Cuida-se de sentença absolutória, em face do crime de trânsito (homicídio culposo).
Em determinado excerto reafirmei, com a necessária ênfase, a inviabilidade de se prender e punir apenas para dar satisfação á sociedade, como se colhe dos fragmentos abaixo:
- Nenhum de nós, por mais que nos imaginemos acima do bem e do mal, está autorizado, a, no uso das nossas atribuições, agir desavisadamente, negligentemente, sem rumo e sem norte, desabridamente, em detrimento das garantias constitucionais de um acusado, por mais que ele possa parecer indigno aos nossos olhos.
- Punir o acusado, sem provas de que tenha sido negligente, imprudente ou imperito, é um destrambelho, um despautério, uma falta de respeito, pura e simplesmente, para com um cidadão de bem – até que se prove em contrário -, além de se traduzir em uma afronta aos mais comezinhos princípios que norteiam as decisões judiciais.
- É possível, sim, que o acusado, ao tempo do fato, desenvolvesse velocidade superior à permitida. É possível, sim, que estivesse embriagado. É possível, sim, que o acidente tenha ocorrido em face de sua imprudência. Mas é possível, também, que o acidente tenha sido provocado pelo condutor do fusca bege antes referido.
- Da velocidade excessiva, da embriaguez do acusado, da sua imprudência, inobstante, tinha que fazer prova o Ministério Público. Não o fazendo, deve suportar a inviabilidade de sua pretensão e a conseqüente absolvição do acusado.
- Nessa linha de argumentação, decidir pela condenação do acusado é o mesmo que decidir com base em suposições. E, a meu sentir o magistrado que decide, afastando-se do quadro de provas, apenas para dar uma satisfação à sociedade, não é digno do cargo que exerce.
PROCESSO Nº 127542002
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADO: W. S. C.
VÍTIMA: L. D. P.
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra W. S. C., devidamente qualificado nos autos, por incidência comportamental no artigo 302, caput, do Código de Trânsito brasileiro, em face de, no dia 03 de fevereiro de 2002, domingo magro de carnaval, por volta das 14h00, na avenida nos Africanos, sentido COHAB-Centro, passando por trás do 24º Batalhão de Caçadores, ter perdido e controle do veículo que dirigia, um Fiat/Uno Mille, cor vermelha, placa HPC-6159/Imperatriz(Ma), disso resultando que a vítima, que estava no banco do carona, sem cinto de segurança, foi projetada para fora do carro, em razão do que faleceu com múltiplas lesões.
A persecução criminal teve início mediante portaria (fls.07).
Exame cadavérico às fls.21.
Laudo de exame de pericial em local de ocorrência de trânsito com vítima fatal às fls. 54/56.
Recebimento da denúncia às fls. 03.
O acusado foi citado, qualificado e interrogado às fls. 86/87.
Defesa prévia às fls.149.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas W. D. P. (fls. 120), B. D. P.(fls. 121), M. DE F. F. (fls. 122), J. B. C.C.(fls. 123) e E. D. C. (fls. 137),
O MINISTÉRIO PÚBLICO não requereu diligências(fls. 144v.), bem assim a defesa.(fls.148)
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu a condenação do acusado nos termos da denúncia(fls. 150/151).
A defesa, de sua parte, pediu a absolvição do acusado, à alegação de que não foi o responsável pela ocorrência. (fls. 170/171)
Relatados. Decido.
No Direito Penal, sabe-se, o conceito de tipicidade (subsunção da conduta aos elementos do tipo) representa importante avanço, pois que concretiza, definitivamente, o princípio da reserva legal (artigo 5º, XXXIX e artigo 1º, do Codex Penal).
O tipo penal, nada obstante, não pode ter um significado puramente formal, devendo, por isso, ser aferido a partir de um necessário juízo de valor sobre o comportamento humano.
É bem de ver-se, com efeito, que só é típica a conduta que difere da normalidade social,ou seja, se penalmente relevante, abstraindo-se, portanto, as condutas socialmente aceitas e insignificantes, afinal minima non curat praetor.
Em decorrência da fragmentariedade e subsidiariedade, para ser típica, a conduta deve ser relevante, porque o Direito Penal só deve atuar até onde for necessário para a proteção do bem jurídico.
Cediço, assim, que se a ofensa ao bem jurídico tutelado for insignificante, o fato não é típico, razão pela qual o Estado não está autorizado a intervir penalmente.
A relevância da lesão deve, por isso, ser examinada a partir de cada caso concreto, sempre levando-se em conta a nocividade social da conduta, o desvalor da ação e do resultado, além do grau de lesividade ao bem jurídico tutelado, cumulados com a efetiva necessidade de aplicação da pena.
No caso sob retina, o Estado só interveio porque a conduta do acusado foi socialmente relevante e significativo o grau de lesividade, conclusões a se chega a partir dos critérios de nocividade e desvalor da ação e do resultado.
No artigo 302 do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO está definido o crime de homicídio culposo (preceptum iuris) e a pena prevista in abstracto para os seus transgressores (sanctio iuris), nos seguintes termos, verbis:
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
É consabido que a primeira figura penal que passou a ser regulada pelo CTB foi o homicídio culposo, que consiste na eliminação da vida de uma pessoa por ato de outra, através de uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência, negligência ou imperícia.
As modalidades de culpa podem ser traduzidas assim: a) na imprudência há a prática de ato perigoso; b) na negligência há falta de precaução ou cuidados; c) na imperícia, há uma omissão em aptidão técnica, teórica ou prática.
Aduzo que a imprudência é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. É a imprevisão ativa( culpa in faciendo ou in committendo). Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação.
Negligência é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessária, não o faz. É a imprecisão passiva, o desleixo, a inação (culpa in ommittendo). É não fazer o que deveria ter feito.
Imperícia é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício da arte, profissão ou ofício. Imperícia não se confunde com erro profissional. O erro profissional é um acidente escusável.
Os limites da norma imperativa encontram-se no poder de seu cumprimento pelo sujeito. Por isso, o dever de cuidado não pode ir além desses limites. A inevitabilidade do resultado exclui a própria tipicidade. Em outros termos, é indispensável que a inobservância do cuidado devido seja a causa do resultado tipificado como crime culposo.
A forma culposa de homicídio só restará tipificada se presentes estiverem os seguintes requisitos: a) comportamento humano voluntário; b)descumprimento de dever de cuidado objetivo;c) previsibilidade objetiva do resultado; d) morte involuntária.
A par dessas considerações e tendo a nortear esta decisão os comandos legais esculpidos no CTB e na Constituição Federal, passo ao exame das provas amealhadas nos autos, aqui considerados os dois momentos distintos da persecutio criminis.
W. S. C., qualificado nos autos, foi denunciado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, à alegação de ter ultrajado o preceito primário do artigo 302, do CTB, em face de, no dia 03 de fevereiro de 2002, domingo magro de carnaval, por volta das 14h00, na avenida nos Africanos, sentido COHAB -Centro, passando por trás do 24º Batalhão de Caçadores, ter perdido e controle do veículo que dirigia, um Fiat/Uno Mille, cor vermelha, placa HPC-6159/Imperatriz(Ma), disso resultando que a vítima, que estava no banco do carona, sem cinto de segurança, foi projetada para fora do carro, em razão do que faleceu com múltiplas lesões.
Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício amplo da defesa do acusado, sabido que o réu se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.
Tudo isso porque, sabe-se, ao magistrado é defeso julgar o réu por fato de que não foi acusada(extra petita ou ultra petita), ou por fato mais grave(in pejus), proferindo sentença que se afaste do requisitório da acusação.
A persecução criminal, no sistema acusatório brasileiro, em regra, se divide em duas etapas distintas, nas quais são produzidas as provas da existência do crime e de sua autoria – uma, a chamada fase administrativa (informatio delict) é procedimento meramente administrativo, cujo objeto de apuração se destina à formação da opinio delicti pelo órgão oficial do Estado; a outra, a nominada fase judicial (persecutio criminis in judicio), visa amealhar dados que possibilitem a inflição de pena ao autor do ilícito, garantido o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.
A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame do quadro de provas que se avoluma nos autos
Na primeira fase pontifica, com especial relevância, o exame cadavérico acostado às fls. 21, onde estão descritas as lesões que causaram a morte da ofendida L. D.P..
Da mesma sede avulta o interrogatório do acusado, o qual diz que o acidente com o veículo automotor que conduzia foi provocado por um fusca de cor bege, que atingiu o veículo que conduzia, disso resultando que perdeu o controle do carro, em face de ter estourado um pneu dianteiro. (fls. 29/30)
De se destacar, ademais, o depoimento de J. B. C. C., segundo o qual o acidente teria decorrido de uma disputa, com excessiva velocidade, entre o conduto do Fiat Uno Mille ( acusado) e o condutor de um fusca bege. (fls. 33/34)
Os jusperitos, vê-se do laudo de fls.54/57, não foram capazes de precisar as causas do acidente.
Examinada a prova administrativa, vislumbro, prima facie, que há prova da autoria, sem que se possa, até aqui, afirmar tenha sido o acusado imprudente, negligente ou imperito.
Faz-se necessário, portanto, por imperativo legal, continuar analisando o quadro probatório, para, alfim, chegar a uma conclusão definitiva acerca da ação réproba do acusado.
Encerrada a primeira fase, o Ministério Público, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial ( informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra o acusado imputando ao mesmo o malferimento do artigo 302, Código de Trânsito Brasileiro, fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.
Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emerge, o interrogatório do acusado(audiatur et altera pars) e a reprodução simulada do acidente.
O acusado, admitiu que estava na condução do veículo Fiat Uno Mille, de sua propriedade, reafirmando que o acidente foi provocado pelo condutor do veículo Fusca, cor bege, que foi ao seu encontro, fazendo-o perder o controle do veículo, que bateu no canteiro central e capotou.(fls.86/87)
Além do depoimento do acusado, desponta do acervo probatório o depoimento de W. D.P., irmão da vítima, o qual, de relevante, disse que, ao chegar no local da ocorrência, ainda se encontrava o acusado, com sinais de embriaguez alcoólica. (fls. 120)
Em seguida, foi ouvida a testemunha B. D. P., também irmão da vítima,o qual disse que viu no local do acidente uma garrafa de cerveja dentro de um isopor.(fls.121).
A mesma testemunha disse, outrossim, que chegou ao local antes de W. D. P., onde ouviu comentários de que o acusado estava bêbado e vinha discutindo com uma pessoa que conduzia um fusca.(ibidem)
Do mesmo patrimônio vejo o depoimento de M. DE F. F. que informou que, ao se aproximar do local do acidente, viu uma garrafa de cerveja dentro de um isopor.(fls.122)
J. B. C. C., de seu lado, disse que viu o acusado próximo ao local da ocorrência e, também, no mesmo local, próximo ao veículo Fiat, uma garrafa de cerveja.(fls. 123)
Finalmente, encerrando a instrução, foi inquirida a testemunha E. D. C., o qual nada informou de relevante que pudesse favorecer o deslinde da questão.(fls.137)
Devo dizer, de logo, sem delongas, sem enleio e sem meias palavras, que não há provas a autorizar a condenação do acusado.
A prova pericial, ad exempli, não é conclusiva. Limita-se a concluir que “a causa técnica determinante do evento foi a derivação à esquerda do veículo Fiat/Uno Mille, HPC 6159/MA, por motivos que estes signatários não podem precisar…”(cf. fls.57).
A prova testemunhal, da mesma forma, também nada conclui. Há, inclusive, afirmações contraditória acerca de um ponto fundamental, qual seja, acerca da embriaguez do acusado, como se verá a seguir.
Pois bem. É necessário que se diga que há, sim, forte suspeita de que o acusado tivesse ingerido bebida alcoólica. Há comentários, até, de que mostrasse sinais de embriaguez. Só isso. Nada mais. É muito pouco, ter-se-á de convir, para legitimar um decreto de preceito sancionatório.
As testemunhas, acerca da embriaguez do acusado, são contraditórias, disse-o acima. Assim é que W.D. P., ad exempli, disse que, ao chegar ao local do acidente, percebeu que o acusado estava embriagado. (cf. fls. 120), já seu irmão, B. D. P., também testemunha, que chegou antes ao local da ocorrência, disse que apenas ouviu comentários de que o acusado estava bêbado.(cf. fls. 121)
Mas adiante, B. D. P. disse que ouviu dizer que o acusado, no dia do fato, vinha discutindo com uma pessoa que conduzia um fusca.(cf. fls.121).
Essa afirmação da testemunha dá alguma sustentação à afirmação do acusado de que foi o condutor de um fusca quem provocou efetivamente o acidente, do que se infere que, também por isso, não pode ser condenado.
Não há dados, repito, capazes de fazer concluir que o acusado tenha provocado o acidente, por imprudência, negligência ou imperícia.
Não há dúvidas de que o acusado era o condutor do veículo Fiat envolvido no acidente e em cujo veículo se encontrava a vítima L. D. P.. Mas daí, só por isso, dizer que o acusado foi o responsável pelo acidente, há uma distância a ser percorrida.
É verdade que próximo ao veículo do acusado foi encontrava uma garrafa de cerveja e um isopor. Esse fato, nada obstante, não tem o condão de provar que o acusado estivesse embriagado ao tempo do fato.
Devo gizar que a mim me causou estupefação, depois do exame da prova, o pedido de condenação formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, pois que, em sedes judicial e administrativa, nenhuma prova, mínima que fosse, rarefeita que se apresentasse, demonstrou ter sido o acusado o responsável pela ocorrência, conquanto tenha sido um dos seus protagonistas.
Reconheço que sou muito rigoroso no trato dessas questões, pois que sou dos tais que não faz apologia da impunidade. Nenhum rigor, entrementes, por mais extremado que seja, é capaz de legitimar a edição de um decreto de preceito condenatório, sem que haja provas, mínimas que sejam, da responsabilidade penal do acusado.
Ao Estado, por seus agentes, se deferiu o poder de julgar os seus semelhantes, cujos agentes, nada obstante, não estão autorizados a exorbitarem de suas atribuições, máxime se essa exorbitância se traduz em arbítrio.
Malgrado tenha-se que admitir ter sido o acusado o condutor do veículo que no qual se encontrava a vítima fatal – fato confessado nas duas sedes em que se materializou a persecução criminal -, não se pode a ele atribuir a responsabilidade pelo que ocorreu, a considerar, claro, as provas produzidas, nas duas sedes da persecução criminal, com destaque, por razões óbvias, para as produzidas em sede judicial e para a prova pericial, amealhada em sede extrajudicial.
Depois de analisar o quadro de provas, reafirmo que fiquei estupefato com as conclusões do representante ministerial, ao pedir, alfim do libelo acusatório, a condenação do acusado.
Não sei, sinceramente, em quais provas o MINISTÉRIO PÚBLICO fincou as suas conclusões, mesmo porque as provas produzidas em sede judicial e as produzidas em sede administrativa são absolutamente inconsistentes.
É preciso ter presente – quando se analisa crimes desse matiz – que a figura delituosa em comento – homicídio culposo – decorre de acidente de trânsito com culpa, somente. Mas, claramente, o crime só restará tipificado quando provocado por imprudência, negligência ou imperícia, verificando-se aquela quando o acidente decorre por omissão de cautela, atenção ou diligência exigível de todos os seres humanos normais.
De concluir-se, à luz do exposto, que se não se conseguiu provar que houve desatenção, omissão de cautela ou falta de diligência por parte do condutor do veículo, não se há de falar, validamente, em responsabilidade penal.
Do exame da prova consolidada o que se vê, às claras, repito, a par, sobretudo, da prova pericial, é que a responsabilidade pelo acidente não restou demonstrada.
O poder dos agentes públicos não é ilimitado e nem pode ser arbitrário. Não se pune pelo prazer de punir, não se encarcera pelo desejo de encarcerar, não se infligi pena escorado em falsas premissas, em conjecturas, em incertezas e imprecisões.
Sé é verdade que a vítima sucumbiu diante do evento, se é verdade que teve subtraído o seu bem mais precioso – por isso mesmo tutelado pelo Direito Penal – não é menos verdade que o acusado não pode se ver privado de sua liberdade, para atender às idiossincrasias de quem quer que seja.
Nenhum de nós, por mais que nos imaginemos acima do bem e do mal, está autorizado, a, no uso das nossas atribuições, agir desavisadamente, negligentemente, sem rumo e sem norte, desabridamente, em detrimento das garantias constitucionais de um acusado, por mais que ele possa parecer indigno aos nossos olhos.
Punir o acusado, sem provas de que tenha sido negligente, imprudente ou imperito, é um destrambelho, um despautério, uma falta de respeito, pura e simplesmente, para com um cidadão de bem – até que se prove em contrário -, além de se traduzir em uma afronta aos mais comezinhos princípios que norteiam as decisões judiciais.
É possível, sim, que o acusado, ao tempo do fato, desenvolvesse velocidade superior à permitida. É possível, sim, que estivesse embriagado. É possível, sim, que o acidente tenha ocorrido em face de sua imprudência. Mas é possível, também, que o acidente tenha sido provocado pelo condutor do fusca bege antes referido.
Da velocidade excessiva, da embriaguez do acusado, da sua imprudência, inobstante, tinha que fazer prova o Ministério Público. Não o fazendo, deve suportar a inviabilidade de sua pretensão e a conseqüente absolvição do acusado.
Nessa linha de argumentação, decidir pela condenação do acusado é o mesmo que decidir com base em suposições. E, a meu sentir o magistrado que decide, afastando-se do quadro de provas, apenas para dar uma satisfação à sociedade, não é digno do cargo que exerce.
Não tenho dúvidas de que o acusado conduzia o veículo Fiat envolvido no acidente e no qual se encontrava a ofendida. Não tenho dúvidas de que o crime é um fato reprovável, por ser a violação de um dever de conduta, do ponto de vista da disciplina social ou da ordem jurídica. Não tenho dúvida, nada obstante, que “essa reprovação deixa de existir e não há crime a punir, quando, em face das circunstâncias que se encontrou o agente, uma conduta diversa da que teve não podia ser exigida do comum dos homens.”
O acusado, é possível supor, embora sem convicção, em face da precariedade de provas, diante do ação do condutor do veículo fusca nada pode fazer para evitar o acidente.
Não se deve perder de vista, no exame dessas questões, que, nos delitos culposos, o elemento subjetivo está imanente ao tipo, resultando dessa constatação que “a ação antijurídica só se enquadra na definição legal do delito quando, além de ser antecedente material do resultado, o tenha causado por culpa. O fato típico só se compõe, só se integra, quando o laço causal liga o evento a uma conduta culposa do agente. Por isso mesmo cabe à acusação demonstrar a ocorrência do elemento culpa na conduta do agente.”
Na mesma direção é a decisão segundo a qual ” nos delitos culposos, o elemento subjetivo está imanente ao tipo. Assim, a ação antijurídica só se enquadra na definição legal do delito quando, além de ser antecedente material do resultado, o tenha causado por culpa.”
Nos crimes culposos não se pode deslembrar, de mais a mais, que “a condição mínima da culpabilidade é a previsibilidade ou evitabilidade do resultado antijurídico, tendo-se em conta id quod plerunque accidit. Se o advento desse resultado exorbita da previsão e diligência do homo medius ( que é um imprescindível ponto de referência do Direito penal) e ainda que não se trate, rigorosamente, de caso fortuito, não há reconhecer-se um agente culpado ou incurso na reprovação jurídico-penal.”
Diante dessas assertivas, não se pode, francamente, reconhecer o acusado culpado, quando ele, ao que ressai do conjunto probatório, não foi o responsável pela ocorrência, embora, repito, tenha sido um dos seus protagonistas..
É preciso ter em conta que qualquer um de nós, ainda que promotor de justiça ou magistrado, diante da mesma situação – a considerarem-se verdadeiras as afirmações do acusado – não agiria de forma diferente, a menos que fôssemos dotados de premonição e de poderes sobrenaturais.
O acusado, ao que vislumbro do quadro de provas consolidado nos autos, não tinha como prevê e evitar o resultado antijurídico, pois que este exorbitou da previsão e diligência do homo medius, daí porque não se há de reconhecê-lo culpado.
Devo anotar, como o tenho feito em reiteradas decisões, que “é na previsibilidade dos acontecimentos e na ausência de precaução que reside a conceituação da culpa penal, pois é a omissão de certos cuidados nos fatos ordinários da vida, perceptíveis à atenção comum, que se configuram as modalidades culposas da imprudência e negligência.”
Não bastam, para imputabilidade do crime culposo, a ação, o resultado e o nexo causal material. É preciso que se demonstre, quantum sufficit, que o autor do fato tenha se descuidado dos fatos ordinários da vida. Se o acontecimento tem a marca da excepcionalidade, se se mostra extraordinário, de moldes a mostrarem-se imprevisíveis, não se há de cogitar de um decreto de preceito sancionatório.
Sem culpa, em casos que tais, não há pena. Sendo imprevisível o evento por ele não pode responder o agente. Somente se há de reconhecer o crime culposo quando a conduta voluntária ligada ao evento, necessariamente, produzir um resultado danoso não previsto, mas previsível.
No apuro da imprevidência culpável, há que se demonstrar, à mais não poder, que o agente tenha omitido as precauções exigidas por sua situação pessoal.
Reafirmo, ainda que o faça à exaustão, que a previsibilidade, em casos que tais, constitui o ponto nuclear da culpa. Sem ela, é bem de ver-se, torna-se impossível fundamentar ou justificar, como pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO, um juízo de culpabilidade ou reprovação. “E isso porque somente fundado na possibilidade de se prever o que não foi previsto, que se pode imputar a alguém não ter tido conduta que evitaria o resultado danoso.”
No caso sub examine, depois do exame percuciente da prova, posso afirmar, que está-se defronte de uma fatalidade, que não pode, por isso, autorizar a incriminação do acusado.
Ao que vislumbro do pedido de condenação formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, a sua postulação parece-me embasada em elementos fáticos diversos daqueles que presidiram os acontecimentos sub judice.
Além de tudo o mais que foi exposto, tem-se a favor do acusado a convicção de que há de analisar-se o critério de previsibilidade, informadora da culpa em sentido estrito, com uma certa flexibilidade, sob pena de motorista algum se livrar de uma sanção, pois que deles sempre se pode exigir, de rigor, com desprezo à realidade, a previsão de um acidente.
O substrato da culpa, embora seja a previsibilidade, “não há entender em sentido absoluto pena de, a contrario sensu, tornar impossível a absolvição do motorista em caso de atropelamento por imprudência do pedestre.”
Ao que infiro da postulação ministerial, o que ele pretende, em verdade, contrariando a lógica e o bom senso, é levar a previsibilidade até as últimas conseqüências. Ao réu cabia agir com a adoção de cuidados objetivos mínimos, como se espera de uma pessoa bem intencionada. Não se pode, contudo, exigir que aja como um ser sobrenatural, capaz de agir além do imaginável.
O trânsito de veículo há que ser regido pelo principio da confiança recíproca, em razão do que de cada um dos participantes do trafego se deve esperar que se atenham às regras e cautelas que de todos são exigidas. O pedestre não passa ao largo desse dever de cautela. O pedestre, a exemplo do motorista, tem o dever de, também, se comportar de maneira correta, observando as normas de trânsito.
É curial que tudo que não é fisicamente impossível é previsível. No que se referente ao trânsito, nada obstante, a previsibilidade há de ser temperada pelo princípio da confiança recíproca ” em razão do qual cada um dos envolvidos no trafego tem o direito de esperar que os demais se atenham ás regras e cautelas que de todos são exigidas.”
Não se pune por ilação. Não se pune por dedução. Em tema de delito culposo, ad exempli, a culpa deve ser provada acima de qualquer dúvida. Não é razoável que se puna alguém especulando acerca de sua responsabilidade. A condenação criminal não pode decorrer de um juízo de probabilidade. Precisa estar escudada, esteada em elementos que convençam o magistrado da culpa do agente pelo evento.
A simples infringência de uma norma, sem respaldo probatório roborante, não induz culpa, porque esta, sob qualquer hipótese, não pode ser presumida.
TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO,
JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA, , para, de conseqüência, absolver o acusado W. S. C., brasileiro, casado, soldado PM, filho de W. J. de D. C. e de V. S. M., residente e domiciliado na Travessa Santa Luzia, nº 42, Santo Antônio, nesta cidade, da imputação que lhe é feita, o fazendo com espeque no inciso VII, do artigo 386, do Digesto de Processo Penal.
Sem custas.
P.R.I.
Com o trânsito em julgado desta decisão, arquivem-se os autos, com a baixa em nossos registros.
São Luís, 12 de março de 2009.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Caro Dr. José Luíz,
Há muito venho acompanhando as fundamentadas Sentenças proferidas por V.Exa. e através destas crescendo não só profissionalmente mas como ser humano. Realmente me balizo em vossos fundamentos ao defender acusados injustamente como bem o senhor sabe.
Gostei da nova apresentação e sucesso sempre, pois mereces.
Ah, seja bem vindo depois das férias merecidas.