No Jornal Pequeno

Abaixo, o artigo publicado, neste domingo, dia 04, no Jornal Pequeno. Nele reflito sobre a insensatez dos que, numa corporação, não aceitam as posições dos seus pares.

O bom  juiz Magnaud

José Luiz Oliveira de Almeida*

Todos temos consciência que não é possível agradar a todo mundo, durante todo tempo. Aqui e acolá, deve-se compreender,  adotamos posições – ou decidimos, no casos dos magistrados –  sobre algo que resulta por desagradar, afinal, não somos pagos para ser simpáticos e nem para decidir de acordo com o que acha a maioria.

A verdade é que, no caso específico do Poder Judiciário,  não fazemos parte de uma confraria de querubins. Somos, ao reverso, de carne, osso e alma – igualzinho a você, leitor amigo.  Todavia, quando decidimos, não devemos ter a preocupação de seguir a corrente dos descontentes.

Não somos, como lembra Luis Roberto Barroso, seres sem memória e sem desejos, pois que, ainda que tentemos, nunca conseguiremos, nas nossas relações, nos libertar do nosso inconsciente e das nossas ideologias, que acabam por interferir nos juízos de valor que formulamos.

Nessa senda convém destacar a lição de Eugenio R. Zaffaroni, segundo o qual o juiz eunuco político é uma ficção absurda, uma imagem inconcebível, uma impossibilidade antropológica.

É insustentável, pois, pretender que um juiz não seja cidadão, que não participe de certa ordem de ideias, que não tenha uma compreensão do mundo, uma visão da realidade.(Eugenio R. Zaffaroni)

Nessa perspectiva avulta, com singular importância, ademais,  as reflexões do professor Aury Lopes Júnior, para quem o juiz não tem que ser um sujeito representativo, posto que nenhum interesse ou vontade que não seja a tutela dos direitos subjetivos lesados deve condicionar seu juízo – nem sequer o interesse da maioria, arremata.

Numa corporação as dificuldades, as incompreensões acerca das posições que assumimos são muito mais marcantes. É que, algumas vezes, há os que “exigem”  de nós, ainda que sutilmente,  a assunção de posições que, por convicção, entendemos não devamos assumir.

Não raro, pois, em face de uma posição assumida, num ambiente corporativo,  nos deparamos com um olhar atravessado, com uma descortesia, uma falta de atenção, a nos induzir à reflexão sobre algo que fizemos ou deixamos de fazer, numa busca frenética para entender onde “erramos”(na concepção do colega, claro), o que fizemos para merecer o desprezo de um confrade.

É claro que o ideal mesmo seria que, numa confraria, vivêssemos em permanente harmonia,  e que os colegas não “cobrassem” dos pares – ainda que disfarçadamente, repito –  posições que não podemos assumir.

Não é isso, nada obstante, que acontece na maioria das confrarias. Ainda que seja apenas pela indiferença, pelo olhar de desprezo e reprovação, sentimos quando somos “acusados” por uma posição assumida, ou quando não fomos capazes de atender às expectativas de algum membro da corporação.

Essa situação, para mim, é inquietante, sobretudo porque, desde a minha compreensão, corporação, sobretudo de magistrados,  não é lugar para se fazer amigos, nada obstante, excepcionalmente, isso possa ocorrer – como, de fato, acontece.

A verdade é que ninguém tem o direito de  condenar um colega, ainda que o seja de forma velada, em  face de uma posição assumida, pois, tenho reiterado, é necessário que, no exercício do honroso mister,  tenhamos total liberdade de formar as nossas próprias  convicções, sem nenhuma preocupação com o mau-humor de quem quer que seja.

As decisões de um magistrado, tenho dito, repetidas vezes,  só se legitimam se ele não aceitar se  submeter a incursões  exógenas que lhes quebrantem a imparcialidade, conquanto tenha-se que admitir ser inviável, algumas vezes,  a sua neutralidade absoluta diante das questões postas à sua consideração.

Paul Magnaud, magistrado francês, que viveu de 1848 a 1926,  foi presidente do Tribunal de Cahtêau-Thierry, tendo se tornado mundialmente conhecido como “o bom juiz Magnaud’, em face das suas decisões, nas quais privilegiava a equidade, ainda que tivesse que decidir contra legem.

Todavia, ainda assim – ou até mesmo por isso – ,  tinha desafetos e críticos inclementes.

Os seus admiradores sublinhavam a sua honra e vocação para Justiça; os desafetos, por outro lado, diziam que ele decidia contra lei, que era panfletário e excedia os limites da função jurisdicional.

Como se pode ver, ninguém consegue agradar a todos.

Longe de mim comparar-me a Paul Magnaud. Não posso deixar, todavia, de consignar que as incompreensões –  por parte de uns poucos, é verdade –  em face das minhas posições me deixam agastado, como, decerto, agastavam o “bom juiz”.

Ninguém é obrigado a seguir a minha linha de pensamento. Mas compreendo que todos têm a obrigação de respeitar as minhas posições. É o mínimo que espero de pessoas tidas por civilizadas.

Na última sessão do Pleno, tive a oportunidade de verberar que os meus pares têm que se acostumar com as minhas estridentes manifestações. É que, disse-lhe e repito agora, só sei ser intenso, embalado e levado pelas minhas mais empedernidas convicções.

Se é certo que, com essa postura, posso galvanizar mais antipatia no âmbito da corporação, não é menos certo que, sendo assim, deixo em paz a minha consciência e não violento a minha já sedimentada maneira de ser e viver.

É membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão

Blog – www.joseluizalmeida.com

E-mail: jose.luiz.almeia@globo.com

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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