As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de homicídio culposo, na qual expendi considerações acerca da culpa da vítima, nos termos abaixo, verbis:

 

 

 

  1. Haverá concorrência de culpas quando dois indivíduos, um ignorando a participação do outro, concorrem, culposamente, para a produção de um fato definido como crime.
  2. In casu sub examine, é fácil entrever que a vítima contribuiu, também, para o resultado, ao atravessar um corredor de tráfego intenso, sem as cautelas devidas, o que, entrementes, não subtrai a acusada de responsabilização pela ocorrência, sabido que eventual culpa da vítima não exclui a do agente, pois que elas não se compensam. As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem. Somente a culpa exclusiva da vítima exclui a daquele, para quem, nesse caso, a ocorrência do evento teria sido pura infelicitas facti.
  3. A inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada, autoriza o decreto condenatório, para se evitar impunidades.
  4. Em se tratando de delito culposo, mister se faz a existência da prova plena e inconteste da imprudência, negligência ou imperícia, desprezando-se para tal presunções e deduções que não se estribem em provas concretas e induvidosas. O contexto probatório dos autos evidencia que a acusada dispunha de meios para evitar o gravame, não o fazendo, entretanto, porque desenvolvia velocidade incompatível com a via, fazendo aflorar a presença de provas do alegado na peça incoativa, subscrita pelo representante do órgão oficial do Estado, titular da ação penal pública.
  5. Tivesse agido a acusada dentro das expectativas impostas pelas normas de trânsito, não haveria que se falar em responsabilidade criminal pelo homicídio culposo que se viu materializar nos autos, porquanto o resultado lesivo dar-se-ia por influência de circunstâncias externas, alheias à sua vontade, cuja previsibilidade não era razoável exigir-se da maioria das pessoas que estivessem em idêntica situação.
  6. No tráfego viário, é ressabido, tem vigência o princípio da confiança, a ser observado pelos motoristas para a adequada aplicação recíproca das normas de direção, em homenagem à segurança na circulação de veículos. Deve-se, pois, confiar que o outro condutor segue as regulamentações e regras de trânsito, a fim de delimitar a esfera do previsível. 

 

 

 

 A seguir, a sentença, integralmente.

 

Processo nº 172652001
Ação Penal Pública
Acusada: P. L. C.
Vítima: J. N.

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra P. L. C., brasileira, solteira, estudante universitária à época do fato, filha de F. de A. N. C. e L. L. C. residente e domiciliada à Rua da Palha, 146, centro, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 302, parágrafo único, inciso III, do Código de Trânsito brasileiro, em face de, no dia 21 de setembro de 2001, quando conduzia o veículo Ford Focus GHIA, cor vermelha, placa HPI – 5502/MA, de propriedade da DUVEL-Distribuidora de Veículos e Peças LTDA, ter atropelado e matado – e deixado de prestar socorro – JOSÉ NINA, quando transitava em sua bicicleta na Avenida Carlos Cunha, no sentido Calhau-Centro, nas proximidades da Avenida Darcy Ribeiro, próximo a um chafariz, quando desenvolvia uma velocidade de 80(oitenta) Km/h.
A persecução criminal teve início mediante portaria (fls.09).
Exame cadavérico às fls.43.
Laudo de exame em local de acidente de tráfego com vítima fatal às fls.51/54.
Recebimento da denúncia às fls.96.
A acusada foi citada, qualificada e interrogada às fls. 100/101.
Defesa prévia às fls.149.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas T. DE J. M. S. (fls.138/140), R. DE C. C. C. (fls.141), E. N. DE S.(fls.142) e D. DE C. M. S. C. e D. DE C. M. S. C.(fls.143).
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu a condenação do acusado nos termos da denúncia(fls.168/175).
A defesa, de sua parte, depois do necessário exame da prova, pede, alfim, a absolvição da acusada, à alegação de que não agiu com culpa na produção do resultado, ou, alternativamente, que seja concedido à ré o perdão judicial (fls.142/143).
A defesa, pede, outrossim, diligência, para que se saiba qual a velocidade que desenvolvia a acusada(ibidem).

Relatados. Decido.

I –  A TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E DA LESIVIDADE. INTERVENÇÃO ESTATAL . OS CRITÉRIOS DA NOCIVIDADE E LESIVIDADE DA CONDUTA. O DESVALOR DA AÇÃO E DO RESULTADO.

No Direito Penal, sabe-se, o conceito de tipicidade (subsunção da conduta aos elementos do tipo) representa importante avanço, pois que concretiza, definitivamente, o princípio da reserva legal (artigo 5º, XXXIX e artigo 1º, do Codex Penal).
O tipo penal, nada obstante, não pode ter uma significado puramente formal, devendo, por isso, ser aferido a partir de um necessário juízo de valor sobre o comportamento humano.
É bem de ver-se, com efeito, que só é típica a conduta lesiva, a conduta que difere da normalidade social, se penalmente relevante, abstraindo-se, portanto, as condutas socialmente aceitas e insignificantes, afinal minima non curat praetor.
Em decorrência da fragmentariedade e subsidiariedade, para ser típica, a conduta deve ser relevante, porque o Direito Penal só deve atuar até onde for necessário para a proteção do bem jurídico.
Cediço, assim, que se a ofensa ao bem jurídico tutelado for insignificante, o fato não é típico, razão pela qual o Estado não está autorizado a intervir penalmente.
A relevância da lesão deve, por isso, ser examinada a partir de cada caso concreto, sempre levando-se em conta a nocividade social da conduta, o desvalor da ação e do resultado, além do grau de lesividade ao bem jurídico tutelado, cumulados com a efetiva necessidade de aplicação da pena.
No caso sob retina, o Estado só interveio porque a conduta da acusada foi socialmente relevante e significativo o grau de lesividade, conclusões a se chega a partir dos critérios de nocividade e desvalor da ação e do resultado.

II –  O TIPO PENAL EM COMENTO. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA. SUJEITOS DO DELITO. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. A CONSUMAÇÃO DO ILÍCITO, EM TESE.

No artigo 302 do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO está definido o crime de homicídio culposo (preceptum iuris) e a pena prevista in abstracto para os seus transgressores (sanctio iuris), nos seguintes termos, verbis:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

No parágrafo único, III, está descrita a qualificadora apontada na denúncia, litteris:

Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:

I-omissis;

II – omissis;

III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV – omissis.

É consabido que a primeira figura penal que passou a ser regulada pelo CÓDIGO DE TRÂNSITO foi o homicídio culposo, que consiste na eliminação da vida de uma pessoa por ato de outra, através de uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência, negligência ou imperícia.
As modalidades de culpa podem ser traduzidas assim: a) na imprudência há a prática de ato perigoso; b) na negligência há falta de precaução ou cuidados; c) na imperícia, há uma omissão em aptidão técnica, teórica ou prática.
Aduzo que a imprudência é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. É a imprevisão ativa( culpa in faciendo ou in committendo). Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação.
Negligência é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessária, não o faz. É a imprecisão passiva, o desleixo, a inação (culpa in ommittendo). É não fazer o que deveria ter feito.
Imperícia é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício da arte, profissão ou ofício. Imperícia não se confunde com erro profissional. O erro profissional é um acidente escusável.
Os limites da norma imperativa encontram-se no poder de seu cumprimento pelo sujeito. Por isso, o dever de cuidado não pode ir além desses limites. A inevitabilidade do resultado exclui a própria tipicidade. Em outros termos, é indispensável que a inobservância do cuidado devido seja a causa do resultado tipificado como crime culposo.
A forma culposa de homicídio só restará tipificada se presentes estiverem os seguintes requisitos: a) comportamento humano voluntário; b)descumprimento de dever de cuidado objetivo;c) previsibilidade objetiva do resultado; d) morte involuntária.
A dessas considerações e tendo a nortear esta decisão os comandos legais esculpidos no CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, passo ao exame das provas amealhadas nos autos, aqui considerados os dois momentos distintos da persecutio criminis.

III – OS FATOS E A DENÚNCIA. OS PRINCÍPIOS DA CORRELAÇÃO, AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO, COROLÁRIOS DO DUE PROCESS OF LAW. OBSERVÂNCIA DA REGRA “NARRA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS”

P. L. C., antes qualificada, foi denunciada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, à alegação de ter ultrajado o preceito primário do artigo 302, do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, com a qualificadora prevista no parágrafo único, III, do mesmo artigo, em face de, no dia no dia 21 de setembro de 2001, quando conduzia o veículo Ford Focus GHIA, cor vermelha, placa HPI – 5502/MA, de propriedade da DUVEL-Distribuidora de Veículos e Peças LTDA, ter atropelado e matado – e deixado de prestar socorro – JOSÉ NINA, quando transitava em sua bicicleta na Avenida Carlos Cunha, no sentido Calhau-Centro, nas proximidades da Avenida Darcy Ribeiro, próximo a um chafariz, quando desenvolvia uma velocidade de 80(oitenta) Km/h
Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício amplo da defesa da acusada, sabido que a ré se defende da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório.
Tudo isso porque, sabe-se, ao magistrado é defeso julgar a ré por fato de que não foi acusada(extra petita ou ultra petita), ou por fato mais grave(in pejus), proferindo sentença que se afaste do requisitório da acusação.

IV – AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO. AS FASES ADMINISTRATIVA E JUDICIAL. A INFORMATIO DELICTI E A OPINIO DELICTI. A PERSECUTIO CRIMINIS IN JUDICIO.

A persecução criminal, no sistema acusatório brasileiro, em regra, se divide em duas etapas distintas, nas quais são produzidas as provas da existência do crime e de sua autoria – uma, a chamada fase administrativa (informatio delict) é procedimento meramente administrativo, cujo objeto de apuração se destina à formação da opinio delicti pelo órgão oficial do Estado; a outra, a nominada fase judicial (persecutio criminis in judicio), visa amealhar dados que possibilitem, a inflição de pena ao autor do ilícito, garantido o livre exercício do contraditório e da ampla defesa.

V – AS PROVAS PRODUZIDAS NA PRIMEIRA FASE DA PERSECUTIO CRIMINIS. AS PROVAS EXTRAJUDICIAIS. A CONFISSÃO DOS CRIMES.

A par dos distintos momentos da persecução, passo ao exame do quadro de provas que se avoluma nos autos
Pois bem, a primeira fase, que não deve ser olvidada apenas porque inquisitória, teve início com a mediante portaria (fls.09).
Na fase administrativa ressai, com relevância, o depoimento da então indiciada P. L. C., que admite ter estado na direção do veiculo Ford Focus acima mencionado e que, imagina, desenvolvia a velocidade aproximada de 70Km/hora, quando, ex abrupto, apareceu um ciclista com a intenção de cruzar a avenida e, quando se deu conta o ciclista estava muito próximo, tendo freado o veículo assim que percebeu o perigo, tendo, no entanto, atingido o ciclista na parte lateral da bicicleta, tendo o corpo do mesmo sido atirado contra o capô do carro, subiu e foi de encontro ao para-brisa dianteiro(fls.21/22)
Na primeira fase pontifica, ademais, o EXAME CADAVÉRICO DA VÍTIMA, donde irrompe o “politraumatismo por acidente automobilístico”, como causa da morte, produzido por “instrumento de ação contundente”(fls.43).
Esquicha da mesma sede, ademais, o LAUDO DE EXAME EM LOCAL DE ACIDENTE DE TRÁFEGO COM VÍTIMA FATAL, donde jorra a conclusão de que”a causa técnica determinante do acidente foi a ausência de reação materializada de V1(Ford/Focus GHIA, placa HPI 5502 São Luis/MA, diante da entrada de V2(bicicleta) na sua frente de marcha, em virtude de V1, no momento da entrada de V2 na pista, encontrar-se fora da zona de não escapada” (fls. 61/64).
Da mesma prova pericial colho, ademais, das considerações técnicas-periciais, que no local da ocorrência não há “nenhum sinal de reação, antes do impacto entr V1 e V2, foi constatado na pista, do condutor de V1”. Vê-se, outrossim, que “a derivação à esquerda e as marcas de fricção pneumáticos na pista foram produzidas após o impacto entre os veículos” e que, finalmente, pelas avarias em V1, os senhores peritos concluem que ” o citado veículo trafegava com velocidade acima do permitido na via”(ibidem).
Além das provas acima mencionadas, várias testemunhas foram ouvidas na mesma fase – J. N. F. (fls.12), D. M. L. (fls. 19/20), J. L. G. (fls.30/31), R. DE C. C. C. (fls. 32/33), T. DE J. M. S. (fls.38/40), M. DO R. M. L. (fls.41/42) cujos depoimentos foram todos objeto de exame.
Examinada a prova administrativa, vislumbro, prima facie, que há indicações fortíssimas de que a acusada, imprimia velocidade bem superior à permitida, do que resultou a impossibilidade de evitar a colisão contra o veículo da vítima, malgrado tenha esta, também de forma imprudente, interceptado o veículo conduzido pela acusada.
Faz-se necessário, no entanto, por imperativo legal, continuar analisando o quadro probatório, para, alfim, chegar a uma conclusão definitiva acerca da ação réproba da acusada.

VI – A SEGUNDA FASE DA PERSECUÇÃO. A DENÚNCIA FORMULADA. DELIMITAÇÃO DA ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE DE AMPLA DEFESA E CONDTRADITÓRIO, COROLÁRIOS DO DUE PROCESS OF LAW.

Encerrada a primeira fase, o MINISTÉRIO PÚBLICO, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial ( informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra a acusada imputando à mesma o malferimento do artigo 302, CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, com a qualificadora do parágrafo único, III, do mesmo artigo, fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.
Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emerge, o interrogatório da acusada(audiatur et altera pars), além de provas testemunhais, que deverão ser examinadas, a tempo e hora.

VII – O EXAME DA PROVA JUDICIAL, O DEPOIMENTO DAS ACUSADA. RATIFICAÇÃO DOS TERMOS DOS DEPOIMENTOS TOMADOS EM SEDE EXTRAJUDICIAL. A PROVA TESTEMUNHAL.

Com antecipado acima, nesta sede foi ouvida a acusada P. L. C., a quais, a exemplo do que fizera em sede administrativa, admite ter colidido com o veículo da vítima, quando conduzida o veículo Ford Focus, GHIA, de placas HPI 5502/MA, de propriedade da DUVEL-Distribuidora de Veículos e Peças Ltda, na Avenida Carlos Cunha, no sentido Calhau-Centro, desenvolvendo uns 70(setenta)KM/hora (fls. 100/101).
A seguir, os principais fragmentos do depoimento da acusada, os quais, a meu sentir, reafirmam as conclusões que antecipei acima, quando conclui o exame das provas administrativas.
Pois bem.
Acusada, depois de admitir estar no veículo Ford/Focus acima mencionado, afirmou, litteris:

“…nas imediações do chafariz, que dá acesso à entrada da Av. Darci Ribeiro,(entrada do CEUMA), desenvolvendo mais ou menos uns 70 hm/h, quando viu já estava na frente do seu veículo, um ciclista, tendo naquele momento havido um impacto entre o veículo que dirigia e o ciclista que adentrava naquela pista de rolamento, tendo o mesmo caído em cima do capô daquele veículo, tendo o seu corpo com o impacto, quebrado o para-brisa e a metade do seu corpo, caído dentro do carro, entre os bancos da frente…”(fls.100/101)(Sic).

Mais adiante, em outro fragmento relevante, a acusada afirmou, litteris:

“…que naquele momento, desmaiou, não sabendo o que aconteceu com o veículo que dirigia; não sabendo informar quem prestou socorro para si e para a vítima, sendo que quando voltou a si, estava no hospital aliança…”(ibidem).

VIII – AS CONCLUSÕES A PAR DAS PROVAS ALBERGADAS NOS AUTOS. CONFISSÃO DA ACUSADA. IMPRUDÊNCIA E NEGLIGÊNCIA NO AGIR. TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL DA CONDUTA.

Devo, agora, expender considerações acerca da prova amealhada e, de conseqüência, do atuar réprobo da acusada, o fazendo a partir do depoimento da própria acusada e sua confrontação com as demais provas dos autos, para, alfim e ao cabo do exame, esparramar nesta decisão as minhas conclusões.
Pois bem.
Ante o quadro probatório descortinado nos autos, com destaque para prova pericial (LAUDO DE EXAME EM LOCAL DE ACIDENTE DE TRÁFEGO COM VÍTIMA FATAL às fls.61/64) e para a palavra da acusada P. L. C., não tenho dúvidas de que a ré, ao desenvolver velocidade superior à permitida, foi, sim, a responsável pelo acidente que culminou com a morte da vítima J. N..
Ação da acusada, posso afirmar, é típica, formal e materialmente. A ação da acusada é típica porque, além da subsunção formal, foi socialmente inadequada e potencialmente lesiva (fora da normalidade social), conclusão a que se chega, não é demais repetir, a par do quadro de provas que se avoluma nos autos.
Sabe-se, mas não custa referir, que, em decorrência da fragmentariedade e subsidiariedade, para ser típica, a conduta deve ter relevância, ou seja, o direito penal só deve atuar até onde necessário para proteção do bem jurídico. Se a ofensa ao bem jurídico é relevante – e o foi no caso sub examine – o fato é típico, estando o Estado, por isso, autorizado a intervir, como o fez aqui, efetivamente.
A conduta da acusada, no caso concreto, foi relevante, relevância aferida pelo critério da nocividade social da conduta, pelo desvalor da ação e do resultado, pelo grau de lesividade ao bem jurídico tutelado e pela necessidade de aplicação da pena.
O comportamente humano, para ser típico, é consabido, não só deve ajustar-se formalmente a um tipo legal de crime, como também ser ofensivo e socialmente reprovável.
In casu sub examine, a conduta da acusada se amolda, definitivamente, ao tipo penal mencionado na denúncia, pois que, com sua ação, atentou, significativamente, contra a ordem jurídica, como se verá, com mais vagar, a seguir.
Com efeito.
Pode-se ver, sempre a par dos fanecos do depoimento da acusada acima transcritos, que há absoluta sintonia entre o que afirmou – em ambas as sedes, registre-se – com o resultado da perícia técnica, daí a convicção de que, em verdade, ao colidir com o veículo da vítima, o fez porque desenvolvia velocidade superior à permitida e, também, porque, além de imprudente, a acusada foi negligente. Imprudente porque praticou uma conduta arriscada e perigosa – conduta imprudente, viu-se acima, é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação. A acusada foi negligente, ademais, porque foi displicente no agir, faltou-lhe precaução, porque, podendo adotar as cautelas necessária, não o faz. Negligente, porque foi desleixada, não fazendo o que deveria ter feito.
Recordo, à guisa de ilustração, que o jusperitos já tinham concluído que, no local da ocorrência não havia “nenhum sinal de reação na pista do condutor de V1 (in casu, a acusada), antes do impacto entre V1( Ford Focus) e V2 (bicicleta da vítima)”.( Os detalhes nos parênteses e os grifos não constam do original).
Recordo, ademais, que os mesmos técnicos concluíram, que “pelas avarias em V1, os signatários constaram que citado veículo trafegava com velocidade acima da permitida na via(Sublinhei, a propósito)
Os mesmos peritos, de mais a mais, concluíram que “a causa técnica determinante do acidente foi a ausência de reação materializada do condutor de V1(FORD/FOCUS GHIA, placa HPI-5502 São Luís/MA) diante da entrada de V2(bicicleta) na sua frente de marcha, em virtude de V1, no momento da entrada de V2 na pista, encontrar-se fora da zona de não escapada“(Sublinhei, a propósito)
Ora, é a própria acusada quem afirma, sem meias palavras, sem tergiversar, sem hesitar, sem titubeio, que, quando do impacto, desenvolvia mais ou menos uns 70(setenta)Km/h, do que resulta claro que, efetivamente, desenvolvia velocidade incompatível e muito superior ao permitido, tanto que sequer teve tempo de acionar os freios do veículo que conduzia.
Devo prosseguir, nada obstante as conclusões supra, examinando o depoimento da acusada.
Pois bem.
Em outro significativo naco, a acusada afirmou, ipsis verbis:

“…que aquele ciclista saiu da Avenida Darcy Ribeiro, tentando atravessar a pista de rolamento da Avenida Carlos Cunha, sendo que já havia ultrapassado as duas primeiras faixas, a da direita, a do meio e tentava atravessar a da esquerda, foi quando houve o impacto; diz P. que não viu em momento nenhum aquele ciclista…(ibidem).

Convenhamos, o depoimento da acusada é absolutamente contraditório e reafirmador de que, em verdade, foi imprudente e negligente pois que, ao mesmo tempo em que descreve a trajeto do ciclista, afirma que não o viu em nenhum momento, o que, concordemos, é uma despautério, um destrambelho, que só reafirma a conclusão de que foi imprudente e negligente, de sua ação resultando a morte do ofendido – desfecho fatal que, com cautela e prudência, poderia ter sido evitado.
A considerar que tenha visto o ciclista cruzar as vias da direita e do meio, sem acionar os freios, pode-se concluir que foi imprudente, ao prosseguir na mesma velocidade. A considerar que, em nenhum momento viu o ciclista, mais imprudente foi ainda, pois que não teve cautela e a atenção a que estava obrigada, em face das circunstâncias, já que lhe era exigível, na situação concreta em que se encontrava, um comportamento atento e cauteloso.
A acusada, além de imprudente, disse-o acima, foi, a meu sentir, negligente, tendo em vista que, no caso presente, foi displicente no agir, faltou-lhe a necessária precaução, pois que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o fez – a considerar que viu o ciclista cruzar as vias da direita e a do centro.
É bem de se ver, assim, que o resultado morte deu-se, seguramente, em face da inobservância pela acusada do cuidado devido.
A tentativa da acusada de atribuir a responsabilidade pelo acidente ao comportamento da vítima, não retira a sua responsabilidade, pois que foi, para dizer o mínimo, imprudente.
O TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL do Paraná, enfrentando situação de igual matiz, já decidiu, litteris:

APELAÇÃO CRIMINAL – HOMICÍDIO CULPOSO – INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 302, DO CTB – INOCORRÊNCIA – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – CULPA EXCLUSIVA DO RÉU – INOBSERVÂNCIA DO CUIDADO OBJETIVO EXIGIDO – IMPRUDÊNCIA CARACTERIZADA – PENA COERENTEMENTE FIXADA – ANÁLISE PONDERADA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL – MOTORISTA AUTÔNOMO – SUSPENSÃO DE DIRIGIR REDUZIDA – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – I. Conquanto pretenda o apelante se isentar, sustentando, na essência, que o acidente teria ocorrido em decorrência exclusiva da atitude inesperada da vítima, tal argumento, não descaracteriza a sua responsabilidade criminal pelo delito, vez que, comprovadamente agiu de forma imprudente. II. “Educação, incessante educação, é naturalmente a única solução do problema; mas enquanto ela vai avançando, teremos sempre que contar com a efetiva aplicação da Lei. ” (Ministro A. T. Vanderbilt, da Corte Suprema de Nova Jersey, citado in Revista dos Tribunais nº 14, abril-junho de 1.996, pg. 265). (TAPR – ACr 0266160-7 – (227745) – Mandaguari – 4ª C.Crim. – Rel. Juiz Lidio J. R. de Macedo – DJPR 04.02.2005) JCTB.302 JCP.59

IX – AINDA ANÁLISE DAS PROVAS. OFENDIDO QUE CONCORRE PARA O EVENTO. INEXISTÊNCIA DE COMPENSAÇÃO DE CULPAS EM MATÉRIA PENAL.

Haverá concorrência de culpas quando dois indivíduos, um ignorando a participação do outro, concorrem, culposamente, para a produção de um fato definido como crime.
In casu sub examine, é fácil entrever que a vítima contribuiu, também, para o resultado, ao atravesSar um corredor de tráfego intenso, sem as cautelas devidas, o que, entrementes, não subtrai a acusada de responsabilização pela ocorrência, sabido que eventual culpa da vítima não exclui a do agente, pois que elas não se compensam. As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem. Somente a culpa exclusiva da vítima exclui a daquele, para quem, nesse caso, a ocorrência do evento teria sido pura infelicitas facti.
A inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada, autoriza o decreto condenatório, para se evitar impunidades.
Em se tratando de delito culposo, mister se faz a existência da prova plena e inconteste da imprudência, negligência ou imperícia, desprezando-se para tal presunções e deduções que não se estribem em provas concretas e induvidosas. O contexto probatório dos autos evidencia que a acusada dispunha de meios para evitar o gravame, não o fazendo, entretanto, porque desenvolvia velocidade incompatível com a via, fazendo aflorar a presença de provas do alegado na peça incoativa, subscrita pelo representante do órgão oficial do Estado, titular da ação penal pública.
Tivesse agido a acusada dentro das expectativas impostas pelas normas de trânsito, não haveria que se falar em responsabilidade criminal pelo homicídio culposo que se viu materializar nos autos, porquanto o resultado lesivo dar-se-ia por influência de circunstâncias externas, alheias à sua vontade, cuja previsibilidade não era razoável exigir-se da maioria das pessoas que estivessem em idêntica situação.
No tráfego viário, é ressabido, tem vigência o princípio da confiança, a ser observado pelos motoristas para a adequada aplicação recíproca das normas de direção, em homenagem à segurança na circulação de veículos. Deve-se, pois, confiar que o outro condutor segue as regulamentações e regras de trânsito, a fim de delimitar a esfera do previsível.
A propósito do afirmado acima, leia-se, com proveito as decisões abaixo, verbis:

APELAÇÃO – HOMICÍDIO CULPOSO – DELITO DE TRÂNSITO – RESPONSABILIDADE DO RÉU – AMPLO CONJUNTO PROBATÓRIO – CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – SUSPENSÃO DA CARTEIRA DE HABILITAÇÃO – PENA CUMULATIVA – PROPORCIONALIDADE COM A PRIVATIVA DE LIBERDADE – A inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada nos autos, autoriza o decreto condenatório, para se evitar impunidades. Tratando-se do crime previsto no art. 302 da Lei nº 9.503/97, a fixação do prazo de suspensão da habilitação para dirigir veículo deve ser diretamente proporcional à infração cometida quando não houver justificativa para a imposição de prazo maior. (TAMG – AP 0400866-6 – (87507) – Nova Lima – 2ª Cam.Mista – Relª Juíza Maria Celeste Porto – J. 07.10.2003)

No mesmo sentido:

ACIDENTE DE TRÂNSITO – ATROPELAMENTO DE CICLISTA – HOMICÍDIO CULPOSO – VELOCIDADE INCOMPATÍVEL COM A VIA – IMPRUDÊNCIA CARACTERIZADA – SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR – FIXAÇÃO – PROPORCIONALIDADE – Viola o dever de cuidado objetivo o condutor que, desenvolvendo velocidade incompatível com a permitida para a via, colhe ciclista que atravessava a pista. Na conformidade do previsto nos artigos 302, c/c 293, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, a suspensão temporária da carteira nacional de habilitação é pena cumulativa com a pena privativa de liberdade e, tendo esta sido fixada no mínimo legal, o mesmo deve ocorrer com a suspensão, pois a sua fixação é regulada pelos mesmos parâmetros – art. 59, do Código Penal. Recurso parcialmente provido. (TAMG – AP 0406780-5 – (87512) – Viçosa – 2ª Cam.Mista – Rel. Juiz Antônio Armando dos Anjos – J. 07.10.2003) JCP.59

Acima consignei que em matéria penal não há compensação de culpas.
Veja-se, a seguir, decisões no mesmo diapasão, litteris:

CRIME DE TRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO – COMPENSAÇÃO DE CULPAS – IMPOSSIBILIDADE “PENAL E PROCESSUAL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO – Agente que, ao cruzar rodovia preferencial não toma as devidas cautelas, vindo cortar bruscamente a frente de uma motocicleta, causando a morte do condutor – Culpa caracterizada – Inadmissibilidade de compensação de culpas em matéria penal – Adequação da pena de suspensão do direito de dirigir – Recurso parcialmente provido. Em direito penal não há compensação de culpas. A pena de suspensão do direito de dirigir veículo automotor deve ser fixada de acordo com o art. 68 do Código Penal, nos termos do art. 291 do código de trânsito brasileiro.” (TJSC – ACr 2003.010352-0 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Amaral e Silva – DJSC 17.08.2004 – p. 38)

No mesmo sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL – TRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA – ABSOLVIÇÃO – Se as provas dos autos atestam que a causa do acidente decorre de conduta imprudente e exclusiva de ciclista que não respeita as normas de trânsito, impende absolver o réu se este não concorre para o infortúnio. Não há compensação de culpas no Direito Penal, o que não impede a exclusão da culpabilidade por ato isolado do vitimado. Apelo provido para absolver o réu. (TAMG – AP 0419558-8 – (85642) – Uberaba – 1ª Cam.Mista – Rel. Juiz Ediwal José de Morais – J. 03.12.2003)

X – A QUALIFICADORA APONTADA NA DENÚNCIA. OMISSÃO DE SOCORRO. SITUAÇÃO EMOCIONAL DA ACUSADA. IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO.

O MINISTÉRIO PÚBLICIO alega, na prefacial, que a acusada, além de ter agido de forma imprudente, deixou de socorrer a vítima, pelo que postula a majoração da resposta penal, em face do disposto no parágrafo único, III, do artigo 302, do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO.
A mim não me ocorre tenha se tipificado a qualificadora.
Explico.
A testemunha R. DE C. C. C., médica que atendeu a acusada, logo após o crime, descreveu, em detalhes, o estado emocional da acusado depois do acidente(fls.141).
A referida testemunha – médica, registre-se – afirmou que a acusada chegou no Hospital Aliança muito nervosa, chorando muito e em estado de choque(ibidem).
A meu ver, diante desse quadro, não era razoável que se exigisse da acusada que prestasse socorro à vítima, pois que necessitava, também, de socorro médico.
Diante da situação emocional em que se encontrava a acusada, resta claro que não tinha a mais mínima condição de prestar socorro, mesmo porque ela também necessitava ser socorrida, daí ocorrendo situação incompatível com a qualificadora apontada na incoativa.
Os Tribunais, registre-se, têm compreendido a quaestio na mesma senda, como se colhe da decisão a seguir transcrita, litteris:

APELAÇÃO CRIMINAL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – LESÕES CORPORAIS LEVES – QUEBRA DO DEVER OBJETIVO DE CUIDADO – COMPROVAÇÃO – OMISSÃO DE SOCORRO – OCORRÊNCIA – Apelo desprovido Age com culpa o condutor de veículo que faz manobra sem observar os cuidados necessários, de forma imprudente e negligente, dando causa ao acidente. Ocorre a omissão de socorro quando o motorista atropelante abandona o local sem tentar socorrer a vítima inexistindo impedimento plausível ou risco pessoal. ” (TAPR – ACr 0266808-2 – (225470) – Cornélio Procópio – 2ª C.Crim. – Rel. Juiz Conv. Joatan Marcos de Carvalho – DJPR 10.12.2004)

No mesmo sentido:

PENAL – APELAÇÃO – HOMICÍDIO CULPOSO E LESÃO CORPORAL NO TRÂNSITO – EXAME DE INSANIDADE MENTAL – FALTA DE INTIMAÇÃO PARA A FASE DO ART. 499 DO CPP – OMISSÃO DE SOCORRO – SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO – 1) O momento oportuno para a alegação de nulidade do processo, – por falta de intimação da defesa para se manifestar na fase do art. 499 do CPP, – é nas alegações finais. 2) Afasta-se a omissão de socorro quando o acusado, logo após acidente de trânsito, é acompanhado por policial ao posto de saúde, por também necessitar de atendimento médico. 3) Fixada a pena de suspensão de habilitação para dirigir em um ano, sem a devida fundamentação, a redução deve ser feita para o limite mínimo de dois meses, previsto no art. 293, caput, da Lei nº 9.503/97. 4) Apelo parcialmente provido. (TJAP – ACr 179404 – (6767) – C.Única – Rel. Des. Carmo Antônio – DOEAP 02.06.2004 – p. 22) JCPP.499 JCTB.293

No mesmo diapasão:

APELAÇÃO CRIMINAL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – LESÕES CORPORAIS LEVES – QUEBRA DO DEVER OBJETIVO DE CUIDADO – COMPROVAÇÃO – OMISSÃO DE SOCORRO – OCORRÊNCIA – Apelo desprovido Age com culpa o condutor de veículo que faz manobra sem observar os cuidados necessários, de forma imprudente e negligente, dando causa ao acidente. Ocorre a omissão de socorro quando o motorista atropelante abandona o local sem tentar socorrer a vítima inexistindo impedimento plausível ou risco pessoal. (TAPR – ACr 0266808-2 – (225470) – Cornélio Procópio – 2ª C.Crim. – Rel. Juiz Conv. Joatan Marcos de Carvalho – DJPR 10.12.2004).

XI – O PERDÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. RÉ QUE NÃO FOI ATINGIDA GRAVEMENTE PELO EVENTO. NECESSIDADE DE PUNIÇÃO.

No Código Penal comum, o perdão judicial, genericamente previsto no art. 107, IX, como causa extintiva da punibilidade, é permitido, dentre outros, nos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa (arts. 121, § 5º, e 129, § 8º).
Resta saber, assim, se é admissível o perdão judicial nos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa descritos no CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (arts. 302 e 303 da Lei 9.503, de 23.09.1997).
A questão é controvertida. De minha parte, até que me convença do contrário, entendo que não.
Explico.
O art. 300 do Projeto de Lei do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, que o admitia, foi vetado pelo Sr. Presidente da República. Se o texto original do Projeto era permissivo, vetado, a Lei nova, não o prevendo, proíbe sua aplicação. Além disso, o art. 291, caput, do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO determina a incidência subsidiária das “normas gerais” do Código Penal e o perdão judicial está enunciado na Parte Especial.
Digo mais. Nos termos do art. 107, IX, do Código Penal, o perdão judicial só é permitido “nos casos previstos em lei”. E não está disciplinado no CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. Essa causa extintiva da punibilidade é de aplicação restrita aos casos legais, não se estendendo a todas as infrações penais, recaindo, pois, somente sobre aquelas especificamente indicadas na lei (TACrimSP, Acrim 629.929, RJDTACrimSP 10/122; JTARS 64/65).
Como suso registrado, há Tribunais que entendem que pode ser concedido o perdão judicial em casos desse matiz, como se vê abaixo, verbis:

CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. PERDÃO JUDICIAL. CONCESSÃO NOS CRIMES PREVISTOS NA LEI Nº 9.503/97. ADMISSIBILIDADE: – O PERDÃO JUDICIAL É APLICÁVEL AOS CRIMES DE TRÂNSITO DA LEI Nº 9.503/97, UMA VEZ QUE TAL DIPLOMA LEGAL POSSIBILITA, EM SEU ART. 291, A APLICAÇÃO DAS NORMAS GERAIS DO CÓDIGO PENAL, COMO É O CASO DO INCISO IX DO ART. 107 DO CP, QUE PREVÊ A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO PERDÃO JUDICIAL. (Recurso : RECURSO SENTIDO ESTRITO Processo : 1203623 / 7 Relator : SILVÉRIO RIBEIRO Órgão Julg.: 2. CÂMARA Votação : VU
Data : 08/06/2000 ).

Abstraindo a controvérsia, ainda que fosse viável, de jure constitute, o perdão judicial, há um outro motivo insuperável para não concessão do perdão judicial.
Com efeito.
Não consta dos autos que a acusada tenha sido atingida gravemente pelo evento resultante de sua culpa ou quando tenha sofrido dano muito maior do que o causado a terceiros, a demonstrar ser desnecessária sua punição.
Os Tribunais vêm decidindo no mesmo sentido:

DELITO DE TRÂNSITO – HOMICÍDIO CULPOSO – AMPLO CONJUNTO PROBATÓRIO – IMPRUDÊNCIA E NEGLIGÊNCIA – ABSOLVIÇÃO – PERDÃO JUDICIAL – IMPOSSIBILIDADE – SUSPENSÃO DA CARTEIRA DE HABILITAÇÃO – PENA CUMULATIVA – PROPORCIONALIDADE COM A PRIVATIVA DE LIBERDADE – A inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada nos autos, autoriza o decreto condenatório, para se evitar impunidades. – O perdão judicial somente deve ser admitido quando o agente for atingido gravemente pelo evento resultante de sua culpa ou quando tenha sofrido dano muito maior do que o causado a terceiros, demonstrando ser desnecessária sua punição. – Tratando-se do crime previsto no art. 302 da Lei nº 9.503/97, a fixação do prazo de suspensão da habilitação para dirigir veículo deve ser diretamente proporcional à infração cometida quando não houver justificativa para a imposição de prazo maior. (TAMG – AP 0400819-7 – (87509) – Belo Horizonte – 2ª Cam.Mista – Relª Juíza Maria Celeste Porto – J. 14.10.2003).

XII – A TESE DA DEFESA. ENFRENTAMENTO. DESNECESSIDADE DE ENFRENTAR-SE PONTO A PONTO. DECISÃO QUE, IMPLICITAMENTE, DEFENESTRA A TESE DA DEFESA. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE.

É possível, sim, que, em sede recursal, a defesa aponte alguma mácula na decisão que ora se edita, à alegação de que não foram enfrentados, ponto por ponto, os argumentos esparramados nas alegações finais.
Devo dizer, a propósito, que, segundo reiteradíssimas decisões pretorianas, não se faz necessário o enfrentamento particularizado dos pontos versados pela defesa, se a sentença hostiliza, implicitamente, as teses apresentadas.
Confira-se, com efeito, a ementa abaixo, verbis:

SENTENÇA – Alegação de que o Magistrado deixou de apreciar teses levantadas pela Defesa em alegações finais – Nulidade – Inocorrência – Hipótese:- Inocorre nulidade da sentença, por suposta não apreciação, pelo Magistrado, de teses levantadas pela Defesa, em suas alegações finais, se o Juiz, ao formar seu convencimento e elaborar sua decisão, não respondeu, ponto a ponto, a todos os argumentos mas, na estrutura final, desenvolveu adequadamente a prestação jurisdicional solicitada, afastando, implicitamente, as teses apresentadas.( Apelação nº 1.305.327/9 – São Paulo – 11ª Câmara – Relator: Pires de Araújo – 24.6.2002 – V.U. (Voto nº 7.263)

No mesmo sentido:

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76 – SENTENÇA – NULIDADE – NÃO APRECIAÇÃO DE TESE DA DEFESA – ILICITUDE DE PROVAS – I – A sentença que, ao acolher a tese da acusação, contém satisfatória menção aos fundamentos de fato e de direito a ensejar o Decreto condenatório, não é nula, apenas pelo fato de não se referir explicitamente à tese da defesa, mormente se, pela sentença condenatória, restou claro que o Juiz adotou posicionamento contrário. (Precedentes). II – In casu, se a r. Sentença penal condenatória reputou válido o flagrante, nos termos do do art. 5º, XI da Constituição Federal, automaticamente afastou a tese da defesa de ilicitude das provas obtidas, em razão da ausência de mandado judicial. Writ denegado. (STJ – HC 34618 – SP – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 13.12.2004 – p. 00388) JCF.5 JCF.5.XI

XIII –  PEDIDO DE DILIGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. FASE SUPERADA. DILIGÊNCIA, ADEMAIS, MERAMENTE PROTELATÓRIA. VERDADE REAL QUE ASSOMA NOS AUTOS.

Devo, agora, antes do dispositivo, expender considerações acerca do pedido de diligência formulado pelo procurador da acusada em sede de alegções finais(memoriais).
A mim me ocorre que o pedido não tem procedência, razão pela qual deve ser indeferido. A uma, porque formulado serodiamente. A duas, porque se apresenta como expediente meramente protelatório. A três, porque ao juiz a lei confere o poder discricionário de deferir, ou não, o pedido formulado e, a quatro, porque a verdade material, como se viu acima, já irrompeu por inteiro.

XIV –  O DECISUM. A PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. ACUSADA QUE FEZ SUBSUMIR A SUA AÇÃO NO TIPO PENAL EM COMENTO. A RESPOSTA PENAL.

Tudo posto, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, para, de conseqüência, condenar a acusada P. L. C., antes qualificada, por incidência comportamental no artigo 302 do Digesto de Trânsito, cuja pena-base fixo em dois anos de detenção e suspensão da carteira de habilitação por 02(dois) meses, penas que torno definitivas, à falta de circunstancias e/ou causas que possam modificar o quantum, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis.
Anoto que a pena-base foi fixada no mínimo legal, daí por que deixei de considerar eventuais circunstâncias atenuantes e, pela mesma razão, deixei de fazer alusão às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, sem que da omissão resulte qualquer nulidade, à falta de prejuízo.

XV – A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE.

A acusada faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois que a) a pena privativa de liberdade não é superior a quatro anos, b) a acusada não é reincidente; c) o crime foi praticado com violência contra a pessoa, mas é culposo; e d) as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP lhe são favoráveis.
Assim sendo, substituo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade(artigo 43, IV, do CP), cujo programa deverá ser definido no juízo da execução, ex vi do artigo 149, I, da LEP.

Antevendo a possibilidade de se argumentar, em sede recursal, que o crime em comento não comporta a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, devo dizer que aqui se cuida de crime culposo, em razão do que não há impedimento legal para concessão do favor legis.
Os Tribunais têm decidido na mesma senda, como se colhe da ementa abaixo, verbis:

DIREITO PENAL – RECURSO ESPECIAL – HOMICÍDIO CULPOSO – SURSIS PROCESSUAL – Substituição da pena. Pena mínima. I – Todos os delitos culposos (materiais, formais ou de mera conduta, bem assim, ao de dano ou de perigo) podem receber o benefício da substituição qualquer que seja a pena, desde que preenchidos os requisitos específicos (com destaque ao inciso II do art. 44 do CP). A limitação de 4 anos de pena privativa de liberdade e a inocorrência de violência ou grave ameaça diz com os delitos dolosos. II – Se a pena base foi fixada no mínimo legal, a substituição não pode ser obstada pela inobservância das condições do sursis processual (arts. 44, inciso III e 59 do CP). Recurso provido. (STJ – RESP 442346 – RJ – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 01.12.2003 – p. 00391) JCP.44 JCP.44.II JCP.44.III JCP.59.

P.R.I.

Custas, pela acusada.
Transitada em julgado esta decisão, intime-se a acusada para que faça a entrega, em 48(quarenta e oito) horas a Carteira de Habilitação,
No mesmo passo, comunique-se a apreensão da Carteira de Habilitação ao Conselho Nacional de Trânsito e ao órgão de trânsito do Estado em que a acusada for domiciliada ou residente.
Encaminhem-se os presentes autos à Vara de Execução, com a baixa em nossos registros.

São Luís, 23 de maio de 2005.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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