Direito à nomeação

Notícias STF
Quarta-feira, 10 de Agosto de 2011

O Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a um Recurso Extraordinário (RE) do Mato Grosso do Sul questiona a obrigação da administração pública em nomear candidatos aprovados dentro no número de vagas oferecidas no edital do concurso público. A decisão ocorreu por unanimidade dos votos.
O tema teve repercussão geral reconhecida tendo em vista que a relevância jurídica e econômica da matéria está relacionada ao aumento da despesa pública. No RE se discute se o candidato aprovado em concurso público possui direito subjetivo à nomeação ou apenas expectativa de direito.
O estado sustentava violação aos artigos 5º, inciso LXIX, e 37, caput e inciso IV, da Constituição Federal, por entender que não há qualquer direito líquido e certo à nomeação dos aprovados, devido a uma equivocada interpretação sistemática constitucional. Alegava que tais normas têm o objetivo de preservar a autonomia da administração pública, “conferindo–lhe margem de discricionariedade para aferir a real necessidade de nomeação de candidatos aprovados em concurso público”.
Boa-fé da administração
O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que a administração pública está vinculada ao número de vagas previstas no edital. “Entendo que o dever de boa-fé da administração pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas no concurso público”, disse o ministro, ao ressaltar que tal fato decorre do “necessário e incondicional respeito à segurança jurídica”. O STF, conforme o relator, tem afirmado em vários casos que o tema da segurança jurídica é “pedra angular do Estado de Direito, sob a forma da proteção à confiança”.
O ministro relator afirmou que quando a administração torna público um edital de concurso convocando todos os cidadãos a participarem da seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, “ela, impreterivelmente, gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital”. “Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado-administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento”, avaliou.
Dessa forma, segundo Mendes, o comportamento da administração no decorrer do concurso público deve ser pautar pela boa-fé, “tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos”.
Direito do aprovado x dever do poder público
De acordo com relator, a administração poderá escolher, dentro do prazo de validade do concurso, o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, “a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público”
Condições ao direito de nomeação
O ministro Gilmar Mendes salientou que o direito à nomeação surge quando se realizam as condições fáticas e jurídicas. São elas: previsão em edital de número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso; realização do certame conforme as regras do edital; homologação do concurso; e proclamação dos aprovados dentro do número de vagas previstos no edital em ordem de classificação por ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente.
Conforme Mendes, a acessibilidade aos cargos públicos “constitui um direito fundamental e expressivo da cidadania”. Ele destacou também que a existência de um direito à nomeação limita a discricionariedade do poder público quanto à realização e gestão dos concursos públicos. “Respeitada a ordem de classificação, a discricionariedade da administração se resume ao momento da nomeação nos limites do prazo de validade do concurso, disse.
Situações excepcionais
No entanto, o ministro Gilmar Mendes entendeu que devem ser levadas em conta “situações excepcionalíssimas” que justifiquem soluções diferenciadas devidamente motivadas de acordo com o interesse público. “Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da administração de nomear novos servidores, salientou o relator.
Segundo ele, tais situações devem apresentar as seguintes características: Superveniência – eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação de edital do certame público; Imprevisibilidade – a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias à época da publicação do edital; Gravidade – os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; Crises econômicas de grandes proporções; Guerras; Fenômenos naturais que causem calamidade pública ou comoção interna; Necessidade – a administração somente pode adotar tal medida quando não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível.
O relator avaliou a importância de que essa recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada “e, dessa forma, seja passível de controle por parte do Poder Judiciário”. Mendes também salientou que as vagas previstas em edital já pressupõem a existência de cargos e a previsão de lei orçamentária, “razão pela qual a simples alegação de indisponibilidade financeira desacompanhada de elementos concretos tampouco retira a obrigação da administração de nomear os candidatos”.

Ministros

Segundo o ministro Celso de Mello, o julgamento de hoje “é a expressão deste itinerário jurisprudencial, que reforça, densifica e confere relevo necessário ao postulado constitucional do concurso público”. Por sua vez, a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha afirmou não acreditar “numa democracia que não viva do princípio da confiança do cidadão na administração”.
Para o Marco Aurélio, “o Estado não pode brincar com cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil, ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições àqueles que se disponham a disputar um cargo”. “Feito o concurso, a administração pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão”, completou.
EC/AD

Estranheza e perplexidade

AMB divulga nota sobre matéria do Valor Econômico

A AMB manifesta sua estranheza e perplexidade ante o levantamento divulgado por reportagem do jornal Valor Econômico do dia 08/08/2011, sob o título ‘CNJ enfrenta esquemas de corrupção nos Estados’.

Embora reconheça o papel reservado ao Conselho Nacional de Justiça, de controlar a legalidade dos atos administrativos do Poder Judiciário, a Associação dos Magistrados Brasileiros considera que fazer um levantamento e levá-lo à Imprensa, exibindo um mapa da corrupção para acusar o Judiciário, é ofender, de forma genérica, a todos os Juízes brasileiros.

Não há dúvidas de que a magistratura é imprescindível à consolidação dos valores democráticos e sociais e que presta relevantes serviços à democracia e à sociedade brasileira, porém, se há desvios, eles devem ser apurados, e os responsáveis punidos, respeitando-se sempre o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao princípio de presunção de não culpabilidade.

Dedo apontado contra irregularidades, não julgadas em definitivo pelo CNJ, muito menos pelo Supremo, é uma violação que fragiliza o Estado de Direito.
Brasília, 9 de agosto de 2011

Nelson Calandra
Presidente da AMB

Leia nota no site da AMB

Novos conselheiros iniciam suas atividades no CNJ


Seis novos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) assinaram termo de posse na tarde desta terça-feira (09/08) e já participam da 131ª. sessão ordinária do órgão, que acontece logo mais. Foram eles os conselheiros Bruno Dantas, Ney José de Freitas, Fernando da Costa Tourinho Neto, Silvio Luis Ferreira da Rocha, José Guilherme Vasi Werner e Gilberto Valente Martins. A assinatura ocorreu no gabinete do presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso. Durante o ato, o ministro Peluzo destacou que embora simples, a formalização tem caráter significativo para o CNJ e para a continuidade dos trabalhos do Conselho com o mesmo empenho que sempre tem sido observado no órgão. Além dos seis, também integra a nova composição o advogado Jorge Hélio Chaves de Oliveira, que já era conselheiro e foi reconduzido ao cargo (é o único que assinou o termo de posse anteriormente).

Contribuições –
Ao assinarem o termo de posse, os novos conselheiros destacaram o trabalho do CNJ, caso do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª. Região, TRT 9, Ney José de Freitas. “O CNJ trouxe grandes contribuições para a formação do Poder Judiciário. Antes, os tribunais funcionavam como se fossem pequenas ilhas, viviam desconectados entre si e o Conselho deu o sentido de unidade, bem como a missão de planejamento estratégico e de gestão para os órgãos do Judiciário como um todo”, acentuou.

Já o desembargador federal Fernando da Costa Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, TRF 1, ressaltou a importância do Conselho atuar no planejamento estratégico do Judiciário, no acompanhamento do trabalho dos tribunais e também no sentido de tornar mais integrados os órgãos do Judiciário. “É primordial esse papel do CNJ no sentido de integrar todos os tribunais”, afirmou.

Evolução – O conselheiro Sílvio Luis Ferreira da Rocha, juiz federal de São Paulo, por sua vez, enfatizou a evolução do Conselho Nacional de Justiça ao longo de suas gestões desde que foi criado. “Minha expectativa é atuar no CNJ no sentido de contribuir para a magistratura brasileira. O Conselho atua como órgão nacional do Judiciário e tem o papel de se tornar interlocutor para promover a melhoria de todos os tribunais que integram a Justiça no país”, frisou.

Além dos que iniciam os trabalhos no CNJ daqui por diante, outros cinco conselheiros indicados para a nova composição foram sabatinados e aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. Aguardam, entretanto, a aprovação dos seus nomes pelo plenário daquela Casa legislativa, o que está previsto para os próximos dias.

Permanecem na composição do CNJ o presidente, ministro Cezar Peluso; a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon; e o conselheiro Marcelo Nobre, cujo mandato tem continuidade.

Hylda Cavalcanti
Agência CNJ de Notícias

Caso Zaffaroni

Juízes saem em defesa de Eugênio Zaffaroni

Por Marina Ito

A Rede Latino-Americana de Juízes, presidida pelo juiz brasileiro José Eduardo de Resende Chaves Junior, divulgou nota repudiando o que chamou de “incessante e sistemática campanha de desprestígio” contra o ministro Raúl Eugenio Zaffaroni, da Corte Suprema de Justiça de La Nación — a Suprema Corte da Argentina. Considerado um dos maiores penalistas do mundo, Zaffaroni foi envolvido em um escândalo depois que jornais argentinos informaram que apartamentos de sua propriedade, em Buenos Aires, eram alugados e usados para prostituição.

“Está se assistindo a uma exacerbada quantidade de ofensas contra o magistrado, amparada em uma suposta ‘pretensão de moralidade’, sem respeito de sua investidura e sem interesse por escutar as explicações que possa dar no âmbito institucional”, diz a nota. A Rede Latino-Americana de Juízes também ressalta a importância de Zaffaroni na área do Direito Penal e Criminologia. “Contar com sua presença na Corte Suprema de Justiça da Argentina, há relativamente poucos anos, constitui um valor de qualidade institucional de enorme transcendência”, completa a declaração.

As acusações surgiram depois que o nome de Zaffaroni passou a ser citado como provável vice da presidente Cristina Kirchner que disputará a reeleição em outubro. Em defesa do respeitado juiz, na última semana, juízes, advogados, defensores, promotores e o meio acadêmico brasileiros estão se mobilizando para elaborar uma lista de apoio a Zaffaroni. O juiz Martín Vázquez Acuña, de Buenos Aires, pediu a seus colegas brasileiros auxílio para o recolhimento de uma lista de apoio para ser lida em um ato desagravo que pode acontecer ainda esta semana na capital argentina.

Na lista, que já conta com mais de 100 nomes, estão desde operadores jurídicos como instituições brasileiras. O Instituto dos Advogados Brasileiros foi um dos que aderiram à manifestação de apoio. No Rio de Janeiro, pelo menos três desembargadores que julgam em câmaras criminais já assinaram a lista: Geraldo Prado, Sérgio Verani e Nildson Araújo.

De acordo com o jornal La Nación, Zaffaroni negou, como havia sido ventilado, que fosse apontado como possível vice da atual presidente e candidata à reeleição Cristina Kirchner. Em 2003, foi o ex-marido de Cristina, Nestor Kirchner, quem indicou o jurista para ser juiz da Corte Suprema de Justiça.

Zaffaroni foi juiz de alçada na capital argentina. Nos anos 90, dirigiu o Instituto Latino-Americano de Prevenção do Crime, das Nações Unidas, onde ficou por dois anos. Também foi deputado constituinte em Buenos Aires e interventor no Instituto Nacional de Luta contra Discriminação. Exerceu a advocacia também por mais de dois anos até ser nomeado para a mais alta Corte da Argentina. Os juízes brasileiros solidários a Zaffaroni entendem que a motivação dos ataques ao respeitado jurista é meramente política e que o objeto da acusação contra ele nada tem a ver com a sua atividade jurisdicional.

“Para além da fragilidade dos ataques midiáticos, a história de lutas do professor Zaffaroni em defesa dos direitos humanos na América Latina, por si só, já justificaria os movimentos que são feitos em sua defesa”, diz o juiz Rubens Casara, do Rio de Janeiro. Além dele, já assinaram a lista os juízes André Nicollit e Marcos Peixoto, os defensores públicos Denis Sampaio e Maria Ignez Baldez Kato, o Movimento da Magistratura Fluminense pela Democracia e o Instituto de Estudos Criminais do Estado do Rio de Janeiro.

No Rio Grande do Sul, houve adesão do desembargador Amilton Bueno de Carvalho, a defensora pública Cleusa Trevisan, a Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado, a Escola Superior de Advocacia da OAB-RS, a Associação dos Advogados Criminalistas do Rio Grande do Sul e Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais do estado.

Da parte acadêmica, ofereceram o apoio, entre outros, Juarez Cirino dos Santos, Julita Lemgruber, Vera Regina Andrade, Ana Lucia Sabadel, Joel Correa de Lima, Márcia Dinis, Augusto Jobim do Amaral, Cezar Roberto Bitencourt, Diogo Malan,Gilson Bonato, Luis Guilherme Vieira, Victória-Amália Sulocki.

Capturada no Consultor Jurídico

Sinto um enorme vazio

Há  alguns dias estou me sentindo só – e triste -,  em que pese cercado das pessoas – poucas – que amo e que me amam.

Há quase um ano, estando em São Paulo, no Congresso Internacional de Direito Penal, promovido pelo IBCCRIM, tive a oportunidade de, contraditoriamente,  refletir acerca da minha solidão, malgrado estivesse convivendo com vários colegas do Brasil  – e do mundo -,  e estivesse na maior cidade da América do Sul, com tudo de bom – e de ruim – que ela tinha – e tem – a oferecer.

É que, muitas vezes, mesmo  acompanhado de várias pessoas, ainda assim me sinto só, como estou me sentido há alguns dias, depois que me “arrancaram” um “bem” precioso na minha vida; preciosidade que só me dei conta da magnitude  quando perdi – para sempre, registro.

A verdade é que  não estou suportando  a solidão decorrente da perda que me foi inflingida.

Ela, a solidão, dilacera meu coração.

Eu preciso, eu necessito estar acompanhado das pessoas, das coisas que amo.

Um  bicho de estimação, se me falta,  se dele me afastam abruptamente, provoca em mim uma lacuna,  um aperto no coração que não sou capaz de traduzir em palavras.

A verdade é que, dentro de mim,  há um enorme vazio – e um coração dilacerado, impregnado de saudade.

Parece que tiraram um pedaço de mim.

Não vou entrar em detalhes, pois muito decerto não entenderiam.


Peluso defende sigilo em investigações contra juízes

Do Consultor Jurídico

Em pouco mais de dois anos de inspeções realizadas nos estados, o Conselho Nacional de Justiça descobriu que desvios de verbas, vendas de sentenças, contratos irregulares, nepotismo e favorecimento na liberação de precatórios são problemas que acontecem no Judiciário de todas as regiões do país, conforme conta série de reportagens especiais de Juliano Basile e Maíra Magro, doValor Econômico. Em apuração que durou mais de quatro meses, a reportagem constatou que há desde tribunais que usam dinheiro público para contratar serviços de degustação do café tomado pelos juízes, como no Espírito Santo, até saques de milhões em sentenças negociadas pelos próprios magistrados, a exemplo do Maranhão, que chegou a penhorar R$ 1,9 milhão.

Entrevistado pelo Valor, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, disse que os magistrados que cometem irregularidades devem ser punidos, mas sem estardalhaço. Ele se disse indignado com as infrações cometidas, mas defendeu sigilo nas investigações. Se o nome dos investigados for divulgado antes da conclusão das apurações, haveria um pré-julgamento, na opinião de Peluso (leia no final do texto a entrevista na íntegra).

Para o ministro, o sigilo nas investigações é uma forma de respeitar a intimidade e a dignidade das pessoas. O resultado pode se tornar público, afirma. “Usar o procedimento de apuração e a punição dos juízes para criar uma comoção me parece absolutamente injustificado e contrário à dignidade das pessoas. Se réu a gente tem que tratar bem, por que os juízes têm que sofrer um processo de exposição pública maior que os outros? O interesse da sociedade é que os juízes sejam punidos, ponto final”, declarou.

Questionado sobre os desvios cometidos por juízes, respondeu que estes também são seres humanos, sujeitos a falhas. No entanto, defende que o juiz deve ser um modelo para a sociedade.

Falha humana
A reportagem do Valor revelou casos de desvios nos tribunais. Enquanto no Espírito Santo, o CNJ encontrou servidores exonerados que ainda recebiam 13º salário, no Ceará o Tribunal de Justiça contratou advogados para trabalhar nos gabinetes dos desembargadores. Em Fortaleza, ao menos 21 profissionais liberais estavam contratados pelo TJ. Já em Mato Grosso, dois juízes foram aposentados depois de desviar R$ 1,5 milhão para cobrir prejuízos de uma loja maçônica. Houve ainda o caso da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região (Ajufer), no Distrito Federal. Um dos juízes usava o nome de outros juízes para fazer empréstimos bancários para a entidade. Sem saber, juízes se endividaram em centenas de milhares de reais.

Das 3,5 mil investigações em curso no CNJ, pelo menos 630 envolvem magistrados. Entre abril de 2008 até dezembro de 2010, o Conselho condenou juízes em 45 oportunidades. Em 21 deles, foi aplicada a pena máxima: o juiz é aposentado, mas recebe salário integral. Simplesmente para de trabalhar.

Investigações deficientes
A apuração de desvios cometidos por juízes é função das corregedorias dos tribunais. Mas, como são formadas pelos próprios desembargadores, elas nem sempre funcionam. O CNJ revela que, desde outubro de 2008, em diversos estados os processos contra juízes demoram e muitos acabam arquivados por decurso de prazo. Alguns passam de mão em mão até prescrever, e outros levam anos no gabinete de um só desembargador, como noticia reportagem do Valor Econômico.

No Ceará, por exemplo, um processo foi aberto em 2002 e arquivado sete anos depois sem que nenhum dos responsáveis pela apuração tivesse se manifestado. Em 2005, estava pronto para ser julgado, mas foi redistribuído para outro relator. Ficou parado até 2009, quando prescreveu.

Em Manaus, o CNJ descobriu que os autos de uma sindicância envolvendo acusação de fraude na distribuição de processos foram furtados. O Conselho também encontrou processos disciplinares parados por mais de dois anos no gabinete da Presidência, além de dezenas na Corregedoria-Geral de Justiça. Algumas representações estavam nas mãos de desembargadores já aposentados.

A maioria dos tribunais acusados de irregularidades pelo CNJ, porém, disse já trabalhar para sanar os desvios. O TJ do Espírito Santo afirma que já cancelou o contrato para degustação de café e resolveu os casos de nepotismo.

O presidente do TJ-AL, que assumiu em fevereiro, disse que o pagamento de diárias a juízes está sendo amortizado “rigorosamente dentro dos critérios legais”. O TJ maranhense contou que já resolveu os problemas da tramitação lenta dos processos administrativos contra juízes. As sindicâncias agora são encaminhadas ao pleno.

A seguir, leia a entrevista do ministro Cezar Peluso ao Valor Econômico:

Valor: Como o senhor acha que deve ser combatida a corrupção no Judiciário?
Cezar Peluso: A primeira coisa que devemos ressaltar é que temos que ter paciência para enfrentar isso. Eu gostaria de desfazer essa tentativa preconceituosa de dizer que, como presidente do CNJ, eu ia assumir uma atitude corporativista para evitar a apuração das irregularidades. Preciso historiar um pouco a minha vida pra mostrar como isso é uma falsidade grosseira. Fui juiz da Corregedoria em São Paulo durante dois anos, e fui escolhido por um corregedor que nunca tinha me visto na vida. Eu era encarregado na Corregedoria de cuidar de processos disciplinares contra magistrados. Nós pusemos dez juízes fora da magistratura em dois anos, dois dos quais foram condenados criminalmente, coisa raríssima na história da magistratura do país. Um deles cumpriu pena longa. No fim acabou cometendo um segundo crime que não tinha nada com o exercício da função. Todos esses processos foram preparados por mim.

Valor: E mais recentemente o senhor se deparou com casos de irregularidades na Justiça?
Peluso: Eu fui o relator do inquérito que resultou no recebimento da denúncia contra integrantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de tribunais do Rio de Janeiro e de Campinas (caso envolvendo supostas vendas de sentenças). Processei durante um ano, sigilosamente. Nem os ministros do STF souberam. Esse caso serviu, depois, como base para a decisão do CNJ, que aposentou compulsoriamente magistrados [entre eles, o então ministro do STJ, Paulo Medina]. O CNJ pegou o inquérito e simplesmente aplicou a pena. Usou a prova do processo que eu presidi. Então, essa conversa de que eu sou contra punir juízes é uma conversa fiada e tem interesses ocultos de querer me inibir de tomar posições que eu acho corretas.

Valor: Como o senhor vê desvios cometidos por magistrados?
Peluso: Eu não suporto, como qualquer magistrado responsável, infrações disciplinares de juízes. Eu acho que o juiz tem que ser um modelo. É claro que o juiz é ser humano como qualquer outro. Portanto, estão sujeitos às mesmas falhas, aos mesmos desvios. Mas do ponto de vista ético, a exigência é de o juiz ser o mais perfeito possível. Se ele cometeu desvio, tem que ser punido. Agora, apurar procedimentos irregulares de juízes e punir é uma coisa. Usar o procedimento de apuração e a punição dos juízes para criar uma comoção me parece absolutamente injustificado e contrário à dignidade das pessoas. Se réu a gente tem que tratar bem, por que os juízes têm que sofrer um processo de exposição pública maior que os outros? O interesse da sociedade é que os juízes sejam punidos, ponto final. Se a punição foi aplicada de um modo reservado, apurada sem estardalhaço, o que interessa para a sociedade? A sociedade sabe do resultado, sabe que não há impunidade, e que o sistema pune, acabou.

Valor: O senhor acha que a apuração de irregularidades por juízes deve ser feita de maneira secreta?
Peluso: Eu tenho um ponto de vista pessoal baseado em dois dispositivos da Constituição: o artigo 5º e o 93º. Ambos dizem que, em determinados casos, para respeitar a intimidade e a dignidade das pessoas, as decisões podem ser tomadas reservadamente. Depois, se torna público o resultado.

Valor: Durante a investigação o nome do juiz deve ser protegido?
Peluso: O ministro Ari Pargendler, presidente do STJ, me falou que a abertura de um processo contra um juiz, ainda que ele seja absolutamente inocente, acaba com a carreira e com o exercício da função. Esse juiz fica marcado para o resto da vida. Ainda que, depois, se decida que ele era absolutamente inocente e que o procedimento foi absolutamente injustificado, a imagem dele estaria liquidada. Isso não é bom pra ele, porque não há nada no mundo que restitua a condição anterior. E não é bom para a sociedade, porque traz a ideia de que a Justiça é um organismo constituído de pessoas sem a mínima ética, o que não é verdade.

Valor: Mas, a Justiça pune os seus juízes?
Peluso: Eu falei, numa das minhas manifestações, no Rio de Janeiro, sobre quantos casos o CNJ puniu. Foram mais ou menos 40 casos, em dois anos. Alguns foram aposentadorias compulsórias; outros foram aplicações de penas de censura. A pergunta é: o que representa, no universo dos juízes, 40 casos? Nós podemos até multiplicar isso. Vamos dizer que hoje, no Brasil, existam 300 casos absolutamente censuráveis de comportamento de magistrados. O que representa isso nesse universo de 20 mil juízes?

Valor: Ao investigar juízes, o CNJ deve verificar o conteúdo das decisões que eles tomam?
Peluso: Eu acho que isso deve ser visto sob dois pontos de vista. Primeiro, do ponto de vista estritamente jurídico, nós temos, ao lado da competência do CNJ, a subsistência da autonomia dos tribunais. Ao lado da autonomia dos tribunais, nós temos o princípio federativo de respeito das esferas das competências dos Estados, portanto, dos órgãos do Judiciário estadual. Se eu disser que o CNJ pode, sem razão objetiva, assumir um processo que deveria ser conduzido originariamente pelos tribunais locais, eu estou dizendo que a autonomia já não é tão autonomia. O outro é o ponto de vista prático. São consequências desastrosas para o sistema. Sobrecarregar o CNJ com inúmeros processos é o de menos, é o menos relevante. Há queixas que chegam ao CNJ de tudo quanto é tipo. Eu já peguei queixa de advogado que disse que a decisão de um juiz era isso ou aquilo e, ao invés de entrar com um recurso, entrou com reclamação no CNJ contra o juiz. Esse é um aspecto ponderável, mas o mais importante é o seguinte: as corregedorias locais têm que exercer as funções delas. Se eu aprovo uma orientação de dispensar as corregedorias locais de cumprir o seu dever de apurar e punir as infrações disciplinares, eu vou introduzir uma cultura de negligência nas corregedorias. Porque as corregedorias, depois de certo tempo, vão dizer: “Por que eu vou me incomodar com isso? O CNJ é que cuide”. Segundo, vai convalidar a inércia das corregedorias. Na verdade, o papel do CNJ é também o de obrigar as corregedorias a exercer os seus deveres de apurar e punir as infrações. O CNJ tem que exigir que as corregedorias cumpram a função. Essa é a saída.

Valor: E quando elas não cumprirem as suas funções?
Peluso: Quando as corregedorias tomam conhecimento [de irregularidades] e se omitem, ou quando sabem que o fato aconteceu, mas não tomam nenhum conhecimento, ou mesmo quando tomam conhecimento e instauram procedimentos, só que apenas simulam que vão apurar, demoram, pedem prazo, levam a prescrições etc, aí, nesses casos, seria melhor que sejam apurados pelo CNJ. Nessas hipóteses, em que haja razões objetivas, aí, sim, o CNJ vai lá e assume. Em outras palavras, o CNJ vai atuar quando as corregedorias deixarem de exercer a sua função e, portanto, de cumprir o seu dever. E acho mais: o CNJ tem que fiscalizar a atuação das corregedorias para punir as que não cumprem suas funções.

Aposentadoria de Ellen Gracie

Ellen Gracie: a trajetória de uma década da primeira mulher a integrar o STF

Até maio de 2000 uma mulher sequer podia frequentar as dependências da Suprema Corte brasileira trajando calça comprida. A tradição da exigência do uso de saias ou vestidos no vestuário feminino durou vários anos, mas em uma quarta-feira, dia 3 de maio de 2000, essa regra caiu. Em sessão administrativa, os ministros do Supremo Tribunal Federal permitiram o uso de calça comprida pelas mulheres, desde que acompanhada de blazer.
A mudança já vislumbrava um novo tempo na Corte e a preparava, de certa forma, para receber a primeira mulher a se tornar ministra do Supremo. Em 23 de novembro daquele ano, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, nomeou a magistrada carioca Ellen Gracie Northfleet para uma vaga no STF. Vinte e um dias depois, a magistrada de estilo discreto e elegante nas palavras e nos gestos, e firme em suas decisões, se tornou a primeira mulher a compor a Suprema Corte brasileira.
“O ato de escolha de Ellen Gracie para o Supremo Tribunal Federal – além de expressar a celebração de um novo tempo – teve o significado de verdadeiro rito de passagem, pois inaugurou, de modo positivo, na história Judiciária do Brasil, uma clara e irreversível transição para um modelo social que repudia a discriminação de gênero, ao mesmo tempo em que consagra a prática afirmativa e republicana de igualdade”. A afirmação é do decano da Corte, ministro Celso de Mello, na publicação “Notas sobre o Supremo Tribunal Federal”, de sua autoria.
Linha sucessória
A vaga ocupada por Ellen Gracie na Suprema Corte era decorrente da aposentadoria por idade do ministro Octavio Gallotti, que alcançara 70 anos no dia 27 de outubro daquele ano.  Em seu livro, o ministro Celso de Mello classificou a nomeação de uma mulher para o STF no início do século XXI como “gesto emblemático, um ato denso de significação histórica e pleno de consequências políticas”.
A cadeira ocupada pela ministra Ellen Gracie a partir de 14 de dezembro de 2000, foi criada em 1965, por meio do Ato Institucional número 2 (AI-2). Ao longo da história da Suprema Corte foram várias alterações a respeito das vagas de ministro. No início da República, quando da instalação do STF, o Tribunal contava com 15 ministros.
Já em 1931, houve redução para 11. Este número foi novamente alterado para 16 com a edição do Ato Institucional nº 2 de 1965. Por fim, o AI-6, de 1969, reduziu outra vez para 11 o número de ministros e esta composição se mantém até hoje. A cadeira que a ministra Ellen Gracie ocupou até o início deste mês, pertenceu, respectivamente, aos ministros Octavio Gallotti, Soares Muñoz, Eloy da Rocha e Carlos Medeiros.
A aposentadoria da ministra foi publicada no Diário Oficial da União nesta segunda-feira (8), em decreto assinado pela presidenta Dilma Rousseff em 5 de agosto.
Julgamentos históricos
Mensalão – Durante sua gestão foi levado a julgamento um dos maiores processos em volume e repercussão da história da Corte: o inquérito (Inq 2245) do Mensalão, que inicialmente envolveu 40 acusados pelo Ministério Público Federal. O julgamento que concluiu pelo recebimento da denúncia durou cinco dias. Ao final, os ministros acolheram a denúncia do MPF para transformar os acusados em réus e o inquérito, dias depois, foi transformado em Ação Penal (AP 470).
A última sessão plenária presidida pela ministra Ellen Gracie, em 16 de abril de 2008, foi classificada como “um marco impregnado de profunda significação histórica”, pelo decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello. Segundo o ministro, “a ascensão de Ellen Gracie à presidência rompeu barreiras culturais e ideológicas que, ao longo de séculos, teriam marginalizado arbitrariamente a mulher no Brasil”.
Pensão por morte – Em 9 de fevereiro de 2007, sob o comando da ministra Ellen Gracie, o Plenário do STF julgou de uma só vez 4.908 processos relacionados ao pagamento de pensão por morte pelo INSS.
O julgamento conjunto dos recursos extraordinários que tratavam do tema foi feito por iniciativa da então presidente do STF, ministra Ellen Gracie, e só foi possível após a alteração instituída pelo artigo 131 do Regimento Interno do STF, que alterou o tempo de sustentação oral para os advogados presentes interessados na causa.
A ministra disse à imprensa após a decisão que “não faz sentido algum para o cidadão jurisdicionado que alguém receba uma decisão num sentido e que um vizinho ou um colega de trabalho receba uma decisão diferente sobre a mesma matéria. Decisões como esta economizam muito tempo de trabalho dentro das instâncias administrativas e judiciárias do Tribunal”.
Caso Goldman – O voto da ministra Ellen Gracie no julgamento do chamado Caso Goldman (ADPF 172) também teve destaque no plenário do STF. A ministra defendeu o respeito à Convenção Internacional da Haia de Combate ao Sequestro Internacional de Crianças.
O julgamento do caso no STF envolvia a disputa pela guarda de um menino de cinco anos, filho de pai norte-americano e mãe brasileira. Como a mãe da criança havia morrido, a família dela passou a pleitear o direito à guarda da criança. O pai alegou que a mãe havia sequestrado o menino para o Brasil e tentava reaver o filho na Justiça.
O tema ligado ao sequestro internacional de crianças desperta a atenção da ministra que, durante sua gestão na presidência do STF, criou um Grupo Permanente de Estudos sobre a Convenção da Haia de 1980. Composto por representantes dos órgãos públicos envolvidos no tratamento do tema, o grupo tem o objetivo de fomentar estudos e pesquisas sobre o assunto entre os operadores do Direito dentro e fora do Brasil.
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Agilidade e eficiência
Essa foi a marca que a ministra Ellen Gracie procurou dar à sua gestão durante o biênio 2006/2008 em que presidiu a mais alta Corte do país. Ao longo de seus dois anos de gestão, a ministra adotou uma série de medidas a fim de tornar a máquina judiciária mais ágil e eficiente para os operadores do Direito e para o cidadão que busca a Justiça.
A busca incansável da ministra pela modernidade, rapidez e eficácia administrativa na Justiça brasileria também foi  levada por ela ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual foi presidente também entre 2006 e 2008.
A condução independente, firme, sóbria e eficiente dos trabalhos na Corte foram pontos marcantes da gestão da ministra, na visão de Celso de Mello, que lembrou ainda a importância dada pela ministra à implementação de práticas processuais mais modernas no Judiciário.
Foi durante a gestão da ministra Ellen Gracie na Presidência do STF que teve início a certificação digital, a qual serviu de base para a tramitação do processo eletrônico no Tribunal e as discussões mais efetivas de meios jurídicos para racionalizar a tramitação de processos na Corte.
Institutos como a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral começaram a ser utilizados ainda na gestão Ellen Gracie, inclusive com a edição das três primeiras súmulas vinculantes do Tribunal. Quando a ministra assumiu o cargo havia uma concentração de demanda em torno de 200 mil processos e a ministra apostava que com a adoção dos dois institutos essa demanda poderia cair entre 60 e 80 por cento.
Os projetos que tratam da Repercussão Geral (PL 6648/06), da Súmula Vinculante (PL 6636/06) e do Processo Virtual (PL 5828/01) que regulamentavam a chamada Reforma do Judiciário (EC45/2004) foram sancionados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, cerimônia da qual a ministra Ellen participou como presidente do STF.
O empenho da ministra surtiu efeito e hoje a demanda de processos diminuiu significativamente a partir da Súmula Vinculante e da Repercussão Geral. Em 2007 eram 100 mil agravos de instrumento e recursos extraordinários autuados no STF, sendo que em 2010, já com os dois institutos consolidados a demanda desses recursos caiu para 63 mil.
A ministra também sempre defendeu a conciliação e a mediação como formas alternativas de resolução de conflitos para desafogar a máquina judiciária. Segundo Ellen Gracie, é importante “criar uma cultura de paz, de aproximação e de resolução pacífica das controvérsias”.
A ministra lançou em 2007 o Dia Nacional da Conciliação, quando quase 84 mil audiências foram realizadas em todo o país, com um índice de acordos alcançados superior a 55,36% dos casos.
Rigor
Com atuação discreta, porém firme na defesa de seus argumentos, a ministra Ellen Gracie se destacou não só em Plenário, no período em que presidiu a Corte, mas também em decisões monocráticas ou proferidas nas Turmas do STF. Conhecida pelo rigor com que trata matérias criminais, a ministra é firme na aplicação da lei penal frente aos argumentos de violação de garantias individuais dos réus.
A ministra Ellen também é conhecida por somente em casos excepcionalíssimos afastar a Súmula 691 do STF para analisar algum pedido de liminar em que não haja decisão definitiva de instância anterior. O mesmo rigor ela aplica para relaxar pedidos de prisão preventiva fundamentados no artigo 312 do Código de Processo Penal. Em 2006 ela votou contra a progressão de regime para crimes hediondos.
Hediondo – Em seu primeiro ano de atuação no STF a ministra participou de um julgamento em que seu voto foi crucial para que a Corte mudasse seu entendimento em relação à tipificação do crime de estupro simples e a equiparação do mesmo com o crime de atentado violento ao pudor. Em 17 de dezembro de 2001 o Plenário da Suprema Corte decidiu, por 7 votos a 4, incluir  o crime de estupro simples no rol dos crimes hediondos.
A nova jurisprudência ficou consolidada pelo julgamento do Habeas Corpus (HC) 81288, quando foi negada a redução de pena a um pai condenado por manter relações com filhas menores de idade durante um período prolongado. Até então, a interpretação do Supremo para a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) era a de que só se aplicava essa classificação ao estupro qualificado, ou seja, aquele do qual resultem lesões corporais graves ou morte.
Nardoni – A ministra foi relatora de alguns pedidos de habeas corpus sobre casos de grande repercussão nacional e comoção pública, como o do casal Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, pai e madrasta, acusados de matar a menina Isabella Nardoni, em março de 2008. Ao analisar o pedido de habeas corpus deles (HC 95344) a ministra  aplicou a Súmula 691, que impede o STF de julgar habeas corpus contra liminar de tribunal superior.
Segundo a ministra, a decisão do relator do caso no STJ estava devidamente fundamentada, não havendo “flagrante ilegalidade ou abuso de poder” que permitiriam a superação da Súmula 691.
Richthofen – Rigorosa também com relação à tramitação dos processos, a ministra negou, por razões processuais, um pedido de habeas corpus formulado pela defesa de Suzane Von Richthofen no Habeas Corpus (HC) 89218. A decisão foi tomada em julho de 2006, durante o recesso judiciário. Acusada de matar os pais Manfred e Marísia von Richthofen, Suzane, à época, estava recolhida no Centro de Ressocialização de Rio Claro (SP), à espera do julgamento.
Na decisão, Ellen Gracie rejeitou o pedido de Suzane com um argumento processual: como o acórdão da decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anteriormente havia negado o relaxamento de prisão da jovem ainda não fora publicado no Diário Oficial de Justiça. “O acórdão, ora impugnado, não foi publicado. Não é possível o confronto entre as alegações dos impetrantes e os fundamentos da Turma Julgadora”, afirmou a ministra.
Abdelmassih – Em agosto de 2009 chegou ao STF o pedido de habeas corpus do médico especializado em reprodução humana, Roger Abdelmassih. No HC 100429, a defesa do médico pedia a concessão de liberdade provisória, uma vez que ele estava preso sob a acusação de atentado violento ao pudor e estupro contra ex-pacientes.
O processo foi distribuído à ministra Ellen Gracie que negou o pedido de liminar feito pela defesa. A decisão da ministra foi fundamentada na Súmula 691. Para a ministra, a análise do pedido em favor do médico configuraria supressão de instância. Assim, o pedido foi arquivado.
Em fevereiro deste ano a Segunda Turma analisou um outro pedido de Habeas Corpus de Abdelmassih. Ao julgar o HC 102098, os ministros da Turma acompanharam, por maioria, o voto da relatora, ministra Ellen Gracie. Este HC é anterior à sentença, de novembro de 2010, que condenou Abdelmassih a 278 anos de prisão pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor cometidos em sua clínica de fertilização entre 1995 e 2008.
Bicentenário
Durante sua gestão na presidência do STF a ministra Ellen Gracie criou e coordenou a Comissão Organizadora dos Festejos do Bicentenário do Judiciário Independente no Brasil. A data foi comemorada em 10 de maio de 2008, dias depois que a ministra deixou a presidência da Corte, e simboliza a elevação da Relação do Rio de Janeiro (antigo órgão judiciário que funcionou entre 1751 e 1808) à condição de Casa da Suplicação do Brasil. Desde então, os processos passaram a tramitar exclusivamente no país, sem precisar passar pela suprema corte em Portugal.
A Comissão organizadora do Bicentenário promoveu, ao longo de um ano, diversas atividades como palestras, exposições, lançamento de livros, concurso de monografias, seminários, congressos e recuperação de documentos em parceira com o arquivo nacional, com o objetivo de fazer um resgate histórico e cultural da Justiça do país.
Decênio
Ao completar uma década no Supremo Tribunal Federal, a ministra Ellen Gracie foi homenageada em plenário pelos colegas. Para o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, a vinda da ministra Ellen Gracie para a Suprema Corte “representa uma grande conquista de gênero e serve de modelo para o país”.
Na ocasião, ao agradecer a homenagem, a ministra Ellen Gracie  destacou a presença de mais uma magistrada na Corte, referindo-se à ministra Cármen Lúcia, “e, quem sabe, de outras, no futuro. De modo que esta barreira que se cruza é uma barreira que facilita que se vençam outros preconceitos, não só os de gênero, mas de outras naturezas”, disse a ministra.
Integrante da Segunda Turma da Corte, a ministra também foi homenageada por aquele colegiado. Presidente da Turma, o ministro Gilmar Mendes destacou a presença de Ellen Gracie “não só por ser a primeira mulher a exercer o cargo de ministra e presidente, como também pelos magníficos e judiciosos votos proferidos no Plenário e nesta Turma, além da perene elegância e cordialidade mesmo nos debates mais calorosos”.
Mendes lembrou que na gestão da ministra na presidência do STF teve início a tramitação eletrônica de processos e começaram a ser utilizados os institutos da repercussão geral e da súmula vinculante na Corte. “Dispensável ressaltar o alcance e o significado da modernização implementada. E nós hoje estamos colhendo esses frutos”, afirmou o ministro.
Também integrante da Segunda Turma, o ministro Ayres Britto qualificou a ministra como uma “profissional de fino trato pessoal, competência profissional que salta aos olhos, sensibilidade social, senso de realidade, compromisso com essa conciliação que todo magistrado contemporâneo deve buscar entre segurança jurídica e justiça material”.
A ministra frisou a importância do cargo ao destacar que no STF se faz a justiça para o Brasil. “Aqui se constrói o Brasil no seu aspecto jurisdicional, de modo que eu não acredito que possa haver honraria maior para alguém que trilha as letras jurídicas do que integrar esta Casa e contribuir de alguma forma para a formação da sua jurisprudência”.
Biografia
Ellen Gracie Northfleet é carioca, nascida a 16 de fevereiro de 1948, mas iniciou sua formação acadêmica e profissional no Rio Grande do Sul. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1970, e pós-graduada em Antropologia Social pela mesma universidade em 1982.
No início de sua carreira, atuou como advogada vinculada à Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (1986/87), foi diretora-fundadora da Escola Superior da Advocacia da OAB/RS e no ano seguinte chegou a vice-presidente do Instituto dos Advogados do RS, também tendo trabalhado como procuradora da República.
Já na magistratura, Ellen Gracie integrou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4); o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul; participou da Comissão Permanente de Magistrados do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (1993/94) e exerceu na mesma Corte a vice-presidência e a presidência (1997/99), pouco antes de ser nomeada para o Supremo Tribunal Federal, presidiu ainda a 1ª Turma do TRF4.
Ellen Gracie se tornou a primeira mulher a integrar a Suprema Corte Brasileira em 14 de dezembro de 2000, cargo que ocupou até 8 de agosto de 2011.
Durante a década que integrou o STF, a ministra Ellen Gracie também atuou no Tribunal Superior Eleitoral (2001) e presidiu o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre 2006 e 2008.
Vida acadêmica
Ellen Gracie é professora licenciada de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS); presidente-fundadora da Associação de Diplomadas Universitárias do Rio Grande do Sul; e foi bolsista da Fundação Fullbright (EUA) entre 1991 e 92, com dedicação ao tema “Administração da Justiça”.
Membro do conselho consultivo da Global Legal Information Network (GLIN); jurista em residência da Biblioteca do Congresso dos EUA (1992) e membro da International Association of  Women Judges (AWJ).

Matéria capturada no site do STF

Venda de sentenças

Juiz reconhece corrupção de desembargador do Rio

Por Marcelo Auler

Mais do que simplesmente condenar o advogado carioca Silvério Luiz Néri Cabral Júnior (OAB-RJ 117117) e o pernambucano Antonio José Dantas Correa Rabello (OAB-PE 5870) a seis anos de reclusão cada um por lavagem de dinheiro proveniente de crime contra a administração pública, a sentença do juiz Erik Navarro Wolkart, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, confirma que o desembargador federal José Eduardo Carreira Alvim — aposentado compulsoriamente pelo CNJ — se corrompeu vendendo decisões judiciais no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo).

A condenação dos dois advogados foi divulgada pela coluna de Ancelmo Gois, em O Globo. Mas a decisão do juiz transcende à simples punição aos réus. É a primeira sentença nas mais de 40 ações penais geradas a partir das investigações da Operação Furacão, ocorrida em 2006. Tornou-se, ainda, a primeira decisão judicial que reconhece o crime de corrupção cometido pelo desembargador. Curiosamente, este reconhecimento ocorreu em um processo (2007.51.01.806865-4) que não aparece nas consultas processuais do site da Justiça Federal do Rio, não analisava o crime de corrupção e que, por tramitar na primeira instância, não poderia julgar o desembargador com direito a foro especial. A decisão à qual a ConJur teve acesso com exclusividade, misteriosamente continua mantida em sigilo pela Justiça.

Carreira Alvim é sogro de Silvério Cabral Júnior, cujo pai é o também desembargador federal aposentado, do mesmo TRF, Silvério Cabral. Como demonstrou a denúncia formulada em 2007 pelo procurador da República Marcelo Freire, entre 2003 e 2006, o advogado pernambucano depositou R$ 1,069 milhão na conta bancária do escritório de Cabral Júnior. Este dinheiro, segundo concluiu o juiz Wolkart na sentença, “correspondia à sua cota e a de seu sogro, na condição de intermediador de atos de corrupção em favor dos interesses do escritório de advocacia Correa Rabello, frente ao desembargador federal José Eduardo Carreira Alvim”.

O desembargador, em abril de 2007, foi denunciado no Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção passiva e formação de quadrilha. Junto com o ministro (atualmente, aposentado) do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina; do também desembargador federal do TRF-2, Ricardo Regueira (falecido em julho de 2008); do juiz do Tribunal Regional do Trabalho Ernesto da Luz Pinto Dória; e do procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira são acusados de se associarem à máfia que controla a exploração dos jogos eletrônicos no Rio, negociando decisões judiciais. Em novembro de 2008 a denúncia foi acatada pelo Plenário do Supremo e o desembargador passou a ser réu em um processo que também corre em segredo de Justiça. Segundo a acusação, o dinheiro pago a Carreira Alvim também foi intermediado pelo genro.

Tanto Carreira Alvim como Medina, em agosto de 2010, foram aposentados compulsoriamente pelo CNJ. O plenário entendeu que as acusações contra eles tiraram de ambos a “conduta irrepreensível na vida pública e particular”, exigência prevista na Lei Orgânica da Magistratura. Ou seja, os conselheiros preferiram não esperar por uma condenação judicial para afastá-los de vez da magistratura. A sentença do juiz Wolkart, portanto, transformou-se na primeira decisão da Justiça a reconhecer que houve corrupção.

Extra petita
Embora tenha surgido a partir das apurações realizadas pela Polícia Federal na Operação Furacão, o processo em que Silvério Cabral Júnior e Correa Rabello acabam de ser condenados, não trata das negociatas com a máfia dos jogos eletrônicos do Rio. Tampouco refere-se a crime de corrupção.

A partir da descoberta de vultosas quantias repassadas por Rabello a Cabral Júnior demonstradas pela quebra do sigilo bancário dos dois, o procurador Freire, espertamente, apegou-se no crime de lavagem de dinheiro. Como crime antecedente (aquele que gera o recurso obtido ilegalmente para ser lavado), citou a corrupção descoberta em gravações da Polícia Federal, nas quais ambos negociam decisões de Carreira Alvim nos processo de interesse do advogado pernambucano. Isto fica claro no Relatório Policial ao qual a ConJur teve acesso e que se encontra anexado à Ação Penal. Nestas gravações, como destacou o procurador Freire na denúncia, constata-se o advogado carioca patrocinando “os interesses escusos do segundo acusado perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região”.

Embora não tenha sido discutida neste processo a corrupção que o jovem advogado carioca intermediava para o sogro, ficou claro que o modus operandi do caso citado é o mesmo que envolveu a máfia do jogo. Como vice-presidente do TRF, o desembargador Carreira Alvim deu liminar na Medida Cautelar Inominada 1.388 concedendo efeito suspensivo a um recurso que nem sequer sabia se era Especial ou Extraordinário, pois ele ainda não tinha sido protocolado. Isto é, ele suspendeu o efeito de uma decisão do próprio TRF-2, com base em um recurso ao STJ contra a mesma decisão, mas que sequer tinha sido apresentado.

A decisão beneficiava a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ao lhe assegurar o direito de utilizar o incentivo à exportação instituído pelo Decreto-lei 491/69. Mas ela só vigorou por 24 horas. Alertado pela Procuradoria da Fazenda, o então presidente do TRF, desembargador Frederico Gueiros, cassou-a, por considerá-la irregular. Como lembra o juiz Wolkart na sua decisão, “Recursos Extraordinário e Especial não têm efeito suspensivo (…). Excepcionalmente é possível pedir efeito suspensivo para os casos em que a execução possa ser muito nociva. Para tanto, utiliza-se medida cautelar”. O caso da CSN não era o único. As gravações da Polícia Federal mostraram também uma negociação em torno de um processo do interesse da Cotia Trading.

Para o procurador Freire, com os depósitos bancários que Correa fazia em nome do escritório de Cabral Júnior, os dois estavam “reintroduzindo na economia formal recursos obtidos ilicitamente mediante a simulação de contrato de prestação de serviços” entre os dois escritórios. Desta forma, justificariam o produto da corrupção como se fossem honorários advocatícios, tendo tudo para não despertar atenção. Caracterizou-se assim a Lavagem de Dinheiro prevista na Lei 9.613/98.

A tese de que se tratava de honorários foi defendida pelos dois réus em seus interrogatórios. O curioso é que o advogado pernambucano alegava ter contratado o colega carioca, apesar de seu escritório em Pernambuco contar com uma filial no Rio de Janeiro. Ao justificar o dinheiro como pagamento de honorários, Cabral Júnior frisou que o contrato entre os dois “era verbal, pois havia mútua confiança, entre os dois escritórios”. Correa, no depoimento à Polícia Federal, chegou a afirmar que “muitas vezes o trabalho de parceria era informal, sem necessidade de subestabelecimento de procuração, principalmente quando se tratava de pequenos favores, como dar entrada em petições, tirar cópias, etc.”, como destacou o procurador na denúncia.

Freire, baseando-se no total pago ao longo dos anos, não perdeu a oportunidade de ironizá-lo: “Não é crível que um escritório de advocacia pague mais de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a outro escritório de forma informal para a realização de pequenos serviços, tais como distribuir uma petição inicial e tirar cópia de autos, fatos que revelam de forma inconteste que o referido contrato de prestação de serviço se trata de uma simulação que pretendia garantir ao denunciado Silvério uma forma de reintroduzir na economia com uma aparência de legalidade recursos obtidos de forma ilícita, tudo isto feito com o indispensável auxílio do denunciado Antônio José.”

Esta tese do procurador foi totalmente encampada pelo juiz que considerou na sentença “inusitada a suposta relação comercial existente entre os dois escritórios, haja vista que a contratação de um escritório por outro se afigura razoável quando um deles apresenta especialização na matéria afeta à causa patrocinada pelo outro, ou ainda quando este não possui sede ou filial no longínquo foro competente para apreciação da causa, sendo possível afirmar que a preferência é feita por escritórios de maior porte e experiência, hipótese não observada no caso em tela”.

Com base em todas estas argumentações, ele considera que “restou absolutamente comprovado que Silvério, genro do desembargador Carreira Alvim, atuava como intermediário nos pagamentos de vantagens patrimoniais indevidas que o escritório de advocacia Correa Rabello, na pessoa do segundo denunciado, efetuava ao desembargador Carreira Alvim, em troca de decisões judiciais favoráveis aos seus clientes”.

O juiz, porém, recusou a acusação do procurador de que os dois réus integravam uma organização criminosa, o que geraria uma agravante, aumentando a pena. Ao sentenciá-los com seis anos de reclusão em regime semiaberto e 100 dias multa — estipulando cada dia multa em um salário mínimo — Wolkart permitiu aos dois réus recorrerem liberdade.