Não é incomum – acontece, às vezes, até com frequencia – colegas do 1º grau indeferirem pedidos de liberdade provisória – ou decretarem prisão preventiva – tendo em mira tão somente o texto expresso da lei.
É de rigor consignar que a vedação apriorística de liberdade provisória é indamissivel no Direito brasileiro, disso inferindo-se que, à luz dos princípios albergados na nossa Carta Magna, nem mesmo cláusulas inscritas nos tratados internacionais que impunham a adoção de medidas de privação cautelar da liberdade individual ou que vedem, em carater preventivo, a concessão de liberdade provisória, podem prevalecer em nosso sistema de direito positivo, sob pena de ofensa à presunção de inocência, dentre outros princípios constitucionais que compõem o estatuto jurídico garantidor daqueles que sofrem as consequências da persecução criminal deflagrada pelo Estado.
A guisa de reforço, anoto que a vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é repelida pela totalidade dos Tribunais pátrios, à frente o STF, os quais a consideram, como acima mencionado, incompatível com a presunção de inocência e a garantia do due process, dentre outros, independentemente da gravidade do delito imputado.
A verdade é que o legislador não pode, nessa perspectiva, substituir-se ao juiz, a quem cabe – e somente a ele cabe – aferir acerca da existência de situação que denote a real necessidade de lançar mão do instrumento de tutela cautelar penal.
O que preocupa, à luz do acima delineado, é que muitos juizes de primeiro grau insistem em manter prisões ao argumento de que há vedação expressa na lei à concessão da liberdade provisória, numa posição que para mim é fruto, algumas vezes, de mera acomodação, de falta de consciência garantística.
Quando isso ocorre, ou seja, quando as prisões são mantidas com esteio apenas numa previsão legal, as questões são remetidas, muitas vezes, ao segundo grau, onde, por óbvio, a ilegalidade é reparada.
Todavia, disso resulta que o magistrado de segundo grau se coloca, perante a opinião pública, em posição absolutamente desconfortável, porque disso pode resultar a falsa impressão de que, na frieza de um gabinete, distantes da repercussão do crime, decide-se sem nenhuma sensibilidade.
Inobstante o desconforto, conquanto admitamos ficar numa posição desconforável perante a opinião pública, a nós não nos resta outra alternativa que não reparar a ilegalidade da prisão, pois que nos é defeso, de lege lata, chancelar o equívoco – e a ilegalidade que dele resulta.
As pessoas precisam compreender que essa situação a todos nós nos agasta.
A verdade é que nós não temos nenhum prazer em fazer retornar ao convívio social meliantes perigosos.
Não podemos, todavia, afrontando a própria Constituição brasileira, simplesmente manter uma prisão cuja ilegalidade salta aos olhos.
É um equívoco imaginar que o magistrado de segundo grau, por ser,muitas vezes, compelido a restabelecer a liberdade de um perigoso assaltante, o faço por faltar-lhe sensibilidade.
Não! Nós, juizes do segundo grau, também somos cidadãos!
Nós temos, sim, compreensão do mundo em que vivemos!
Nós temos, sim, visão da realidade!
Não somos eunucos políticos!
O que não podemos – e nem devemos – é absorver o discurso da limpeza social, deixando que esse sentimento nos conduza a decisões arbitrárias, assumindo posições antigarantistas, para, nesse sentido, banalizar as prisões provisórias, na esteira do raciocínio – equivocado, claro – dos que entendem que se pode prender e manter prisões tão somente com esteio na gravidade abstrata do crime, ou para atender ao reclamos da opinião pública.
Tenho dito e redito que, além da independência, o juiz só merecerá o respeito dos seus concidadãos se bem exercer o seu papel de garantidor, se não decidir de forma acrítica e autofágica, se não se conformar em ser um mero burocrata, repetidor e aplicador inconsequente da lei.
O juiz, tenho dito, não deve julgar conforme o desejo da maioria, não pode ficar inerte diante de violações de direito ou ameaças de lesões aos direitos fundamentais.
A atuação do magistrado, também venho afirmando, não é política, mas constitucional, a quem o Estado outorga o dever de proteger os direitos fundamentias, ainda que tenha que decidir contrariando a maioria.
O juiz imparcial e que verdadeiramente desempenha sua função ( de garantidor), deve estar acima de qualquer pressão ou manipulação política.
O juiz deve ser alguém que realmente tenha condições de formar a sua livre convicação, sem pressão de quem quer que seja; mesmo que seja a opinião pública.