Defensor Dativo. Prazo em dobro?

No agravo regimental que publico a se seguir, cuidei da questão acerca do prazo em dobro para os defensores dativos, em face do preconizado em relação aos Defensores Públicos.

Em determinado momento, anotei:

“[…]Os defensores dativos, como já explicitamos, são nomeados pelos juízos para patrocinarem a defesa dos acusados hipossuficientes, exercendo um mister análogo àquele legalmente conferido aos Defensores Públicos.

Em consequência dessa similaridade de atribuições, muitas linhas interpretativas surgiram em relação às eventuais prerrogativas expressamente previstas aos Defensores Públicos, extensíveis aos defensores dativos. Com efeito, a controvérsia subjacente à matéria relaciona-se a dois pontos essenciais: intimação pessoal e prazo em dobro[…]”.

Mais adiante, arrematei, a propósito do prazo em dobro:

“[…]Sob outra perspectiva, a prerrogativa de prazo em dobro, ao contrário do que aduz o agravante, não se estende aos defensores dativos[…]”.

A seguir, o voto, por inteiro:

Continue lendo “Defensor Dativo. Prazo em dobro?”

A falibilidade da prova testemunhal, na prática

_______________________________________________________

“[…]A essas alturas, repito, em face do que tinha narrado o  reconhecedor,  em seu depoimento, nas duas oportunidades nas quais fora ouvido,  eu não tinha nenhuma dúvida de que não hesitaria em apontar o acusado como autor do crime. Para minha surpresa, entretanto, a testemunha apontou, sem titubeio, o motorista do advogado como autor do fato. É dizer:não reconheceu o verdadeiro autor do crime[…]”

José Luiz Oliveira de Almeida

________________________________________________

Não é minha intenção aprofundar o exame da complexa questão acerca da prova testemunhal, já dissecada, a  mais não poder, por ilustrados juristas. Pretendendo, tão somente, narrar um fato, fruto da minha experiência enquanto magistrado, para reafirmar o que todos sabem: a falibilidade da prova testemunhal.

Pois bem. Certo feita, conduzindo uma audiência de instrução, em face de um crime de roubo, decidi formalizar  o reconhecimento do autor do fato, vez que o crime, pelo que continha nos autos, tinha efetivamente ocorrido.  Provada, pois, a existência do crime, faltava, agora, a legitimar  uma decisão de preceito sancionatório, identificar o autor do fato, tarefa que imaginei de fácil desate.

A vítima, em face mesma das circunstâncias do crime ( emprego de arma de fogo, ameaças,  etc), não teve condições de reconhecer o autor do fato, que, registro, estava preso.

Diante do titubeio da vítima, a mim só me restava apelar para o reconhecimento pela testemunha presencial do crime, que, ao que tudo estava a indicar, não teria dúvidas acerca da autoria, vez que estava próxima dos acontecimentos, tendo, inclusive, auxiliado na prisão do autor fato.

Para mim, bastava, agora,  partir para a formalização do reconhecimento, que, desde meu olhar, repito, seria inevitável, em face do que já tinha sido produzido em termos de provas. Para essa finalidade, convidei  pessoas que estavam no corredor do Forum, dentre elas o motorista de um advogado, que passava  nas imediações. Perfilados  o  autor do fato e os  cidadãos que escolhi, com as devidas cautelas,  levei a testemunha  para a minha sala, fazendo-me acompanhar pelo Promotor de Justiça e do  advogado do acusado, para que apontasse,  por uma abertura mínima da porta que ligava meu gabinete à sala de audiência,  o autor do fato.

A essas alturas, repito, em face do que tinha narrado o  reconhecedor,  em seu depoimento, nas duas oportunidades nas quais fora ouvido,  eu não tinha nenhuma dúvida de que não hesitaria em apontar o acusado como autor do crime. Para minha surpresa, entretanto, a testemunha apontou, sem titubeio, o motorista do advogado como autor do fato. É dizer:não reconheceu o verdadeiro autor do crime.

Não preciso dizer o quanto fiquei desapontado. Mas não surpreso, pois, ao longo dos anos, acostumei-me com a falibilidade da prova testemunhal.

É claro que, sem que fosse reconhecido o autor do fato e tendo ele negado a autoria do crime, a sua absolvição era de rigor.

(Re)visitando a história

Há passagens da história que precisam ser revisitadas, sobretudo quando são exemplares.

No caso específico do Brasil, quando mais leio acerca do tratamento que D. Pedro dispensava a Dona Leopoldina, mais me convenço do quanto foi covarde, no particular.

D. Lepoldina, todas sabem, foi abandonada, vilipendiada, maltratada e submetida a situação de pobreza pelo nosso Imperador, que vivia um romance tórrido com a Marquesa de Santos.

Da última carta que D. Leopoldina enviou para sua irmã, Maria Luisa, ditada no seu leito de morte, apanho o seguinte excerto:

“Minha adorada mana. Reduzida aos mais deplorável estado de saúde e chegada ao último ponto de minha vida, no meio dos maiores sofrimento, terei também a desgraça de não poder eu mesmo explicar-vos todos aqueles sentimentos que há tanto tempo existiam impressos na minha alma. Minha mana! Não tornarei a ver! Não poderei outra vez repetir que vos amava e adorava. Pois já não posso ter esta tão inocente satisfação, igual a tantas outras que permitidas me não são, ouvi o grito da vítima que vós reclama não vingança, mas piedade e socorro de fraternal afeto para inocentes filhos que órfãos vão ficar em poder de pessoas que foram autores de minhas desgraças, reduzindo-me ao estado em que me acho, de ser obrigada a servir-me de intérprete para fazer chegar até vós os últimos rogos da minha aflita alma.

Há quase quatro anos, minha adorada mana, como vos tenho escrito, que por amor a um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado de maior escravidão e totalmente esquecida do meu adorado Pedro. Ultimamente acabou de dar-me a última prova de seu total esquecimento, maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças. Muito muito tenho a dizer-vos, mas me faltam as forças para me lembrar de tão horroroso atentado que será sem dúvida a causa da minha morte”

Alguns historiadores registram que o atentado a que se refere D. Leopoldina foram pontapés que recebera de D. Pedro, estando grávida. Mas não há testemunhas desse fato, razão pela qual não se pode afirmar, com certeza, que essas agressões tenham ocorrido, efetivamente.

A imperatriz morreu às dez e quinze da manhã de 11 de dezembro de 1826.

José Bonifácio, do exílio, escreveu a um amigo, a propósito da morte de D. Leopoldina:

A morte da imperatriz me tem penalizado assaz. Pobre criatura! Se escapou ao veneno, sucumbiu aos desgostos”

Sapatos furados

A minha história de vida se confunde com a história de muitos que, como eu, tiverem que superar dificuldades para vencer na vida. Lembro, por exemplo, que meus pais compravam sapatos (bem) maiores que a pontuação recomendada, ao argumento de que estávamos ( eu e meus irmãos) crescendo e que, assim, os sapatos serviriam por mais tempo. Em face do desconforto propiciado pela pontuação excessiva dos meus sapatos, eu colocava jornal nas pontas, para tentar ajustá-los aos pés. Mesmo assim, eu andava e os sapatos teimavam em sair dos pés, me compelindo a, com os dedos, tentar segurá-los, para que as pessoas não dessem conta do desconforto. Alguns colegas, os mais gozadores, davam-se conta da desproporção dos meus sapatos, e os apelidavam de sapatos de palhaço. Não preciso dizer do quanto isso me incomodava.

O mais grave, além do desconforto propiciado pelo tamanho dos sapatos, é que eles furavam antes de se ajustavam aos meus pés, fazendo cair por terra o argumento de que, por serem maiores, durariam muito mais, a justificar o desconforto a mim infligido.

Quando os sapatos furavam, não tinha alternativa: eu os forrava com papelão; papelão que não suportava a primeira chuva, sobretudo quando eu decidia voltar para casa a pé ( eu morava no Monte Castelo, em frente ao cinema) para, com o dinheiro da passagem, comprar manuê, de dona Martinha, que servia na cantina do colégio José Augusto Correa, onde fiz todo o primário, e que ficava por trás do ginásio Costa Rodrigues.

Essas lembranças me vieram a propósito das lembranças de Evaristo de Moraes, cujo excerto publico a seguir, a guisa de ilustração.

“…eu caminhava, todo dia da Hadock Lobo até o fim da Rua Primeiro de Março, onde está o Mosteiro de São Bento. Quando nas mãos me caía um níquel de duzentos réis,eu ficava sem saber se devia gastá-lo numa empada para merendar e voltar a pé para casa, ou devia voltar de bonde para casa e ficar sem merenda”.

Mais adiante:

“…quando chovia voltava com os sapatos encharcados. Minha mãe ia pô-los ao fogo para secar. Secavam aparentemente. E no dia seguinte, pela manhã, eu que só tinha aqueles, calçava-os de novo e lá vinha com a umidade dos pés por essa imensa extensão que vai da Hadock Lobo ao Mosteiro. Isso durante quatro anos seguidos, de 1883 a 87.

Não sou capaz de descrever quantas vezes coloquei para secar o meu único par de sapatos, e nem quantas vezes sequei o meu único par de meias pretas enrolando-as numa toalha de banho e torcendo até que ficassem apenas úmidas.