Defensor Dativo. Prazo em dobro?

No agravo regimental que publico a se seguir, cuidei da questão acerca do prazo em dobro para os defensores dativos, em face do preconizado em relação aos Defensores Públicos.

Em determinado momento, anotei:

“[…]Os defensores dativos, como já explicitamos, são nomeados pelos juízos para patrocinarem a defesa dos acusados hipossuficientes, exercendo um mister análogo àquele legalmente conferido aos Defensores Públicos.

Em consequência dessa similaridade de atribuições, muitas linhas interpretativas surgiram em relação às eventuais prerrogativas expressamente previstas aos Defensores Públicos, extensíveis aos defensores dativos. Com efeito, a controvérsia subjacente à matéria relaciona-se a dois pontos essenciais: intimação pessoal e prazo em dobro[…]”.

Mais adiante, arrematei, a propósito do prazo em dobro:

“[…]Sob outra perspectiva, a prerrogativa de prazo em dobro, ao contrário do que aduz o agravante, não se estende aos defensores dativos[…]”.

A seguir, o voto, por inteiro:

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 19 de outubro de 2010

Nº Único: 0000773-46.2010.8.10.0000

Agravo Regimental Nº. 030920-2010 – São Luís-MA.

Agravante : H. de R. A.
Advogado : P. A. do C. G.
Agravado : Ministério Público Estadual
Incidência Penal : Art. 121, § 2º, c/c art. 14, II, todos do CPB.
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº………………

Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. DEFENSOR DATIVO. INTIMAÇÃO PESSOAL. EXIGÊNCIA LEGAL. PRAZO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. RECRUSO CONHECIDO E IMPROVIDO. UNANIMIDADE.

1. A prerrogativa processual de prazo em dobro não se estende aos defensores dativos nomeados pelo juízo, sendo restrita aos membros da Defensoria Pública, e dos advogados integrantes de serviços de assistência jurídica mantidos, organizados e oferecidos pelos entes políticos estatais.

2. Os defensores dativos devem ser pessoalmente intimados para a prática de atos processuais, sob pena de nulidade. Inteligência do art. 370, § 4º, do CPP. Precedentes do STF e do STJ.

3. Agravo Regimental conhecido e improvido.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os autos do presente Embargos de Declaração em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal, por unanimidade, em conhecer o presente agravo, mantendo, in totum, a decisão de intempestividade dos embargos de declaração, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida (Relator), Antonio Fernando Bayma Araújo (Presidente) e Raimundo Nonato Magalhães Melo. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Maria dos Remédios Figueiredo Serra.

São Luís, 19 de outubro de 2010.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araujo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Agravo Regimental Nº. 030920-2010 – São Luís-MA

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de agravo regimental contra a decisão de fls. 362, que negou seguimento ao recurso de embargos de declaração interpostos, intempestivamente, às fls. 358/360, apontando contradição no acórdão de fls. 342/354.

Relata a defesa do agravante que, muito embora a decisão ora fustigada tenha considerado intempestivos os embargos declaratórios outrora opostos às fls. 358/360, argumenta, por outro lado, que detém a prerrogativa de prazo em dobro, por ser defensor dativo, reputando, assim, tempestiva a interposição recursal retro, em 04 (quatro) dias após a sua intimação.

Requer o provimento deste agravo regimental, para que os embargos declaratórios opostos às fls. 358/360 sejam conhecidos e regularmente processados.

Os autos vieram-me conclusos.

É o sucinto relatório.

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade do presente agravo regimental, dele conheço.

Ao que colho das razões recursais, o agravante pretende dar seguimento aos declaratórios opostos às fls. 358/360, argumentando, em essência, que está exercendo o munus público de defensor dativo, o que lhe confere a prerrogativa de prazo em dobro.

Entretanto, em que pese os respeitáveis argumentos alinhavados no presente agravo regimental, não me restaram suficientemente seguros a conceder o provimento pretendido.

De fato, é consabido que o defensor dativo exerce um mister da mais alta relevância para a prestação da tutela jurisdicional, sobretudo na seara processual penal, na qual a defesa técnica é inafastável, de absoluto rigor, e jamais pode ser negligenciada, possibilitando ao magistrado, inclusive, de ofício, determinar a substituição do causídico, quando observar a total insubsistência da defesa técnica.

Sob um enfoque social, a praxe forense nos mostra que expressiva parcela dos acusados em processos criminais são pessoas hipossuficientes, desprovidas de recursos para custear a contratação de um advogado, e as despesas do processo, o que corrobora a relevância de seu papel.

Pois bem.

Os defensores dativos, como já explicitamos, são nomeados pelos juízos para patrocinarem a defesa dos acusados hipossuficientes, exercendo um mister análogo àquele legalmente conferido aos Defensores Públicos.

Em consequência dessa similaridade de atribuições, muitas linhas interpretativas surgiram em relação às eventuais prerrogativas expressamente previstas aos Defensores Públicos, extensíveis aos defensores dativos. Com efeito, a controvérsia subjacente à matéria relaciona-se a dois pontos essenciais: intimação pessoal e prazo em dobro.

Quanto ao primeiro ponto, embora não questionado nas razões recursais, reputo conveniente consignar que a controvérsia outrora existente foi definitivamente resolvida, com o advento da Lei n. 9.271/96, que acrescentou o § 4º, no art. 370, do CPP, litteris:

Art. 370. Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que devam tomar conhecimento de qualquer ato, será observado, no que for aplicável, o disposto no Capítulo anterior.

§ 4o A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal.

(Sem destaques no original).

Com efeito, o STJ já assentou:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APELAÇÃO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO. LEI Nº 7.871/89.

I – O defensor dativo não exerce cargo equivalente ao de defensor público, mas sim de advogado nomeado para patrocinar uma determinada causa.

II – A intimação pessoal do defensor dativo só passou a ser necessária após o advento da Lei nº 9.271/1996, que deu a redação do §4º do art. 370, CPP.

III – O § 5º do art. 5º da Lei nº 1.060/50, por sua vez, teve sua redação determinada pela Lei nº 7.871/89, e refere-se especificamente ao Defensor Público ou a quem exerça cargo equivalente.

IV – A norma de Direito Processual Penal, em princípio, tem aplicação imediata e não retroage. Princípio do tempus regit actum.

Writ denegado.[1]

(Sem destaques no original).

No mesmo direcionamento, o STF:

EMENTA Habeas corpus. Constitucional e processual penal. Obrigatoriedade de intimação pessoal dos defensores dativos. A falta de intimação pessoal gera nulidade absoluta. Precedentes da Corte. 1. A tese do impetrante está em perfeita sintonia com a jurisprudência desta Suprema Corte, segundo a qual “a prerrogativa de intimação pessoal dos defensores de réus de ação penal é inerente aos defensores dativos, por força do art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal, e decorrente da própria Constituição, que assegura o direito à ampla defesa em procedimento estatal que respeite as prerrogativas do devido processo legal (…). A falta de intimação pessoal do defensor dativo qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta, sendo desnecessária a comprovação, nesta hipótese, do efetivo prejuízo para que tal nulidade seja declarada” (HC nº 98.802/GO, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 27/11/09). 2. Habeas corpus concedido.[2]

(Sem destaques no original).

Sob outra perspectiva, a prerrogativa de prazo em dobro, ao contrário do que aduz o agravante, não se estende aos defensores dativos.

Na esteira de precedentes do Supremo Tribunal Federal:

1. Recurso extraordinário inadmitido. 2. Agravo de instrumento improvido. 3. Defensor dativo. Inaplicabilidade das prerrogativas processuais da Lei n.º 1.060/50, art. 5º, § 5º, com a redação que lhe deu a Lei n.º 7.871/89, c/c a Lei Complementar n.º 80/94, art. 44, I; art. 89, I, e art. 128, I: intimação pessoal e prazo em dobro, que se estendem, apenas, aos Defensores Públicos e aos agentes estatais, que, no âmbito de uma estrutura de assistência judiciária organizada e mantida pelo Poder Público, desempenhem os encargos institucionais a que se refere o art. 134 da Constituição Federal. 4. Súmula 599. São incabíveis embargos de divergência de decisão de Turma em agravo regimental. No mesmo sentido, o disposto no art. 546, II, do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n.º 8 .950, de 13.12.1994. 5. Agravo regimental não conhecido, por intempestivo.[3]

(Sem destaques no original).

No mesmo sentido:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. PRAZO. ALEGAÇÃO DE QUE O PRAZO, PARA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO, DEVERIA TER SIDO CONTADO EM DOBRO (COMO OCORRE COM O DEFENSOR PÚBLICO), POR SE TRATAR DE DEFENSOR DATIVO. 1. Não comprovou o signatário do Recurso Extraordinário, do Agravo de Instrumento e do Agravo agora em julgamento que haja atuado no processo como Defensor dativo do réu, ora agravante. Ao contrário: consta dos autos cópia da procuração, que este lhe outorgou. Portanto, como Defensor constituído. Sendo assim, não lhe assiste o alegado direito ao prazo em dobro. 2. E mesmo que houvesse atuado como Defensor dativo, não faria jus a esse privilégio, como já decidiu a Primeira Turma, no H.C. n 75.416 (DJU de 21.11.97, p. 60.587), pois só é outorgado ao Defensor Público ou a quem exerça cargo público equivalente. Não é o caso dos autos, pois o próprio signatário do Agravo afirmou que foi nomeado para a função, pelo Juiz. E, aliás, sem qualquer comprovação. 3. Agravo improvido.[4]

(Sem destaques no original).

Na mesma alheta, em recente julgado, a Corte Suprema reiterou o entendimento:

1. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRIMINAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTEMPESTIVO. DEFENSOR DATIVO. PRAZO EM DOBRO E INTIMAÇÃO PESSOAL. IMPOSSIBILIDADE. É intempestivo o recurso extraordinário que não observa o prazo estabelecido no artigo 508 do CPC. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.[5]

(Sem destaques no original).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça trilha o mesmo norte:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. PRAZO. REVISÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO DA DATA DESIGNADA PARA O JULGAMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE.

I – É intempestivo o recurso especial interposto pela parte fora do prazo legal de 15 (quinze) dias, ex vi do art. 26 da Lei nº 8.038/90.

II – O defensor dativo não possui o benefício do prazo em dobro previsto na Lei nº 1.060/50 que regula a assistência judiciária gratuita (Precedentes).

III – A teor dos artigos 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50 e 370, § 4º, do CPP, a intimação do defensor público ou dativo deve ser pessoal, sob pena de nulidade absoluta por cerceamento de defesa. A falta dessa intimação enseja a realização de novo julgamento (Precedentes).

Recurso especial não conhecido.

Habeas corpus concedido de ofício para anular o julgamento da revisão criminal, devendo outro ser realizado com a prévia intimação pessoal do defensor dativo.[6]

(Sem destaques no original).

Observo, outrossim, que o julgado que serviu de fundamento ao presente recurso é de 1994, e está em descompasso com o atual posicionamento dos pretórios superiores, conforme demonstramos linhas acima.

Desta forma, não merecem guarida os argumentos expostos pelo agravante, de modo que mantenho a decisão ora combalida, pelos seus próprios fundamentos.

Ao lume das considerações supra, conheço do presente agravo regimental, para, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo, in totum, a decisão de fls. 362.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 19 de outubro 2010.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


[1] HC 32.874/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 17/08/2004, DJ 20/09/2004 p. 310.

[2] HC 101715, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 09/03/2010.

[3] (AI 153928 AgR-ED-ED-EDv-AgR, Relator(a):  Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2001, DJ 13-06-2003 PP-00009 EMENT VOL-02114-03 PP-00576)

[4] (AI 324408 AgR, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 28/08/2001, DJ 22-03-2002 PP-00055 EMENT VOL-02062-06 PP-01270).

[5] (AI 763176 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 15/09/2009, DJe-191 DIVULG 08-10-2009 PUBLIC 09-10-2009 EMENT VOL-02377-14 PP-02949).

[6] REsp 896.362/MG, Rel. Ministro  FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2007, DJ 20/08/2007 p. 305.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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