VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Foi sempre assim; e assim, tudo indica, sempre será.

Explico. O legislador ordinário imagina, por oportunismos e outras coisas mais – e muitos como ele também imaginam – que se resolve o problema da criminalidade editando leis.

Eu diria, numa linguagem popular, inobstante, que o buraco é mais embaixo; muito mais embaixo mesmo, pois ninguém resolve a criminalidade num passe de mágica, editando leis mais draconianas, por exemplo.

Não é tão simples assim; fosse isso, já teríamos feito refluir os índices alarmantes de criminalidade; e olhem que falo apenas dos crimes noticiados ou aqueles que as vítimas se predispõem a denunciar.

Nesse panorama, eu poderia, aqui e agora, mencionar vários exemplos de que tudo isso é um engodo. Todavia, por óbvio, sendo o espaço de reflexão diminuto, isso não seria possível, motivo pelo qual deter-me-ei apenas na questão da violência contra a mulher, em face dos graves episódios que têm sido veiculados na imprensa.

Inicialmente anoto que as Leis Maria da Pena e do Feminicídio, conquanto sejam textos distintos, eles se complementam, porque ambos buscam a proteção da mulher.

A Lei Maria da Penha é de 2006, e tem como escopo a proteção da mulher vítima de violência doméstica, antessala do feminicídio. Como era de se esperar, a lei em comento não evitou e nem fez refluir a violência doméstica, e as mulheres, com efeito, continuam a ser vitimizadas pelas ações nefandas dos machistas de plantão.

Essa mesma lei prevê uma rede de proteção à mulher para ajudá-la a sair da situação de violência, o que, reconhecemos, foi um grande avanço, mas, ainda assim, sem os resultados que todos almejamos.

A verdade é que, apesar da lei, apesar dos esforços feitos pelas agências de controle, a violência contra a mulher ainda é uma chaga, o que deixa entrever, como anotei acima, que não basta a mudança da legislação. É preciso, ao lado da mudança da legislação, uma mudança de mentalidade, sobre o que me deterei no final desse artigo.

Em 2015, veio a Lei do Feminicídio, que qualificou o crime de homicídio contra a mulher, preconizando penas mais graves. Para que o leitor não versado em matéria de Direito compreenda as consequências da nova lei, enquanto para um homicídio simples há previsão de pena privativa de liberdade de 06 a 20 anos, para o feminicídio a punição em abstrato passou a ser de 12 a 30 anos.

Contudo, pergunta-se: a exacerbação da pena fez refluir os crimes contra a mulher?

Os números falam por si sós?

A verdade, como anotado acima, é que não basta a edição de uma lei, com penas mais exacerbadas, para se fazer retroceder a criminalidade, como comprova qualquer estudo que objetive a compreensão do fenômeno.

Como adiantei acima, é preciso muitos mais para fazer refluir os crimes contra a mulher. É preciso uma mudança cultural radical, que, sabemos, não ocorre do dia para a noite.

Para essa mudança cultural, tenho dito, os padrões de masculinidades devem ser enfrentados, mas não só perante as instituições públicas.

Essa mudança de mentalidade, não tenho dúvidas, deve começar no ambiente familiar, pois, conforme indicam as estatísticas, filhos criados em ambientes que estimulam a prática de violência e de menosprezo à mulher tendem a adotar a mesma atitude como padrão.

Ademais, o homem autoritário, incapaz de admitir a sua própria fragilidade, forjado à luz de estereótipos do tipo homem que é homem não chora ou do tipo incapaz de uma manifestação de carinho, com receio de que um simples gesto de amor lhe apequene a masculinidade, tende a encarar a violência, o desapreço pela mulher como algo normal.

É preciso romper com a masculinidade tóxica, perversa, arrogante e destruidora das relações. O homem, com efeito, não tem que se esconder para chorar, não tem que ter receio de mostrar que ama, que reconhece e prestigia as virtudes daquela que escolheu para ser companheira na construção de sua história.

Atitudes que tais não fragilizam o homem; antes, o tornam mais humano, e introduzem nele bons pensamentos, dos quais resultam boas ações.

Da mesma forma, é preciso investir nos afetos, criar um ambiente familiar onde não sejam incomuns as manifestações de carinho e de apreço. Em ambientes assim forjados, creio, não há espaço para violência.

Ao reverso de tudo isso, um ambiente familiar onde preponderam as idiossincrasias do homem, no qual ele invoca para si o direito de decidir sobre os destinos da mulher e dos filhos, tende a ser propício a vicejar o vírus da discórdia e, por via reflexa, da violência, porque o homem que chama para si tamanha autoridade jamais suportará ser contrariado. E nesse ambiente, não há lei que resolva o problema da violência doméstica que, muitas vezes, antecede o feminicídio.

É preciso, repito, expungir, enfrentar a masculinidade exacerbada que, paradoxalmente, forja o homem inseguro e violento.

A verdade é que, nem a lei Maria da Pena e nem a exacerbação da pena em face dos crimes contra a mulher serão capazes de fazer refluir a criminalidade e a violência contra essa mesma mulher, se o homem não mudar a sua mentalidade, mentalidade corrompida e tacanha que o faz pensar que a mulher não seja mais que um objeto para ser usado como bem lhe aprouver.

É preciso, repito, uma mudança de mentalidade, que começa, necessariamente, no ambiente familiar.

É isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.