do Senado e da Câmara em até 90 dias. A PEC também veda a suspensão de eficácia de emenda constitucional por medida cautelar pelo STF. Atualmente, as ações do Supremo têm efeito vinculante imediato.

Se o Congresso não decidir no prazo de 90 dias, as ações terão efeitos vinculantes. Caso o Congresso se posicione contra a decisão do STF, a questão irá para consulta popular. “Havendo divergências entre a posição dos juízes e dos representantes do povo, caberia ao próprio povo a última palavra”, diz Fonteles.

O parlamentar lembra que a CF/88 (clique aqui) já prevê a atuação do Senado na suspensão da execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo em controle de constitucionalidade.

Inconstitucionalidade

A PEC também amplia de seis para nove o número mínimo de ministros do STF para declarar a inconstitucionalidade de normas. “A opinião de apenas seis juízes, por mais cultos que sejam, não pode sobrepor a soberania popular, pois conhecimento jurídico não é fator de legitimação popular”, afirma o deputado.

De acordo com Fonteles, deve haver nas decisões de inconstitucionalidade uma “nítida e clara homogeneidade” no entendimento do Supremo.

Tramitação

A CCJ vai analisar a admissibilidade da PEC. Caso aprovada, será criada uma comissão especial para analisar o mérito da proposta. Em seguida, a matéria será votada em dois turnos pelo plenário.

Veja abaixo a íntegra da proposta.

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PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2011

(Do Sr. Nazareno Fonteles e outros)

Altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Artigo 1º. O art. 97 da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar com a seguinte redação “Art. 97 Somente pelo voto de quatro quintos de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou do ato normativo do poder público. …(NR)”.

Artigo 2º. O art. 103-A da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar com a seguinte redação

“Art. 103-A O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de quatro quintos de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, propor súmula que, após aprovação pelo Congresso Nacional, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

§ 1º A súmula deverá guardar estrita identidade com as decisões precedentes, não podendo exceder às situações que deram ensejo à sua criação.

§2º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 3º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§4º O Congresso Nacional terá prazo de noventa dias, para deliberar, em sessão conjunta, por maioria absoluta, sobre o efeito vinculante da súmula, contados a partir do recebimento do processo, formado pelo enunciado e pelas decisões precedentes.

§5º A não deliberação do Congresso Nacional sobre o efeito vinculante da súmula no prazo estabelecido no §4º implicará sua aprovação tácita.

§6º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar súmula com efeito vinculante aprovada pelo Congresso Nacional caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. ……(NR)”

Artigo 3º. O art. 102 da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:

“Art. 102. …

§ 2º-A As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade que declarem a inconstitucionalidade material de emendas à Constituição Federal não produzem imediato efeito vinculante e eficácia contra todos, e serão encaminhadas à apreciação do Congresso Nacional que, manifestando-se contrariamente à decisão judicial, deverá submeter a controvérsia à consulta popular.

§ 2º-B A manifestação do Congresso Nacional sobre a decisão judicial a que se refere o §2º-A deverá ocorrer em sessão conjunta, por três quintos de seus membros, no prazo de noventa dias, ao fim do qual, se não concluída a votação, prevalecerá a decisão do Supremo Tribunal Federal, com efeito vinculante e eficácia contra todos.

§2º-C É vedada, em qualquer hipótese, a suspensão da eficácia de Emenda à Constituição por medida cautelar pelo Supremo Tribunal Federal. ….(NR)”

O que eles disseram

Do ministro Gilmar Mendes, em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, neste domingo (26/6), sobre a proposta do ministro Cezar Peluso de mudança na Constituição para antecipar a execução das penas:

“Considero a discussão relevante, mas não estou seguro, tendo em vista o estágio atual de desenvolvimento do Judiciário, de que essa solução seja produtiva. Há muita desconfiança em relação aos tribunais (de segunda instância). O próprio histórico da criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é fruto dessa desconfiança”.

“Temo, dependendo do tipo de aplicação, que o remédio mate o doente”, disse Gilmar Mendes.

Capturado no blog do Frederico Vasconcelos, da Folha Online

Apresentar preso em flagrante a juiz evita abusos

POR GABRIELA ROCHA

Integrantes do Conselho Nacional de Justiça têm discutido um projeto de Proposta de Emenda Constitucional para que logo após a prisão em flagrante, os presos sejam apresentados diretamente ao juiz. Com a entrevista pessoal, e não a mera análise da cópia do auto de prisão em flagrante, especialistas dizem que a integridade do preso seria mais bem garantida.

O defensor público do estado de São Paulo, Carlos Weis, considera a proposta necessária porque cumpre o artigo 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da costa Rica) e 9.5 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que preveem que a pessoa presa seja levada o mais rápido possível à presença do juiz. Ambos documentos foram ratificados pelo Brasil.

“A entrevista física, logo após a prisão, é um compromisso jurídico assumido pelo país, e até agora o Brasil está descumprindo isso”, explica. De acordo com Weis, para cumprir as normas internacionais, já reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal como supralegais, bastaria a regulamentação por ato administrativo do Conselho Nacional de Justiça. Contudo, ele admite que a PEC é um instrumento interessante nesse caso, já que a incorporação “afastaria qualquer dúvida quanto à incompatibilidade do tratado com a Constituição”, que, por sua vez, só prevê que a prisão deve ser comunicada ao juiz.

Segundo o defensor público, a maior utilidade da medida é fazer do juiz um garantidor da integridade pessoal do preso e da legalidade da prisão. Isso porque evita a ocorrência de tortura e outros tipos de tratamentos desumanos, além da corrupção policial, que infelizmente acontecem no país.

O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Geraldo Prado, explica que levar o preso à presença do juiz não é o mesmo que comunicar a prisão ao juiz. Segundo ele, a diferença está no propósito da primeira, de assegurar a integridade física e psíquica do preso, prevenindo e evitando a tortura, além de possibilitar o controle da legalidade da prisão, incrementando “a responsabilidade de todos os envolvidos com a custódia”, e permitindo o imediato contato do preso com um defensor.

O desembargador observou que a Lei 12.403/2011, de 4 de maio, que institui as medidas cautelares a serem adotadas no lugar da prisão, mantém o regime da “comunicação” e não o da “apresentação”.

Precedentes perigosos
Considerando que essa é uma possibilidade do preso explicar sua versão dos fatos, outro defensor público do estado de São Paulo, e professor da PUC-SP,Gustavo Junqueira questiona: “a quem interessa que o preso em flagrante não seja apresentado diretamente ao juiz?”.

O defensor lembra que Honduras e Equador já foram condenados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por descumprir essa mesma questão. As decisões são baseadas nos princípios do controle judicial e da oralidade, e é considerado que a medida é essencial para a proteção dos direitos a liberdade, vida e integridade. “O simples conhecimento judicial de que uma pessoa está detida não satisfaz essa garantia.” Em Tibi x Equador, o Estado foi condenado porque o cidadão foi apresentado a um “escrivão público” e não a um juiz.

A norma existe nas Constituições da Alemanha e da África do Sul. Na segunda parte do artigo 104 da Constituição alemã está expresso que o juiz, depois de ouvir o detido, deve, “sem demora, emitir ordem escrita de prisão ou ordenar a libertação do detido”. No artigo 35.1 da Constituição sul-africana é dito que os presos em flagrante devem ser levados perante o juiz o mais rápido possível, em até 48 horas depois da prisão.

Prática
O juiz maranhense Douglas de Melo Martins já adota essa atitude nas comarcas em que atua, e comparou um plantão criminal em São Luís no qual praticou a entrevista, com um em que outro juiz não fez o mesmo. No primeira caso foram soltos 53,85% dos presos (21 dos 39 apresentados), e no segundo só 7,14% (2 de 28).

Ele contou o caso de um surdo-mudo preso em flagrante por tentar assaltar uma passageira de um ônibus. Apesar do flagrante estar formalmente correto, o juiz pediu uma intérprete junto ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos para entrevistá-lo. Assim, foi informado pelo surdo-mudo de que estava em meio a uma briga com sua esposa e nem percebeu o assalto. Com esse relato, ele ganhou liberdade.

Em outra situação, o dono de um pequeno mercado foi preso em flagrante por receptação porque no seu estabelecimento comercial foram localizados produtos furtados de um supermercado. Ao ser ouvido pelo juiz logo após a prisão, mostrou ter notas fiscais dos itens e foi posto em liberdade.

O juiz considera que o maior dos efeitos da apresentação do preso em flagrante é a inibição da violência policial. Nesse sentido, conta que quando atua dessa forma, não entrevista nenhum preso machucado.

Letra morta
A redação atual do Código de Processo Penal obriga a Polícia a comunicar imediatamente a prisão ao juiz, com o envio da cópia do auto de prisão em flagrante em 24 horas.

Segundo Alexis Couto de Brito, professor de Direito Penal e Processo Penal do Mackenzie, muitas vezes nem essa obrigação é cumprida. Isso porque não há plantão judiciário de 24 horas, e em muitas cidades brasileiras, caso a prisão aconteça em uma sexta feira à noite, a cópia do auto somente será enviada na segunda-feira.

Apesar de observar que do ponto de vista jurídico a medida prestigia os direitos fundamentais e o Estado democrático de Direito, ele diz que a mudança sofre um entrave material.

De acordo com Brito, para se obrigar a apresentação do preso imediatamente deve-se instituir um plantão 24 horas do Judiciário em todas as comarcas do país, pois muitas prisões são efetuadas durante a madrugada, finais de semana e feriados. “Não sei se do ponto de vista prático isto seria possível e daí a alteração poderia ser letra morta, já que apenas algumas cidades poderiam cumprir.”

No que diz respeito à viabilidade da proposta, o defensor público Carlos Weis deixa claro que “é capaz que o Poder Judiciário não esteja apto a entrevistar todos os presos imediatamente, mas isso não significa que não possa ser feito, pelo contrário. O Estado precisa se reorganizar para atender a novas obrigações”.

Inutilidade defensiva
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiro (AMB) e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Nelson Calandra, discorda da necessidade da medida. “Me parece demasiado, em pleno século 21, quando se fala em interrogatório por vídeoconferência, passar a movimentar presos para cumprir formalidade que só deve existir quando o juiz tem dúvidas, inclusive sobre a integridade do preso, após recebido a cópia do flagrante”, opina.

Para Calandra, a mudança não é muito útil e vai acabar por atrasar mais ainda a instrução processual penal de maneira mais custosa e perigosa, com o transporte e escolta dos presos. Ele lembra que os presos são submetidos a exames médicos antes de serem recolhidos à prisão, e os juízes e membros do Ministério público são obrigados a fiscalizar os estabelecimentos prisionais. Além disso, os advogados sempre podem pedir o relaxamento da prisão, e se o juiz entender necessário, pode requisitar a presença do preso.

Para ele, a grande finalidade da proposta, que a prisão processual só seja decretada quando estritamente necessário, já é garantida pelo ordenamento jurídico atual, inclusive pela lei 12.403, de 4 de maio, que estipula diversas medidas cautelares a serem adotadas antes da prisão.

Calandra lembra que países que adotam a medida como Alemanha e África do Sul são infinitamente menores do que o Brasil, e têm realidades sociais e financeiras muito diferentes. “Temos que procurar resguardar os direitos dos presos sim, mas pelas formalidades já existentes na lei”, expõe.

Não sou alcaguete

Faço questão de consignar que, no Poder Judiciário do Maranhão, sou apenas  mais um desembargador – com fortes convicções, é verdade. Mas, ainda assim, apenas mais um desembargador. Nem  melhor nem pior que os meus colegas.

Seria um pretensão descabida assumir o papel de paladino da moralidade numa instituição composta por tantos homens e mulheres de bem.

O crédito que amealhei, o meu patrimônio moral não foi construído à base  de traições ou delações;  foi consolidado a partir da minha história na instituição.

Que fique claro, portanto, que não sou  Corregedor –  e nem Ouvidor.

Faço o registro em face de algumas denúncias anônimas que tenho recebido, como se eu fosse algoz de algum colega.

Reafirmo, ademais, que não sou dedo duro e que não estou na instituição para denunciar colegas.

Não me peçam, pois, além do que posso fazer. E o que posso fazer é decidir com responsabilidade, honrando o meu nome e a minha história.

Se me trouxerem alguma denúncia, com o mínimo de provas, de algum desvio de conduta de algum colega, fiquem certos que darei ciência a quem de direito.

Denúncias anônimas, no entanto, para mim não têm nenhuma relevância.

Espero que não confundam as minhas posições com as posições de um alcaguete, de um delator, porque não construí a minha história à conta de traições.

O mundo em preto e branco

Há pessoas que, seja qual for os fins que persigam, sejam quais forem as idéias que defendam, só conseguem ver o mundo em branco e preto.

São os, por assim dizer, radicais, do tipo que a todos criticam mas não são capazes de uma elementar autocrítica.

Todavia, é preciso confrontar essa realidade maniqueísta.

Não se pode ver o mundo e as pessoas em duas cores.

As coisas não são bem assim, do tipo  se sou bom os outros não prestam, se sou honesto, tudo o mais é desonesto, se falo a verdade, o que outros dizem é pura mentira, se sou belo, o que não sou eu belo não pode ser.

É preciso analisar o mundo sob outro enfoque.

É preciso que se estabeleça um ponto de equilíbrio.

Se me julgo  correto, tenho de convir que, como eu, há incontáveis pessoas tão ou mais corretas que eu.

Se sou honesto, o meu vizinho não é necessariamente desonesto.

Se sou cumpridor das minhas obrigações, não quer com isso significar que as outras pessoas sejam negligentes.

Se sou pacato, não significa que os demais sejam beligerantes.

E por aí vai.

Essas reflexões são fruta  da constatação de que muitos que criticam o semelhante, de forma acerba e inclemente,  em face de um deslize a que todos estamos sujeitos, assim  o fazem exatamente  em face da  lamentável visão maniqueísta  que têm do mundo.

Os nossos desvios de conduta

É evidente que quando falo em desvio de condutas  dos nossos homens públicos não perco de vista que, entre nós, magistrados, há, sim, os que, da mesma forma que os políticos, desviam a conduta, agindo à margem da lei.

Há notícias, sim, de magistrados que, no poder, enriquecem ilicitamente.

Quando destaco, neste espaço, pois, os desvios de condutas dos políticos, não tento, como pode parecer, esconder os nossos próprios desvios.

Aliás, os nossos desvios de conduta já foram refutados, a mais não poder, neste mesmo blog, incontáveis vezes.

A propósito, concito o leitor a ler o post abaixo, da minha autoria,  publicado há mais de um ano, verbis:

“Os togas sujas.”

“No Direito Positivo brasileiro nenhum crime tem os efeitos mais deletérios para o conjunto da sociedade que a corrupção, visto que, é através dela que se esvai o dinheiro da educação, da merenda escolar, da saúde, da segurança e de outras coisas mais, afetando decisivamente a vida em sociedade.
Conquanto seja o crime de efeitos mais deletérios, não tem sido fácil tirar de circulação os corruptos. Eu, por exemplo, com mais de 22 (vinte dois) anos de incessante ação judicante, nunca tive o prazer (?) de julgar um integrante dessa categoria. É que eles são ensaboados, escorregadios e mutantes. Eles sabem, enfim, como escapar dos tentáculos dos órgãos persecutórios.
Batedor de carteira, assaltante de meia tigela, furtador inexpressivo são facilmente alcançados pelas instâncias persecutórias do Estado. Basta visitar as cadeias ou as penitenciárias, para perceber que elas estão lotadas de roubadores e furtadores – todos, sem exceção, egressos das classes menos favorecidas. Aqui e acolá se prende um colarinho branco, exatamente para legitimar o status quo, para que os ingênuos imaginem que as coisas estão mudando. Fora essas exceções maquiadoras da realidade, podem procurar corruptos na cadeia, mas não os encontrarão, por certo.
O corrupto não tem o perfil da clientela do direito penal. Ele, via de regra, freqüenta as rodas mais elegantes, costuma andar de terno e gravata, é falante, audaz, cheiroso, cabelos bem penteados e, com a lábia, galvaniza as atenções. Enganar, ludibriar, surrupiar verbas públicas é a sua prática de vida. E o faz sem pena e sem dó dos que morrem nas filas dos hospitais públicos em face da verba que surrupiou. E, tem mais: adoram carrões, de preferência importados, para se diferenciarem de nós outros – os bobos, os otários, os simples mortais, que têm a pachorra de viver somente dos seus estipêndios, sem se dobrar diante dos que tentam fazer mesuras para alcançar vantagens de ordem pessoal e material.
O Brasil, segundo pesquisa recém-divulgada, é a quinta nação mais corrupta do mundo. É uma vergonha! E mais vergonhoso ainda se considerarmos que os corruptos são inalcançáveis pelas instâncias persecutórias. Isso nos diminui como nação. Isso nos apequena. Isso faz de nós protagonistas de uma história imunda.
Essa constatação, essa triste realidade faz lembrar o diálogo sujo havido entre D.Pedro I e o Marquês de Paranaguá. A história registra, com efeito, que em 1831, quando foi obrigado a abdicar da Coroa brasileira, D. Pedro I, antes de embarcar no Warspite, navio inglês que o acolheu, recebeu a visita de um ex-ministro, Francisco Vilela, marquês de Paranaguá, que lhe pedia socorro, em face de sua situação financeira precária. D. Pedro I, com aspereza, disse ao ex-ministro que não podia cuidar dele, que nada podia fazer, porque já estava ajudando muita gente. Diante dessa inesperada manifestação de D.Pedro, o marquês disse, então, que seria obrigado a voltar para Portugal, onde teria direito a uma pequena aposentadoria, no que foi, mais uma vez, rechaçado, desestimulado por D. Pedro I. Diante de mais essa manifestação de ingratidão de D. Pedro, o Marquês de Paranaguá, desesperado, o fez ver que não tinha fortuna, que era um homem pobre e que só tinha o subsídio para viver. D. Pedro, então, pondo em relevo a sua falta de sensibilidade e de caráter, aconselhou o Marquês a fazer o que bem entendesse, pois que isso não era de sua conta. E arrematou: “Por que não roubou como Barbacena?”
É triste essa página da nossa história que, infelizmente, ainda não foi virada.
Mas a verdade é que nenhum país do mundo escapa da ação do corrupto. Ele está em toda parte. Só que, no Brasil, eles são quase imunes às ações persecutórias e, por isso, impunes.
Em outras nações civilizadas, ao que se saiba, prendem-se os corruptos e devolve-se ao erário público o dinheiro subtraído pela ação nefasta destes. No Brasil, quando se consegue alcançá-los, não se consegue reaver a dinheirama desviada. E tudo vai ficando como dantes.
E o que dizer, o que pensar, o que fazer, como escapar, para onde apelar, se o corrupto é um magistrado? Qual a esperança que tem uma sociedade, se aquele que tem o dever de combater a criminalidade é um dos seus protagonistas?
Para mim, o magistrado que se vale do cargo para auferir vantagem financeira é, acima de tudo, um covarde, porque não se limita a amealhar bens materiais. Para consecução do seu intento, precisa negociar o direito de terceiros, precisa fazer chacota das pretensões deduzidas em juízo, tripudiando, zombando do direito dos jurisdicionados.
É por isso que tenho dito que a corrupção praticada por um magistrado é mais do que um crime abjeto – é uma covardia.
Convenhamos, o magistrado que usa o poder que tem para achacar, para enriquecer ilicitamente, para negociar o direito de um jurisdicionado, é um ser imundo, desprezível, digno de repúdio.
Imaginemos o seguinte quadro. Um cidadão honrado, confiando nas instituições, na crença de que elas funcionam a contento, entrega o seu direito nas mãos de um juiz – desses que adoram ser chamados de Excelência. E o meritíssimo, descarado, simplesmente negocia o seu direito com a parte adversa, para tirar vantagem financeira.
É ou não é uma cretinice? É ou não é um menoscabo? Merece ou não merece esse ser sujo, obsceno e imoral o escárnio público? Deve ou não deve ser punido exemplarmente o calhorda? É ou não é indigno da toga que veste o crápula que se vale do poder que tem para fazer trapaça?
Para mim, quem usa a magistratura para enriquecer ilicitamente, é, além de covarde, um ser peçonhento e asqueroso, um bandido maquiado, travestido de magistrado.
Felizmente, não se há de negar, que a maioria, a grande maioria, a quase totalidade dos magistrados, não participa dessa e de outras bandalhas de igual matiz; antes, abomina essas práticas, que deslustram e enodoam toda uma classe. Apesar disso, todos nós [magistrados], corruptos ou não, somos, de certa forma, vistos com reservas, como se fôssemos todos usuários de togas sujas.
Admito que sempre que se publicam notícias, como as recentemente veiculadas, em face da prisão de alguns magistrados do Espírito Santo, sou tomado de tristeza e vergonha. Fico acabrunhado, envergonhado, contristado. É como se um tufão se abatesse sobre as minhas esperanças, tornando-me mais triste e mais descrente ainda com alguns homens de preto.
Quando essas notícias são veiculadas, fico sempre na esperança de que o colega magistrado consiga demonstrar a sua inocência, e torço para que não seja verdade o que estão publicando. Quisera que fosse mesmo um sonho. Mas sonho não é. É, sim, uma triste realidade.
Tenho dito e reiterado, incontáveis vezes, que as pessoas não podem perder a fé no Poder Judiciário. Até mesmo para que se fortaleça a democracia. Nenhuma democracia sobrevive sem um Poder Judiciário forte e respeitado.
Nós, magistrados, em face da nossa relevância para a própria sobrevivência da sociedade, não temos o direito de subtrair das pessoas a pouca fé – pouca, é verdade – que ainda têm em nossa instituição, pois, se essa fé se esvair por inteiro, será o fim.”