Ninguém mais duvida que o magistrado, quando decide, cria o direito, sabido que, de regra, toda lei precisa de consistência judicial, para que se a tenha efetivamente em vigor. O legislador faz o texto, o enunciado normativo, mas quem lhe dá sentido, quem valida a lei é o julgador. Um enunciado normativo pode, sim, mesmo vigendo, não ter validade, se o juiz conclui, ad exempli, que conflita com a Constituição. Disso resulta a importância do respeito aos precedentes, pois, decerto, não é bom para o Poder Judiciário que duas pessoas, na mesma situação, recebam decisões díspares para as suas pretensões, dependendo, claro, do órgão para o qual foi distribuído do pleito. O direito, assim, vira uma loteria. E isso não é bom para o Poder Judiciário.
Nos últimos dias essa questão tem me compelido a refletir, preocupado, sobretudo nas questões que envolvam matéria criminal. Tem acontecido, v.g., que condenados no primeiro grau, por crime de porte de arma, sejam absolvidos em segundo grau – ou condenados, dependendo da decisão contra a qual se recorre – , em face de entendimentos díspares dos órgãos fracionários. Eu, por exemplo, entendo que o porte de arma de fogo desmuniciada, e sem munição ao alcance do autor do fato, é atípico; há colegas, no entanto, que entendem de forma diversa. Disso resulta que, dependendo da composição da câmara, réus, na mesma situação fática, são condenados ou absolvidos, o que, convenhamos, não é compreensível para o comum dos mortais.
A propósito da função criadora do direito, que nos coloca na incômoda situação que acabo de descrever, Alexander Pekelis, in El Actual Pensamento Jurídico Norte-Americano, citado por Inocêncio Mártites Coelho, no artigo Ativismo Judicial: caso brasileiro, esclarece:
“Devemos recordar que em certo sentido os Estados Unidos não têm uma constituição escrita. As grandes cláusulas da Constituição americana, assim como as disposições mais importantes das nossas leis fundamentais, não contém senão um apelo à honestidade e à prudência daqueles a quem é confiada a responsabilidade da sua aplicação. Dizer que a compensação deve ser justa; que a proteção da lei deve ser igual; que as penas não devem ser nem cruéis nem inusitadas; que as cauções e as multas não devem ser excessivas; que as investigações ou as detenções hão de ser motivadas; e que a privação da vida, da liberdade ou da propriedade não se pode determinar sem o devido processo legal, tudo isso outra coisa não é senão autorizar a criação judicial do direito, e da própria Constituição, pois a tanto equivale deixar que os juizes definam o que seja cruel, razoa´vel, excessivo, devido ou talvez igual”