O Estado, por efeito, só deve intervir quando a conduta do acusado foi socialmente relevante e significativo o grau de lesividade, como ocorre, ad exempli, com o homicídio culposo, praticado na direção de veículo automotor.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Durante a ocupação da França pelos nazistas, Rachel Zalkinof, judia, de 23 anos, presa em La Santé, com mais quatro desafortunadas mulheres, foi informada, por um alemão, da morte do seu irmão, Fernand Zalkinof, de dezoito anos. O alemão, ao noticiar a morte de Fernand, esperou que Rachel recebesse a notícia com lágrimas, gritos e palavrões. Qual não foi a sua decepção quando se limitou a dizer: “Não acredito que Fernand não pense mais!”.
Da reação de Rachel Zalkinof pode-se inferir que há pessoas, em face de sua racionalidade, que são capazes de construir frases de enorme significado para humanidade – mesmo – ou por isso mesmo – diante de uma situação absolutamente adversa.
À luz da verdadeira dimensão da exclamação de Rachel, pode-se afirmar, sem reinventar a roda, que o que de mais grave se pode impingir ao ser humano é, verdadeiramente, impedi-lo de pensar. E só se pode impedir alguém de continuar pensando, definitivamente, tirando-lhe a vida. É que, com a morte, nem Fernand e nem ninguém pode mais pensar.
Reafirmo, nessa linha de pensar, que quem em vida não é capaz de pensar – e existem muitos, não tenho dúvidas – , não sabe o que é viver. Aliás, não vive: vegeta! É que o homem, sem pensar, sem refletir sobre as coisas do mundo, é um nada! É pura matéria! É coisa nenhuma! É bicho bruto! É a corporificação do irrelevante! É um amontoado de carne e osso, sem nenhuma importância!
Pensar é a certeza da existência racional. É essa racionalidade que nos distinguem dos demais animais que há sobre a terra. Se pensamos, é porque temos consciência. Se temos consciência do que pensamos, é porque existimos, verdadeiramente. Quem pensa tem consciência de si mesmo. Quem pensa pode questionar, pode duvidar, pode argumentar, pode criar, pode fazer e acontecer. Quando deixamos de pensar é porque já não existimos. Quando, ao reverso, nos damos conta de que estamos pensando, estamos reafirmando a nossa existência.
Pensar é poder se opor, é poder contestar, é poder se afirmar, estabelecer a contradita, externar a simpatia, a antipatia, o preconceito, aderir, combater, se contrapor, enfrentar o inimigo, etc.
Pensar, ainda que de forma equivocada, esquecer do que disse em face do que pensou, repetir as mesmas coisas algumas vezes, é, simplesmente, viver. E viver é, muitas vezes, pura contradição mesmo.
O pensamento que me faz rir é o mesmo que pode fazer chorar o semelhante. O pensamento que me ergue, que me faz voar, que me conduz a caminhos nunca dantes trilhado, é o mesmo que pode levar o meu semelhante à pura prostração. Mas isso é viver! E pensar é viver! É crer! É ver e discernir.
Depois de tudo que foi exposto nestas reflexões, fruto de minha capacidade de pensar – de forma equivocada, não raro, devo admitir -, o leitor, irreverente, pode concluir, até, que tudo que pensei não passa de uma bobagem de quem tem a mente desocupada. Mas ninguém pode negar que, mesmo para dizer asneira e para criticar quem a exterioriza, é preciso estar vivo. E que bom que estamos vivos: eu e o leitor. O articulista para dizer bobagem e o leitor para criticá-las.
Para reafirmar e ilustrar o que acima expendi, lembro das palavras de Victor Hugo, escritor e poeta francês de grande atuação política em seu país, para quem “O pensamento é mais que um direito; é o próprio alento do homem.”
Na mesma senda as reflexões de Emilio Castelar y Ripoll, Político e escritor espanhol, penúltimo presidente da Primeira República Espanhola, para o qual, “Pensar é viver; o pensamento tudo abrange, tudo contém, tudo explica.”
Na mesma direção a célebre “Cogito, ergo sum”, de René Descartes, que, nada mais, nada menos, numa análise mais do que simplista e superficial, significa dizer: penso, logo tenho consciência de mim mesmo, logo sei de algo, de alguma coisa – sei da vida. Existo, enfim.
De tudo o que expus, despretensiosamente, devo reafirmar o óbvio: para pensar é preciso estar vivo. Todavia, estar vivo e não ser capaz de pensar, não ser capaz de nada edificar, a partir de um pensamento racional, é o mesmo que não ter existência.