Eu era acadêmico de direito quando pontificam como expoentes do direito no Maranhão os chamados processualistas. Havia muitos nesse meio que se destacavam em face das pregações que faziam enaltecendo o instrumento em detrimento do direito material. Cresci intelectualmente nesse meio acadêmico, cujas aulas mais concorridas eram exatamente dos chamados processualistas.
As aulas mais concorridas, portanto, eram as aulas de direito instrumental. Tanto que as principais obras doutrinárias que compunham a minha pequena biblioteca eram dos expoentes do processualismo. Eu tinha, por exemplo, paixão pelas obras de Humberto Theodoro Júnior, José Carlos Barbosa Moreira e José Frederico Marques, para ficar apenas em três exemplos que me ocorrem agora.
Tendo ingressado no Ministério Público, em 1984, continuei, nos meus pareceres, privilegiando as formas em detrimento dos fins. Muitos, nesse sentido, foram os pareceres que lancei, a quase totalidade fulcrada numa busca incessante por alguma ilegalidade que resultasse da inobservância das regras de direito processual.
E o direito substancial? Bem, o direito material não me importava. O que me excitava era poder mostrar ao condutor do feito que ele, por um descuido qualquer, se descurara de cumprir uma formalidade legal, razão pela qual deveria chamar o feito à ordem, pouco importando a celeridade e a economia processuais.
Confesso que, nessa ânsia, sentia-me vencedor sempre que, debruçado sobre os processos – muitos deles conduzidos com certo descuido, muito mais em face da grande demanda que por ignorância ou má-fé – me deparava com a inobservância de uma formalidade legal, para, a partir dela, formular um pleito anulatório. Era, por assim dizer, um sentimento de vitória que se apossava de mim, máxime diante da situação desconfortável em que eu deixava o condutor do processo, ao fazê-lo admitir não ter se esmerado o quanto devia na condução do processo.
Ingressando na magistratura, dei-me conta, muito cedo, que as minhas posições, excessivamente formalistas, fruto do que fui induzido a crer, me fizeram não perceber que o processo é simplesmente um instrumento para realização do direito material, e que, algumas vezes, diante de um alternativa, é melhor “sacrificar” uma regra de processo a desobedecer um regra de direito material.
Que fique claro que o “sacrifício” a que me refiro, – para que não se imagino que, nos dias atuais, prego a anarquia processual – tem limites. É dizer, a declaração de nulidade dependerá, por óbvio, das circunstâncias, pois que existem situações, seja de direito material, seja de direito instrumental, que, para realização de ambos, não se pode desobedecer, pura e simplesmente, as regras de direito instrumental e/ou de direito material.
Na minha compreensão, o que se deva exigir do aplicador da lei é que, diante de um caso concreto, atente menos para as construções genéricas que a doutrina elabora, em face de uma questão puramente formal, e se detenha, com muito mais vagar, para as particularidades, a singularidade do caso que está a exigir o seu esforço intelectivo. É em face do caso concreto, pois, que deve o operador do direito decidir-se por essa ou por aquela nulidade, sob pena, repito, de privilegiar a forma em detrimento dos fins, do real objetivo do processo, enfim.
Reafirmo o que todos sabem: o processo é um instrumento a serviço do direito material, razão pela qual, conquanto não se possa deixar de reconhecer a sua importância, não pode ser sublimado, a ponto de ser alçado à condição de mais relevante que o direito material que se discute.
É nesse sentido a ensinança de Ada Pellegrini Grinover, segundo a qual deve ser combatido o excessivo rigor formal, que, muitas vezes, “sacrifica o objetivo maior de realização da justiça em favor de solenidade estérieis e sem nenhum sentido”.
Para encerrar essas brevíssimas reflexões, diretas e objetivos, como se exige no mundo atual, o que não se pode desconsiderar é que todas as vezes que houver ofensa a princípio ou norma constitucional-processual, cuja função precípua seja o de garantia, a ineficácia do ato pode ser uma consequência natural, mas que, ainda assim, estará condicionada à verificação do interesse de ordem pública.
Constatado, pois, que o ato processual foi praticado em confronto com uma norma ou princípio constitucional de garantia, poderá ser considerado pelo guardião da Constituição, no caso o juiz condutor do feito, inexistente ou nulo, cumprindo reafirmar que, nesse sentido, o espaço para convalidação e para nulidades relativas é praticamente nenhum.
De mais a mais, o que não pode perder de vista o magistrado é que, malgrado reconhecido que a atividade processual deve ser realizada segundo os modelos legais, eles sofrem temperamentos, sobretudo em face dos princípios da economia processual e da razoável duração do processo, pois que, como sabido, é sempre desejável a obtenção do máximo de resultado com o mínimo de esforço.