Mês: dezembro 2012
Com a palavra o promotor de justiça Rodrigo Aquino
Do Promotor de Justiça Rodrigo Aquino, de primeira instância, recebi o comentário abaixo, o qual publico neste espaço, em face da sua lucidez e em vista da relevância da matéria nele albergada, ainda que possa não ser da simpatia de alguns.
Admitamos, ou não, a exigência de produtividade pode conduzir o magistrado à situação descrita pelo ilustre representante do Parquet. Eu próprio, quando do cumprimento da Meta II, do CNJ, estando ainda em primeira instância, decidi, algumas vezes, sem esgotar, como deveria, determinadas questões, sobretudo as mais controvertidas.
A verdade é que a exigência de produtividade pode vir, sim, em detrimento da qualidade do trabalho dos colegas magistrados, sabido que ninguém realiza bem, em qualquer atividade, com a faca no pescoço.
Para mim, inobstante, conquanto compreenda a aflição de um colega em face das exigências de produtividade, é inaceitável que se proceda à eleição de determinados processos para julgamento, pois que, assim o fazendo, discrimina os jurisdicionados, o que nos é defesa fazê-lo, sob pena de inaceitável afronta à Carta Política brasileira.
Fica, agora, o espaço aberto para debate.
Uma observação: todos os comentários que passam pelo meu crivo são liberados e, por consequência, publicados. Assim sendo, todos têm acesso aos mesmos, razão pela qual entendo não estar sendo indelicado com o representante ministerial, quando decido pela publicação do seu comentário neste espaço.
A seguir, a matéria do estimado representante do Ministério Público:
“A meta imposta pelo CNJ (julgar as ações de improbidade administrativa e as ações penais relacionadas a crimes contra a Administração Pública de 2011) é importantíssima. Entretanto, algumas ponderações devem ser feitas.
Como Promotor de Justiça de 1ª entrância, tenho observado na prática que muitos Juízes “não gostam” de julgar tais ações, em especial as de improbidade. Fico me perguntando o porquê.
Tudo bem que julgar 100 (cem) ações de alimentos, guarda e divórcio, mensalmente, diminui bastante o déficit de processos. Julgar 100 (cem) TCO’s também desafoga bastante o Judiciário. Mas são processos simples, de baixa complexidade (feitos muitas vezes por assessores).
E por que os Juízes não se dedicam, com o mesmo afinco, aos processos de improbidade, que têm enorme impacto na sociedade local? Enumero algumas razões, passíveis de críticas: 1) alta complexidade dos casos, o que demanda mais tempo de estudo, pois são sentenças extensas e melhor elaboradas; 2) medo / receio das consequências (inclusive pessoais), pois geralmente as pessoas envolvidas são políticos influentes na comunidade local; 3) não dá produtividade (ao contrário das centenas de sentenças cíveis de complexidade baixíssima, mas que são decididas no atacado); 4) falta de preparo técnico e intelectual (assuntos complexos com os quais os juízes não estão acostumados ou preparados); 5) descrédito com o 2° grau (Tribunal de Justiça), sob o argumento: “nós condenamos no 1° grau e no 2° grau eles reformam tudo. Isso não vai dar em nada. É só desgaste”; 6) Qualquer outro argumento ou nenhum deles.
E assim os processos vão se acumulando, os políticos corruptos sorrindo da impunidade e a sociedade sem saber o que fazer ou a quem recorrer. Quando o Judiciário decide se manifestar, o réu já não é mais o Prefeito, Secretário, vereador, deputado… E fica o dito pelo não dito.
Gostaria de saber a sua opinião.”
Em boa campanhia
Ministro Victor Nunes Leal
Estudo todos os dias.
Estudar, ou, simplesmente, ler alguma matéria que guarde relação com a minha atividade profissional, é, para mim, uma necessidade.
Assim o faço porque tenho consciência da minha pouca inteligência. E não é falsa modéstia, pois quem sabe de mim sou eu.
De tudo o que estudo – ou simplesmente leio – faço um resumo – e armazeno – , desde que entreveja alguma relevância na matéria pesquisada.
Antes dos dias atuais, fazia as minhas anotações numa velha máquina de datilografia.
De 1989, até o ano de 2006, fiz anotações no computador ( desktop). Depois, passei às anotações no notebook, para, agora, fazê-las no meu tablet.
Saudosista, tenho, ainda, um caderno no qual guardo as anotações que faço em face das aulas que assisto, via internet, sobretudo aos finais de semana.
Não sei se essa prática de fazer anotações é comum entre os magistrados; creio, até, que não, pois há os que gozam de uma memória das chamadas privilegiadas. Como não confio na minha, prefiro fazer anotações. Eu as faço – e as visito regularmente -, para sedimentar bem o aprendizado, já que tenho dificuldades de memorizar, como destaquei acima.
Essa é a minha rotina enquanto profissional do direito, porque sinto, ademais, necessidade de me reciclar todos os dias.
Há quem estranhe as minhas anotações, as quais levo sempre aos julgamentos, para auxiliar-me, quando preciso for.
De rigor, não há razões para o estranhamento, vez que tenho admitido que delas me sirvo em face da minha pouco inteligência e incapacidade de memorizar o que estudo, como acima anotado.
Para quem estranha as minhas anotações e as consultas que faço aos meus alfarrábios, vou transcrever excertos de uma conferência do ministro Victo Nunes Leal, idealizador das Súmulas no STF e redator das primeiras 370, feita em Santa Caterina, em 1981, em cujo excerto ele faz menção às anotações que fazia, em face, segundo ele, de sua incapacidade de memorizar as matérias já discutidas em julgamento anteriores.
” Por falta de técnicas mais sofisticadas, a Súmula nasceu – e colateralmente adquiriu efeitos de natureza processual – da dificuldade, para os ministros, de identificar as matérias que não convinha discutir de novo, salvo se sobreviesse algum motivo relevante. O hábito, então, era reportar-se cada qual a sua memória, testemunhando, para os colegas mais modernos, que era tal ou qual a jurisprudência assente na Corte assente na Corte. Juiz calouro, com o agravante da falta de memória, tive que tomar, nos primeiros anos, numerosas notas e bem assim sistematizá-las, para pronta consulta durante as sessões de julgamento.
Daí surgiu a ideia da Súmula, que os colegas mais experientes – em especial os companheiros da Comissão de Jurisprudência, Ministros Gonçalves de Oliveira e Pedro Chaves – tanto estimularam. E se logrou, rápido, o assentamento da Presidência e dos demais Ministros. Por isso, mais uma vez, tenho mencionado que a Súmula é subproduto de minha falta de memória, pois fui eu afinal o Relator não só da respectiva emenda regimental como dos seus primeiros 370 enunciados. Esse trabalho estendeu-se até as minúcias da apresentação gráfica da edição oficial, sempre com o apoio dos colegas da Comissão, já que nos reunimos, facilmente, pelo telefone.”
Pare enfrentar a minha proverbial deficiência cognitiva, conquanto não tão organizadamente como o fazia o ministro Victor Nunes Leal, cuido, todos os dias, de catalogar as minhas anotações, sobretudo em face de algumas questões complexas que temos discutido no Pleno do Tribunal.
É claro que, não gozando de boa memória, tento suprir as minhas deficiências com as minhas anotações, que têm me servido bem, quando desejo aprofundar a discussão acerca de determinado tema controvertido.
Portanto, ao carregar comigo o resultado do que estudo, para me auxiliar, quando necessário, me possibilita dar a minha contribuição aos debates, com mais segurança.
Constato, agora, com os excertos da conferência do ministro Victor Nunes Leal, que estou em boa companhia.
Não nos falta sensibilidade
Não é incomum – acontece, às vezes, até com frequencia – colegas do 1º grau indeferirem pedidos de liberdade provisória – ou decretarem prisão preventiva – tendo em mira tão somente o texto expresso da lei.
É de rigor consignar que a vedação apriorística de liberdade provisória é indamissivel no Direito brasileiro, disso inferindo-se que, à luz dos princípios albergados na nossa Carta Magna, nem mesmo cláusulas inscritas nos tratados internacionais que impunham a adoção de medidas de privação cautelar da liberdade individual ou que vedem, em carater preventivo, a concessão de liberdade provisória, podem prevalecer em nosso sistema de direito positivo, sob pena de ofensa à presunção de inocência, dentre outros princípios constitucionais que compõem o estatuto jurídico garantidor daqueles que sofrem as consequências da persecução criminal deflagrada pelo Estado.
A guisa de reforço, anoto que a vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é repelida pela totalidade dos Tribunais pátrios, à frente o STF, os quais a consideram, como acima mencionado, incompatível com a presunção de inocência e a garantia do due process, dentre outros, independentemente da gravidade do delito imputado.
A verdade é que o legislador não pode, nessa perspectiva, substituir-se ao juiz, a quem cabe – e somente a ele cabe – aferir acerca da existência de situação que denote a real necessidade de lançar mão do instrumento de tutela cautelar penal.
O que preocupa, à luz do acima delineado, é que muitos juizes de primeiro grau insistem em manter prisões ao argumento de que há vedação expressa na lei à concessão da liberdade provisória, numa posição que para mim é fruto, algumas vezes, de mera acomodação, de falta de consciência garantística.
Quando isso ocorre, ou seja, quando as prisões são mantidas com esteio apenas numa previsão legal, as questões são remetidas, muitas vezes, ao segundo grau, onde, por óbvio, a ilegalidade é reparada.
Todavia, disso resulta que o magistrado de segundo grau se coloca, perante a opinião pública, em posição absolutamente desconfortável, porque disso pode resultar a falsa impressão de que, na frieza de um gabinete, distantes da repercussão do crime, decide-se sem nenhuma sensibilidade.
Inobstante o desconforto, conquanto admitamos ficar numa posição desconforável perante a opinião pública, a nós não nos resta outra alternativa que não reparar a ilegalidade da prisão, pois que nos é defeso, de lege lata, chancelar o equívoco – e a ilegalidade que dele resulta.
As pessoas precisam compreender que essa situação a todos nós nos agasta.
A verdade é que nós não temos nenhum prazer em fazer retornar ao convívio social meliantes perigosos.
Não podemos, todavia, afrontando a própria Constituição brasileira, simplesmente manter uma prisão cuja ilegalidade salta aos olhos.
É um equívoco imaginar que o magistrado de segundo grau, por ser,muitas vezes, compelido a restabelecer a liberdade de um perigoso assaltante, o faço por faltar-lhe sensibilidade.
Não! Nós, juizes do segundo grau, também somos cidadãos!
Nós temos, sim, compreensão do mundo em que vivemos!
Nós temos, sim, visão da realidade!
Não somos eunucos políticos!
O que não podemos – e nem devemos – é absorver o discurso da limpeza social, deixando que esse sentimento nos conduza a decisões arbitrárias, assumindo posições antigarantistas, para, nesse sentido, banalizar as prisões provisórias, na esteira do raciocínio – equivocado, claro – dos que entendem que se pode prender e manter prisões tão somente com esteio na gravidade abstrata do crime, ou para atender ao reclamos da opinião pública.
Tenho dito e redito que, além da independência, o juiz só merecerá o respeito dos seus concidadãos se bem exercer o seu papel de garantidor, se não decidir de forma acrítica e autofágica, se não se conformar em ser um mero burocrata, repetidor e aplicador inconsequente da lei.
O juiz, tenho dito, não deve julgar conforme o desejo da maioria, não pode ficar inerte diante de violações de direito ou ameaças de lesões aos direitos fundamentais.
A atuação do magistrado, também venho afirmando, não é política, mas constitucional, a quem o Estado outorga o dever de proteger os direitos fundamentias, ainda que tenha que decidir contrariando a maioria.
O juiz imparcial e que verdadeiramente desempenha sua função ( de garantidor), deve estar acima de qualquer pressão ou manipulação política.
O juiz deve ser alguém que realmente tenha condições de formar a sua livre convicação, sem pressão de quem quer que seja; mesmo que seja a opinião pública.